Friday, August 30, 2019

Aula 16 da Quarentena (= 138-139)


Aula 138-139 [= 16 da Quarentena] (7 [9.ª], 8/mai [5.ª, 4.ª, 3.ª]) Queria falar um pouco da tarefa da aula 9, que já comentei para boa parte dos alunos das turmas 3.ª e 4.ª (ao longo do dia de hoje, isto é, de quinta, 7 de maio, espero terminar os comentários do que me falta da 4.ª e escrever os da 5.ª e da 9.ª).

De qualquer modo, já vou aqui dizer o que falhou mais frequentemente. Tratava-se de escreverem um texto com Lídia e em que em cada parágrafo predominasse um dado tipo textual. Creio que muitos não tiveram a noção de que «sequência textual» significa, no fundo, passo de um texto em que está sobretudo evidente um certo tipo textual ou um protótipo textual (estes termos são sinónimos, embora os programas os vão retomando sem o esclarecer). Os nomes dos tipos textuais também têm oscilado («explicativo» já foi «expositivo»; «dialogal» também pode designar-se «conversacional»). Também já se percebeu que os tipos textuais preditivo e instrucional/diretivo não foram acolhidos neste novo enquadramento enquanto «sequências». Provavelmente, se estivessem industriados quanto a isto, parte das confusões não teria acontecido. Foram estas as fraquezas mais comuns:

explicativo não significa ‘texto que dá uma justificação’ nem ‘explicação’ em sentido corrente. Explicativo, ou expositivo, é o texto que trata de uma matéria, definindo-a, ensinando-a. Um manual didático, nas suas partes de introdução a cada conteúdo, é um exemplo de sequência explicativa; uma enciclopédia, nos verbetes sobre algum tópico, também (note-se que, se se tratar de verbetes biográficos, já pode ser mais importante o tipo narrativo, porque aí far-se-ia o relato da vida dessa pessoa);

argumentativo quer dizer ‘que apresenta argumentos’. Num debate, por exemplo, este protótipo será dominante. Manuais didáticos, fora da parte mais informativa, terão trechos já especulativos, onde poderá haver mais argumentação do que explicação. Algumas das vossas respostas caíram no erro de, em vez de pôr Lídia ou o narrador ou alguém a raciocinar, a argumentar, terem relatado que alguém tinha refutado isto ou aquilo ou achava isto ou aquilo, enfim que alguém argumentara. Só que referir que alguém alguém argumentou não implica um texto argumentativo, antes um texto narrativo (reporta-se uma ação, conta-se que fulano estava hesitante ou estava a discutir);

narrativo reconhece-se por haver atos realizados, em princípio numa linha temporal, por alguma personagem. Fica mais claro o texto narrativo se evitarmos as descrições, embora o mais comum num escrito literário seja que a descrição se vá misturando bastante com as ações. Alguns dos textos supostamente narrativos estavam demasiado parados, recheados com pormenores de caracterização (logo com o protótipo descritivo demasiado presente). Ora se há mais espaço que tempo, deixamos de ter narração e passamos a ter descrição. O texto descritivo é uma fotografia, é estático, retrato de pessoas ou de cenários. O texto narrativo é um filme, decorre ao longo do tempo. Também era preciso ter em conta que havia que estilizar, exagerar na presença de um só tipo, para efeitos de exercício, o que é artificial mas fazia parte do nosso trato;

dialogal foi bem ilustrado nos vossos textos, que ora se socorreram do discurso direto ora do indireto, ambos aceitáveis. Nem sempre recorreram à pontuação mais canónica para o discurso direto: travessão, fala, travessão, verbo dicendi e sujeito que falou.

Deixo-lhes um bom exemplo de texto com as cinco sequências bem ilustradas, de colega do 12.º 4.ª:

[N]     Lídia decidiu cumprir as suas tarefas domésticas enquanto Ricardo Reis tomava um banho quente. Começou por abrir as janelas para aliviar o cheiro a mofo e depois mudou os lençóis da cama, limpou a imundície acumulada na mobília e lavou a loiça espalhada pela cozinha. Acabara de arrumar os pratos quando o poeta entrou na divisão esfregando uma toalha no cabelo húmido.

