Sunday, September 16, 2012

Garrett & Canção 9


Filipe [Bom - {tal como as notas seguintes, esta apreciação diz respeito sobretudo à primeira versão do texto, embora tenha tentado também vigiar a revisão havida}]



A música «Sangue Oculto», dos GNR, inserida no sexto álbum (Rock in Rio Douro, 1992) desta conceituada banda portuguesa, poderia enquadrar alguns atos e cenas do Frei Luís de Sousa.

Embora não haja semelhança entre o título da canção e a peça, podemos efetivamente associar algumas das frases da curta canção à extensa obra dramática. Quando analisamos a letra com alguma precisão, conseguimos relacionar «Ardem chamas de dois sois» com o incêndio ocorrido no palácio de Manuel de Sousa Coutinho («Arrebata duas tochas das mãos dos criados, corre à porta da esquerda, atira com uma para dentro; e vê-se atear logo uma labareda imensa. Vai ao fundo, atira a outra tocha e sucede o mesmo. Ouve-se um alarido de fora»), mencionado na cena XI do primeiro ato. No mesmo ato, percebemos o motivo da fuga e do incêndio, que tomou por completo o palácio — «Que são os governantes?» (cena IX); «Ilumino a minha casa para receber os muito poderosos e excelentes senhores governantes destes reinos. Suas excelências podem vir, quando quiserem» (cena XII) —, que se enquadra perfeitamente na frase «Ao fugir de uma investida», ou seja, da investida feita por parte dos governantes.

Ao ouvir a letra, surge outra lembrança da obra, na frase «Ao fugir da própria vida». Vem-nos à memória a reação de Madalena de Vilhena quando soube que o destino da mudança ia ser o palácio de D. João de Portugal, que a fará reviver os fantasmas do passado. Madalena tenta fugir à vida passada com D. João de Portugal («Mas tu não sabes a violência, o constrangimento de alma, o terror com que eu penso em ter de entrar naquela casa»).

O início da música («Há luta na arena artificial / Corre o sangue, mato-me primeiro e a ti depois») poderá servir também de referência ao desaparecimento de D. João de Portugal e à desastrosa batalha de Alcácer Quibir, a 4 de agosto de 1578, que culminou também no desaparecimento de D. Sebastião, admirado por todas as personagens da peça, e sobretudo, por Telmo e Maria, que creem que ele ainda se encontra vivo.

Por fim, consigo identificar ainda mais uma relação entre a música e a obra em «Há luz na artéria principal», embora haja alguma contradição em relação à obra, na medida em que se diz que há luz na artéria principal, partindo do princípio de que «artéria principal» é o palácio de D. João, pois é onde se concentra uma grande mistura de sentimentos por parte das personagens (principalmente, em Madalena de Vilhena) e é também no palácio que D. João de Portugal volta a aparecer.

 

Francisco [Suficiente (+)]



Escolhi para a relacionar com Frei Luís Sousa a música dos Dealema «Nada Dura para Sempre», pertencente ao álbum Grande Tribulação, lançado em 2012. Irei relacionar esta música principalmente com a personagem D. João de Portugal; no entanto, também a irei relacionar com algumas das outras personagens.

Como se diz no título da música e no refrão, "Nada dura para sempre", esta lei pode aplicar-se a D. João de Portugal, que tinha tido uma boa vida até ao seu desaparecimento. "Luta pela tua felicidade / Cria agora a tua realidade" é algo que D. João tenta, pois vai ao encontro de Madalena e Jorge (nomeando-se romeiro) para demonstrar, embora indirectamente, que ainda está vivo. No entanto, não consegue alcançar essa felicidade. "Aqui agora estás vivo / Desperta os sentidos" lembra-nos que D. João regressou e não se deverá deixar abalar, apesar das coisas não estarem a correr da melhor forma; deverá tentar reagir e "despertar os sentidos". "Tentei agarrar coisas que me escaparam das mãos", coisas que já lhe pertenceram mas que, devido à Batalha de Alcácer Quibir, perdeu e já não conseguirá agarrar. "Melancolia do novo dia que nasce / Relembro-me do amor impossível / Um flash em frente aos meus olhos / O sonho desfaz-se / E desvanece-se com o sol expoente" é uma quintilha que assenta perfeitamente em D. João, que, agora, leva uma vida melancólica, em que perdeu o amor da sua vida e apenas recorda essa memória, tornada inatingível ("dizei-lhe que um homem que muito bem lhe quis... aqui está vivo... por seu mal... e daqui não pode sair nem mandar-lhe novas suas").

Passando agora a Madalena, podemos começar por aqui: "Por isso diz o que sentes / E vive sem medo". Seria talvez mais simples dizer tudo o que tem a dizer ao ex-marido e deixar de ser essa personagem que até agora tem sido: uma personagem de receios e fraca psicologicamente. Madalena também pode ser caracterizada por este verso, tendo em conta que é uma personagem que está muitas vezes desmotivada e em choro: "E todo o corpo decai".

Falta-me agora relacionar esta música com Maria e com Manuel de Sousa. Começando por Maria, o terceto "Ama os teus parentes / Nunca percas tempo / Aproveita toda a inocência da infância" pode ser interpretado como um conselho, cujos dois primeiros versos são cumpridos pela jovem rapariga, mas cujo terceiro verso acaba por não se cumprir, pois Maria acaba por se preocupar com assuntos com que não deveria preocupar-se, devido a serem "assuntos de adultos", como acontece no acto I, cena III ("Minha querida Maria, que tu hás de estar sempre a imaginar nessas coisas que são tão pouco para a tua idade!"). A quadra "Aqui nada é permanente / O tempo corre o relógio bate / Chove na minha face / Sinto o fim aproximar-se" está relacionada com a saúde de Maria, rapariga frágil e doente. Nunca se sabe se o seu fim estará próximo, estando por isso seus pais sempre alerta.

Por fim, temos Manuel de Sousa, que em pouco pode ser associado a esta música. Podemos relacioná-lo apenas com uma parte, a seguinte: "Não acredito as trevas não me levam / Porque amo o meu filho" (neste caso, filha). Podemos afirmar que isto assenta em Manuel pois ele ama a sua filha e era um homem corajoso e honrado.

