Projectos
Tentaremos participar no concurso «Rómulo de Carvalho/António Gedeão, o poeta da Ciência». O prazo é apertado: as páginas de internet sobre vida e obra deste poeta e professor de Físico-Químicas têm de estar consultáveis a 15 de Fevereiro. (O regulamento está aqui.)
Procuraremos que cada uma das cinco turmas tenha uma secção neste blogue, e essa secção constituirá a tal página necessária para concorrermos.
Procuraremos que cada uma das cinco turmas tenha uma secção neste blogue, e essa secção constituirá a tal página necessária para concorrermos.
Nos próximos dias, porei aqui mesmo tarefas que podem começar a ser feitas. Os trabalhos devem depois ser-me enviados através da plataforma da escola. Os alunos do 9.º 1.ª e do 9.º 2.ª — graças a TIC ou a Ciências — já conhecem o processo. Terão agora apenas de entrar em Português (9.º ano) e enviarem o que forem fazendo pelo Wiki Concurso. (Em aula direi a palavra-passe.) Aos alunos das restantes turmas explicarei depois como se pode fazer o registo na plataforma da escola.
Alguns endereços
Página organizada para celebrações do centenário — ver aí, por exemplo, a parte destinada à discografia.
Biografia de Rómulo de Carvalho.
Página do CITI, coordenado por Carlos Correia.
Catálogo de exposição recente na Biblioteca Nacional.
Entrevista ao filho de Rómulo de Carvalho.
Poemas ditos pelo autor.
«Pedra filosofal», cantada por Manuel Freire.
«Lágrima de preta», cantada por Duarte Mendes.
Página do CITI, coordenado por Carlos Correia.
Catálogo de exposição recente na Biblioteca Nacional.
Entrevista ao filho de Rómulo de Carvalho.
Poemas ditos pelo autor.
«Pedra filosofal», cantada por Manuel Freire.
«Lágrima de preta», cantada por Duarte Mendes.
Tarefas
1. [Tarefa para quem gosta e sabe de música] Tendo em conta este poema de António Gedeão, «Canção do oboé», reproduzir (por que meio nético?) um solo de oboé, criado ou aproveitado de outra fonte.]
Canção do oboé
Habita no meu sangue como um solo de oboé.
Inexistente e imaginada
é toda feita de nada
mas necessária como o ar que não se vê.
Com os pés alados das semicolcheias
que extravasam da pauta,
baila no estrado olímpico das veias,
descontraída, turbulente, incauta.
Oiço-a acordado e sinto-me adormecido
nas ondas largas que no sangue vão
como o transístor que se encosta ao ouvido
e apenas ouve quem o tem na mão.
António Gedeão, Obra Completa, Lisboa, Relógio D'Água, [2004], p. 214
2. O poema «Poema épico» apresenta-nos personagens que estão nos antípodas (são exactamente ao contrário) de um herói de uma epopeia. Escreve mais uma quadra, de matriz sintáctica semelhante, que trate ainda de outra figura também humilde, aparentemente sem nada que a recomendasse para heroína de epopeia. Usa um dos esquemas rimáticos nestas quadras de Gedeão (A-B-A-B ou A-B-B-A).
Poema épico
O rapagão da camisola vermelha sacode a melena da testa
e retesa os braços num bocejo como um jovem leão voluptuoso.
Dorme a sesta
o involuntário ocioso.
A filha do alfaiate atirou a tesoura e o dedal pela janela
e sumiu-se na noite escura do mundo.
Quis respirar mais fundo
e isso de ser coitada é lá com ela.
O homem da barba por fazer conta os filhos e as moedas
e balbucia qualquer coisa num tom inexpressivo e roufenho.
Súbito chamejam-lhe os olhos como labaredas:
— Eu já venho!
O da face doente,
o que sofre por tudo e por nada, sem querer,
abana a cabeça negativamente:
— Isto não pode ser! Isto não pode ser!
Sentados às soleiras das portas,
mordendo a língua na tarefa inglória,
com letras gordas e por linhas tortas
vão redigindo a História.
António Gedeão, Obra Completa, Lisboa, Relógio D'Água, [2004], p. 189
3. Ainda de lembrarás de, no sétimo ano, termos lido textos do Diário de Anne Frank. O poema «Anti-Anne Frank» contrasta um drama que tem as «vantagens» de ter sido protagonizado por quem o conseguia relatar, analisar (e acabou por se tornar, postumamente, famosa) e a infelicidade de quem nem pode sequer dar testemunho do seu drama. Os versos 3-7, sempre iniciados por «nunca» dão conta de episódios ocorridos com Anne Frank. Se ainda te lembrares de outros, tendo em conta os textos e o filme que então vimos, acrescenta ao poema mais versos iniciados por «nunca», idealmente com algumas rimas.
Anti-Anne Frank
Esta criança esquálida,
de riso obsceno e olhares alucinados,
nunca apertou nas mãos a fria face pálida,
nunca sentiu, na escada, as botas dos soldados,
nunca enxugou as lágrimas que aniquilam e esgotam,
nunca empalideceu com o metralhar de um tanque,
nem rastejou num sótão,
nem se chama Anne Frank.
Nunca escreveu diário nem nunca foi à escola,
nem despertou o amor dos editores piedosos.
Nunca estendeu as mãos em transes dolorosos
a não ser nos primores da técnica da esmola.
Batem-lhe, pisam-na, insultam-na, sem que ninguém se importe.
E ela, raivosa e pálida,
morde, estrebucha, cospe, odeia até à morte.
Pobre criança esquálida!
Até no sofrimento é preciso ter sorte.
António Gedeão, Obra Completa, Lisboa, Relógio D'Água, [2004], p. 172
4. Neste poema «enquanto», conjunção temporal, serve de título e é realmente fulcral na sintaxe e no sentido do texto. Escreve um poema igualmente fundado numa conjunção à tua escolha.
