Friday, August 30, 2019

Aula 23 da Quarentena (= 150)


Aula 150 [= 23 da Quarentena] (29/mai [9.ª, 5.ª, 4.ª, 3.ª]) Direi algumas palavras sobre as tarefas do Classroom que comentei há pouco (aula 14 ou 15: capas ou Fernando Pessoa ortónimo/processo heteronímico). Já houve tarefas de cujas concretizações gostei mais. Certas idealizações de capas levaram-me a supor que obra não estaria bem lida. Das respostas tipo 7 de exame construí a imagem de que muitos se terão baseado em informações do manual (ou até das sínteses que estavam na aula), bastante «de sebenta», cerzidas um pouco à pressa.

Quanto a bons exemplos (entre muitos outros que podia usar) socorro-me dos seguintes, ambos da turma 4.ª porque é a que estou a corrigir ao mesmo tempo que escrevo estas linhas:

[Sobre capa:]

Se eu criasse uma capa para O ano da morte de Ricardo Reis, o foco principal seria um jornal, representando a importância das notícias num livro que nos apresenta, serenamente assistida por Reis, a situação política, económica e social do país, enquadrada num contexto mundial. No jornal aberto, poder-se-ia ler alguns títulos, capazes de transportar o observador para o cenário de tormenta da época retratada na história. O fundo da capa seria composto por diversas tonalidades de cinza, assemelhando-se a um céu enublado. O título e o nome do autor localizar-se-iam, em letras a cinzento-escuro, na parte superior da capa. Na zona inferior direita observar-se-ia uma sombra de chapéu e óculos, facilmente identificável como Fernando Pessoa, imprescindível à narrativa como personagem e poeta criador de Ricardo Reis.

[Mafalda, 12.º 4.ª]

[Item 7 de exame:]

Muitas características da poesia dos heterónimos de Pessoa são reflexas das ideologias sobre as quais o ortónimo se debate nos seus poemas, embora adaptadas a cada uma das biografias por ele criadas.

Defendendo que a poesia é fingimento e o poeta um fingidor, Pessoa finge ser múltiplas pessoas, todas diferentes entre si, mas cada uma espelhando aspetos específicos da personalidade do ortónimo. Caeiro representa a vertente mais primitiva e sensacionista de Pessoa, Reis é o seu lado mais consciente e clássico e Campos revela a sua personalidade mais intimista e modernista.

Além disso, Pessoa partilha com os heterónimos linhas temáticas, nomeadamente a reflexão existencial acerca da consciência epicurista da morte de Reis ou a dor de pensar que Caeiro aproveita para exaltar as sensações e a simplicidade.

Os heterónimos, embora diferentes do ortónimo na sua poesia, são apenas a sua outra face e uma nova abordagem aos temas sobre os quais ele escreve, complementando-se.

[Rodrigo, 12.º 4.ª]

Copio ainda uma das capas concretizadas mesmo; havia outras de que gostei (as de Margarida e de Leonor, da mesma turma, a do irmão de Afonso, do 12.º 4.ª, por exemplo), mas não estou a conseguir «extraí-las»:



[Tita, 12.º 3.ª]

Também ainda antes da aula de hoje, quero expor para todos o que só expliquei no turno 2 da turma 9.ª. Percebi que essa explicação demorava demasiado e já não dei a solução desse item nas outras sete — ! — aulas-turnos idênticos. Era a pergunta sobre as evoluções fonéticas havidas desde o latim até se chegar a «perigo» e a «lugar» (p. 287 do manual, «Gramática no texto»).


O que eu teria dito se houvesse tempo vai agora neste interessante comentário oral meu a slides que só cheguei a usar num dos turnos da turma 9.ª. Aproveito para agradecer os parabéns que não me chegaram relativos à brilhante performance do relato oral da peregrinação googlemapesca por Lisboa, nomeadamente no momento do quiproquó «não conseguir dar com a entrada para a Rua do Século». Ouve com atenção até porque esta explicação será objeto de um questionário que farei em breve (enfim, tenho de os obrigar a ouvirem-me durante estes longos quinze minutos):


No resto da aula de hoje vamos centrar-nos num texto já do penúltimo capítulo de O Ano da Morte de Ricardo Reis, de novo um episódio que faz parte do eixo da panorâmica histórica que o romance vai fazendo. Usaremos o Caderno de Atividades, de que reproduzo a ficha 10 (pp. 23-25):

A minha sugestão é que leias as perguntas, penses um pouco nas respostas que darias, ensaiando-as até, mesmo que só oralmente, e passes depois a ler as respostas, que são copiadas das soluções da própria editora.