 

Márcia [Bom -/Bom (-)]



Esta música aplica-se a D. Madalena de Vilhena, tendo sido esta a personagem que escolhi para estabelecer uma relação de comparação com a canção. Esta protagonista de Frei Luís de Sousa, de Almeida Garrett, vive sempre neste sufoco, no enorme medo de que o seu primeiro marido volte. Ora a ideia principal da canção é que nos devemos livrar dos nossos “demónios”, o que é usado enquanto sinónimo para medos, pois estes são um entrave à nossa felicidade («And its hard to dance with a devil on your back [E é difícil dançar com um diabo atrás de ti] / So shake him off [Por isso sacode-o]»), da mesma forma que o medo de Madalena de que o seu pesadelo se torne realidade e que D. João ainda se encontre vivo e retorne a impede de aproveitar os seus momentos de felicidade com Manuel de Sousa Coutinho, como nos diz na cena um do ato primeiro («este medo, estes contínuos terrores, que ainda não me deixaram gozar um momento de toda a imensa felicidade que me dava seu amor»).

Madalena não consegue deixar o passado para trás pois tem consciência da incerteza da morte de D. João de Portugal e, não tendo qualquer tipo de segurança que advém do seu passado («I can never leave the past behind [Nunca consigo deixar o passado para trás] / I can see no way, I can see no way [Não consigo ver nenhuma saída, não consigo ver nenhuma saída] / I'm always dragging that horse around [Estou sempre a carregar este peso comigo]»), pois o corpo do seu primeiro marido nunca fora encontrado, não sabe como é não viver no tormento e mergulhar em pensamentos, temendo as consequências que se revelariam com o surgimento de D. João, temor que é caracterizado na cena oito do ato primeiro com as palavras de Madalena a D. Manuel ao referir-se à casa em que vivera com o primeiro marido: «tu não sabes a violência, o constrangimento de alma, o terror com que eu penso em ter de entrar naquela casa». O sentimento assemelha-se à canção pois ela sente este peso que não sabe como deixar para trás

A tentativa de ser feliz, casando-se com Manuel e tendo Maria, deu origem a este mesmo terror, devido ao receio de que Maria fosse ilegítima. À procura de felicidade e amor, encontrou o demónio em si («Because looking for heaven, found the devil in me [Porque à procura do céu, encontrei o diabo em mim]»).

O refrão, como referi brevemente acima, tem uma espécie de conselho, sendo este mesmo o nome da canção («Shake it out [Sacode-o/Expulsa-o]»), que nos diz para soltarmos os nossos medos, o que é impossível para Madalena, tornando-se ainda mais complicado quando o que lhe causa infelicidade se concretiza e D. João volta após vinte anos de cativeiro.

 

Rui [Suf +/Bom -]



Apesar de ser de língua estrangeira, escolhi esta música pela letra, que, de certa maneira, poderia ser um discurso quase irónico de D. João de Portugal num reencontro com Madalena de Vilhena, e também, pelo vídeo, que, não sendo tão importante, é, em certas circunstâncias, adequado à situação em que D. João vai para a guerra de Alcácer Quibir, já que, tal como naquele, o fidalgo é chamado para ir numa “missão de bombeiro”. D. João de Portugal deixou Portugal para combater pela pátria e honrar seu bom nome. Nessa batalha, Alcácer Quibir, D. Sebastião, el-rei, perdeu a vida. D. João julgava-se morto por sua família e aio. Entretanto, vinte e um anos passados, volta a Portugal e encontra toda a família, e até o aio, com uma “nova vida”, Madalena tem Manuel, outro marido, e têm Maria, filha ilegítima. A música escolhida mostra, no entanto, só os sentimentos de D. João de Portugal durante o seu tempo no estrangeiro.

Prefiro reportar o meu comentário à cena XIV do ato segundo, aquando do regresso de D. João de Portugal. Madalena de Vilhena não amava, confessara isso até, D. João. Pelo contrário, o seu primeiro marido sempre a amara. E a sua chegada, vinte e um anos passados da ida para a batalha de Alcácer Quibir, mostra isso mesmo, que o honrado e bom português D. João tinha voltado para mostrar a todos que sempre tinha amado a sua mulher. Na canção que escolhi, vários versos o dizem «Too long, too late | (…) 'Cause you know, you know, you know… (...) That I love you, I have loved you all along, And I miss you, Been far away for far too long…» «Muito tempo, muito tarde | (…) Porque tu sabes, tu sabes, tu sabes… que te amo, que te amei todo este tempo, e que sinto a tua falta, estive longe por muito tempo…». Na cena XIV, D. João refere «um homem que muito bem lhe quis… aqui está vivo.. por seu mal… e daqui não pode sair nem mandar-lhe novas suas», mostrando que amara Madalena todo o tempo em que estivera no cativeiro.

Portanto, em parte, esta letra pode relacionar-se com o facto de D. João regressar e ainda amar quem sempre amara, ao contrário de Madalena, que tinha admitido a Telmo não poder amar D. João de Portugal porque o amor “não está em nós dá-lo, nem quitá-lo”.

 

Sara [Bom (-)]



A adaptação da música dos Sétima Legião, cantada por Tim, vocalista dos Xutos e Pontapés, evidencia alguns sentimentos de D. João de Portugal, quando, após a batalha, se viu perdido, sem família (principalmente, sem a sua mulher, D. Madalena de Vilhena) nem amigos, tendo ficado sozinho e querendo voltar para Portugal, após vinte anos de cativeiro.

«Por quem não esqueci» pode aplicar-se ao amor de D. João de Portugal por D. Madalena («Ainda procuro / Por quem não esqueci / Em nome de um sonho / Em nome de ti»), que, após sete anos de espera pelo reaparecimento do primeiro marido, casara com Manuel de Sousa Coutinho e tivera uma filha — D. Maria de Noronha —, que tinha uma curiosidade extrema sobre a Batalha de Alcácer Quibir e sobre a possibilidade da sobrevivência de D. Sebastião, provocada principalmente pelas dúvidas de Telmo (o aio que tivera como primeiro amo D. João de Portugal), para grande desaprovação de D. Madalena.

