Friday, August 30, 2019

Aula 15 da Quarentena (= 137-137R)


Aula 137-137R [= 15 da Quarentena] (5 [5.ª], 6/mai [3.ª, 4.ª, 9.ª]) Um esclarecimento sobre as próximas correções que faça ao que tem ficado em Classrooms. Não se admirem se comentar ou classificar as tarefas em Classroom fora da na exata ordem das aulas. Pode acontecer que me dê jeito começar por algumas das tarefas mais recentes por, por exemplo, serem mais curtas. (Explicito isto porque poderiam pensar que não me apercebera de algum escrito que tivessem enviado entretanto e o estar a saltar por não o ter visto ou estar a esquecer.) É provável que classifique em primeiro lugar a tarefa da última aula. Já agora, neste caso o que aparecerá é uma nota entre 1 e 5 (recordem a escala do Básico, portanto).

Voltamos a Filipe Melo. Desta vez, para um documentário. Vão reconhecer neste «O homem que gostava de zombies» características — pessoanas — da criação de biografias inventadas para autores de obra efetivamente publicada. Lembra-nos isto, é claro, o processo da criação de heterónimos, pelo menos por causa da ficção de vidas que sucede na carta sobre a génese dos heterónimos escrita por Fernando Pessoa a Adolfo Casais Monteiro (no nosso manual está um excerto, nas pp. 25-27, que lemos; mas também lhes recomendara a versão completa).

Também há neste pastiche de documentário biográfico características borgesianas (isto é de Jorge Luis Borges, o autor argentino de «Análise da obra de Herbert Quain», que Saramago «cita» Ano da Morte de Ricardo Reis, assumindo a existência do livro fictício The God of the Labyrinth). Na aula 4 da Quarentena dera-lhes a ler todo o conto de Borges (recopiei essa parte da aula agora aqui). Se não leram o conto nessa altura, agendem-no para logo que tenham tempo livre.

Uma característica borgesiana é a de citar textos na verdade não escritos, autores e obras que um leitor incauto pode julgar existirem mesmo. Fernando Pessoa também criou um universo semelhante, pôs, por exemplo, os heterónimos a criticarem-se entre si, fê-los envolverem-se até em polémicas da «vida real», etc.

Este documentário, de Filipe Melo, é posterior a I’ll see you in my dreams, o filme de terror cujo autor seria o inventado Eurico Bernardes Catatau, que alguém descreverá como «um génio de obras incompletas», bom epíteto também para Pessoa.

Vê então o documentário, cuja música é de Mário Laginha e Bernardo Sassetti. Anota os raros momentos (frases, factos referidos) em que se deixa perceber que se trata de uma brincadeira, em que o pastiche descamba para a caricatura e passamos a desconfiar estarmos perante ficção e não face a um verdadeiro documentário. Regista uns três casos desses.

O homem que gostava de zombies — 1.ª parte


O homem que gostava de zombies — 2.ª parte


O homem que gostava de zombies — 3.ª parte


Referências demasiado caricaturais que nos permitem inferir que documentário é ficcionado (e biografia de Catatau inventada):

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Na Apresentação, apontam-se exemplos de casos que me parecem trair a verosimilhança do documentário. Provavelmente, alguns até terão sido da responsabilidade dos que testemunhavam, dos depoentes mais prestigiados (o maestro António Victorino d’Almeida, os atores António Feio e Joaquim de Almeida), cujos improvisos Filipe Melo não terá talvez querido corrigir. Note-se aliás a estratégia de convocar para prestar depoimentos pessoas efetivamente ligadas ao meio do cinema, o que confere realismo ao filme.


Dá agora um relance à carta de Pessoa a Adolfo Casais Monteiro, para ver se há casos também demasiado evidentes de mistificação. Lê primeiro o passo com as biografias dos três heterónimos — o que reproduzo a seguir —, mas, se puderes, relanceia depois toda a carta:

«[...] Ricardo Reis nasceu em 1887 (não me lembro do dia e mês, mas tenho-os algures), no Porto, é médico e está presentemente no Brasil. Alberto Caeiro nasceu em 1889 e morreu em 1915; nasceu em Lisboa, mas viveu quase toda a sua vida no campo. Não teve profissão nem educação quase alguma. Álvaro de Campos nasceu em Tavira, no dia 15 de Outubro de 1890 (à 1.30 da tarde, diz-me o Ferreira Gomes, e é verdade, pois, feito o horóscopo para essa hora, está certo). Este, como sabe, é engenheiro naval (por Glasgow), mas agora está aqui em Lisboa em inatividade. Caeiro era de estatura média, e, embora realmente frágil (morreu tuberculoso), não parecia tão frágil como era. Ricardo Reis é um pouco, mas muito pouco, mais baixo, mais forte, mas seco. Álvaro de Campos é alto (1m,75 de altura — mais 2 cm do que eu), magro e um pouco tendente a curvar-se. Cara rapada todos — o Caeiro louro sem cor, olhos azuis; Reis de um vago moreno mate; Campos entre branco e moreno, tipo vagamente de judeu português, cabelo porém liso e normalmente apartado ao lado, monóculo. Caeiro, como disse, não teve mais educação que quase nenhuma — só instrução primária; morreram-lhe cedo o pai e a mãe, e deixou-se ficar em casa, vivendo de uns pequenos rendimentos. Vivia com uma tia velha, tia-avó. Ricardo Reis, educado num colégio de jesuítas, é, como disse, médico; vive no Brasil desde 1919, pois se expatriou espontaneamente por ser monárquico. É um latinista por educação alheia, e um semi-helenista por educação própria. Álvaro de Campos teve uma educação vulgar de liceu; depois foi mandado para a Escócia estudar engenharia, primeiro mecânica e depois naval. Numas férias fez a viagem ao Oriente de onde resultou o «Opiário». Ensinou-lhe latim um tio beirão que era padre.» [excerto da «Carta de Fernando Pessoa a Adolfo Casais Monteiro sobre a génese dos heterónimos», Fernando Pessoa, Cartas, edição de Richard Zenith, 2007]

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Na Apresentação fica a minha opinião sobre o que possa haver de menos verosímil nestas três biografias.

Vê agora o trailer do filme assinado, alegadamente, por Catatau, I’ll see you in my dreams:




Na literatura portuguesa há outros casos de mistificações semelhantes, envolvendo autores que, durante algum tempo, se supôs serem verdadeiros. O caso mais interessante será Carlos Fradique Mendes, um poeta inventado por Eça de Queirós, Batalha Reis, Antero de Quental. Fradique seria o autor de Poemas do Macadam. Poemas soltos de Fradique são, na verdade, da responsabilidade de cada um daqueles intelectuais da geração de setenta.



Mais tardia é A Correspondência de Fradique Mendes, escrita já só por Eça de Queirós Até à página 125 temos a biografia do suposto poeta. Depois é que vêm as cartas assinadas por Fradique.

Entretanto, Carlos Fradique Mendes também aparecera como personagem de O Mistério da Estrada de Sintra, que aliás parte de uma mistificação igualmente. Eça de Queirós e Ramalho Ortigão construíram esta novela policial em cartas que iam sendo publicadas no Diário de Notícias como se enviadas por quaisquer leitores.

Haverá mais casos, é claro. Ocorre-me, mais perto de nós, o das crónicas de António Sousa Homem, um memorialista que se sabe ser afinal o escritor e crítico literário Francisco José Viegas. Em sites de editoras/distribuidoras consta mesmo a biografia de Sousa Homem. 

E em Itália, nestes últimos anos, a escritora mais lida tem sido Elena Ferrante, de existência enigmática e para cujos romances se têm encontrado paternidades várias. Mas afastamo-nos do conceito de heterónimo ou mesmo de autor fictício que nos trouxe até aqui.

Como vimos no início do ano, Fernando Pessoa, além dos três heterónimos e do semi-heterónimo Bernardo Soares, criou ainda muitas outras personalidades cujos nomes subscreveram textos que criou (quem inventariou melhor os autores criados por Pessoa foram Jerónimo Pizarro e Patricio Ferrari em Eu sou uma antologia, que reúne 136 autores fictícios). Também há um caso engraçado de alegado heterónimo, Coelho Pacheco, que afinal existiu mesmo. O poema «Para além doutro oceano» ainda está no Arquivo Pessoa, embora se saiba há muito que Coelho Pacheco era alguém de carne osso, um amigo de Pessoa. Coitado, não deve ser agradável não ter sequer o reconhecimento de ser dado como autor do, salvo erro, único texto que pretendeu publicar (era para sair no Orpheu, no número 3, que ficou em provas tipográficas). Mas não deixa de ser elogioso terem outros podido pensar que aquele texto teria sido escrito por Pessoa.

Escreve uma resposta a este item / de uma prova de exame (inventada por algum heterónimo meu que fosse autor de provas de exame), a parte C de um Grupo I. Sugiro que escrevas a caneta e talvez em cerca de cento e cinquenta palavras. À frente acrescentei umas páginas sebenteiras mas não me parece que sejam muito úteis.

7.        O processo da criação de heterónimos é apenas uma face, a outra face, de características que encontramos na poesia ortónima de Pessoa.

Escreva uma breve exposição na qual comprove a afirmação anterior, baseando-se na sua experiência de leitura da poesia de Fernando Pessoa e no que sabe acerca da questão da heteronímia.

A sua exposição deve incluir:

uma introdução ao tema;

um desenvolvimento no qual explicite dois aspetos que comprovem a afirmação em cima, fundamentando cada um desses aspetos em, pelo menos, um exemplo pertinente;

uma conclusão adequada ao desenvolvimento do tema.



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Aqui está o filme de terror de Catatau/Filipe Melo, I’ll see you in my dreams, agora na íntegra:


TPC — Guarda a resposta ao item 7 pedida atrás. É natural que ta peça proximamente.






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