Enquanto
Enquanto houver um homem caído de bruços no passeio
e um sargento que lhe volte o corpo com a ponta do pé
para ver como é;
enquanto o sangue gorgolejar das artérias abertas
e correr pelos interstícios das pedras,
pressuroso e vivo como vermelhasminhocas despertas;
enquanto as crianças de olhos lívidos e redondos como luas,
órfãs de pais e de mães,
andarem acossadas pelas ruas
como matilhas de cães;
enquanto as aves tiverem de interromper o seu canto
com o coraçãozinho débil a saltar-lhes do peito fremente,
num silêncio de espanto
rasgado pelo grito da sereia estridente;
enquanto o grande pássaro de fogo e alumínio
cobrir o mundo com a sombra escaldante das suas asas
amassando na mesma lama de extermínio
os ossos dos homens e as traves das suas casas;
enquanto tudo isto acontecer, e o mais que não se diz por ser verdade,
enquanto for preciso lutar até ao desespero da agonia,
o poeta escreverá com alcatrão nos muros da cidade:
ABAIXO O MISTÉRIO DA POESIA.
António Gedeão, Obra Completa, Lisboa, Relógio D'Água, [2004], p. 198.
5. Escreve uma 'versão masculina' do poema «Calçada de Carriche». Como verás, este longo poema retrata uma mulher de vida condicionada pelos outros («explorada» pela sua condição de mulher e de operária). Escreverás um texto simétrico, que, em ritmo aproximado, nos mostre o quotidiano de um homem e burguês; ou, segunda hipótese, do homem a que corresponderia o marido desta Luísa.
Calçada de Carriche
Luísa sobe,
sobe a calçada,
sobe e não pode
que vai cansada.
Sobe, Luísa,
Luísa, sobe,
sobe que sobe
sobe a calçada.
Saiu de casa
de madrugada;
regressa a casa
é já noite fechada.
Na mão grosseira,
de pele queimada,
leva a lancheira
desengonçada.
Anda, Luísa,
Luísa, sobe,
sobe que sobe,
sobe a calçada.
Canção do oboé
Habita no meu sangue como um solo de oboé.
Inexistente e imaginada
é toda feita de nada
mas necessária como o ar que não se vê.
Com os pés alados das semicolcheias
que extravasam da pauta,
baila no estrado olímpico das veias,
descontraída, turbulente, incauta.
Oiço-a acordado e sinto-me adormecido
nas ondas largas que no sangue vão
como o transístor que se encosta ao ouvido
e apenas ouve quem o tem na mão.
António Gedeão, Obra Completa, Lisboa, Relógio D'Água, [2004], p. 214
2. O poema «Poema épico» apresenta-nos personagens que estão nos antípodas (são exactamente ao contrário) de um herói de uma epopeia. Escreve mais uma quadra, de matriz sintáctica semelhante, que trate ainda de outra figura também humilde, aparentemente sem nada que a recomendasse para heroína de epopeia. Usa um dos esquemas rimáticos nestas quadras de Gedeão (A-B-A-B ou A-B-B-A).
Poema épico
O rapagão da camisola vermelha sacode a melena da testa
e retesa os braços num bocejo como um jovem leão voluptuoso.
Dorme a sesta
o involuntário ocioso.
A filha do alfaiate atirou a tesoura e o dedal pela janela
e sumiu-se na noite escura do mundo.
Quis respirar mais fundo
e isso de ser coitada é lá com ela.
O homem da barba por fazer conta os filhos e as moedas
e balbucia qualquer coisa num tom inexpressivo e roufenho.
Súbito chamejam-lhe os olhos como labaredas:
— Eu já venho!
O da face doente,
o que sofre por tudo e por nada, sem querer,
abana a cabeça negativamente:
— Isto não pode ser! Isto não pode ser!
Sentados às soleiras das portas,
mordendo a língua na tarefa inglória,
com letras gordas e por linhas tortas
vão redigindo a História.
António Gedeão, Obra Completa, Lisboa, Relógio D'Água, [2004], p. 189
3. Ainda de lembrarás de, no sétimo ano, termos lido textos do Diário de Anne Frank. O poema «Anti-Anne Frank» contrasta um drama que tem as «vantagens» de ter sido protagonizado por quem o conseguia relatar, analisar (e acabou por se tornar, postumamente, famosa) e a infelicidade de quem nem pode sequer dar testemunho do seu drama. Os versos 3-7, sempre iniciados por «nunca» dão conta de episódios ocorridos com Anne Frank. Se ainda te lembrares de outros, tendo em conta os textos e o filme que então vimos, acrescenta ao poema mais versos iniciados por «nunca», idealmente com algumas rimas.
Anti-Anne Frank
Esta criança esquálida,
de riso obsceno e olhares alucinados,
nunca apertou nas mãos a fria face pálida,
nunca sentiu, na escada, as botas dos soldados,
nunca enxugou as lágrimas que aniquilam e esgotam,
nunca empalideceu com o metralhar de um tanque,
nem rastejou num sótão,
nem se chama Anne Frank.
Nunca escreveu diário nem nunca foi à escola,
nem despertou o amor dos editores piedosos.
Nunca estendeu as mãos em transes dolorosos
a não ser nos primores da técnica da esmola.
Batem-lhe, pisam-na, insultam-na, sem que ninguém se importe.
E ela, raivosa e pálida,
morde, estrebucha, cospe, odeia até à morte.
Pobre criança esquálida!
Até no sofrimento é preciso ter sorte.
António Gedeão, Obra Completa, Lisboa, Relógio D'Água, [2004], p. 172
4. Neste poema «enquanto», conjunção temporal, serve de título e é realmente fulcral na sintaxe e no sentido do texto. Escreve um poema igualmente fundado numa conjunção à tua escolha.
