Thursday, September 14, 2006

9.º 5.ª


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Esta secção sobre António Gedeão teve como pretexto o concurso «Rómulo de Carvalho / António Gedeão, o poeta da Ciência» (promovido pelo Plano Nacional de Leitura). Para efeitos desse concurso, funciona como página, da responsabilidade do 9.º 5.ª da Escola Secundária José Gomes Ferreira (Benfica, Lisboa). Não se trata, porém, de página que responda aos requisitos de navegabilidade e interactividade propostos pelo regulamento do Concurso. Desaproveitámos os recursos informáticos, concentrámo-nos nos textos. Em geral, a página reúne textos escritos pelos alunos «à maneira de» ou a propósito de algum texto de Gedeão (dá-se o texto de António Gedeão em corpo pequeno, enquanto a glosa, pelo aluno, fica em corpo um pouco maior). Portanto, também a obra do poeta foi privilegiada em detrimento da vida e restante obra de Rómulo de Carvalho.
[desenho de Luís]

Canção do oboé

Tendo como modelo este poema de António Gedeão, «Canção do oboé», escrever um «Poema de [outro instrumento]».

Canção do oboé

Habita no meu sangue como um solo de oboé.
Inexistente e imaginada
é toda feita de nada
mas necessária como o ar que não se vê.

Com os pés alados das semicolcheias
que extravasam da pauta,
baila no estrado olímpico das veias,
descontraída, turbulente, incauta.

Oiço-a acordado e sinto-me adormecido
nas ondas largas que no sangue vão
como o transístor que se encosta ao ouvido
e apenas ouve quem o tem na mão.

António Gedeão, Obra Completa, Lisboa, Relógio D'Água, [2004], p. 214
Canção do piano

Sempre presente no coração,
Único e indescritível,
feito a combustível
e alimentado com amor.

Suas teclas prontas para tocar,
com a música movimentada,
para me pôr a dançar
até ficar cansada.

Sua sinfonia, tão bela que é,
Faz-me lembrar o mar,
só me apetece mexer o pé
e nunca parar.
[Raquel]
Canção do piano
De dó a dó, todas as notas me tocam
E todas são tocadas por mim,
Como um poema que não tem fim,
Que me faz sentir assim...

É neste contexto que tocas Chopin,
Como um aroma leve de avelã,
Que me alimenta o espirito
E que me acende o infinito perdido, há muito, dentro de mim.

Milhões de borboletas se alojam no meu estômago,
Quando oiço o piano cantar;
Um nervoso miudinho vem de não sei onde,
Mas sei que é de te ouvir tocar.

[Mónica]
Poema épico

O «Poema épico» apresenta-nos personagens que estão nos antípodas (são exactamente ao contrário) de um herói de uma epopeia. Escreve mais uma quadra, de matriz sintáctica semelhante, que trate ainda de outra figura também humilde, aparentemente sem nada que a recomendasse para heroína de epopeia. Usa um dos esquemas rimáticos nestas quadras de Gedeão (A-B-A-B ou A-B-B-A).

Poema épico

O rapagão da camisola vermelha sacode a melena da testa
e retesa os braços num bocejo como um jovem leão voluptuoso.
Dorme a sesta
o involuntário ocioso.

A filha do alfaiate atirou a tesoura e o dedal pela janela
e sumiu-se na noite escura do mundo.
Quis respirar mais fundo
e isso de ser coitada é lá com ela.

O homem da barba por fazer conta os filhos e as moedas
e balbucia qualquer coisa num tom inexpressivo e roufenho.
Súbito chamejam-lhe os olhos como labaredas:
— Eu já venho!

O da face doente,
o que sofre por tudo e por nada, sem querer,
abana a cabeça negativamente:
— Isto não pode ser! Isto não pode ser!

Sentados às soleiras das portas,
mordendo a língua na tarefa inglória,
com letras gordas e por linhas tortas
vão redigindo a História.

