Friday, September 11, 2009

Ibisfilmes 12.º 6.ª

Seguem-se os microfilmes em torno de poemas de Pessoa, por alunos do 12.º 6.ª. As instruções para estes ibisfilmes estão aqui. O conjunto de poemas tratados está aqui.
Por razões de logística (ter à mão certos livros, e outros não, por exemplo), não cumpro a exacta ordem de chegada dos filmes (que me desculpem se houver alguém dos primeiros a entregarem que não seja de imediato contemplado com comentário).
[Links para filmes dos anos anteriores: Melhores bibliofilmes; Melhores publifilmes; Melhores egafilmes; Melhores microfilmes autobiográficos. Bibliofilmes: 10.º 1.ª; 10.º 2.ª; 10.ª 4.ª; 10.º 5.ª; 10.º 6.ª; Egafilmes: 11.º 1.ª; 11.º 2.ª; 11.ª 4.ª; 11.ª 5.ª; 11.º 6.ª; Publifilmes: 11.º 1.ª; 11.º 2.ª; 11.º 4.ª; 11.º 5.ª; 11.º 6.ª; Microfilmes autobiográficos: 10.º 1.ª; 10.º 2.ª; 10.º 4.ª; 10.º 5.ª; 10.º 6.ª.]


Tomé


«Esta tarde a trovoada caiu» (Alberto Caeiro)
http://arquivopessoa.net/textos/1475
Tomé (16) Expressão oral Um problema que põe a leitura de Caeiro é não se poder enfatizar o que, aparentemente — não fora tratar-se de Alberto Caeiro —, exigiria uma interpretação dramatizada, entusiasmada, histriónica. Tomé, a certa altura, cedeu ligeiramente a essa sobreinterpretação, aceitável se se tratasse de outro mas não com o ingénuo, calmo, natural Caeiro. (Caeiro dirá as exclamativas quase sem exclamar; as máximas sairão pouco imperativas; etc.). O poema obrigava a uma leitura mais simplesmente murmurada, de quem fala para si próprio, menos declamada. Esse menor volume da voz teria permitido também cumprir mais fluidamente as séries longas (aqui e ali, o fôlego quase que falta). De qualquer modo, não há nunca erros de leitura (quer de entoação quer de pronúncia). É uma leitura correcta, embora menos natural do que o ideal. Concepção Enquanto passam imagens fixas (que, salvo erro, são do próprio autor — ou, pelo menos, foram reunidas propositadamente, e revelam, com efeito, boa técnica e arte), vai-se ouvindo a leitura do poema de Caeiro. Vai-se também ouvindo o som da chuva (e da água a correr), o que valoriza a sensação caeiriana, como se fôssemos transportados para um verdadeiro ambiente campestre. (Devo dizer que, quando achei que o som da chuva estava muito bem recolhido, nem me lembrava de que já tinha sido prevenido de que esse som era produzido por meios inesperados. Só quando vi o genérico final me apercebi de que se trata de sons produzidos por mãos e pés. Não gabo o processo por ser engenhoso, mas porque, com efeito, a chuva que se ouve parece mais natural que a própria chuva.) Todo o filme revela bom gosto, coerência, uma simplicidade final que só se consegue com boa planificação. Pessoa Autógrafo
http://purl.pt/1000/1/alberto-caeiro/obras/bn-acpc-e-e3/bn-acpc-e-e3_item87/P1.html ; http://purl.pt/1000/1/alberto-caeiro/obras/bn-acpc-e-e3/bn-acpc-e-e3_item95/P1.html ; http://purl.pt/1000/1/alberto-caeiro/obras/bn-acpc-e-e3/bn-acpc-e-e3_item95/P2.html Duração 2:38.


Inês & Joana C.