Enquanto
Enquanto houver um homem caído de bruços no passeio
e um sargento que lhe volte o corpo com a ponta do pé
para ver como é;
enquanto o sangue gorgolejar das artérias abertas
e correr pelos interstícios das pedras,
pressuroso e vivo como vermelhasminhocas despertas;
enquanto as crianças de olhos lívidos e redondos como luas,
órfãs de pais e de mães,
andarem acossadas pelas ruas
como matilhas de cães;
enquanto as aves tiverem de interromper o seu canto
com o coraçãozinho débil a saltar-lhes do peito fremente,
num silêncio de espanto
rasgado pelo grito da sereia estridente;
enquanto o grande pássaro de fogo e alumínio
cobrir o mundo com a sombra escaldante das suas asas
amassando na mesma lama de extermínio
os ossos dos homens e as traves das suas casas;
enquanto tudo isto acontecer, e o mais que não se diz por ser verdade,
enquanto for preciso lutar até ao desespero da agonia,
o poeta escreverá com alcatrão nos muros da cidade:
ABAIXO O MISTÉRIO DA POESIA.
António Gedeão, Obra Completa, Lisboa, Relógio D'Água, [2004], p. 198.
5. Escreve uma 'versão masculina' do poema «Calçada de Carriche». Como verás, este longo poema retrata uma mulher de vida condicionada pelos outros («explorada» pela sua condição de mulher e de operária). Escreverás um texto simétrico, que, em ritmo aproximado, nos mostre o quotidiano de um homem e burguês; ou, segunda hipótese, do homem a que corresponderia o marido desta Luísa.
Calçada de Carriche
Luísa sobe,
sobe a calçada,
sobe e não pode
que vai cansada.
Sobe, Luísa,
Luísa, sobe,
sobe que sobe
sobe a calçada.
Saiu de casa
de madrugada;
regressa a casa
é já noite fechada.
Na mão grosseira,
de pele queimada,
leva a lancheira
desengonçada.
Anda, Luísa,
Luísa, sobe,
sobe que sobe,
sobe a calçada.
Luísa é nova,
desenxovalhada,
tem perna gorda,
bem torneada.
Ferve-lhe o sangue
de afogueada;
saltam-lhe os peitos
na caminhada.
Anda, Luísa,
Luísa, sobe,
sobe que sobe,
sobe a calçada.
Passam magalas,
rapaziada,
palpam-lhe as coxas
não dá por nada.
Anda, Luísa,
Luísa, sobe,
sobe que sobe,
sobe a calçada.
Chegou a casa
não disse nada.
Pegou na filha,
deu-lhe a mamada;
bebeu a sopa
numa golada;
lavou a loiça,
varreu a escada;
deu jeito à casa
desarranjada;
coseu a roupa
já remendada;
despiu-se à pressa,
desinteressada;
caiu na cama
de uma assentada;
chegou o homem,
viu-a deitada;
serviu-se dela,
não deu por nada.
Anda, Luísa.
Luísa, sobe,
sobe que sobe,
sobe a calçada.
Na manhã débil,
sem alvorada,
salta da cama,
desembestada;
puxa da filha,
dá-lhe a mamada;
veste-se à pressa,
desengonçada;
anda, ciranda,
desaustinada;
range o soalho
a cada passada,
salta para a rua,
corre açodada,
galga o passeio,
desce o passeio,
desce a calçada,
chega à oficina
à hora marcada,
puxa que puxa,
larga que larga,
puxa que puxa,
larga que larga,
puxa que puxa,
larga que larga,
puxa que puxa,
larga que larga;
toca a sineta
na hora aprazada,
corre à cantina,
volta à toada,
puxa que puxa,
larga que larga,
puxa que puxa,
larga que larga,
puxa que puxa,
larga que larga.
Regressa a casa
é já noite fechada.
Luísa arqueja
pela calçada.
Anda, Luísa,
Luísa, sobe,
sobe que sobe,
sobe a calçada,
sobe que sobe,
sobe a calçada,
sobe que sobe,
sobe a calçada.
Anda, Luísa,
Luísa, sobe,
sobe que sobe,
sobe a calçada.
António Gedeão, Obra Completa, Lisboa, Relógio D'Água, [2004], p. 140.
6. Lê o conhecido «Pedra filosofal». Talvez tenhas estado, em Novembro de 2005, na sessão do aniversário da escola em que Manuel Freire cantou a canção com esta letra. (Essa canção, que há trinta e muitos anos tornou este poema tão conhecido, podes ouvi-la aqui.) Os últimos versos da terceira estrofe («alto-forno, geradora, / cisão de átomo, radar, / ultra-som, televisão, / desembarque em foguetão / na superfície lunar» pretendem referir o que na altura seriam os expoentes da modernidade. Prossegue essa estrofe, acrescentando uma dezena de versos com nomes ou situações que hoje seriam representativas da mesma modernidade.
Pedra filosofal
Eles não sabem que o sonho
é uma constante da vida
tão concreta e definida
como outra coisa qualquer,
como esta pedra cinzenta
em que me sento e descanso,
como este ribeiro manso
em serenos sobressaltos,
como estes pinheiros altos
que em oiro se agitam,
como estas aves que gritam
em bebedeiras de azul.
Eles não sabem que o sonho
é vinho, é espuma, é fermento,
bichinho álacre e sedento,
de focinho pontiagudo,
que fossa através de tudo
num perpétuo movimento.
Eles não sabem que o sonho
é tela, é cor, é pincel,
base, fuste, capitel,
arco em ogiva, vitral,
pináculo de catedral,
contraponto, sinfonia,
máscara grega, magia,
que é retorta de alquimista,
mapa do mundo distante,
rosa-dos-ventos, Infante,
caravela quinhentista,
que é cabo da Boa Esperança,
ouro, canela, marfim,
florete de espadachim,
bastidor, paço de dança,
Colombina e Arlequim,
passarola voadora,
pára-raios, locomotiva,
barco de proa festiva,
alto-forno, geradora,
cisão de átomo, radar,
ultra-som, televisão,
desembarque em foguetão
na superfície lunar.
Eles não sabem, nem sonham,
que o sonho comanda a vida.
Que sempre que o homem sonha
o mundo pula e avança
como bola colorida
entre as mãos de uma criança.
António Gedeão, Obra Completa, Lisboa, Relógio D'Água, [2004], p. 104
7. Fazer uma paródia a «Lágrima de Preta». Substituir «lágrima» por alguma outra excreção e fazer as outras adaptações necessárias.
Lágrima de preta
Encontrei uma preta
que estava a chorar,
pedi-lhe uma lágrima
para a analisar.