António Gedeão, Obra Completa, Lisboa, Relógio D'Água, [2004], p. 189
A avó preocupada assa frango no fogão,
e, agarrada às costas, lamenta-se da sua coluna desviada.
Lava os tachos, tremendo-lhe as mãos de exaustão,
na pia de louça branca, velha e desgastada.
[Gonçalo]
O estudante de boas famílias,
É muito mal comportado,
Por ter muitas regalias
E estar mal habituado.

[Luís]

Enquanto

Neste poema, «enquanto», conjunção temporal, serve de título e é realmente fulcral na sintaxe e no sentido do texto. Escreve um poema igualmente fundado numa conjunção à tua escolha.

Enquanto
Enquanto houver um homem caído de bruços no passeio
e um sargento que lhe volte o corpo com a ponta do pé
para ver como é;
enquanto o sangue gorgolejar das artérias abertas
e correr pelos interstícios das pedras,
pressuroso e vivo como vermelhasminhocas despertas;
enquanto as crianças de olhos lívidos e redondos como luas,
órfãs de pais e de mães,
andarem acossadas pelas ruas
como matilhas de cães;
enquanto as aves tiverem de interromper o seu canto
com o coraçãozinho débil a saltar-lhes do peito fremente,
num silêncio de espanto
rasgado pelo grito da sereia estridente;
enquanto o grande pássaro de fogo e alumínio
cobrir o mundo com a sombra escaldante das suas asas
amassando na mesma lama de extermínio
os ossos dos homens e as traves das suas casas;
enquanto tudo isto acontecer, e o mais que não se diz por ser verdade,
enquanto for preciso lutar até ao desespero da agonia,
o poeta escreverá com alcatrão nos muros da cidade:

ABAIXO O MISTÉRIO DA POESIA.
António Gedeão, Obra Completa, Lisboa, Relógio D'Água, [2004], p. 198.
Enquanto
Enquanto o meu professor me marcar trabalhos,
não vou ter descanso,
não vou conseguir estudar o suficiente
e fico repetente.
Enquanto a chuva bater na minha janela,
não me consigo concentrar:
são agora sete da manhã
e ainda tenho de ir estudar.
Enquanto estiver a pensar neste poema,
já não faço mais nada,
não consigo encontrar nenhuma rima,
cruzada, emparelhada ou interpolada.
Enquanto estou em silêncio,
fico aqui sozinho,
na cama a ler o meu livrinho
e a ouvir gritar o meu vizinho.
[João A.]

Calçada de Carriche


Escreve uma 'versão masculina' do poema «Calçada de Carriche». Como verás, este longo poema retrata uma mulher de vida condicionada pelos outros («explorada» pela sua condição de mulher e de operária). Escreverás um texto simétrico, que, em ritmo aproximado, nos mostre o quotidiano de um homem e burguês; ou, segunda hipótese, do homem a que corresponderia o marido desta Luísa.

Calçada de Carriche

Luísa sobe,
sobe a calçada,
sobe e não pode
que vai cansada.
Sobe, Luísa,
Luísa, sobe,
sobe que sobe
sobe a calçada.

Saiu de casa
de madrugada;
regressa a casa
é já noite fechada.
Na mão grosseira,
de pele queimada,
leva a lancheira
desengonçada.
Anda, Luísa,
Luísa, sobe,
sobe que sobe,
sobe a calçada.

Luísa é nova,
desenxovalhada,
tem perna gorda,
bem torneada.
Ferve-lhe o sangue
de afogueada;
saltam-lhe os peitos
na caminhada.
Anda, Luísa,
Luísa, sobe,
sobe que sobe,
sobe a calçada.

Passam magalas,
rapaziada,
palpam-lhe as coxas
não dá por nada.
Anda, Luísa,
Luísa, sobe,
sobe que sobe,
sobe a calçada.

