Aula 16 da Quarentena (= 138-139)
Aula 138-139 [= 16 da Quarentena] (7 [9.ª], 8/mai [5.ª, 4.ª, 3.ª]) Queria falar um
pouco da tarefa da aula 9,
que já comentei para boa parte dos alunos das turmas 3.ª e 4.ª (ao longo do dia
de hoje, isto é, de quinta, 7 de maio, espero terminar os comentários do que me
falta da 4.ª e escrever os da 5.ª e da 9.ª).
De qualquer modo, já vou aqui dizer
o que falhou mais frequentemente. Tratava-se de escreverem um texto com Lídia e
em que em cada parágrafo predominasse um dado tipo textual. Creio que muitos não
tiveram a noção de que «sequência textual» significa, no fundo, passo de
um texto em que está sobretudo evidente um certo tipo textual ou um protótipo
textual (estes termos são sinónimos, embora os programas os vão retomando sem
o esclarecer). Os nomes dos tipos textuais também têm oscilado («explicativo»
já foi «expositivo»; «dialogal» também pode designar-se «conversacional»).
Também já se percebeu que os tipos textuais preditivo e instrucional/diretivo
não foram acolhidos neste novo enquadramento enquanto «sequências». Provavelmente,
se estivessem industriados quanto a isto, parte das confusões não teria
acontecido. Foram estas as fraquezas mais comuns:
— explicativo não significa ‘texto
que dá uma justificação’ nem ‘explicação’ em sentido corrente. Explicativo, ou
expositivo, é o texto que trata de uma matéria, definindo-a, ensinando-a. Um
manual didático, nas suas partes de introdução a cada conteúdo, é um exemplo de
sequência explicativa; uma enciclopédia, nos verbetes sobre algum tópico,
também (note-se que, se se tratar de verbetes biográficos, já pode ser mais
importante o tipo narrativo, porque aí far-se-ia o relato da vida dessa pessoa);
— argumentativo quer dizer ‘que apresenta argumentos’.
Num debate, por exemplo, este protótipo será dominante. Manuais didáticos, fora
da parte mais informativa, terão trechos já especulativos, onde poderá haver
mais argumentação do que explicação. Algumas das vossas respostas caíram no
erro de, em vez de pôr Lídia ou o narrador ou alguém a raciocinar, a argumentar,
terem relatado que alguém tinha refutado isto ou aquilo ou achava isto ou
aquilo, enfim que alguém argumentara. Só que referir que alguém alguém
argumentou não implica um texto argumentativo, antes um texto narrativo
(reporta-se uma ação, conta-se que fulano estava hesitante ou estava a discutir);
— narrativo reconhece-se por haver atos realizados, em
princípio numa linha temporal, por alguma personagem. Fica mais claro o texto
narrativo se evitarmos as descrições, embora o mais comum num escrito literário
seja que a descrição se vá misturando bastante com as ações. Alguns dos textos
supostamente narrativos estavam demasiado parados, recheados com pormenores de
caracterização (logo com o protótipo descritivo demasiado presente). Ora se há
mais espaço que tempo, deixamos de ter narração e passamos a ter descrição. O
texto descritivo é uma fotografia, é estático, retrato de pessoas ou de cenários.
O texto narrativo é um filme, decorre ao longo do tempo. Também era preciso ter
em conta que havia que estilizar, exagerar na presença de um só tipo, para
efeitos de exercício, o que é artificial mas fazia parte do nosso trato;
— dialogal foi bem ilustrado nos vossos textos, que ora
se socorreram do discurso direto ora do indireto, ambos aceitáveis. Nem sempre
recorreram à pontuação mais canónica para o discurso direto: travessão, fala,
travessão, verbo dicendi e sujeito que falou.
Deixo-lhes um bom exemplo de texto com as cinco sequências bem
ilustradas, de colega do 12.º 4.ª:
[N] Lídia decidiu cumprir as suas tarefas
domésticas enquanto Ricardo Reis tomava um banho quente. Começou por abrir as
janelas para aliviar o cheiro a mofo e depois mudou os lençóis da cama, limpou
a imundície acumulada na mobília e lavou a loiça espalhada pela cozinha.
Acabara de arrumar os pratos quando o poeta entrou na divisão esfregando uma
toalha no cabelo húmido.