Recolhi a lágrima
com todo o cuidado
num tubo de ensaio
bem esterilizado.
Olhei-a de um lado,
do outro e de frente:
tinha um ar de gota
muito transparente.
Mandei vir os ácidos,
as bases e os sais,
as drogas usadas
em casos que tais.
Ensaiei a frio,
experimentei ao lume,
de todas as vezes
deu-me o que é costume:
nem sinais de negro,
nem vestígios de ódio.
Água (quase tudo)
e cloreto de sódio.
António Gedeão, Obra Completa, Lisboa, Relógio D'Água, [2004], p. 163
8. Uma das professoras de Físico-Químicas da escola ainda chegou a ser colega de Rómulo de Carvalho, o liceu em que este foi professor, a Escola Secundária Pedro Nunes. Fazer perguntas para uma entrevista a esta professora, acerca de como era António Gedeão enquanto professor de liceu.
9. Desenhar uma nova capa para um dos livros de António Gedeão (ou de Rómulo de Carvalho).
desenxovalhada,
tem perna gorda,
bem torneada.
Ferve-lhe o sangue
de afogueada;
saltam-lhe os peitos
na caminhada.
Anda, Luísa,
Luísa, sobe,
sobe que sobe,
sobe a calçada.
Passam magalas,
rapaziada,
palpam-lhe as coxas
não dá por nada.
Anda, Luísa,
Luísa, sobe,
sobe que sobe,
sobe a calçada.
Chegou a casa
não disse nada.
Pegou na filha,
deu-lhe a mamada;
bebeu a sopa
numa golada;
lavou a loiça,
varreu a escada;
deu jeito à casa
desarranjada;
coseu a roupa
já remendada;
despiu-se à pressa,
desinteressada;
caiu na cama
de uma assentada;
chegou o homem,
viu-a deitada;
serviu-se dela,
não deu por nada.
Anda, Luísa.
Luísa, sobe,
sobe que sobe,
sobe a calçada.
Na manhã débil,
sem alvorada,
salta da cama,
desembestada;
puxa da filha,
dá-lhe a mamada;
veste-se à pressa,
desengonçada;
anda, ciranda,
desaustinada;
range o soalho
a cada passada,
salta para a rua,
corre açodada,
galga o passeio,
desce o passeio,
desce a calçada,
chega à oficina
à hora marcada,
puxa que puxa,
larga que larga,
puxa que puxa,
larga que larga,
puxa que puxa,
larga que larga,
puxa que puxa,
larga que larga;
toca a sineta
na hora aprazada,
corre à cantina,
volta à toada,
puxa que puxa,
larga que larga,
puxa que puxa,
larga que larga,
puxa que puxa,
larga que larga.
Regressa a casa
é já noite fechada.
Luísa arqueja
pela calçada.
Anda, Luísa,
Luísa, sobe,
sobe que sobe,
sobe a calçada,
sobe que sobe,
sobe a calçada,
sobe que sobe,
sobe a calçada.
Anda, Luísa,
Luísa, sobe,
sobe que sobe,
sobe a calçada.
António Gedeão, Obra Completa, Lisboa, Relógio D'Água, [2004], p. 140.
6. Lê o conhecido «Pedra filosofal». Talvez tenhas estado, em Novembro de 2005, na sessão do aniversário da escola em que Manuel Freire cantou a canção com esta letra. (Essa canção, que há trinta e muitos anos tornou este poema tão conhecido, podes ouvi-la aqui.) Os últimos versos da terceira estrofe («alto-forno, geradora, / cisão de átomo, radar, / ultra-som, televisão, / desembarque em foguetão / na superfície lunar» pretendem referir o que na altura seriam os expoentes da modernidade. Prossegue essa estrofe, acrescentando uma dezena de versos com nomes ou situações que hoje seriam representativas da mesma modernidade.
Pedra filosofal
Eles não sabem que o sonho
é uma constante da vida
tão concreta e definida
como outra coisa qualquer,
como esta pedra cinzenta
em que me sento e descanso,
como este ribeiro manso
em serenos sobressaltos,
como estes pinheiros altos
que em oiro se agitam,
como estas aves que gritam
em bebedeiras de azul.
Eles não sabem que o sonho
é vinho, é espuma, é fermento,
bichinho álacre e sedento,
de focinho pontiagudo,
que fossa através de tudo
num perpétuo movimento.
Eles não sabem que o sonho
é tela, é cor, é pincel,
base, fuste, capitel,
arco em ogiva, vitral,
pináculo de catedral,
contraponto, sinfonia,
máscara grega, magia,
que é retorta de alquimista,
mapa do mundo distante,
rosa-dos-ventos, Infante,
caravela quinhentista,
que é cabo da Boa Esperança,
ouro, canela, marfim,
florete de espadachim,
bastidor, paço de dança,
Colombina e Arlequim,
passarola voadora,
pára-raios, locomotiva,
barco de proa festiva,
alto-forno, geradora,
cisão de átomo, radar,
ultra-som, televisão,
desembarque em foguetão
na superfície lunar.
Eles não sabem, nem sonham,
que o sonho comanda a vida.
Que sempre que o homem sonha
o mundo pula e avança
como bola colorida
entre as mãos de uma criança.
António Gedeão, Obra Completa, Lisboa, Relógio D'Água, [2004], p. 104
7. Fazer uma paródia a «Lágrima de Preta». Substituir «lágrima» por alguma outra excreção e fazer as outras adaptações necessárias.
Lágrima de preta
Encontrei uma preta
que estava a chorar,
pedi-lhe uma lágrima
para a analisar.
Recolhi a lágrima
com todo o cuidado
num tubo de ensaio
bem esterilizado.
Olhei-a de um lado,
do outro e de frente:
tinha um ar de gota
muito transparente.
Mandei vir os ácidos,
as bases e os sais,
as drogas usadas
em casos que tais.
Ensaiei a frio,
experimentei ao lume,
de todas as vezes
deu-me o que é costume:
nem sinais de negro,
nem vestígios de ódio.
Água (quase tudo)
e cloreto de sódio.