Chegou a casa
não disse nada.
Pegou na filha,
deu-lhe a mamada;
bebeu a sopa
numa golada;
lavou a loiça,
varreu a escada;
deu jeito à casa
desarranjada;
coseu a roupa
já remendada;
despiu-se à pressa,
desinteressada;
caiu na cama
de uma assentada;
chegou o homem,
viu-a deitada;
serviu-se dela,
não deu por nada.
Anda, Luísa.
Luísa, sobe,
sobe que sobe,
sobe a calçada.

Na manhã débil,
sem alvorada,
salta da cama,
desembestada;
puxa da filha,
dá-lhe a mamada;
veste-se à pressa,
desengonçada;
anda, ciranda,
desaustinada;
range o soalho
a cada passada,
salta para a rua,
corre açodada,
galga o passeio,
desce o passeio,
desce a calçada,
chega à oficina
à hora marcada,
puxa que puxa,
larga que larga,
puxa que puxa,
larga que larga,
puxa que puxa,
larga que larga,
puxa que puxa,
larga que larga;
toca a sineta
na hora aprazada,
corre à cantina,
volta à toada,
puxa que puxa,
larga que larga,
puxa que puxa,
larga que larga,
puxa que puxa,
larga que larga.
Regressa a casa
é já noite fechada.
Luísa arqueja
pela calçada.
Anda, Luísa,
Luísa, sobe,
sobe que sobe,
sobe a calçada,
sobe que sobe,
sobe a calçada,
sobe que sobe,
sobe a calçada.
Anda, Luísa,
Luísa, sobe,
sobe que sobe,
sobe a calçada.

António Gedeão, Obra Completa, Lisboa, Relógio D'Água, [2004], p. 140.
Calçada de Carriche
Luís liga o carro,
Chave na ignição
E começa a andar.
Segue a informação,
Não pode parar,
Começa a andar,
Não pode parar,
Nada é em vão.
Luís liga o carro.

Faz o percurso,
Vai buscar alguém
Que o tenha pedido.
Mete a mudança,
Vira o volante
E vai para além.
Não pode parar,
Olha o semáforo,
Começa a andar.

Olha a velhinha,
Pára o táxi,
Abre a porta,
Guarda a bagagem.
Começa a viagem,
Não pode parar,
Mas sim continuar.
Vira na esquina,
Faz a curvinha.

Larga a velhinha,
Vai buscar a jovem.
Muda a mudança,
Vira o volante.
Já pode parar?
Olha, uma ova!
Chega aqui, ali,
Segue o caminho,
Muda de rota.

Faz o serviço,
Acaba-o logo
E vai almoçar
Mas a despachar.
Come a sua sandes,
O pão com chouriço,
Bebe o seu vinho,
E toca a andar!
Não pode parar!

Luís, Luís, vai!
Não pode parar.
Corre, corre, vai!
Pega no táxi,
Começa a andar,
Pára no sinal,
Olha a criança
E deixa-a passar.
Não pode parar.

Vai ao hospital
Buscar o doente,
Recebe gorjeta
E toca a andar!
Regula o contador,
Vira à direita,
Pé no pedal,
No acelerador.
Não pares, Luís!

O turno acaba.
A filha p’ra casa,
Recebe a chamada.
“Vestes o pijama
E vais para a cama.”
É de madrugada,
Toca a levantar,
Toma a refeição,
Para o trabalho.

E mais um dia,
Mais uma noite,
Vai à praça, guia!
Passa no hospital,
Centro comercial,
Et coetera e tal.
Abre a mala,
Fecha a mala.
Segue caminho,
Não pode parar.
Toca a andar!

[Mariana]

Calçada de Carriche

Manuel acorda,
pela madrugada.
Veste a farda,
em menos de nada.
Bebe o café,
come a torrada,
beija a mulher
e sai de casa.

Dia de chuva,
estrada molhada,
pensa a caminho
até à hora de entrada.
Autocarro à espera,
portas fechadas.
Tudo em ordem
para a jornada.

Sai da garagem
Com todo o cuidado,
Não vá despistar-se
no piso molhado.
Primeira paragem,
senhor desastrado
que quase caiu
ficando de lado.
Senhora antipática,
nem bom dia diz,
levou por descuido
com uma mala no nariz.