[De] Ricardo Reis estava esplendoroso. A glória do
seu corpo imaculado era acentuada pelo aroma inebriante dos sais de banho e a
frescura da brisa matinal criava uma atmosfera sublime. Lídia entristeceu-se ao
reconhecer-se como intruso destruidor da perfeição, era uma simples criada de
hotel, pobre e quase analfabeta, apoiada numa bancada de mármore, encharcada no
próprio suor.
[Di] — Desculpe-me, senhor doutor, mas tenho de
me ir embora.
Reis,
desiludido, quis perceber a razão do transtorno:
—
Oh, o que se passa?
—
Nada, senhor doutor. Hoje preciso de sair mais cedo, vou visitar a minha mãe,
não a vejo há muitos dias.
[A] É inconcebível, concluiu Lídia ao descer
as escadas da moradia, é impossível estabelecer-se uma ligação íntima e
equivalente entre estratos sociais tão distanciados. Existe uma diferença
acentuada a nível de instrução, elegância e riqueza que não pode ser dissipada,
pois é essa distinção que assegura o funcionamento da sociedade. É a ordem
natural do mundo. De facto, assim o é desde o advento das formas de vida, os
fortes dominam e os fracos aceitam o seu estatuto. Deste modo, não há razão
para chorar, permanecerá fiel à sua função.
[E] A mentira pode definir-se como o oposto da
verdade. Com efeito, verifica-se que um enunciado constitui uma mentira se o
que afirma não corresponde à realidade, mas existem casos em que se diz uma mentira
contando a verdade. Lídia sentiu que o fizera.
[Pedro, 12.º 4.ª]
Duas irrelevâncias ainda antes da aula propriamente de hoje.
Na última aula podia ter assinalado que Carlos Fradique Mendes,
como Álvaro de Campos, tivera experiência oriental (sempre, é claro, segundo as
suas biografias fictícias).
Quando preparo esta aula, vejo na televisão uma reportagem sobre
desconfinamento em Elvas. Um dos entrevistados fala do «víru». Tem de se
escrever assim, porque o simpático alentejano diz a palavra como grave (e
palavras terminadas em -u sem acento gráfico seriam lidas como agudas: cfr.
«peru», «menu», «tabu»). O que é interessante neste «víru» é que resulta de um
processo de derivação não afixal. O falante elvense achou que -os
(-us) do final de «vírus» era uma desinência de número, um plural. Por
derivação regressiva, com toda a lógica, quando quis usar o singular, suprimiu
o -s que considerava servir apenas para marcar o plural: um víru
(ou «um viro»).
Lembramo-nos de outros casos de derivação não afixal
semelhantes: a sande (singular suposto de «as sandes»), o tene
(singular do imaginado plural «os ténis»), o gajo (grau normal do tido
como aumentantivo «gajón» percecionado como «gajão»). Sabemos que os casos mais
comuns de derivação não afixal são os chamados deverbais (nomes
resultantes de verbos, isto é, da interpretação errada da terminação do infinitivo
como um sufixo somado a um nome que houvesse já mas que não existia até então):
«a janta» (< jantar), «a pesca» (< pescar), «um debate»
(< debater). (Sobre derivação não afixal e os outros processos
morfológicos de formação de palavras veja-se aqui.)
Lê o texto «Ricardo Reis e Lídia», na p. 276 do manual
(copio em baixo).
Responde
às perguntas da p. 277, de «Leitura do texto», completando o que já fui
lançando como esboço de solução:
1. [Acrescenta
as formas verbais que suprimi]
No
início do excerto, o sentimento dominante em Lídia __ a tristeza, provocada
pela frustração, pelo vazio, por achar que a sua presença ali _____ de
justificar-se. O reconhecimento e a proximidade de Ricardo Reis ________-lhe
contentamento, realização, plenitude. ________-se, então, a ansiedade e o
desejo.
1.1 [Acrescenta
os nomes em falta]
O
momento de despir a ____ e vestir a sua roupa corresponde ao arrefecimento do
corpo e das emoções. A nudez desvenda-a como ______, liberta de uma qualquer
condição social, que ama e se sente amada.
2. [Acrescenta
os advérbios]
A
metáfora da primavera celebra o amor sensual, o rejuvenescimento tardio, mas
_________ compensador. A modalização final («talvez») _________ se aproxima da
formulação de um desejo, favorecendo a cumplicidade do leitor.