Embora ainda sentisse um grande amor por D. Madalena, que vivia já numa angústia constante pelo facto de se encontrar na casa onde tinha vivido com o primeiro marido, João apresentou-se em sua casa enquanto romeiro (ainda que sentindo-se já “Ninguém”), que viera, supostamente, da parte de D. João de Portugal para deixar uma mensagem a Madalena («Por quem não esqueci / Por quem já não volta / Por quem eu perdi»), possivelmente para a assombrar com a revelação de que o primeiro marido tinha sobrevivido à batalha: “Ide a D. Madalena de Vilhena, e dizei-lhe que um homem que muito bem lhe quis… aqui está vivo… por seu mal… e daqui não pode sair nem mandar-lhe novas suas, de há vinte anos que o trouxeram cativo”. Ao ver o sofrimento de D. Madalena de Vilhena, e após Telmo lhe confirmar que, após a batalha, aquela mandara que o procurassem e esforçara-se para que o encontrassem, teve pena da família e quis ir-se embora, tendo pedido que assumissem que o peregrino era um impostor.

Esta música, embora seja mais relacionável com o amor que D. João de Portugal sentia por D. Madalena de Vilhena, também pode ser aplicada ao apreço de Telmo por D. João, uma vez que este nunca perdera a esperança de que o seu amo tivesse sobrevivido à batalha onde também D. Sebastião tinha desaparecido («Espero à noite, por quem não esqueci / Eu peço à noite, um sinal de ti / Por quem eu não esqueci»). Telmo tinha tal admiração por D. João de Portugal, que nunca chegara a aceitar completamente o casamento de D. Madalena de Vilhena com Manuel de Sousa Coutinho que, segundo o aio, era “fidalgo de tanto primor e de tão bom linhagem como os que se têm por melhores neste reino” (mas nem tanto como o seu primeiro amo!).

 

Bárbara [Suficiente +]



Podemos relacionar algumas das estrofes da canção “Circo de Feras”, faixa do homónimo álbum, dos Xutos & Pontapés, lançado em Fevereiro de 1987, com as personagens, e até mesmo com a própria história dramática, de Frei Luís de Sousa. O mesmo título sugere-nos uma vida de dificuldade com muitos sentimentos à sua volta, tal como sucedia com a vida de Madalena, que perdera D. João de Portugal.

“A vida vai torta” alude ao sofrimento e à angústia de Madalena e até mesmo do seu aio Telmo, quando perderam o amado e honrado D. João de Portugal na batalha de Alcácer Quibir.

Entretanto, Madalena casou-se com Manuel de Sousa Coutinho, mas também a este “o azar persegue”. Foram obrigados a abandonar o seu palácio, por nele se quererem instalar os governadores, chegando mesmo a incendiá-lo. Foram por isso obrigados a voltar onde Madalena nunca mais quisera estar, o palácio de D. João de Portugal. Aqui sofreu “o constrangimento de alma, o terror” pela simples lembrança de uma vida passada, achando “ali a sombra despeitosa de D. João”, também presente naquele quadro que  “está ameaçando com uma espada de dois gumes”. Esta estrofe também se pode relacionar com a mágoa de Madalena pela doença de sua filha Maria, que “não é uma criança…muito…muito forte”, necessita de ser protegida de infelicidades passadas, sendo-lhe omitido o passado de sua mãe.

“Eu nunca fiz nada / Que batesse certo” é um dos possíveis pensamentos de Madalena. Nunca quis desrespeitar o seu marido Manuel de Sousa Coutinho, mas terá sido essa a escolha mais acertada a fazer? Madalena viveu infeliz e ainda mais agora, que iria morar para o palácio que jamais queria imaginar em sua mente confusa e perturbada. Contestou, implorou para que não a levassem a “morar ali, (…) com Maria”. Não conseguia voltar ao cúmulo da sua dor, preferia ir “para a cabana de algum pobre pescador” a lembrar momentos passados que a tinham vindo a atormentar nos vinte e um anos de ausência do ex-marido. Também Telmo talvez sofresse com aquela ausência prolongada: a saudade matava-o por dentro e poderia perceber que sofreria ainda mais com o retorno ao palácio onde já vivera com o seu amo, ao saber que este não estaria.

 

Daniel [Suf (-)]



As palavras ditas na canção de Tim reportam, no fundo, uma pessoa que não foi esquecida — o nome da canção é “Por Quem Não Esqueci” — e poderiam aplicar-se a várias personagens do Frei Luís de Sousa.

“Ainda procuro / por quem não esqueci / por quem já não volta / por quem eu perdi” calharia bem a Madalena, devido ao facto de ela se lembrar muitas vezes de D. João de Portugal. Ao acolher-se no palacete onde vivera com o primeiro marido, Madalena depara logo com o retrato de D. João de Portugal. Maria pergunta a Telmo de quem era aquela figura. Telmo hesita e responde “é a… há de ser, é um desses cavaleiros senhores da casa de Vimioso de que aqui estão tantos”. Maria repreende-o afavelmente (“Tu não dizes a verdade, Telmo“) e o aio responde-lhe que nunca mentira. “Mas não diz a verdade toda o senhor Telmo Pais, que é quase o mesmo”. Telmo — “o mesmo? Disse-vos o que sei e o que é verdade, é um cavaleiro da família de meu outro amo, que Deus tenha em bom lugar”.

Maria conta a Telmo que, na noite em que chegaram àquela casa, quando Madalena pusera os olhos no retrato, dera um grito, ficara tão perdida de susto “que me ia caindo em cima e levou-me com uma força, uma pressa a correr por essas casas que parecia que vinha alguma coisa má atrás de nós”.