Guia que guia,
segue que segue,
trava que trava,
Manuel prossegue.
Guia que guia,
segue que segue,
guia que guia,
segue que segue,
guia que guia,
segue que segue,
trava que trava,
Manuel prossegue.

Mais uma volta,
o mesmo percurso,
há que continuar,
sem muito discurso.
Pausa para o almoço,
é uma correria,
sem esta pausa,
o que seria o seu dia!

Chega-se a tarde,
de volta à viatura
Manuel, coragem,
A vida é dura,
Mais uma viagem,
Chega ao fim a tortura.

Por fim em casa,
Manuel está cansado
Tudo arrumado,
Mas nada cozinhado.
Espera a mulher,
Que nunca mais chega.
Fica com fome
E não se aconchega.

Come umas sobras,
Veste o pijama,
Está com sono
E vai para a cama.

Dorme, Manuel,
A vida custa,
Mas homem como tu
Nunca se assusta.

[Marta P. F.]

Calçada de Carriche

Vitor deita,
e deita no sofá,
deita e aconchega-se
que vai dormitar.
Deita, Vitor,
Vitor, deita,
deita que deita,
e deita no sofá.

Saiu do sofá,
Ensonado;
Regressa ao sofá,
apressado.
Na cara rosada
da bebedeira
leva a cerveja
entornada.
Senta, Vítor,
Vítor, deita,
deita que deita,
e deita no sofá.

Vítor é velho,
desarranjado,
tem braço forte,
bem musculado.
Pesam-lhe os olhos
de soneira;
descaem-lhe as banhas
de mandriar.
Senta, Vítor,
Vítor, deita,
deita que deita,
e deita no sofá.

Passa o estafeta,
a porteira,
tocam à campainha
e não acorda de qualquer maneira.
Senta, Vítor,
Vítor, deita,
deita que deita
e deita no sofá.

A mulher chegou a casa
e Vítor dormia de enfiada.
Sentou-se à mesa
e quis jantar ;
comeu demasiado
ficou cansado;
sentou-se no sofá;
virou-se para um lado
voltou a virar;
sujou a carpete
já manchada;
acordou
numa assentada;
desligou a televisão
antiquada;
chegou ao quarto,
esperançado;
viu a mulher deitada.
Foi esta explorada;
quase violada,
não sentiu nada.
Senta, Vítor,
Vítor, deita,
deita que deita
e deita no sofá.

A manhã já lá ia
e ele dormia,
caiu da cama,
não deu por nada;
bate na filha,
para que esteja calada;
senta-se no sofá,
azamboado,
vira-se para um lado,
e volta-se para o outro;
mancha o sofá
com saliva.

Levanta-se,
volta a deitar,
e deita-se de novo,
vai buscar o filho,
já atrasado,
anda que anda,
pára que pára,
anda que anda,
pára que pára,
anda que anda,
pára que pára,
anda que anda,
pára que pára,
chega à escola
passado uma hora,
o filho sozinho,
não sabe o caminho,
anda que anda,
pára que pára,
anda que anda,
pára que pára,
anda que anda,
pára que pára,
regressam a casa
e a tarde acaba.

Bate no filho
para que ele estude.
Senta, Vítor,
Vítor, deita,
deita que deita,
e deita no sofá,
deita que deita,
e deita no sofá,
deita que deita,
e deita no sofá,
Senta, Vítor,
Vítor, deita
deita que deita,
e deita no sofá.

[João C.]


Calçada de Carriche

João escreve,
Escreve e emenda,
Escreve e não pára,
Tem de entregar a emenda.

Escreve João,
João escreve,
Pensa e escreve,
Escreve e emenda,

Da reunião com o chefe
Surgiu a tarefa,
Tem de concluir
O mais tardar na sexta.
De olhos vidrados
E dedos bailando
Em ritmos combinados,
E as horas passando.
Escreve João,
João escreve,
Pensa e escreve,
Escreve a emenda.