António Gedeão, Obra Completa, Lisboa, Relógio D'Água, [2004], p. 163
8. Uma das professoras de Físico-Químicas da escola ainda chegou a ser colega de Rómulo de Carvalho, o liceu em que este foi professor, a Escola Secundária Pedro Nunes. Fazer perguntas para uma entrevista a esta professora, acerca de como era António Gedeão enquanto professor de liceu.
9. Desenhar uma nova capa para um dos livros de António Gedeão (ou de Rómulo de Carvalho).
10. Palavras cruzadas sobre António Gedeão / Rómulo de Carvalho. Primeiro reunir algumas palavras que se querira serem perguntadas e ver como se poderiam cruzar. Depois, acrescentar palavras já não relacionadas com António Gedeão. A parte mais importante é a redacção das indicações.
11. Escrever poema «antónimo» do seguinte poema de António Gedeão: «Poema da auto-estrada».
Poema da auto-estrada
Voando vai para a praia
Leonor na estrada preta.
Vai na brasa, de lambreta.
Leva calções de pirata,
Vermelho de alizarina,
modelando a coxa fina
de impaciente nervura.
Como guache lustroso,
amarelo de indantreno,
blusinha de terileno.
desfraldada na cintura.
Fuge, fuge, Leonoreta.
Vai na brasa, de lambreta.
Agarrada ao companheiro
na volúpia da escapada
pincha no banco traseiro
em cada volta da estrada.
Grita de medo fingido,
que o receio não é com ela,
mas por amor e cautela
abraça-o pela cintura.
Vai ditosa, e bem segura.
Como um rasgão na paisagem
corta a lambreta afiada,
engole as bermas da estrada
e a rumorosa folhagem.
Urrando, estremece a terra,
bramir de rinoceronte,
enfia pelo horizonte
como um punhal que se enterra.
Tudo foge à sua volta,
o céu, as nuvens, as casas,
e com os bramidos que solta
lembra um demónio com asas.
Na confusão dos sentidos
já nem percebe, Leonor,
se o que lhe chega aos ouvidos
são ecos de amor perdidos
se os rugidos do motor.
Fuge, fuge, Leonoreta.
Vai na brasa, de lambreta.
António Gedeão, Obra Completa, Lisboa, Relógio D'Água, [2004], p. 177
12. O poema que se segue, ao contrário do que é costume na poesia de António Gedeão, não é rimado. Os seus versos são aliás extensos, quase como se se tratasse de prosa. Escreve uma continuação do poema.
Poema do poste com flores amarelas
Vieram os operários, puseram o poste de ferro na berma do passeio
e foram-se para voltar noutro dia.
O poste tinha sido pintado há pouco de verde
e quando lhe batia o sol rutilava como as escamas dos dragões.
Mesmo junto do poste, no passeio, havia uma árvore que dava flores amarelas,
e o vento fez cair algumas flores amarelas sobre o poste verde.
As pessoas que por ali passavam diziam «que chatice de poste»,
mas o poeta sorria para as flores amarelas.
António Gedeão, Obra Completa, Lisboa, Relógio D'Água, [2004], p. 220
13. Seguindo a matriz sintáctica do poema «Lição sobre a água», escrever uma «Lição sobre o vinho». Começarás assim «Este líquido é vinho / Quando ...». Tenta respeitar a tal «matriz sintáctica» e conseguir rima segundo o mesmo esquema rimático (ou muito aproximado).
Lição sobre a água
Este líquido é água.
Quando pura
é inodora, insípida e incolor.
Reduzida a vapor,
sob tensão e a alta temperatura,
move os êmbolos das máquinas que, por isso,
se denominam máquinas de vapor.
É um bom dissolvente.
Embora com excepções mas, de um modo geral,
dissolve tudo bem, ácidos, base e sais.
Congela a zero graus centesimais
e ferve a 100, quando à pressão normal.
Foi neste líquido que numa noite cálida de Verão,
sob um luar gomoso e branco de camélia,
apareceu a boiar o cadáver de Ofélia
com um nenúfar na mão.
António Gedeão, Obra Completa, Lisboa, Relógio D'Água, [2004], p. 202
14. Escrever Alfabeto sobre António Gedeão / Rómulo de Carvalho. (Esta tarefa implica ler bastante sobre o poeta. Interessará fazer as vinte e tais palavras, com comentários interessantes.)
15. Escrever comentários curtos sobre sites que se ocupam de Gedeão ou Rómulo de Carvalho (na página da turma apresentar-se-á depois o elenco dos links cada um com esses comentários).
16. Pequeno filme alusivo (depois alojável no YouTube) a algum dos poemas de Gedeão.
17. Fotografia(s) alusiva(s) a algum poema (capaz(es) de o ilustrar).
18. Desenho alusivo a algum dos poemas.
19. Charada figurada sobre algum verso / frase de António Gedeão (convirá escolher verso ou frase dos mais conhecidos).
20. O poema que se segue é um acróstico (o início dos versos, lido na vertical, constitui um nome) escrito por Rómulo de Carvalho aos 11 anos. Escreve um acróstico, e também dedicado a uma pessoa ou a coisa de muito gostes. Usa o mesmo esquema rimático (A-B-A-B-C-D-C-D).
Anacleta
A mei-te ao ver-te formosa
N aquela bela manhã
A mei-te ao ver-te viçosa
C omo uma rosa louçã.
L endo num livro ela estava
E ncostada ao seu balcão
T endo gesto que mostrava
A mar-me do coração.
António Gedeão, Obra Completa, Lisboa, Relógio D'Água, [2004], p. 639.
21. Rómulo de Carvalho, com apenas onze anos, escreveu uma continuação dos Lusíadas, que se ocupava da história de Portugal posterior a Alcácer-Quibir. Escreve tu uma estância dedicada também a um facto da história de Portugal posterior ao século XVI. Cumpre o esquema rimático seguido na epopeia de Camões (e nas estrofes do adolescente Rómulo) e procura fazer, aproximadamente, a mesma métrica.