«Começo a conhecer-me. Não existo» (Álvaro de Campos)
http://arquivopessoa.net/textos/2438
«Cada um cumpre o destino que lhe cumpre» (Ricardo Reis)
http://arquivopessoa.net/textos/408
«Aceita o universo» (Alberto Caeiro)
http://arquivopessoa.net/textos/346
Inês & Joana C. (17,5) Expressão oral Excelente leitura do primeiro poema («Começo a conhecer-me», de Campos) por parte de Inês (só o último verso me pareceu um pouco receoso e por isso menos expressivo do que talvez pudesse ser). Também muito boa a leitura da ode de Reis, por Joana, sendo aqui talvez apenas criticável um ligeiro arrastamento do final dos (últimos) versos — também por opção de segurança — que quase dá ao texto um embevecimento talvez estranho a este heterónimo. Também correctíssima (do ponto de vista gramatical) a leitura, por Inês, do pequeno texto de Caeiro, embora eu advogasse que a este heterónimo competiria uma expressão mais leve, mais ingénua, mais conversada (ou menos convicta), apesar do tom afirmativo/imperativo do poema. Concepção As imagens são mero pano de fundo que não apaga o foco principal, os próprios poemas (certo esbatimento do filme, a ausência de cor, a irrelevância da paisagem — vai-se circulando pelas ruas e as vistas são recolhidas ao acaso — contribuem para esse efeito, quanto a mim, feliz; é que convém que as imagens possibilitem as inferências que o texto ouvido propõe — e não, pecado que tenho visto em outros filmes, interfiram involuntariamente nas interpretações aceitáveis do texto). A música escolhida também tem o mesmo mérito, o de não ser impositiva (e adequar-se a qualquer dos heterónimos). Há rigor no acabamento, na planificação, o que só é contrariado pelo som, repentinamente mais baixo, na parte de Joana (um lugar comum destes microfilmes). Duração 2:01


Bárbara


«Não venhas sentar-te à minha frente, nem a meu lado» (Fernando Pessoa)
http://arquivopessoa.net/textos/1448
Bárbara (16) Expressão oral (Uma advertência: há no filme duas línguas, o português e a língua gestual portuguesa. Neste parte da minha avaliação, em torno da expressão oral, só analiso, como é óbvio, a língua que usa o meio oral, o português.) A leitura em voz alta foi propositamente lenta, decerto para que as imagens da tradução em LGP coubessem. Essa necessária lentidão impede a exacta expressividade que exigiria o texto. Mesmo assim, é uma leitura, em geral, limpa, que até por não ser rápida, seguimos com facilidade. Passo a aspectos emendáveis. Não valia a pena ter-se dito «Fernando Pessoa» antes de a leitura do texto se iniciar e, mais ainda, devia evitar-se a repetição do primeiro verso (é que «Não venhas sentar-te à minha frente, nem a meu lado» não é um título: só está repetido na folha, porque se convencionou que, quando os poemas não têm título, se adopta, para efeitos de referência, o primeiro verso). Neste verso, a pronúncia de «a meu lado» aproximou-se demasiado de «a[o] meu lado» (que é como costumamos dizer, mas é menos cuidado do que o que escreveu Pessoa. Houve pausa indevida em «ou [...] até sem sonhar». Em «E hoje sou apenas um suicídio tardo» ficou esquecida a conjunção. No penúltimo verso, ouve-se «Do fim», quando o que está no texto é «O fim». Por vezes, houve uma pausa no final dos versos quando não está pontuação (exemplo: «estou cansado / E quero só dormir»), mas, como já disse, percebo que se procurou ir bastante devagar (para dar tempo à tradução em LGP), o que implicou que houvesse mais «pontuação» do que a que o texto sugere. Concepção (Farei aqui discurso expositivo que será mais útil a quem não conheça a LGP do que à Bárbara.) Apresentou-se o texto de Pessoa em duas línguas. Em português, com a voz de Bárbara em off, e, nas imagens, em língua gestual portuguesa (LGP). Trata-se de duas línguas (aliás, juntamente com o mirandês, as três línguas maternas nacionais). É importante dizer que a LGP é uma língua com o mesmo estatuto e praticamente todas as potencialidades das línguas orais (não é, portanto, uma mímica, ou um sucedâneo de língua). É a língua que os surdos, os deficientes auditivos profundos, devem usar como língua materna (ou língua primeira); é importante que uma criança surda, na mesma idade em que as outras crianças aprendem a falar português, possa aprender a língua gestual portuguesa. Durante muito tempo — e em Portugal até bastante mais tarde do que em outros países —, a língua gestual foi estigmatizada, acreditando-se que os surdos deviam apenas comunicar na língua oral nacional. Esta estratégia, devida a ignorância e a preconceitos, privaria as crianças surdas de acesso à linguagem. Felizmente, em muitas comunidades, os surdos foram usando a única língua que, obviamente, podia servir-lhes de língua primeira. No entanto, um dos problemas é que, para que a criança surda possa desenvolver a sua língua, é preciso que os pais saibam a língua gestual — e é também muito importante, é claro, que a deficiência seja detectada o mais cedo possível. A Bárbara aprendeu LGP para comunicar com um seu familiar. Pertence portanto ao grupo, relativamente restrito, de pessoas que, tendo como língua materna o português, consegue também usar com desenvoltura a LGP. É aliás uma boa mais-valia ter esse domínio ou de quaisquer outras línguas. Foi excelente ideia a de apresentar o texto de Pessoa em LGP (mesmo se, em termos da leitura em língua oral, isso acarretou constrangimentos importantes, que já expliquei em cima). Escrita Deve ser «Ibisfilme» e não «Íbis Filme» [e, neste caso, era com acento] Pessoa Este texto é de um ortónimo quase Campos, parece-me (e, aqui e ali, até whitmaniano). Duração 2:21.