Aí vão as sugestões de respostas (repito antes cada pergunta):

1. O texto foca um momento decisivo na História europeia do século XX.

1.1. Releva as informações transmitidas sobre o tempo histórico representado no romance.

O excerto diz respeito à rendição de Badajoz, durante a Guerra Civil de Espanha. Mostra o apoio do poder português às forças falangistas, caracterizando a ideologia nacionalista que os unia; narra a destruição da cidade e o «ajuste de contas», traduzido na execução de duas mil pessoas. Ilustra, ainda, o comprometimento da rádio e dos jornais portugueses.

1.2 Comenta o efeito expressivo da ironia, no primeiro e no terceiro parágrafos.

Em «arrepia-se-nos a espinha com a marcial linguagem» (l. 4), o emprego da expressão popular inicial bem como a anteposição do adjetivo imprimem o tom irónico do elogio aparente a uma ideologia que combinava as crenças religiosas com a defesa do militarismo, uma visão épica da História nacional com a detenção de um poder ditatorial. No terceiro parágrafo, expressões como «fiesta», «entoam», «olé», usadas nas touradas, salientam com violência a dimensão do crime perpetrado na praça de touros de Badajoz.

1.3 Assinala e interpreta o emprego da enumeração, da antítese e da metáfora, no terceiro parágrafo.

Enumeração — «Posta em ruínas pelos continuados bombardeamentos, partidas as espadas, embotadas as foices, destroçados os cacetes e mocas» (ll. 26-27) — a sucessão de ações de que a cidade e os seus defensores foram vítimas, expressas sempre por formas verbais na passiva, faz sobressair a força da destruição, bem como a desigualdade de meios: de um lado, as bombas, do outro, as espadas, as foices, os cacetes e mocas.

Antítese — «e a praça de touros abriu as portas para receber os milicianos prisioneiros, depois fechou-se» (ll. 28-29) — a aparente ausência de mão humana nas duas ações envolvidas no contraste enfatiza o desamparo das vítimas.

Metáfora — «os minotauros vestidos de ganga caem uns sobre os outros» (l. 30) — realça a realidade e humanidade das vítimas, por contraposição ao caráter ficcional do mito; o modificador destaca ainda a condição social e civil da maioria, eram operários, não soldados.

2. No plaino abandonado / Que a morna brisa aquece, / De balas trespassado— Duas, de lado a lado —, / Jaz morto, e arrefece. [...] // Tão jovem! Que jovem era! / (agora que idade tem?) / Filho único, a mãe lhe dera / Um nome e o mantivera: / «O menino de sua mãe.» Refere a expressividade do diálogo intertextual estabelecido com o poema «O menino de sua mãe», de Fernando Pessoa, parcialmente transcrito.

As expressões «abandonados plainos», «de balas trespassado», «menino da sua mãe» estabelecem claramente a intertextualidade com o poema de Fernando Pessoa. Neste contexto, com um dos níveis de leitura que dele pode fazer-se: a representação da crueldade da guerra, que trespassa de balas os jovens, os «meninos» que eram amados pelas suas mães.

3. Explicita os aspetos da relação entre Ricardo Reis e Lídia ilustrados pelo texto.

Contendo implícita a referência à ligação física entre Reis e Lídia, o excerto foca mais diretamente o caráter desigual da relação, efémera e inconsequente para ele, mais profunda para ela, como se traduzirá no filho «só da sua mãe».

É também evidenciado o efeito da relação sobre Ricardo Reis, no que toca o progressivo envolvimento, intelectual e emocional, com o mundo em que vive.

Usado em dois breves momentos, o discurso direto reproduz duas vozes antagónicas, relativamente ao acontecimento narrado.

4. Transcreve cada uma das falas e realça a sua representatividade.

«Chegou a hora do ajuste de contas» (ll. 27-28); «Foram mortos dois mil» (l. 39).