João é novo,
Recém-licenciado,
O chefe é lixado,
Põe tudo em alvoroço.
É noite, são oito,
Ainda sem jantar,
Quase que dá em doido,
E a namorada a esperar.
Escreve João,
João escreve,
Pensa e escreve
Escreve e emenda.

Sai às onze a correr,
Chega à meia-noite,
Dá um beijo a correr,
A cabeça sem norte.
Escreve João,
João escreve,
Pensa e escreve,
Escreve e emenda.

Chegado a casa,
Come como um urso,
Senta-se no sofá,
Finge atenção ao concurso;
A namorada fala,
Enche um copo de licor
Vai ouvindo e não diz nada
E começa a perder o fulgor.
Adormece e acorda
Ainda no sofá,
Vai para a cama sem corda,
Amanhã um novo dia será.
Levanta-se às seis e meia,
Põe a gravata de seda,
Pão com mel da colmeia
É bom para fortalecer.
Quer ser como o pai, advogado,
Ter clientes para defender,
Ser por todos respeitado,
Senhor doutor há-de ser.
Escreve João,
João escreve,
Pensa e escreve
Escreve e emenda.

De manhã o chefe pergunta
Se a emenda do contrato está feita.
Sim, doutor, nem se pergunta,
O cliente não merece desfeita.
Então João marca almoço,
Com o cliente do patrão,
Entrega a emenda
E informa a remuneração.
Pobre namorada aniversariante
Sem ele a almoçar;
Não faz mal
Há-de sair às cinco,
Escreve contratos,
Renova contratos,
Atenção às cláusulas,
A vigência é importante,
Também um português sem máculas,
Fundamental para advogado triunfante.

Sai às cinco,
Põe óculos de sol,
Caminha com afinco,
Entra no automóvel,
Acelera o bólide,
É um advogado estagiário
Mas com muito imaginário.
Há-de ter um Ferrari,
Uma casa em Gaia,
Seguir as pisadas do pai,
Ter bons conhecimentos,
Aproveitar os bons momentos
Para conhecer pessoas influentes,
Negociar em qualquer frente
Em qualquer língua ser fluente
Não importa os meios
Para os objectivos atingir.
Acelera pois sem freios,
A namorada não quer afligir,
Vai jantar fora,
Um pezinho de dança
Ou então um cinema.
Tanta vontade de ir embora,
Esquecer o trabalho que cansa,
Trocar as palavras dos contratos
E deles fazer um poema.

A namorada sorri,
Ele irradia,
Pé no acelerador,
É um vencedor.

Escreve João,
João escreve,
Pensa e escreve,
Escreve a emenda.
Pensa e escreve,
Escreve a emenda.

Escreve João,
João escreve,
Pensa e escreve,
Escreve a emenda.

[Carlota]
Pedra filosofal

Lê o conhecido «Pedra filosofal». Talvez tenhas estado, em Novembro de 2005, na sessão do aniversário da escola em que Manuel Freire cantou a canção com esta letra. (Essa canção, que há trinta e muitos anos tornou este poema tão conhecido, podes ouvi-la aqui.) Os últimos versos da terceira estrofe («alto-forno, geradora, / cisão de átomo, radar, / ultra-som, televisão, / desembarque em foguetão / na superfície lunar» pretendem referir o que na altura seriam os expoentes da modernidade. Prossegue essa estrofe, acrescentando uma dezena de versos com nomes ou situações que hoje seriam representativas da mesma modernidade.


Pedra filosofal

Eles não sabem que o sonho
é uma constante da vida
tão concreta e definida
como outra coisa qualquer,
como esta pedra cinzenta
em que me sento e descanso,
como este ribeiro manso
em serenos sobressaltos,
como estes pinheiros altos
que em oiro se agitam,
como estas aves que gritam
em bebedeiras de azul.