Pedro & Tiago

«Ao teu seio irei beber» (Fernando Pessoa)
http://arquivopessoa.net/textos/2905
«A tua saia, que é curta» (Fernando Pessoa)
http://arquivopessoa.net/textos/1784
«Dei-lhe um beijo ao pé da boca» (Fernando Pessoa)
http://arquivopessoa.net/textos/4258
«A vida é pouco aos bocados» (Fernando Pessoa)
http://arquivopessoa.net/textos/4243
«Breve o dia, breve o ano, breve tudo» (Ricardo Reis)
http://arquivopessoa.net/textos/289
Pedro & Tiago (16,8) Concepção Desta vez, começo por analisar a ideia que organiza o filme, porque as próprias considerações sobre a expressão oral têm de ser feitas à luz do formato escolhido. É um sketch (ou dois sketches, se juntarmos também a espécie de prólogo antes do genérico, que inclui o poema de Reis, «Breve o dia», importante por ser o que implicita a noção de «carpe diem», retomada no final do filme). No miolo, temos um diálogo, que depois é desmontado (assume-se a passagem ao plano da enunciação, quando Tiago dá calduço em Pedro, já fora do texto estrito da peça, já fora do enunciado, portanto), entre dois homens e sobre namoricos. Essa conversa, representada naturalisticamente, é, no essencial, um centão de três diferentes quadras de Pessoa (ligadas por quase nenhum texto acrescentado pelos autores). [«Centão» é um género que se caracteriza pela construção de um texto a partir de fragmentos de outros.] É uma ideia inteligente, mas que poderia ser alargada a mais outras tantas quadras (até se aproximarem dos três minutos, por exemplo). Haveria então um nível maior de dificuldade — quer da escrita, quer da recitação/representação —, que valorizaria o filme. Digamos que a ideia-base é criativa, a sua realização mostrou proficiência técnica e capacidades teatrais mais do que suficientes, bem como conhecimento sedimentado dos processos de construção de uma narrativa para cinema, mas não terá havido a concentração final de esforços para aprimorar o projecto, dele retirando todas as potencialidades. Condições de captação de som também não foram devidamente cidadas (bastaria evitar o som dos autocarros por perto). Expressão oral Bastante bem a parte representada (quer nas ligeiras ligações, quer nas quadras pessoanas); quanto à leitura da ode de Reis, tem ela um lapso: foi dito «é a vida», quando não há determinante («a») no texto de Pessoa. Pessoa Creio que foram os únicos autores a focarem-se especialmente nas quadras — ditas ao gosto popular — de Pessoa. Só por ironia as quadras de Pessoa são populares: o poeta socorreu-se de aspectos formais da quadra popular — rima a-b-c-b; redondilha maior (heptassílabos); temas típicos da lírica tradicional —, mas misturou-os com desenlaces surpreendentes, sintaxes inesperada, uma série de idiossincrasias reconhecíveis como de Pessoa e nada populares. Nestas quadras se condensam ideias muito complexas que estão elaboradas na poesia de Pessoa mais reconhecida. Quanto à ode de Reis, vale a pena dizer que, no último verso, na melhor edição (a de Luiz Fagundes Duarte), fixa-se «dor» (em vez de «mágoa»). Duração 2:05