Canto XI
I
Depois da sanguinolenta batalha,
Conhecida por Alcácer-Quibir
Ficando tudo numa só mortalha,
Fidalgos, e El-Rei logo a seguir,
Valentes e todos da mesma igualha,
Nenhum se recusou e quis fugir,
Nem D. Sebastião; só se meteu
Entre seu inimigo, onde morreu.
II
Por morte de El-Rei D. Sebastião,
Que tristíssima foi e mui fatal,
Lhe sucedeu um tio prelado, então,
Sendo dos da igreja um Cardeal
Segundo primo de El-Rei D. João
Descendente dos reis de Portugal,
Do Príncipe perfeito, seu cognome,
Por sua altivez, seu valor e nome.
António Gedeão, Obra Completa, Lisboa, Relógio D'Água, [2006], 636
22. A propósito do «Poema da Noiva de Chagall», escolhe uma outra pintura [buscada, por exemplo, em site de pintura] e escreve poema alusivo.
Poema da Noiva de Chagall
Tenho os olhos repletos de ventura.
E isto simplesmente
por ver na minha frente um tanque de água,
bancos de pedra à volta
e uns modestos arbustos sem grandeza.
Como a ventura é fácil quando tudo
se mede em desventura!
Tudo se junta neste quadro ameno
para dar felicidade momentânea;
e o que falta, que é tudo, isso, imagino.
A luz do Sol escondido a jorros brota,
caustica a pele e afogueia o rosto;
nos arbustos despidos as flores rescendem;
e no tanque parado, de águas sujas,
o transparente líquido se eleva
e em parábolas cai na morta superfície.
Desce um pombo do alto em voo lento
e na borda do tanque poisa, e olha.
Finjo que sou de pedra; e o pombo olha-me.
Finge-se ele de pedra enquanto o olho,
e assim nos demoramos, um e outro,
até nos convencermos
que só de mútuo amor se vive em paz.
Um roçar de asas vem do alto e desce.
É ela, a pomba, o número que faltava
no programa das festas dos meus olhos.
Ao lado dele poisa, e tão chegada
que as penas dele em mim se sobressaltam.
Foi então que um rumor tão insensível
como um abril de pétalas
roçou por entre as folhas dos arbustos.
A noiva de Chagall,
micro-onda violeta, espuma de detergente,
flutuando ao sabor de uma suposta brisa,
alegre e rápida, voluptuosa e breve,
em círculos de renda me envolveu.
De vassoura de esparto, o homem do jardim
juntava as folhas secas,
e ao juntá-las,
diluía rumores no silêncio da tarde
enquanto ia pensando noutra coisa.
António Gedeão, Obra Completa, Lisboa, Relógio D'Água, [2004], p. 242
23. Repara nos seis primeiros versos do «Poema do alegre desespero». Escreve mais algumas estrofes com o mesmo esquema rimático e que tenham (ou tenham subentendida) a frase «compreende-se que ninguém se lembre de».
Poema do alegre desespero
Compreende-se que lá para o ano três mil e tal
ninguém se lembre de certo Fernão Barbudo
que plantava couves em Oliveira do Hospital,
ou da minha virtuosa tia-avó Maria das Dores
que tirou um retrato toda vestida de veludo
sentada num canapé junto de um vaso com flores.
Compreende-se.
E até mesmo que já ninguém se lembre que houve três impérios no Egipto
(o Alto Império, o Médio Império e o Baixo Império)
com muitos faraós, todos a caminharem de lado e a fazerem tudo de perfil,
e o Estrabão, o Artaxerxes, e o Xenofonte, e o Heraclito,
e o desfiladeiro das Termópilas, e a mulher do Péricles, e a retirada dos dez mil,
e os reis de barbas encaracoladas que eram senhores de muitas terras,
que conquistavam o Lácio e perdiam o Epiro, e conquistavam o Epiro e perdiam o Lácio,
e passavam a vida inteira a fazer guerras,
e quando batiam com o pé no chão faziam tremer todo o palácio,
e o resto tudo por aí fora,
e a Guerra dos Cem Anos,
e a Invencível Armada,
e as campanhas de Napoleão,
e a bomba de hidrogénio,
e os poemas de António Gedeão.
Compreende-se.
Mais império menos império,
mais faraó menos faraó,
será tudo um vastíssimo cemitério,
cacos, cinzas e pó.
Compreende-se.
Lá para o ano três mil e tal.
E o nosso sofrimento para que serviu afinal?
António Gedeão, Obra Completa, Lisboa, Relógio D'Água, [2004], p. 220
22. A propósito do «Poema da Noiva de Chagall», escolhe uma outra pintura [buscada, por exemplo, em site de pintura] e escreve poema alusivo.
Poema da Noiva de Chagall
Tenho os olhos repletos de ventura.
E isto simplesmente
por ver na minha frente um tanque de água,
bancos de pedra à volta
e uns modestos arbustos sem grandeza.
Como a ventura é fácil quando tudo
se mede em desventura!
Tudo se junta neste quadro ameno
para dar felicidade momentânea;
e o que falta, que é tudo, isso, imagino.
A luz do Sol escondido a jorros brota,
caustica a pele e afogueia o rosto;
nos arbustos despidos as flores rescendem;
e no tanque parado, de águas sujas,
o transparente líquido se eleva
e em parábolas cai na morta superfície.
Desce um pombo do alto em voo lento
e na borda do tanque poisa, e olha.
Finjo que sou de pedra; e o pombo olha-me.
Finge-se ele de pedra enquanto o olho,
e assim nos demoramos, um e outro,
até nos convencermos
que só de mútuo amor se vive em paz.
Um roçar de asas vem do alto e desce.
É ela, a pomba, o número que faltava
no programa das festas dos meus olhos.
Ao lado dele poisa, e tão chegada
que as penas dele em mim se sobressaltam.
Foi então que um rumor tão insensível
como um abril de pétalas
roçou por entre as folhas dos arbustos.
A noiva de Chagall,
micro-onda violeta, espuma de detergente,
flutuando ao sabor de uma suposta brisa,
alegre e rápida, voluptuosa e breve,
em círculos de renda me envolveu.