Irei agora relacionar este último parágrafo com mais uma estrofe da canção de Tim: “Há uma voz de sempre / que chama por mim / para que eu me lembre / que a noite tem fim”. Faço só uma pequena troca — na música há uma voz que chama; na peça, a presença de um retrato que “chama” a lembrança da personagem, já que, quando Madalena chegou à sua antiga casa, depara-se com o retrato e, nos oito dias seguintes, não consegue tirá-lo do pensamento, como se este estivesse presente, como que lhe dissesse que não deveria ter casado com Manuel de Sousa Coutinho, pois, apesar de ter sido dado como morto, podia ainda estar vivo.

Aquele retrato, apesar de ser apenas uma pintura, tem um papel importante, tem o poder de “estragar a vida” a Madalena e, mais tarde, com a chegada do romeiro, ainda mais poder tem, pois é através dele que sabemos que o romeiro é D. João de Portugal.

 

Miguel [Bom -]









‘Here without you’ (aqui sem ti) é o tema desta canção, tal como sucedia com Madalena, que estava sem o seu primeiro marido, D João de Portugal.

D. João desaparece em Alcácer Quibir e, durante sete anos, é procurado. Como não é encontrado, deram-no como morto, Madalena casa com Manuel Sousa Coutinho e, um ano depois, têm uma filha, Maria.

‘All the miles that separate’ (todos os quilómetros que nos separam): Madalena e D. João estavam separados com muitos quilómetros de distância, coisa que talvez não desagradasse a Madalena, porque, na realidade, amava outro. Quando foi hora de mudar de casa, porque Manuel estava a ser perseguido, tiveram de ir para o palacete que pertencera a D. João e aí foi o descalabro para Madalena (‘Mas oh! Esposo da minha alma... para aquela casa não, não me leves para aquela casa!’). Ela não queria nada ir para aquele espaço que só lhe trazia más recordações (‘anywhere I go, it gets hard’ [para todo o sítio que vou, é difícil]), mas não tem outra opção (‘não temos outra para onde ir’).

As primeiras noites naquela casa foram más para Madalena (‘Há oito dias que aqui estamos nesta casa, e é a primeira noite que dorme com sossego’). Madalena não conseguia dormir porque aquela casa lhe trazia más recordações (‘I’m here without you / but you’re still on my lonely mind’ [estou aqui sem ti / mas ainda estás na minha pobre mente]); desde que chegaram àquela casa, Madalena não tinha parado de pensar em D. João (‘I think about you / I dream about you all the time’ [penso em ti/sonho contigo o tempo todo]). Madalena não dormia há oito dias porque não conseguia tirar aqueles pensamentos da cabeça.

Até que um dia, quando Maria e Manuel não estão, aparece um romeiro alegando ter uma mensagem de alguém que tinha conhecido em Jerusalém. Esta mensagem deixou-a transtornada por saber que, afinal, o seu primeiro marido estivera vivo aqueles anos todos, e, no entanto, não reconheceu que aquele romeiro que estava diante de si fosse D. João de Portugal (‘a hundred days have made me older since the last time I saw your pretty face’ [cem dias fizeram-me mais velho, desde a última vez que vi a tua bonita cara]). Não foram bem cem dias, foram vinte e um, mas, com o tempo passado, D. João ficou irreconhecível aos olhos de Madalena, mas não de Jorge.

O tema da canção assenta melhor a D. João, uma vez que ele é que passou estes anos todos sozinho, enquanto que Madalena prosseguiu a sua vida e teve um filha. D. João esteve sempre ‘here without you’ (aqui sem ti).

 

Afonso [Bom +]








A música que escolhi tem, oportunamente, o nome de “A Espera”, que, de forma óbvia, está relacionado com Frei Luís de Sousa pelo modo como duas personagens da peça de Almeida Garrett, Telmo Pais e Madalena Vilhena, passaram os vinte e um anos que são englobados pela história — mais o primeiro, que, de facto, “espera” que D. João de Portugal volte e não perde a esperança de que isso aconteça (“vivo ou morto… não me esqueceu uma letra daquelas palavras; e eu sei que homem era meu amo para as escrever em vão”), enquanto que Madalena encara essa perspetiva mais com medo de que o seu casamento se torne impuro, do que com desejo de que D. João esteja vivo (“não me façais mais desgraçada”) —, o que acaba por ser relativamente semelhante à letra da música de Márcia (“tanto espera aquilo que se faz / o que sem vir do tempo pode alguma vez chegar”) e acaba até por relacionar esse medo com os rumores de que D. Sebastião possa voltar (e com isto referencio uma outra música, esta do Quarteto 1111, em que se refere que “as bruxas e adivinhos (…) / juravam (…) / que vinha D. Sebastião”).

Voltando a Telmo, não é menos que adequado o fim desse primeiro verso de ”A Espera”, em que se diz que “silêncio fazia / ao se calar passava por demente / sem contestar”, porque Telmo, após confessar a D. Madalena como se sentia quanto à possibilidade de regressar D. João de Portugal, se manteve calado (“a minha boca não se abre mais”), atitude que estranhava a Maria que sabia que havia algo que Telmo não lhe estaria a contar por inteiro, mesmo sabendo por alto, devido só à sua enorme inteligência e capacidades excecionais (“é que eu sabia de um saber cá de dentro, ninguém mo tinha dito”), os acontecimentos que aterrorizavam a família.

Finalmente, uma achega acerca de D. João de Portugal que, no fundo, era “um humano tornado vadio” com os vinte e um anos que já haviam passado (“muito velho, e com umas barbas!...”), que aguentara o frio, obstinando-se, e que, ao regressar, poderia ter acabado por sentir que “urgente era o frio não propagar / e entrar para casa adentro / sem nunca mais o deixar”. A verdade é que, no desfecho da história, os medos de Madalena acabam por ser injustificados, já que D. João de Portugal não coloca diretamente em perigo a sua honra, sendo que “tanto espera a vida ou que se faz / ao se saber que o tempo não vem nunca para trás”, o que evidencia, de alguma forma, que o regresso de D. João não está minimamente ligado a um brusco regresso à vida passada de Madalena ou de Telmo Pais, mesmo que afete deveras Manuel e os outros.