Filipa

«Não! Só quero a liberdade!» (Álvaro de Campos)
http://arquivopessoa.net/textos/3343
Filipa (16) Expressão oral É discutível o nível de expressividade, de teatralidade, que a leitura do texto de Campos devesse ter. Dentro do grau escolhido por Filipa, não há falhas (só uns raros versos em que o estilo parece demasiado mecânico, sem que pareça estar-se a atentar no que o texto diz). Por vezes, esse desligar do estilo mais coloquial deve-se a falta de fôlego: a velocidade (e o «volume» de som) dificultam que as entoações sejam sempre as ideais. Para se perceberem melhor as alterações de ritmo de Campos, era preciso que houvesse também momentos de certa paragem, quase apenas murmurados (se o ritmo for sempre elevado, às tantas não se percebe que a ânsia, que convém ser traduzida por mudanças repentinas). Mas, como disse, não há propriamente erros. Há apenas uma troca de palavras (em «Ah, mas deixem-me sair para ir ter comigo» é mesmo «comigo», e não «contigo», como leu Filipa — e essa leitura, aparentemente mais lógica, acaba por eliminar uma figura de estilo bem à Campos). No dois últimos versos do poema («Ao quintal / ao lado...»), creio que é necessário fazer-se pausa entre «ao quintal» e «ao lado» (os sete últimos versos vão todos decrescendo em extensão e na energia/velociade com que devem ser ditos, o que a autora reproduziu bem, excepto neste caso final («ao lado» deve ser dito muito tenuemente e precedido de vírgula que, na verdade, não está lá — a mudança de verso foi a maneira de o poeta exprimir a mesma pausa). Concepção Enquanto ouvimos a leitura do poema, o filme mostra-nos imagens do Rossio — que também é um espaço pessoano —, apresentando-se-nos, talvez, pessoas livres (ou não), incluindo, num curto momento, se vi bem, a propria autora; efeitos de velocidade do próprio filme, percursos da câmara, podem ter que ver com a mesma vontade de liberdade por parte do poeta e devem visar imitar a turbulência de Álvaro de Campos. Escrita Na legenda com a referência ao texto, surge «Liberdade» (com maiúscula), o que não está no texto e Campos. Duração 1:31

Ricardo

«A noite desce, o calor soçobra um pouco» (Alberto Caeiro)
http://arquivopessoa.net/textos/356#
«Insónia» (Álvaro de Campos)
http://arquivopessoa.net/textos/2358
«Abat-jour» (Fernando Pessoa)
http://arquivopessoa.net/textos/2103
«Vou dormir, dormir, dormir» (Ricardo Reis)
http://arquivopessoa.net/textos/2033
Ricardo (16,2) Expressão oral Há uma propositada vontade de tornar nítidas as palavras, as sílabas, o que acaba por prejudicar a expressividade da leitura. Por outro lado, ler aproximadamente num mesmo ritmo é quase incompatível com o seguir as inflexões naturais em função da sintaxe de cada poema. Se se tratasse, por exemplo, de uma balada, de um romance tradicional («A Bela infanta», «Nau catrineta», etc.), esse ritmo de quase-lengalenga era pertinente. Assim — e isso sente-se ainda mais por se tratar de poemas de heterónimos diferentes e de ortónimo —, a leitura, à medida que avançamos, vai-se tornando previsível, pouco associável ao poema que está a ser lido, mecânica. No entanto, não há quase falhas localizadas. Só em «Abat-jour», no verso «Minha inatenção», «[á]tenção» nos surge com a vogal pré-tónica demasiado aberta. No poema de Reis, «constelada» parece quase «costelada». Em «Não durmo, jazo, cadáver acordado» («Insónia») sugeriria uma pausa (maior) ente os dois verbos. Concepção Escolheram-se poemas em torno da noite, cada um de um dos quatro «Pessoas». Enquanto demora a leitura de casa texto, o filme dá-nos um plano fixo ou quase fixo de um objecto emblemático (citade iluminada; despertador; lâmpada; de novo, a rua iluminada, ao longe). É uma boa ideia, que dá um resultado simples e elegante. (Na leitura é que o Ricardo é capaz de fazer bem melhor. Por exemplo, esta apresentação individualizada, em termos de imagem, dos quatro textos devia ter correspondência num registo de leitura específico para cada texto.) Duração 2:32

Raquel & Joana L.