De vassoura de esparto, o homem do jardim
juntava as folhas secas,
e ao juntá-las,
diluía rumores no silêncio da tarde
enquanto ia pensando noutra coisa.
António Gedeão, Obra Completa, Lisboa, Relógio D'Água, [2004], p. 242
23. Repara nos seis primeiros versos do «Poema do alegre desespero». Escreve mais algumas estrofes com o mesmo esquema rimático e que tenham (ou tenham subentendida) a frase «compreende-se que ninguém se lembre de».
Poema do alegre desespero
Compreende-se que lá para o ano três mil e tal
ninguém se lembre de certo Fernão Barbudo
que plantava couves em Oliveira do Hospital,
ou da minha virtuosa tia-avó Maria das Dores
que tirou um retrato toda vestida de veludo
sentada num canapé junto de um vaso com flores.
Compreende-se.
E até mesmo que já ninguém se lembre que houve três impérios no Egipto
(o Alto Império, o Médio Império e o Baixo Império)
com muitos faraós, todos a caminharem de lado e a fazerem tudo de perfil,
e o Estrabão, o Artaxerxes, e o Xenofonte, e o Heraclito,
e o desfiladeiro das Termópilas, e a mulher do Péricles, e a retirada dos dez mil,
e os reis de barbas encaracoladas que eram senhores de muitas terras,
que conquistavam o Lácio e perdiam o Epiro, e conquistavam o Epiro e perdiam o Lácio,
e passavam a vida inteira a fazer guerras,
e quando batiam com o pé no chão faziam tremer todo o palácio,
e o resto tudo por aí fora,
e a Guerra dos Cem Anos,
e a Invencível Armada,
e as campanhas de Napoleão,
e a bomba de hidrogénio,
e os poemas de António Gedeão.
Compreende-se.
Mais império menos império,
mais faraó menos faraó,
será tudo um vastíssimo cemitério,
cacos, cinzas e pó.
Compreende-se.
Lá para o ano três mil e tal.
E o nosso sofrimento para que serviu afinal?
António Gedeão, Obra Completa, Lisboa, Relógio D'Água, [2004], p. 220
24. Escreve um «Poema para [outra figura histórica (da ciência, da cultura)]».
POEMA PARA GALILEO
Estou olhando o teu retrato, meu velho pisano,
aquele teu retrato que toda a gente conhece,
em que a tua bela cabeça desabrocha e floresce
sobre um modesto cabeção de pano.
Aquele retrato da Galeria dos Ofícios da tua velha Florença.
(Não, não, Galileo! Eu não disse Santo Ofício.
Disse Galeria dos Ofícios.)
Aquele retrato da Galeria dos Ofícios da requintada Florença.
Lembras-te? A Ponte Vecchio, a Loggia, a Piazza della Signoria...
Eu sei... Eu sei…
As margens doces do Arno às horas pardas da melancolia.
Ai que saudade, Galileo Galilei!
Olha. Sabes? Lá em Florença
está guardado um dedo da tua mão direita num relicário.
Palavra de honra que está!
As voltas que o mundo dá!
Se calhar até há gente que pensa
que entraste no calendário.
Eu queria agradecer-te, Galileo,
a inteligência das coisas que me deste.
Eu,
e quantos milhões de homens como eu a quem tu esclareceste,
ia jurar — que disparate, Galileo!
— e jurava a pés juntos e apostava a cabeça sem a menor hesitação — que os corpos caem tanto mais depressa quanto mais pesados são.
Pois não é evidente, Galileo?
Quem acredita que um penedo caia
com a mesma rapidez que um botão de camisa ou que um seixo da praia?
Esta era a inteligência que Deus nos deu.
Estava agora a lembrar-me, Galileo,
daquela cena em que tu estavas sentado num escabelo e tinhas à tua frente
um friso de homens doutos, hirtos, de toga e de capelo
a olharem-te severamente.
Estavam todos a ralhar contigo,
que parecia impossível que um homem da tua idade
e da tua condição,
se estivesse tornando num perigo
para a Humanidade
e para a Civilização.
Tu, embaraçado e comprometido, em silêncio mordiscavas os lábios, e percorrias, cheio de piedade,
os rostos impenetráveis daquela fila de sábios.
Teus olhos habituados à observação dos satélites e das estrelas,
desceram lá das suas alturas
e poisaram, como aves aturdidas — parece-me que estou a vê-las —
nas faces grávidas daquelas reverendíssimas criaturas.
E tu foste dizendo a tudo que sim, que sim senhor, que era tudo tal qual
conforme suas eminências desejavam,
e dirias que o Sol era quadrado e a Lua pentagonal
e que os astros bailavam e entoavam
à meia-noite louvores à harmonia universal.
E juraste que nunca mais repetirias
nem a ti mesmo, na própria intimidade do teu pensamento, livre e calma,
aquelas abomináveis heresias
que ensinavas e escrevias
para eterna perdição da tua alma.
Ai, Galileo!
Mal sabiam os teus doutos juízes, grandes senhores deste pequeno mundo,
que assim mesmo, empertigados nos seus cadeirões de braços,
andavam a correr e a rolar pelos espaços
à razão de trinta quilómetros por segundo.
Tu é que sabias, Galileo Galilei.
Por isso eram teus olhos misericordiosos,
por isso era teu coração cheio de piedade,
piedade pelos homens que não precisam de sofrer, homens ditosos
a quem Deus dispensou de buscar a verdade.
Por isso estoicamente, mansamente,
resististe a todas as torturas,
a todas as angústias, a todos os contratempos,
enquanto eles, do alto inacessível das suas alturas,
foram caindo,
caindo,
caindo,
caindo,
caindo sempre,
e sempre,
ininterruptamente,
na razão directa dos quadrados dos tempos.
António Gedeão, Obra Completa, Lisboa, Relógio D’Água, [2004], p. 205
25. As quatro quintilhas de «Alegremente, no autocarro» têm estrutura idêntica (todos os seus cinco versos são paralelos). Escreve mais uma quintilha que siga a mesma estrutura e se enquadre no sentido do poema.