A primeira fala faz ouvir a voz do general vencedor, o representante dos poderosos que encontravam na ideologia fascista a sua proteção, dominado pelo desejo de vingança. A segunda é a voz do povo vencido, das mulheres em luto pela perda dos seus filhos.

5. «talvez um recado que veio do futuro, quando enfim todas as coisas puderem saber-se.» (ll. 38-39)

Expõe e fundamenta o teu ponto de vista, sobre o significado da hipótese colocada pelo narrador.

O narrador alude ao tempo da escrita do romance, quando a distância histórica e a liberdade de acesso à informação permitem chegar ao conhecimento dos factos.



Copia-se a seguir o poema de Fernando Pessoa «O menino da sua mãe» (a edição é de Luiz Fagundes Duarte, de livro recentemente disponibilizado online pela INCM, e de que vale a pena ler muitos outros textos: https://www.incm.pt/portal/arquivo/livros/gratuitos/Pessoana_Dispersos.pdf) a que, como se viu, se alude num passo em que O Ano da Morte de Ricardo Reis faz um jogo intertextual com textos de Pessoa:



O MENINO DA SUA MÃE

No plaino abandonado

Que a morna brisa aquece,

De balas traspassado —

Duas, de lado a lado —,

Jaz morto, e arrefece.



Raia-lhe a farda o sangue.

De braços estendidos,

Alvo, louro, exangue,

Fita com olhar langue

E cego os céus perdidos.



Tão jovem! que jovem era!

(Agora que idade tem?)

Filho único, a mãe lhe dera

Um nome e o mantivera:

«O menino da sua mãe.»



Caiu-lhe da algibeira

A cigarreira breve.

Dera-lha a mãe. Está inteira

E boa a cigarreira.

Ele é que já não serve.



De outra algibeira, alada

Ponta a roçar o solo,

A brancura embainhada

De um lenço... Deu-lho a criada

Velha que o trouxe ao colo.



Lá longe, em casa, há a prece:

«Que volte cedo, e bem!»

(Malhas que o Império tece!)

Jaz morto, e apodrece,

O menino da sua mãe.

[maio de 1926]



Não me lembrava eu que este poema (que tem sido muito estudado, e cuja fonte de inspiração é, salvo erro, controvertida) terá estado proibido por alturas da guerra do Ultramar. É engraçado como o reservado Pessoa tantas vezes beliscou os poderes políticos e, neste caso, postumamente. A história é contada neste programa de rádio:


E o que não faltam são interpretações, musicadas ou só declamadas, deste poema de Pessoa, de que aliás não há manuscrito. Foi publicado ainda em vida do poeta, na revista Contemporanea, em maio de 1926. Nota a coincidência: foi no no mês da revolução do 28 de maio de 1926, que levaria ao Estado Novo, e a cujo décimo aniversário, maio de 1936, se alude no romance de José Saramago. Ouve então estas interpretações do poema (que te vão fazer ficar o texto no ouvido por muitos anos):

Por Mafalda Veiga, que há de ter estudado Pessoa, porque foi aluna da Faculdade de Letras de Lisboa:


Por Luís Cília, um dos «cantautores», que atuou entre o antes e depois do 25 de abril:


Por Carlos Mendes, cantor do grupo dos que nos anos sessenta estiveram num incipiente rock português e que ainda atua hoje:


Por Sinde Filipe, que já conhecemos tanto:


Por João Villaret (com tosses e aplausos):


Por Marília Pêra, grande atriz brasileira:


Por Paulo Autran, outro grande ator brasileiro:


TPC — (i) Responde ao questionário que farei sobre esta aula e que ainda não pus no Classroom, mas vou pôr (serão chamados a resolvê-lo entretanto, mas posso ainda demorar um dia ou dois). (ii) Aproveitava também para lhes pedir que na folha que me vão entregar para a semana com o tepecê da aula presencial pusessem estas informações (que me são úteis para tentar preparar o mais utilmente possível o que falta do ano; e, em parte, também para me satisfazer a curiosidade):

Exame(s) que vais fazer: . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

Cursos (faculdades mesmo, se quiseres) em que estás a apostar (como primeiras prioridades): . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .





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