 

Carlota [Suficiente]







A música que escolhi ("Nunca me esqueci de ti", de Rui Veloso) enquadra-se especialmente na parte da peça a partir das cenas XIV do Ato II. Caracteriza bem o sentimento de D. João de Portugal, que se apresenta como um Romeiro, vindo "Do Santo-Sepulcro de Jesus Cristo", onde viveu durante "vinte anos cumpridos". O Romeiro desloca-se até ao palácio onde habitara anteriormente, com uma mensagem especial para D. Madalena ("Ide a D. Madalena de Vilhena, e dizei-lhe que um homem que muito bem lhe quis...aqui esta vivo...por seu mal... e daqui não pode sair nem mandar-lhe novas suas, de há vinte anos que o trouxeram cativo").

Os versos "É o riso, é a lágrima / A expressão incontrolada / Não podia ser de outra maneira / É a sorte, é a sina / Uma mão cheia de nada" podem relacionar-se a chegada do Romeiro e a sua tristeza ao aperceber-se de que D. Madalena já tem outra família, que nem sequer reconhece o seu antigo amor e que tinha acreditado na sua morte, sem ter esperado mais do que sete anos pelo seu regresso.

Podemos também associar este passo com a tristeza de D. João ao ver que nem Telmo, "seu pai", o reconhecia. Tal pode ser verificado após Telmo ter questionado o Romeiro, perguntando-lhe quem ele era, ao que o romeiro, começando já a encarnar o papel de D. João de Portugal, respondeu "Ninguém, Telmo; ninguém, se nem já tu me conheces!".

O trecho do refrão "Mas nunca / Me esqueci de ti / Não nunca me esqueci de ti" representa, em grande parte, o sentimento de D. João de Portugal por D. Madalena e também a mensagem que o Romeiro transmitiu em nome de D. João. Pode também referir-se ao facto de D. Madalena nunca se ter esquecido de D. João, embora não o recordasse com o mesmo carinho que este lhe tinha, mas antes com receio do seu regresso, quase como se ele fosse um tormento para si, pois agora amava o seu marido Manuel de Sousa Coutinho e receava pela filha, Maria.

"Tudo muda, tudo parte / Tudo tem o seu avesso" serve para assinalarmos uma grande reviravolta na relação que D. João tinha com D. Madalena, aquando do seu regresso vinte um anos após a partida para a batalha de Alcácer Quibir. E é "Frágil a memória da paixão" pois D. João continuava a amar D. Madalena, o que não se verificava reciprocamente, o que o deixava apenas com a memória de há vinte e um anos atrás.

 

João [Suficiente (+)/Suficiente]






Podemos comparar várias estrofes de “Só tu e eu”, de David Carreira, com as personagens de Frei Luís de Sousa e as suas vivências dramáticas.

“Eu já te perdi e já te encontrei” remete para o ato terceiro desta história, em que D. João de Portugal, primeiro marido de Madalena, surgindo como Romeiro, aparece perante Telmo. D. João, que tinha sido dado como morto na Batalha de Alcácer Quibir, (“morreu no dia em que a sua mulher disse que ele morrera”), estava, finalmente, ali presente. A verdade é que a sua presença naquele palácio, que fora seu em tempos, já não tinha qualquer importância, pois tinha perdido Madalena para Manuel de Sousa Coutinho, “sua mulher que ele já não pode amar sem desonra e vergonha”. No entanto encontrou-a de novo, mas não como a tinha deixado. Madalena já tinha uma filha do seu segundo casamento, Maria. “Já quis afastar-me, mas quando eu te vi” foi um dos pensamentos de D. João nesta sua fase. Quis-se afastar, para que ninguém sofresse, para que ninguém passasse por uma vergonha, mas continuava sempre com a esperança de que tudo pudesse voltar a ser o mesmo. “Que encanto que sedução! Como lhe hei de resistir!?” é uma fala, do próprio D. João, que comprova ainda o seu afeto e a sua ligação a Madalena.

Relativamente ao começo desta história, “Eu já fui um barco perdido no mar” é um verso da canção que faz lembrar o tempo em que Madalena, e também Telmo, sofreram com o desaparecimento de D. João de Portugal na famosa batalha. Passaram muitas mágoas, fizeram de tudo para o tentar encontrar mas, ainda assim, sem resultados. Sentiram-se desorientados e perdidos com o desaparecimento de um homem honrado, corajoso, que protegia os seus ideais, que lutava pela pátria. Madalena não sabia mais o que fazer; restava dá-lo como morto, já que não havia indícios da sua sobrevivência.

Ao verso “Eu já te esqueci”, embora não totalmente, parecia adequar-se Madalena, uma vez que aparentava ter esquecido D. João. Casara com outro homem, refez a sua vida, sentia-se de novo uma pessoa equilibrada… No entanto, o facto de ter de voltar ao palácio onde vivera com o primeiro marido e deixar o local que habitava com Manuel Coutinho fê-la voltar ao passado. Não queria por nada retroceder àquele lugar que lhe trazia tanta dor, tanta aflição (“Mas oh! Esposo da minha alma… para aquela casa não, não me leves para aquela casa!”).

 

Maria [Suficiente (-)]



A música “Do fundo do meu coração», interpretada por Adriana Calcanhotto, pode muito bem caracterizar algumas partes de Frei Luís de Sousa.

“Do fundo do meu coração/ Não volte nunca mais pra mim”, pode associar-se ao texto da peça: Madalena, em muitas das conversas que tinha com Telmo sobre D. João de Portugal, mostrava a sua mágoa e desgosto por não saber onde ele estava e em que situação se encontrava, mas, na verdade, não queria que ele voltasse, porque, como Telmo dizia, o seu amor por D. João de Portugal não fora como o por Manuel. Não só por isto mas também porque já tinha reconstruído a sua vida com Manuel e tido a sua filha, Maria, que, se D. João de Portugal regressasse, seria ilegítima. Este segundo casamento de Madalena, apesar de ser aceite por parte da família de D. João, seria condenado pela religião que seguiam. Telmo, apesar de sempre acreditar que o seu honrado amo estaria vivo, receava a sua chegada, porque o seu amor por Maria se tornava cada vez maior.