Vê as soluções na Apresentação:
Completa o quadro também na p. 277 («Escrita», 1), substituindo
nas minhas soluções as palavras disparatadas pelas corretas. Na solução para
cada quadrícula pus uma palavra da minha lavra (portanto, disparatada).
Estatuto social — Estatuto social elevado
(encontros ao jantar, na sala de estar do hotel, no teatro, visitas, intensíssimo
contacto físico)
Retrato físico — De aparência muito
jovem e delicada, impossibilitada de usar a mão central.
Familares / — ligação ao
contexto político
— Submissão ao genro / — ligação de cumplicidade passiva com o regime (contacto
com os diversos meios de propaganda, espetáculos, livros, Fátima)
Papel na relação — Papel decisivo na
relação: - marcação do primeiro encontro, visitas (casota e consultório), cartas,
separação. / Separação, permanência num poema.
Vivências de Reis — Curiosidade, pedofilia,
dúvida.
Os nomes / relação
intertextual com as Odes — Nome inscrito num poema escrito depois da
separação (poema existente do heterónimo queirosiano).
(Vê
solução na Apresentação.)
É esta a ode de Reis em que
aparece «Marcenda», ainda que, na verdade, não como nome próprio (maiúscula
deve-se ao facto de a palavra iniciar o verso).
Pensa nas perguntas 2 e 3 no final da p. 277, ambas sobre
Lídia e Marcenda. Relativamente ao ponto 3, sem escreveres propriamente,
regista o que darias como argumentos (dois) e os exemplos respetivos, depois de
decidida a tua posição (que ficaria só numa introdução que houvesse). Antes de
anotares essa espécie de plano, lê os dois textos explicativos, ou expositivos,
na p. 278 (de Clara Fereira Alves e de Maria Alzira Seixo):
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Guarda essas notas.
Por um destes dias de quarentena, no Público aparecia
esta fotografia, com a estátua de Pessoa, do escultor Lagoa Henriques, na
Brasileira, num Chiado deserto.
Escreve um texto, do género que queiras, sobre a imagem (vais
fazer um comentário à fotografia que no jornal vem na secção «Sem comentários»).
Esse teu texto deverá ter a seguinte estrutura:
1.º período — Frase
simples.
2.º período — Subordinada
adverbial concessiva + Subordinante.
3.º período — Subordinada
adverbial temporal + Subordinante.
4.º período — Coordenada +
Coordenada assindética + Coordenada copulativa.
5.º período — Coordenada +
Coordenada adversativa (que será também Subordinante da oração que se segue) + Subordinada
substantiva completiva.
6.º período — Frase
simples.
Estive a experimentar e a mim chegaram-me umas setenta e cinco
palavras. Resolve por isso tudo em cerca de setenta a cem palavras. Estes seis
períodos constituiriam normalmente um único parágrafo, mas admito que, para
efeitos de clareza da resposta, possas pôr cada período num novo parágrafo,
ficando assim com seis parágrafos.
Reproduzo uns quadros que recordam orações (tirados ambos de Gramática
de Português, de Maria Regina Rocha):
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A aula de hoje foi pequena para te dar tempo para o que peço
no tepecê, mas também para sugerir que dês agora um golpe de vista a Menina
e Moça, de Bernardim Ribeiro, novela que vimos ser referida no cap. III de O
Ano da Morte de Ricardo Reis (volto a pôr em baixo essa passagem, muito
intertextual, do cap. III) e já nos aparecera igualmente em Frei Luís de
Sousa (mencionada por Maria). Uma edição de Menina e Moça (ou História
de Menina e Moça) foi agora disponibilizada pela INCM em PDF. Relanceia-a
aqui (texto da novela começa na p. 55). É um livro estranho.
TPC — Além da pequena redação «gramatical»
sobre a imagem de Pessoa no Chiado (tarefa desta aula 16), lança em
«Gaveta do 12.º 3.ª/4.ª/5.ª/9.ª» a tarefa da aula 15, resposta a item 7 de exame sobre processo
heteronímico e idiossincrasia do ortónimo, ou, se preferires, a tarefa de
escrita da aula 14, a descrição de projeto de capa (mas só uma delas; podes
descarregar em Word ou por fotografia do manuscrito).
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