«Sim, sei bem» (Ricardo Reis)
http://arquivopessoa.net/textos/2635
«Deste modo ou daquele modo» (Alberto Caeiro)
http://arquivopessoa.net/textos/1104
Joana L. & Raquel (18,7) Expressão oral Neste filme há vários tipos de oralidade que interessa aferir: (i) o oral da representação (de Raquel, sobretudo); (ii) a leitura em voz alta mas a representar um papel, que não é para ser exactamente avaliada enquanto «exercício do enunciador» mas como exercício de um dos protagonistas criado pelas enunciadoras (por Raquel, quando exemplifica à actriz como deve fazer; mas também por Joana, em alguns dos trechos em que finge não estar interessada em ler bem ou não ser capaz de ler); a leitura em voz alta assumida para sair bem (por Joana, na maioria dos trechos — exceptuados, talvez, o breve começo do texto de Campos «A rapariga inglesa, uma loura, tão jovem, tão boa» [lido por Gil (12.º 4.ª) aqui:
http://gavetadenuvens.blogspot.com/2009/09/ibisfilmes-12-4.html ] e a parte dita a correr de «Deste modo ou daquele modo», os vv. 23-27). Em (i), Raquel esteve sempre muito bem. Notei só uma hesitação em «A gente hoje daqui não [?] sai», que logo emendou, improvisando uma repetição («não saímos daqui hoje, de certeza»); há também a pronúncia de «câmera», que soa «cama», num inconveniente «não estás lá muito bom na cama» (mas as próprias autoras chamaram a atenção para o facto, isto é, para o lapso de pronúncia). Em (ii), saiu tudo bem (e os passos que em Joana ou Raquel ensaiam a declamação, são muito bem lidos, ainda que com o leve tom de brincadeira que querem ter). A leitura a correr dos vv. 23-27 não é nada fácil e ficou muito bem. O penúltimo verso e «Sim, sei bem» — «Deixem-me me crer» — terá sido apagado na montagem (suponho que aquele «me» repetido não saíra bem). Há, no entanto, uma palavra esquecia num trecho em que Raquel mostra como se deve fazer: «Deste [modo] ou aquele modo». Nas situações que caracterizo como (iii), quando eram esperáveis leituras irrepreensíveis, até há algumas falhas (diz o mestre, com a felicidade ridícula de quem descobre alguma coisa que tivesse saído menos bem): nos últimos cinco versos do poema de Caeiro, em «E que o Sol, que ainda não mostrou a cabeça» foi esquecido o segundo «que» e acrescentado um «sua» antes de cabeça, e, no penúltimo verso, «Agarrando o cimo do muro», leu-se uma preposição que não existe («Agarrando [d]o cimo do monte»). Concepção É um filme que mostra o processo de construção do próprio filme, em registo ficcionado, de paródia (note-se a diferença relativa a um filme, também de «making of», por Raquel e Soraia (12.º 1.ª), em que se procura que a situação seja verosímil e as personagens correspondem às próprias autoras [http://gavetadenuvens.blogspot.com/2009/09/ibisfilmes-12-1.html]). O formato tem a sua sofisticação porque acaba por implicar que dois poemas sejam lidos na íntegra (ou quase), cruzadamente, em estilos diversos (em velocidade, com troca de palavras, e até a sério). Quando se chega ao fim do sketch, fica tudo lido e ainda há espaço para reflexão auto-irónica por parte da protagonista realizadora. As potencialidades do episódio fundam-se na antinomia dos dois tipos: a realizadora egotista; a actriz insegura/conscienciosa. Há ainda um figurante ausente, o câmera, ou câmera, Chevalier de Pas (que alude a um semi-heterónimo pessoano), o que permite o turno final. Escrita Para que a história fosse contada em apenas quatro minutos, incluindo as leituras, e, ainda assim, não pareça atabalhoada, houve boa redacção das cenas. Também bem pensada a solução dos slides a indicarem os takes, com música que funciona como segundo marcador da passagem do tempo (o primeiro é a inferência a partir do número de takes já feitos). Pessoa Autógrafos do poema de Caeiro: http://purl.pt/1000/1/alberto-caeiro/obras/bn-acpc-e-e3/bn-acpc-e-e3_item89/P1.html ; http://purl.pt/1000/1/alberto-caeiro/obras/bn-acpc-e-e3/bn-acpc-e-e3_item301/P37.html ; Duração 4:21