[De]   Ricardo Reis estava esplendoroso. A glória do seu corpo imaculado era acentuada pelo aroma inebriante dos sais de banho e a frescura da brisa matinal criava uma atmosfera sublime. Lídia entristeceu-se ao reconhecer-se como intruso destruidor da perfeição, era uma simples criada de hotel, pobre e quase analfabeta, apoiada numa bancada de mármore, encharcada no próprio suor.

[Di]    — Desculpe-me, senhor doutor, mas tenho de me ir embora.

Reis, desiludido, quis perceber a razão do transtorno:

— Oh, o que se passa?

— Nada, senhor doutor. Hoje preciso de sair mais cedo, vou visitar a minha mãe, não a vejo há muitos dias.

[A]      É inconcebível, concluiu Lídia ao descer as escadas da moradia, é impossível estabelecer-se uma ligação íntima e equivalente entre estratos sociais tão distanciados. Existe uma diferença acentuada a nível de instrução, elegância e riqueza que não pode ser dissipada, pois é essa distinção que assegura o funcionamento da sociedade. É a ordem natural do mundo. De facto, assim o é desde o advento das formas de vida, os fortes dominam e os fracos aceitam o seu estatuto. Deste modo, não há razão para chorar, permanecerá fiel à sua função.

[E]      A mentira pode definir-se como o oposto da verdade. Com efeito, verifica-se que um enunciado constitui uma mentira se o que afirma não corresponde à realidade, mas existem casos em que se diz uma mentira contando a verdade. Lídia sentiu que o fizera.

[Pedro, 12.º 4.ª]

Duas irrelevâncias ainda antes da aula propriamente de hoje.

Na última aula podia ter assinalado que Carlos Fradique Mendes, como Álvaro de Campos, tivera experiência oriental (sempre, é claro, segundo as suas biografias fictícias).

Quando preparo esta aula, vejo na televisão uma reportagem sobre desconfinamento em Elvas. Um dos entrevistados fala do «víru». Tem de se escrever assim, porque o simpático alentejano diz a palavra como grave (e palavras terminadas em -u sem acento gráfico seriam lidas como agudas: cfr. «peru», «menu», «tabu»). O que é interessante neste «víru» é que resulta de um processo de derivação não afixal. O falante elvense achou que -os (-us) do final de «vírus» era uma desinência de número, um plural. Por derivação regressiva, com toda a lógica, quando quis usar o singular, suprimiu o -s que considerava servir apenas para marcar o plural: um víru (ou «um viro»).

Lembramo-nos de outros casos de derivação não afixal semelhantes: a sande (singular suposto de «as sandes»), o tene (singular do imaginado plural «os ténis»), o gajo (grau normal do tido como aumentantivo «gajón» percecionado como «gajão»). Sabemos que os casos mais comuns de derivação não afixal são os chamados deverbais (nomes resultantes de verbos, isto é, da interpretação errada da terminação do infinitivo como um sufixo somado a um nome que houvesse já mas que não existia até então): «a janta» (< jantar), «a pesca» (< pescar), «um debate» (< debater). (Sobre derivação não afixal e os outros processos morfológicos de formação de palavras veja-se aqui.)



Lê o texto «Ricardo Reis e Lídia», na p. 276 do manual (copio em baixo).




Responde às perguntas da p. 277, de «Leitura do texto», completando o que já fui lançando como esboço de solução:

1. [Acrescenta as formas verbais que suprimi]

No início do excerto, o sentimento dominante em Lídia __ a tristeza, provocada pela frustração, pelo vazio, por achar que a sua presença ali _____ de justificar-se. O reconhecimento e a proximidade de Ricardo Reis ________-lhe contentamento, realização, plenitude. ________-se, então, a ansiedade e o desejo.

1.1 [Acrescenta os nomes em falta]

O momento de despir a ____ e vestir a sua roupa corresponde ao arrefecimento do corpo e das emoções. A nudez desvenda-a como ______, liberta de uma qualquer condição social, que ama e se sente amada.

2. [Acrescenta os advérbios]

A metáfora da primavera celebra o amor sensual, o rejuvenescimento tardio, mas _________ compensador. A modalização final («talvez») _________ se aproxima da formulação de um desejo, favorecendo a cumplicidade do leitor.