«Mas basta agora o que você me fez» era o que podia dizer D. João de Portugal, ao regressar da Terra Santa, depois de vinte e um anos desaparecido, ao reencontrar-se com Madalena e Jorge. A mulher não o reconheceu, devido à maneira como vinha, com barbas grandes, sujas e descuidadas, contrariamente a Jorge, que o conheceu. João apresentara-se como outra pessoa que não ele, dizendo que era apenas um romeiro com uma mensagem para Madalena, da parte de D. João de Portugal, que dizia estar vivo. O estado emocional de D. João de Portugal, nesta cena, verifica-se ser de bastante revolta, quando transmite a sua própria mensagem. De certa forma, já saberia da existência de Maria, naquele momento filha ilegítima de Madalena, e, daí, não se conformar com aquilo que a família lhe teria feito.

Na cena V, quando reencontra D. João de Portugal, o questiona («Romeiro, quem és tu?») e o Romeiro lhe responde que não é ninguém, já que nem o aio o reconhecia, Telmo fica sem nenhuma dúvida de que era o seu primeiro amo que estava ali. É na cena anterior que Telmo admite que o amor que sente por Maria, “a sua outra filha”, não é menor do que aquele que sente por D. João de Portugal. O amor por esta outra filha venceu e é cada vez maior. «Eu pensei que fosse pra ficar» poderia ser um desabafo de D. João de Portugal, quando se apercebe da situação e daquilo que Telmo sente por Maria e acrescenta, quase ciumento, «E a quem já queres mais que a mim, dize a verdade».

 

Pedro M. [Suficiente (-)]



O tema por mim escolhido é um tema de 1979. O tema original aparece, pela primeira vez, no álbum Unknown Pleasures, do grupo Joy Division, e foi intitulado “She’s Lost Control”.

Antes de Manuel de Sousa incendiar a sua própria casa, avisa Madalena que o irá fazer: avisa-a de que se vão mudar para a antiga casa dela e de D. João de Portugal (“Confusion in her eyes that says it all” [A confusão em seus olhos que diz tudo]). Quando Madalena ouve isto, pede “para aquela casa não, não me leves para aquela casa!”. Depois de esta fazer o pedido, Manuel continua decidido a mudar-se para lá. Então, Madalena acaba por aceitar mas com muita dificuldade, sabendo que irá sofrer ao entrar naquela casa. O facto de ela não dormir bem, não suportar os retratos que estão na parede (”But she expressed herself in many different ways / Until she lost control” [Mas ela se expressou de muitas maneiras diferentes / Até que ela perdeu o controlo outa vez]) faz que só ao fim de oitos noites acabe por ter uma noite descansada.

Quando a casa de Manuel de Sousa é “iluminada” pelo próprio no Ato Primeiro, Cena XII, Madalena apercebe-se de que o quadro do marido iria ser destruído, gritando “Salvem-me aquele retrato” e, depois de gritar pelo retrato, agarra-se a Manuel (“She screamed out (…) / And said I’ve lost control” [E ela gritou (…) / e disse perdi o controlo outra vez]). Ou seja, depois de gritar pelo quadro, ao apercebe-se de que este não vai ser salvo, Madalena, de certa forma, «perde o controlo» (‘passa-se’, em português corrente, creio).

No Ato Segundo, Cena I, Maria, na sua segunda fala, explica a Telmo que a mãe, Madalena, está a passar por momentos complicados. O facto de esta ter de ir viver para o palácio do seu segundo marido deixa-a muito em baixo (“And she gave away the secrets of her past / And said I’ve lost control” [E ela revelou os segredos do seu passado / E disse eu perdi o controlo outra vez]). Quando se mudou para o palácio de D. João de Portugal, o seu ex-marido, o passado que ela queria esquecer voltou a aparecer, mas Madalena não o queria aceitar. Por isso, Madalena acabou por perder o controlo.

 

Gonçalo [Suficiente]



Penso que a música “How to save life”, dos The Fray, combina muito bem com as cenas XI, XIII e XIV do ato segundo. A cena XI começa com a entrada de Miranda na sala onde estavam Madalena e Jorge, dizendo, de uma forma apressada, que um peregrino, vindo de Roma e dos Santos-Lugares, pretendia falar com Dona Madalena de Vilhena. A corresponder a essa entrada em cena temos logo o primeiro verso da música. Nesse verso, Isaac Slade (vocalista da banda) diz-nos “Step one, you say we need to talk / Primeiro passo, dizes que temos de falar”, que é o que o Romeiro diz, indiretamente, a Madalena no início da cena XIV. Posteriormente, ainda nos primeiros versos da música antes do refrão, há um começo de conversa entre duas pessoas a que podemos associar a conversa entre Madalena e o Romeiro. “He smiles politely back at you; You stare politely right on through; Some sort of window to your right; / Ele sorri educadamente para ti; Tu olhas educadamente logo de seguida; Um tipo de janela à tua direita”. Podemos observar uma descrição do espaço onde se encontram, que, como o da música, também tem uma janela, assim como associamos a fase dos sorrisos educados à habitual cortesia de alguém do escalão social de Madalena de Vilhena e da respetiva família.

Depois, Madalena e Jorge desconfiam do Romeiro e do porquê da sua vinda. Na música (“Between the lines of fear and blame; You begin to wonder why you came/ Entre as linhas de medo e de culpa; Tu começas a perguntar porque é tu vieste”) apercebemo-nos da mesma situação, pois também Madalena se interroga acerca do Romeiro e começa a perguntar-se qual o seu motivo.

Já no refrão, apesar de o contexto não ser o mesmo que o da música (ao contrário dos versos que já referi), ainda conseguimos encontrar algumas parecenças com alguns momentos de Frei Luís de Sousa. Vejamos o refrão: “Where did I go wrong, I lost a friend; Somewhere along in the bitterness; And I would have stayed up with you all night; Had I known how to save a life / Onde é que eu errei, perdi um amigo; Algures na amargura; E eu tinha ficado contigo a noite toda; Soubesse eu como salvar uma vida”. Quando o “eu” diz que perdeu um amigo, isso lembra-nos que Madalena, no passado, perdera o seu marido (D. João de Portugal), e creio que ela terá feito de tudo para o impedir de ir para Alcácer Quibir, tal como o sujeito poético da música que perdeu o amigo também terá feito tudo para não o perder.