Joana O.

«Dizes-me: tu és mais alguma coisa» (Alberto Caeiro)
http://arquivopessoa.net/textos/3358
«Creio que irei morrer» (Alberto Caeiro)
http://arquivopessoa.net/textos/353
Joana O. (17,25) Expressão oral Como explico a seguir, há dois orais neste ibisfilme: a leitura em voz alta convencional («Dizes-me [...]); e a recitação — ou, pelo menos, leitura muito dramatizada, com claros requisitos de representação — de «Creio [...]». São ambas bastante boas. Não há más entoações, o que é uma proeza, até por se tentar ser expressivo (assim sendo, quaisquer falhas que houvesse na interpretação de pontuação ou sintaxe ficariam mais em relevo). É controverso qual seja o estilo, dentro da leitura expressiva, mais apropriado a textos de Caeiro (ruidoso ou calmo? assertivo ou espantado?), mas não acho inverosímil o registo adoptado por Joana. As únicas falhas que assinalo são num mesmo verso, o quinto, de «Creio que irei morrer»: em «Que folhas ou que flores tem uma classificação», ouve-se um «Mas» inicial que não aparece no texto; em compensação, o artigo «uma» ficou elidido. Concepção Há duas partes no filme, correspondentes aos dois poemas de Caeiro. Na primeira parte, para o texto «Creio que irei morrer», Joana lê (ou recita) sob o foco da câmara. Não sei se houve algum sucedâneo de teleponto, mas não se trata de mera leitura, já que há dramatização, quer no modo de declamar o texto quer nos gestos. Esta parte tem, portanto, bastante originalidade e, se se tratar de recitação não demasiado guiada por papel, um grau de dificuldade acrescido. O segundo poema é dito em off — excepto em curtas aparições, a meio e no final, sendo as imagens de fundo a calçada que vai sendo percorrida. Numa última parte, ou subparte desta segunda parte, reencontramos autora, e a calçada, à chuva, já lido o texto. Acontecera semelhantemente no final da primeira parte (mas sem chuva). Também há simetria na introdução e fecho (imagens à «Twilight Zone»; música de «Twin Peaks»), não descortinando eu o exacto sentido conferido por estes preâmbulo e colofão (mas também não me parecendo impertinentes). Enfim, o filme tem uma qualidade estética e funcionalidade em termos de tarefa que superam nitidamente trabalhos anteriores. Quanto há capacidade de leitura em voz alta, sabe-se que é muito boa. Escrita No slide que abre o filme, haveria que aspar os títulos dos poemas (os primeiros versos), não os apresentando assim misturados, mesmo se ligados por um «e». Pessoa Autógrafos: http://purl.pt/1000/1/alberto-caeiro/obras/bn-acpc-e-e3/bn-acpc-e-e3_item62/index.html ; http://purl.pt/1000/1/alberto-caeiro/obras/bn-acpc-e-e3/bn-acpc-e-e3_item25/P1.html ; http://purl.pt/1000/1/alberto-caeiro/obras/bn-acpc-e-e3/bn-acpc-e-e3_item27/index.html Duração 3:17