Eles não sabem que o sonho
é vinho, é espuma, é fermento,
bichinho álacre e sedento,
de focinho pontiagudo,
que fossa através de tudo
num perpétuo movimento.

Eles não sabem que o sonho
é tela, é cor, é pincel,
base, fuste, capitel,
arco em ogiva, vitral,
pináculo de catedral,
contraponto, sinfonia,
máscara grega, magia,
que é retorta de alquimista,
mapa do mundo distante,
rosa-dos-ventos, Infante,
caravela quinhentista,
que é cabo da Boa Esperança,
ouro, canela, marfim,
florete de espadachim,
bastidor, paço de dança,
Colombina e Arlequim,
passarola voadora,
pára-raios, locomotiva,
barco de proa festiva,
alto-forno, geradora,
cisão de átomo, radar,
ultra-som, televisão,
desembarque em foguetão
na superfície lunar.

Eles não sabem, nem sonham,
que o sonho comanda a vida.
Que sempre que o homem sonha
o mundo pula e avança
como bola colorida
entre as mãos de uma criança.

António Gedeão, Obra Completa, Lisboa, Relógio D'Água, [2004], p. 104
Eles não sabem que o sonho
é
...
Internet, MP3
Ipod, DVD,
ver, ouvir, falar,
tudo em um — terceira geração —,
Bombas nucleares,
armas mortíferas,
Trabalhar por ecrã,
satélites,
carros dois em um —
água e terra —,
malas, aviões,
comboios ultra-rápidos.

[Cláudia]
Lágrima de preta

Fazer uma paródia a «Lágrima de Preta». Substituir «lágrima» por alguma outra excreção e fazer as outras adaptações necessárias.

Lágrima de preta

Encontrei uma preta
que estava a chorar,
pedi-lhe uma lágrima
para a analisar.

Recolhi a lágrima
com todo o cuidado
num tubo de ensaio
bem esterilizado.

Olhei-a de um lado,
do outro e de frente:
tinha um ar de gota
muito transparente.

Mandei vir os ácidos,
as bases e os sais,
as drogas usadas
em casos que tais.

Ensaiei a frio,
experimentei ao lume,
de todas as vezes
deu-me o que é costume:

nem sinais de negro,
nem vestígios de ódio.
Água (quase tudo)
e cloreto de sódio.

António Gedeão, Obra Completa, Lisboa, Relógio D'Água, [2004], p. 163
Chanata de preta
Encontrei uma preta
que estava a levar,
pedi-lhe a chanata
para a suavizar.

Recolhi a chanata
com todo o cuidado
num saco de plástico
bem acondicionado.

Olhei-a de um lado,
do outro e de frente:
tinha um ar marcado
muito reluzente.

Mandei vir os ácidos,
a coca e a marijuana,
as drogas usadas
num caso de savana.

Ensaiei a frio,
experimentei ao lume,
de todas as vezes
deu-me o que é costume:

Nem sinais de sal,
nem vestígios de gordura.
Carne (quase tudo)
E marcas de tortura.
[Joana D.]

Poema da auto-estrada
Escreve poema «antónimo» do seguinte poema de António Gedeão: «Poema da auto-estrada».

Poema da auto-estrada

Voando vai para a praia
Leonor na estrada preta.
Vai na brasa, de lambreta.

Leva calções de pirata,
Vermelho de alizarina,
modelando a coxa fina
de impaciente nervura.
Como guache lustroso,
amarelo de indantreno,
blusinha de terileno.
desfraldada na cintura.

Fuge, fuge, Leonoreta.
Vai na brasa, de lambreta.

Agarrada ao companheiro
na volúpia da escapada
pincha no banco traseiro
em cada volta da estrada.
Grita de medo fingido,
que o receio não é com ela,
mas por amor e cautela
abraça-o pela cintura.
Vai ditosa, e bem segura.