 

Tiago [Suficiente (-)]





A música que vou relacionar com certas cenas de Frei Luís de Sousa é “Primavera”, que pertence ao álbum Primavera, interpretado pela banda portuguesa “The Gift”.

«Hei de te amar, ou então hei de chorar por ti» pode relacionar-se com a peça. Durante o primeiro ato existem várias conversas entre Telmo e Madalena sobre D. João de Portugal. Nestas conversas, Telmo mostra-se magoado por não saber onde se encontra o seu primeiro e honrado amo, D. João de Portugal, e nunca exclui a hipótese de D. João de Portugal estar vivo. Madalena, apesar de ter casado com Manuel, mostra-se sempre interessada e preocupada sobre se D. João de Portugal estaria vivo e onde estaria. Depois de ter abandonado a casa de Manuel, a família tivera de se refugiar sob o teto do palacete do primeiro marido, D. João de Portugal. Quando olha para o seu retrato, que estaria numa das paredes, Madalena sentiu de novo que não seria bom regressar àquela casa («O terror com que eu penso em ter de entrar naquela casa»).

«Somente só» pode associar-se às últimas cenas do segundo ato. O texto da peça gira à volta do Romeiro, D. João de Portugal. Ao relatar a sua chegada, percebemos que, emocionalmente, estava bastante afetado. Isso percebe-se através da sua mensagem, em que diz que sofrera muito durante os vinte anos de cativeiro nas terras santas, e que padecera de muita fome e de maus tratos. D. João de Portugal, depois de tanto tempo cativo, não se conseguia conformar: «Oh! Eu não merecia estar onde estive».

«Algo me diz que há mais amor aqui» lembra-nos a quinta cena do terceiro ato. O Romeiro fala com Telmo, ficando este último sobressaltado e angustiado. Depois de pouco tempo de conversa, Telmo apercebe-se de que a voz do Romeiro era a do seu primeiro amo, D. João de Portugal. Quando se apercebe disto, pergunta-lhe: «Romeiro quem és tu?». Ao ver-se interrogado, D. João de Portugal responde: «Ninguém, Telmo; Ninguém, se nem tu já me conheces». Telmo, ao confrontar-se com esta resposta, fica sem dúvidas nenhumas de quem o Romeiro era: D. João de Portugal. Na cena quarta, Telmo assume que aquilo que sentia por D. João de Portugal era incomparável com o amor que sentia por Maria, a sua “outra filha”, que venceu e que era cada vez maior (daí a relação entre o texto e este excerto da música). D. João de Portugal, ao aperceber-se de que a relação de Telmo e Maria era de grande aproximação, fica, de certa maneira, incomodado e quase ciumento.

«Para te fazer crescer em flor»: um dos grandes medos de Madalena era que a filha do seu segundo casamento com Manuel, Maria, acarinhada por todos até por causa da sua fragilidade e da maneira de ser angelical, não crescesse saudavelmente. Entretanto, o regresso de D. João de Portugal, tornaria Maria não só ilegítima, mas também revoltada, visto que, apesar do segundo casamento de Madalena ser aceite por todos, inclusive pela família de D. João de Portugal, a religião iria condená-los por esse ato. Regressando D. João de Portugal, Maria não poderia ter um futuro feliz, que, na música, é representado por uma flor (que simboliza vida, alegria e felicidade), e iria ficar estigmatizada por ser fruto de um casamento não aceite pela religião.

 

Nuno [Suficiente+/Bom-]




A música, cantada a solo por Tim (no álbum Braço de Prata), mas — julgo eu — originalmente cantada pela banda formada em 1983, Sétima Legião, trata de um sentimento de saudade e tristeza por uma pessoa que, provavelmente, nunca mais se irá ver.

Esta música pode ilustrar o sentimento sentido por Madalena e por Telmo. No caso de Madalena, apenas sentido nos primeiros anos, enquanto tentava desesperadamente encontrar D. João, mas que, após o casamento com Manuel de Sousa Coutinho, desapareceu na sua quase totalidade. Já no caso de Telmo, podemos assumir que ele nunca deixou de acreditar que D. João de Portugal estivesse vivo e, por isso, os versos “Procuro à noite / um sinal de ti” se enquadram bem no sentimento de Telmo. Esse sentimento não é de amor como o de um casal, mas de afeto, como o de um pai para o filho. Podemos acreditar que o sentimento de saudade e de crença de que D. João está vivo é muito superior em Telmo do que em Madalena, pois ela, evidentemente, tenta evitar pensar no antigo marido e, quando é “obrigada” a pensar nele — como aconteceu quando foi para a sua primeira habitação (“tu não sabes a violência, o constrangimento de alma, o terror com que eu penso em ter de entrar naquela casa”) ou quando viu o quadro do ex-marido —, sente um grande terror.

Também parte da letra se enquadra muito bem na personagem de D. João: “Procuro a noite / um sinal de ti/ eu espero a noite/ por quem não esqueci”. Enquanto se encontrava em cativeiro em Jerusalém, muito possivelmente, podemos imaginar que eram estes o sentimento que tinha. Queria certamente voltar a ver a sua mulher, Telmo, a sua família. Podemos imaginar que ele se sentiria triste e cabisbaixo, que teria imensas saudades de casa e que “chorava lagrimas de sangue”, como afirma o romeiro (que vimos a saber ser o próprio João de Portugal). Decerto ele procurava na noite forças para resistir ao inverno de se ver afastado de quem mais ama e de quem ele queria estar. Era à noite que refletia e matava saudades de casa, através de lembranças e de pensamentos.

Em suma, podemos concluir que esta música se enquadra bastante bem na história desenvolvida na peça de Garrett.

 

Tomás [Suficiente +]



Na canção “Streamline” da banda System of a down existe uma sequência na letra que eu gostaria de relacionar com a obra Frei Luís de Sousa.