Vranda & Vanessa

«Às vezes, em sonho triste» (Fernando Pessoa)
http://arquivopessoa.net/textos/554
«Braços cruzados, sem pensar nem crer» (Fernando Pessoa)
http://arquivopessoa.net/textos/4276
Vanessa & Vranda (15) Expressão oral É bastante diferente a avaliação que faço das leituras do primeiro e do segundo texto. No primeiro poema, cujas primeira e quarta quintilhas foram lidas por Vanessa e cujas segunda e terceira quintilhas ficaram a cargo de Vranda, a leitura foi boa, sem falhas. (Talvez apenas sugerisse um estilo mais reflexivo, menos assertivo, mais murmurado, menos sonoro. De certo modo, a leitura «à vez», dividida por estrofes, se resolve problemas de fôlego, de respiração, também torna mais difícil um registo intimista, de quem está a pensar.) A leitura do soneto «Braços cruzados [...]» teve algumas falhas. Nos versos 6-7, «Conheçamos no sono os benfazejos / Poderes únicos; sem urzes, brejos», não se pode fazer pausa na mudança de linha («benfazejos poderes únicos» tem de ser seguido); e a pronúncia de «urze» não foi ideal (quase «ur[j]e»). Nos vv- 11-12, ao lerem cada uma o seu terceto, e não tendo sido rápidas na «passagem de testemunho», acabaram por fazer uma pausa impossível entre «envolvendo,» e «faça a felicidade» (apesar de haver mudança de estrofe, a frase não pode ser cortada). A pronúncia de «Morfeu» terá de ser mais «M[u]rfeu» do que «M[o]rfeu». O último terceto achei-o pouco fluido, de leitura um tantoo hesitante. Concepção O formato escolhido é simples: leitura de dois textos (repartida pela duas autoras), tendo em fundo imagens — desenhos animados; imagens fixas e trechos curtos de filme — que podem ser associados à interpretação daqueles poemas. A música, o lettering das referências, também mostram cuidado, ficando o filme bastante acessível.
Escrita Na legenda de «Às vezes, em sonho triste» falta a vírgula. O mesmo se diga da apresentação do primeiro verso do segundo texto, «Braços cruzados, sem pensar nem querer». Nas referências, até porque citam a música utilizada, deviam ter tentado referir os filmes cujas imagens aproveitaram («Peter Pan» e ?). Pessoa Ambos os textos são dos primeiros poemas que Pessoa escreveu em português (são de 1909). Note-se ainda que «Braços cruzados, sem pensar nem querer» não é um texto autónomo, é um soneto que constitui a parte V de um poema maior, «Em busca da beleza», um conjunto de seis sonetos, dedicados a um condiscípulo de Pessoa no Curso Superior de Letras, Carlos Celestino Corado, que aludem à «Epígrafe» de A Sombra do Quadrante, 1906, de Eugénio de Castro (1869-1944). A história destes sonetos é esta [resumo o que está explicado na Colóquio, Revista de Artes e Letras, 13 (Maio de 1961), p. 41]: parece que, quando se reuniam, com mais amigos, em tertúlia na Brasileira do Chiado, Carlos Corado, em resposta a Pessoa, lhe citou os versos de Eugénio e Castro «Homem, que fazes? Para quê tanta lida? [...] Procuremos somente a beleza», tendo Pessoa retorquido que responderia por escrito (a resposta seriam precisamente estes sonetos, que ficaram na posse de Carlos Celestino Corado). Duração 1:48