Vê as soluções na Apresentação:


Completa o quadro também na p. 277 («Escrita», 1), substituindo nas minhas soluções as palavras disparatadas pelas corretas. Na solução para cada quadrícula pus uma palavra da minha lavra (portanto, disparatada).

Estatuto social — Estatuto social elevado (encontros ao jantar, na sala de estar do hotel, no teatro, visitas, intensíssimo contacto físico)

Retrato físico — De aparência muito jovem e delicada, impossibilitada de usar a mão central.

Familares / — ligação ao contexto político — Submissão ao genro / — ligação de cumplicidade passiva com o regime (contacto com os diversos meios de propaganda, espetáculos, livros, Fátima)

Papel na relação — Papel decisivo na relação: - marcação do primeiro encontro, visitas (casota e consultório), cartas, separação. / Separação, permanência num poema.

Vivências de Reis — Curiosidade, pedofilia, dúvida.

Os nomes / relação intertextual com as Odes — Nome inscrito num poema escrito depois da separação (poema existente do heterónimo queirosiano).

(Vê solução na Apresentação.)

É esta a ode de Reis em que aparece «Marcenda», ainda que, na verdade, não como nome próprio (maiúscula deve-se ao facto de a palavra iniciar o verso).  

Pensa nas perguntas 2 e 3 no final da p. 277, ambas sobre Lídia e Marcenda. Relativamente ao ponto 3, sem escreveres propriamente, regista o que darias como argumentos (dois) e os exemplos respetivos, depois de decidida a tua posição (que ficaria só numa introdução que houvesse). Antes de anotares essa espécie de plano, lê os dois textos explicativos, ou expositivos, na p. 278 (de Clara Fereira Alves e de Maria Alzira Seixo):



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Guarda essas notas.



Por um destes dias de quarentena, no Público aparecia esta fotografia, com a estátua de Pessoa, do escultor Lagoa Henriques, na Brasileira, num Chiado deserto.



Escreve um texto, do género que queiras, sobre a imagem (vais fazer um comentário à fotografia que no jornal vem na secção «Sem comentários»). Esse teu texto deverá ter a seguinte estrutura:

1.º período — Frase simples.

2.º período — Subordinada adverbial concessiva + Subordinante.

3.º período — Subordinada adverbial temporal + Subordinante.

4.º período — Coordenada + Coordenada assindética + Coordenada copulativa.

5.º período — Coordenada + Coordenada adversativa (que será também Subordinante da oração que se segue) + Subordinada substantiva completiva.

6.º período — Frase simples.

Estive a experimentar e a mim chegaram-me umas setenta e cinco palavras. Resolve por isso tudo em cerca de setenta a cem palavras. Estes seis períodos constituiriam normalmente um único parágrafo, mas admito que, para efeitos de clareza da resposta, possas pôr cada período num novo parágrafo, ficando assim com seis parágrafos.

Reproduzo uns quadros que recordam orações (tirados ambos de Gramática de Português, de Maria Regina Rocha):




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A aula de hoje foi pequena para te dar tempo para o que peço no tepecê, mas também para sugerir que dês agora um golpe de vista a Menina e Moça, de Bernardim Ribeiro, novela que vimos ser referida no cap. III de O Ano da Morte de Ricardo Reis (volto a pôr em baixo essa passagem, muito intertextual, do cap. III) e já nos aparecera igualmente em Frei Luís de Sousa (mencionada por Maria). Uma edição de Menina e Moça (ou História de Menina e Moça) foi agora disponibilizada pela INCM em PDF. Relanceia-a aqui (texto da novela começa na p. 55). É um livro estranho.


TPC — Além da pequena redação «gramatical» sobre a imagem de Pessoa no Chiado (tarefa desta aula 16), lança em «Gaveta do 12.º 3.ª/4.ª/5.ª/9.ª» a tarefa da aula 15, resposta a item 7 de exame sobre processo heteronímico e idiossincrasia do ortónimo, ou, se preferires, a tarefa de escrita da aula 14, a descrição de projeto de capa (mas só uma delas; podes descarregar em Word ou por fotografia do manuscrito).






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