Como um rasgão na paisagem
corta a lambreta afiada,
engole as bermas da estrada
e a rumorosa folhagem.
Urrando, estremece a terra,
bramir de rinoceronte,
enfia pelo horizonte
como um punhal que se enterra.
Tudo foge à sua volta,
o céu, as nuvens, as casas,
e com os bramidos que solta
lembra um demónio com asas.

Na confusão dos sentidos
já nem percebe, Leonor,
se o que lhe chega aos ouvidos
são ecos de amor perdidos
se os rugidos do motor.

Fuge, fuge, Leonoreta.
Vai na brasa, de lambreta.
António Gedeão, Obra Completa, Lisboa, Relógio D'Água, [2004], p. 177
Poema da estrada rural
Andando sai da praia
Leonor na estrada branca
Num motão que não arranca.

Leva calças compridas
De cor azul escuro,
disfarçando a grossa coxa
de paciente calma.
Como guache mortiço
roxo de pôr-do-sol,
arranjadinha na cintura.

Fuge, fuge, Leonoranca
Vai no motão que não arranca

Solta do companheiro
No desprazer da escapada
Não agarra o companheiro
em nenhuma volta da estrada.
Não reage nem grita
apesar de receosa
e sem amor nem cautela
não o agarrra nem por nada
Vai azarada e insegura.

Como um caracol pastelão
anda o motão avariado,
não faz curvas apertadas
nem faz estremecer a folhagem.
Silenciosa, vai lentamente,
a bramir como girafa,
lentamente até ao horizonte
Como martelo imóvel
Tudo parado à sua volta,
o céu, as nuvens ou as casas,
com o silêncio em que se encontra
parece um pobre a ver a montra.

Bem ciente dos seus sentidos,
apercebe-se Leonor
de que o que lhe chega aos ouvidos
são ecos de um amor encontrado
e não o silêncio do motor.

Força, força, Leonoranca
no motão que não arranca.

[João M.]

Andando vai para a montanha
Leonor na estrada branca.
Vai lenta, com caneca! Vai de pileca.

Leva calças boca de sino,
Vermelhas... nossa!
modelando a coxa grossa
de paciente moleza.
Como guache baço,
amarelo de indantreno,
blusão de terileno,
justinho na cintura.

Fuge, fuge, Leonoreca.
Vai lenta, com caneca! Vai de pileca.

Livre de companheiro
na ausência de escapada
amolece na passada
em cada volta de estrada.
Sem medo,
com receio,
sem amor ou cautela
vai murcha e pouco segura.

Sem rasgões na paisagem
lá vai a pileca,
caindo nas bermas da estrada
e também na folhagem.
Sem pio, calma terra,
nem pássaros se ouvem,
longe do horizonte,
como o silêncio que se enterra.
Tudo cai à sua volta,
o céu, as nuvens, e as casas,
e, com o silêncio que se abate,
lembra um anjo sem asas.

Na inércia dos sentidos
Percebe, Leonor,
que o que não lhe chega aos ouvidos
são ecos de vidas perdidas
se o silêncio da pileca.

Fuge, fuge, Leonoreca
Vai lenta, com caneca! Vai de pileca.

[Rita]
Devagarinho vai para a escola
Leonor na confusão do trânsito.
Vai devagarinho, de trotinete.

Leva calças de ganga,
azul da cor do mar,
de cintura caída.
Cheias de rasgões e bolsos,
ténis com rodinhas azuis e vermelhos,
casaco de lã grossa,
com a barriguinha de fora.

Devagar, devagar leonor
vai com calma, para o terror.

Encostada aos varões
no autocarro bem cheio
sempre desequilibrada
naquela condução marada.
Parece que vai calma,
mas é bastante medrosa,
tem calor, abre a janela,
começa a gritaria.
Vai medrosa, sem alegria.

Acelera e trava logo,
parece um caracol,
está vermelho, tudo ao chão
fica verde toca a levantar.
Sinal de paragem,
espera um pouco,
arranca com força
é um vaivém louco.
Vai tudo em movimento,
ouve-se um pouco de música,
vem de novo a gritaria.
Que cansativo é o dia.