ALEGREMENTE, NO AUTOCARRO
As crianças tristes passam alegres no autocarro,
cantando em altos berros e intrometendo-se com quem passa.
Vão todas ao Posto vacinar-se de graça.
A vacina é triste, as crianças são tristes,
mas passam todas, alegremente, no autocarro.
Os soldados tristes passam alegres no autocarro,
entoando as canções que cantavam nas romarias da sua terra.
Vão para o cais do embarque tomar o paquete que os levará para guerra.
A guerra é triste, os soldados são tristes,
mas passam todos, alegremente, no autocarro.
Os operários tristes passam alegremente no autocarro,
cantando e gesticulando com a garrafa de vinho na mão.
Vão todos para a fábrica vigiar as máquinas e carregar num botão.
A fábrica é triste, os operários são tristes,
mas passam todos, alegremente, no autocarro.
Os camponeses tristes passam alegres no autocarro,
cantando e dando vivas ao longo do percurso.
Vão todos à cidade, de fato novo, aplaudir o discurso.
O discurso é triste, os camponeses são tristes,
mas passam todos, alegremente, no autocarro.
Alegremente, no autocarro.
António Gedeão, Obra Completa, Lisboa, Relógio D’Água, [2004], p. 230
26. No «Poema do fecho éclair», apresenta-se uma série de vantagens que tinha um rei do século XVI, contrastada no fim com uma desvantagem (não ter um fecho éclair). Escreve um texto (que pode ser em poesia não rimada), em que relates a situação contrária: dirás as vantagens que tens por viveres no século XXI e, no final, indicarás qualquer coisa que não tens (por não viveres no XVI).
Eu tenho …
[muitas linhas]
O que eu não tenho é …
POEMA DO FECHO ÉCLAIR
Filipe II tinha um colar de oiro,
tinha um colar de oiro com pedras rubis.
Cingia a cintura com cinto de coiro,
com fivela de oiro,
olho de perdiz.
Comia num prato
de prata lavrada
girafa trufada,
rissóis de serpente.
O copo era um gomo
que em flor desabrocha,
de cristal de rocha
do mais transparente.
Andava nas salas
forradas de Arrás,
com panos por cima,
pela frente e por trás.
Tapetes flamengos,
combates de galos,
alões e podengos,
falcões e cavalos.
Dormia na cama
de prata maciça
com dossel de lhama
de franja roliça.
Na mesa do canto
vermelho damasco,
e a tíbia de um santo
guardada num frasco.
Foi dono da Terra,
foi senhor do Mundo,
nada lhe faltava,
Filipe Segundo.
Tinha oiro e prata,
pedras nunca vistas,
safiras, topázios,
rubis, ametistas.
Tinha tudo, tudo,
sem peso nem conta,
bragas de veludo,
peliças de lontra.
Um homem tão grande
tem tudo o que quer.
O que ele não tinha
era um fecho éclair.
António Gedeão, Obra Completa, Lisboa, Relógio D’Água, [2004], p. 202
27. Aos 16 anos, Rómulo de Carvalho escreveu estas estâncias, que consituem a Proposição de um poema épica a D. João I (ou à Ínclita Geração). Observa que o modelo de Os Lusíadas foi seguido de perto. Escreve a Proposição de um poema épico que pudesses fazer (podes usar os tópicos que prepararas na aula passada ou engendrar outra epopeia).
JOANEIDA
I
Aquele rei ilustre lusitano
Que a Fernando o Formoso sucedeu,
Que no bárbaro campo Tingitano
Os miserandos árabes venceu,
E que em Aljubarrota, o Castelhano,
Com pouquíssima gente combateu,
Em estilo humilde e fraco vou cantar,
Se a filha da Memória me ajudar.
II
E aquele Nuno, heróico Condestável,
Que só a Deus mostrava ter temor,
Que p’la sua coragem indomável,
Em Valverde e Trancoso fez furor,
Levado por uma fé inquebrantável,
Querendo servir ao Santo Criador,
Tornou-se em monge o ínclito guerreiro,
Terminando os seus dias num mosteiro.
III
Canto também aqueles quatro infantes,
Dum nobre rei, ilustre geração:
O sábio Henrique, pai dos navegantes,
Que faz calar a fama do Strabão
E que mandou por esses mares distantes,
Levados pela trombeta de Tritão,
Heróis, aventureiros destemidos,
Procurando lugares desconhecidos.
António Gedeão, Obra Completa, Lisboa, Relógio D’Água, [2004], p. 649.
28. Escrever poema com o mesmo número de versos e estrofes de «Ballet» mas sobre outra arte, espectáculo, desporto (exemplos: «Futebol», «Natação», «Surf»). Não é obrigatória a rima.
BALLET
Como jogos de água, ascendes vitoriosa e ufana.
Soberana,
à superfície do tablado estendes
as linhas com que nos prendes,
filigrana.
Língua de fumo da taça do turíbulo,
endoideceste em beleza.
Vermelha e quente como o sangue do patíbulo
é tua natureza.
Volátil,
rodopias em torno do teu eixo
centrifugando círculos de espuma.
Estacas. E em sonolento desleixo,
esboçando incompletos gestos lentos,
fragmentos de movimentos,
semeias flores, na bruma.
Ascendes e rodopias.
Rodopias e ascendes.
Fazes-te noites e dias
nas sombras que denuncias,
nos relâmpagos que acendes.
Célere, corres,
mimosa
e assustada.
Gaivota medrosa
na areia dourada.
O sol entontece e morde.
Num repente, libertada,
deslizas, pura escultura,
na macia curvatura
de um acorde.
Nos pontos da trajectória
que descreves, transparece
o clamor da longa história.
Tua beleza é vitória,
dura vitória da espécie.
O escopro de milhões de anos arrancou-te à pedra bruta,
modelou-te em pormenor.
O sangue de milhões de homens, em ti, a ferver, se escuta.
A harmonia dos teus gestos foi revolta, treva e luta.
O perfume do teu corpo foi temperado em suor.
António Gedeão, Obra Completa, Lisboa, Relógio D’Água, [2004], p. 112
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