Cátia

«Breve o inverno virá com sua branca» (Ricardo Reis)
http://arquivopessoa.net/textos/2301
Cátia (15,6) Concepção Construiu-se uma situação narrativa em que entraria o poema, com a melodia de uma canção segundo a qual seria cantarolado: um «Natal os Hospitais» em que, a dada altura, haveria um momento musical com poema de Ricardo Reis. (Ter-se-á escolhido Reis para assim poder dizer aos doentes, subrepticiamente, que devem encarar o seu estado com estoicismo.) A autora faz de apresentadora e, depois, de cançonetista. Os textos introdutórios e de fecho, ditos por Cátia-apresentadora, estão correctos. Os primeiros versos da ode de Reis vestem-se bem com a medodia de «Last Christmas», mas os últimos cinco versos, nem tanto. Ainda procurei encontrar outra canção a que a métrica do texto de Reis se pudesse moldar melhor. (Experimentei com outra canção de Natal, «All I want for Christmas»,
http://www.youtube.com/watch?v=XVSmT4nNEkQ , e quase que dá, se os primeiros versos preencherem a parte a solo e a segunda metade do poema entrasse quando aparece a bateria. Sim, reconheço, que não fica melhor do que com «Last Christmas».) O problema está em que as odes de Reis serão dos textos de Pessoa os menos indicados para serem musicados, já que as frases se contorcem, com vários hipérbatos, de verso para verso e a própria extensão dos versos é muito dissemelhante (verso grande, verso pequeno; verso grande, verso pequeno). Ou seja, mais do que procurar outra melodia, a solução ideal era encontrar um poema de metro mais uniforme (muitos textos do ortónimo dariam boas baladas, por exemplo). A boa ideia em que assenta este ibisfilme, beneficiaria bastante em ser aplicada a outros textos. (Gil, do 12.º 4.ª, ensaiou o processo com outro texto e canção: http://gavetadenuvens.blogspot.com/2009/09/ibisfilmes-12-4.html ). Expressão oral Esteve bem a Cátia nas partes representadas. Já na parte cantada era quase obrigatório desafinar nos tais cinco versos finais. Entretanto, há um erro que é devido ao léxico, latinista, de Ricardo Reis: «ave atque vale», pronunciado no filme como ‘ave at[a]que vale’, é expressão latina que significa ‘saúde e adeus’ (citação de frase do poeta Catulo quando, junto ao túmulo do irmão, dele se despedia). É uma frase que ficou como fórmula poética de despedida breve e, claro, teria de ser pronunciado à latina. Duração 2:07

Catarina & Mónica

«Cruzou por mim, veio ter comigo, numa rua da Baixa» (Álvaro de Campos)
http://arquivopessoa.net/textos/553
Catarina & Mónica (16,7) Concepção Em diversos pontos de Lisboa relacionáveis com Pessoa (miradouro de São Pedro de Alcântara; estação do Alto dos Moinhos; elevador que desce de S. Pedro de Alcântara aos Restauradores) as autoras vão lendo, à vez, o poema de Campos. Num dos casos — Mónica no Alto dos Moinhos — a leitura é em «off», o que é ligeira incoerência; há também uma parte em que ilustração é mero retrato de Pessoa, o que se deverá a algum problema de última hora decerto. Se estes dois últimos aspectos reflectem provável remedeio técnico, aqui e ali, ao contrário, apercebemo-nos até de bastante sofisticação (notória, por exemplo, no genérico). Em geral, tudo é elaborado com bom gosto. Expressão oral São diferentes os ritmos da leitura por Catarina e por Mónica: Catarina usa um registo mais calmo; Mónica procura imprimir maior expressividade (creio que é este estilo o mais adequado a Campos, que é um nervoso, um ansioso). A necessidade de olhar a câmara, mesmo lendo texto em frente, é uma dificuldade suplementar. Quanto à correcção do que é lido, registo a seguir, estrofe a estrofe, as falhas que encontrei (que não são muitas, mesmo assim; Mónica lê bastante bem; Catarina não esteve tão bem, mas conseguiu leitura aceitável): 1.ª estrofe (Catarina): «reciprocamente» saiu hesitante; «pedinte por profissão que se lhe vê na cara» também é melhorável; os versos entre parênteses — «(Excepto, naturalmente, o que estava na algibeira onde trago mais dinheiro: / Não sou parvo nem romancista russo, aplicado, / E romantismo, sim, mas devagar...)» — devia talvez ter sido dito com certa vivacidade (é um aparte trocista); de resto, bem, bastante natural (se calhar, até demasiado, para o que se espera do estilo torrencial de Campos); 2.ª estrofe (Mónica): é «sedento de justiça» (não «sedento da justiça»); «tudo menos importar-me com a humanidade!» (não «importar-se»); não é «exterior a ela» mas «exterior para ela»; 3.ª estrofe (Mónica): sem falhas; 4.ª estrofe (Mónica): «Dostoi[é]vski» (e não «Dostoivski»); 5.ª estrofe (Catarina): leu-se «monotonia», em vez de «sua melancolia»; «àquele / Pobre que não era pobre» não pode ter a pausa que se ouve; «profissão» não saiu bem; 6.ª estrofe (Catarina): sem falhas; 7.ª estrofe (Mónica): sem falhas; penúltima estrofe (Catarina): sem falhas; última estrofe (ambas): sem falhas. Duração 3:20