A base da canção está em “ I wasn’t there for you” (“Eu não estive lá por ti” ou “para ti”), que podemos atribuir à dor constante de Madalena pela morte do seu primeiro marido e à dor, igualmente importante, de Telmo na batalha de Alcácer Quibir. Não esteve Madalena lá (fisicamente) no momento da sua morte e não teve a despedida que queria, pela qual soubesse que D. João não regressaria. É isto que me leva às outras duas frases-base da canção: “You are gone” (“Tu despareceste” ou “morreste” ou “partiste”) e “Goodbyes are long” (“Despedidas são longas” ou “demoradas”), para além da repetição de “Goodbye”, que significa o adeus de Madalena e que tenta forçar a ideia de morte de D. João.

Além da base da canção acho importante referir a seguinte estrofe que penso ser importante na relação entre o texto de Serj Tankian (letrista arménio) e Frei Luís de Sousa: “Well, I know time reveals in hindsight / I can hand wrestle with the stormy night/ Because your love lasts a lifetime / But I can see you through the snow blind” (“Eu sei que o tempo se revela em retrospetiva/ Eu consigo lidar com a noite tempestuosa/ Porque o teu amor (entenda-se, o meu amor por ti) dura uma vida inteira/ Mas eu consigo ver-te através da tempestade”). Nesta quadra podemos inferir uma enorme confusão de sentimentos de Madalena por D. João (“eu sei que o tempo se revela em retrospetiva”), porque o tempo de separação entre os dois só pode ser visto através do passado, ou seja, pelo tempo que distancia o presente do incidente no norte de África. “Eu consigo lidar com a noite tempestuosa” é, provavelmente, a resposta de Madalena à sua própria situação: conseguir amar novamente e prosseguir com a sua vida, o que Madalena faz ao relacionar-se amorosamente com Manuel de Sousa e talvez no ponto máximo de distanciamento do sucedido, com o nascimento de Maria. Toda esta mágoa existe, “porque este amor dura uma vida inteira” e Madalena e Telmo nunca o esquecerão.

Apesar de Madalena estar convicta da morte de D. João, em Telmo permanece uma dúvida que, mais tarde, revelar-se-á como presságio da chegada de D. João: “eu consigo ver-te através da tempestade”. Telmo consegue ver D. João através de uma tempestade, seja ela a guerra onde se perderam muitas vidas e esperanças; seja ela uma tempestade de dúvidas sobre o regresso de D. João (ou até mesmo de D. Sebastião); seja ela uma tempestade de angústias interiores sobre possíveis situações futuras (como o próprio regresso de D. João).

 


Scheltinga [Suficiente -]



Manuel de Sousa Coutinho, ao voltar de Lisboa com a filha, Maria, que piora a condição da sua doença depois dessa viagem, é confrontado com a notícia de que D. João de Portugal está vivo.

Com “Vontade de largar / Tudo o que se tem / Em prol da esperança de um outro além”, Manuel de Sousa Coutinho e sua mulher, Madalena de Vilhena, decidem renunciar à vida secular e dedicar-se à vida religiosa, única forma de resolver a ilegitimidade do seu casamento, pois o primeiro marido de Madalena nunca chegara a morrer.

É nesta altura que nos apercebemos da razão de grande parte do segundo ato estar direcionada para o retrato de D. João e de que Manuel Coutinho se enganara ao dizer a Maria que, se o homem representado no retrato ainda fosse vivo, ela não teria nascido.

O que Manuel não se apercebe ao deixar a vida secular, juntamente com Madalena, para, assim, protegerem Maria, é “Que o medo de largar / Tudo o que se tem / Faz cerrar dividir, desistir também”, como diz a letra de Souls of Fire, tornando-os assim, também mal vistos aos olhos de outras famílias (seguramente aquelas menos nobres), que achariam que eles próprios poderiam lutar um pouco mais pelo seu casamento, sendo que, nesta altura, o divórcio, pelo menos pela igreja anglicana, já era aceite, mas ainda assim era mal visto por quase todos.

Manuel de Sousa Coutinho e Madalena de Vilhena encontram-se, assim, num grande impasse. “São voltas e voltas”, pelas quais o ex-casal passa. O conselho que Márcio Silva e “Dubi”, os autores da letra, lhes deixariam, com a sua música, é que, se “Este é o teu caminho”, então “Vê lá se não te trocas / Não te deixes ir / Não te deixes arrastar.”, mas simplesmente “Encontra o teu caminho”. “Esse é o segredo”, “Mas não há que assustar / Mesmo sendo segredo / Entra lá nesse enredo / Eu sei que vais gostar”.

 


Zanatti [Suficiente -]


Vou basear-me na música de Miguel Araújo, «Os Maridos das Outras». Esta canção é uma crítica, irónica, às mulheres e às suas complicações. Toda a letra pretende transmitir que os homens nunca servem às suas mulheres, que o da vizinho é sempre melhor (“A galinha do lado é sempre melhor que a minha”). O meu objetivo é discordar de tal argumentação, pondo o texto de Garrett em evidência. No Frei Luís de Sousa, Madalena, mulher de Manuel Sousa Coutinho e ex-mulher de João de Portugal, prefere o seu marido atual: faria tudo por ele, nunca o trocaria por algum outro homem, nem mesmo pelo seu primeiro marido.

Na música, o sujeito poético põe as qualidades todas nos maridos das outras e todas as fraquezas e descuidos nos seus maridos (“Os maridos das outras são o arquétipo da perfeição, o pináculo da criação”). Já Madalena tem uma estima grande por seu marido, amando-o acima de todos.

Vemos nestas duas posições conceitos opostos: um critica a mulher, outro evidencia o amor eterno de Madalena. Ao longo do texto de Frei Luís de Sousa, Madalena vai dando sinais desse amor (“Meu adorado esposo, não te deites a perder, não te arrebates”). Outra prova do seu amor é aceitar ir para a sua primeira casa, de que tinha pavor, um medo desgraçado de que algo acontecesse e perdesse sua filha e seu marido.

 

#