Devagar, devagar, Leonor
Vai com calma, para o terror.

[Nuno]
Poema do desgosto amoroso
Maria vai para a escola,
Esvoaçando as tranças loiras
Com elegância e orgulho.

Maria das saias curtas,
Sempre bem arranjada,
Menina nada esbanjada.
Por onde passa arrasa,
Maria, graciosa,
Entrando, mira, mira,
Saindo, gira, gira,
Maria é preciosa.

Corre, corre, Maria, preciosa,
Por onde passas, és sempre graciosa.

Nestas andanças, aparece seu príncipe,
Muito educado e vaidoso,
Mas fala com Maria num tom
Muito alto e duvidoso.
Ela nunca se deixa abater,
Tal é a sua bravura.
Sempre pronta para a aventura,
Ela lhe responde num tom alto
Gritando desta forma, até o príncipe dar conselho.

O príncipe engole em seco
Vendo-se na amargura,
Tal era a humilhação,
Por aquele grito na rua.
Maria desaparece,
Muito contra a sua vontade,
Mas a todos esclarece
Que está irradiando felicidade.
O príncipe corre atrás dela
Chamando-a sua amada,
Era tão grande a mentira
Que Maria ficou pasmada.

Acabando por desistir,
O príncipe parou,
Não percebendo ainda
Porque a sua história acabou.

Maria continua o seu caminho,
Irradiando felicidade,
Continuando graciosa e cheia de vaidade.

Corre, corre, Maria preciosa,
Por onde passas continuas graciosa.

[Mónica]
Poema do poste com flores amarelas


O poema que se segue, ao contrário do que é costume na poesia de António Gedeão, não é rimado. Os seus versos são aliás extensos, quase como se se tratasse de prosa. Escreve uma continuação do poema.

Poema do poste com flores amarelas

Vieram os operários, puseram o poste de ferro na berma do passeio
e foram-se para voltar noutro dia.
O poste tinha sido pintado há pouco de verde
e quando lhe batia o sol rutilava como as escamas dos dragões.
Mesmo junto do poste, no passeio, havia uma árvore que dava flores amarelas,
e o vento fez cair algumas flores amarelas sobre o poste verde.
As pessoas que por ali passavam diziam «que chatice de poste»,
mas o poeta sorria para as flores amarelas.
António Gedeão, Obra Completa, Lisboa, Relógio D'Água, [2004], p. 220
Vieram os camponeses, tiraram o poste de ferro da berma do passeio
e foram-se embora, sem olhar para trás.
O poste tinha acabado de ser pintado
e, quando lhe batia a chuva, mudava de cor.
Junto do poste, no passeio, havia uma árvore com flores amarelas,
e o vento fez cair flores, no buraco onde devia estar o poste.
Os camponeses voltaram e o poste colocaram,
e o poeta sorriu para o poste e para as flores amarelas.
[Marta L.]

As flores amarelas e o poste
eram a musa inspiradora do poeta:
passou horas e horas a escrever
ao pé daquele poste verde
e, ao fim do dia, quando se foi embora,
o poste já estava seco
e as flores tinham todas voado com o vento

[João A.]
Era aquela a sua maior inspiração?
Talvez aquele jardim, o rio que por ali passava,
Sim, podia ser isso tudo mas aquela árvore
junto daquele poste verde dizia tudo.
Naquelas manhãs em que o poeta mais os seus apontamentos
e o seu café matinal se ia sentar
num banco ao pé da árvore das flores amarelas
e do poste verde, era ali que começava o dia.

[Tiago]

Anacleta

O poema que se segue é um acróstico (o início dos versos, lido na vertical, constitui um nome) escrito por Rómulo de Carvalho aos 11 anos. Escreve um acróstico, e também dedicado a uma pessoa ou a coisa de que muito gostes. Usa o mesmo esquema rimático (A-B-A-B-C-D-C-D).

Anacleta

A mei-te ao ver-te formosa
N aquela bela manhã
A mei-te ao ver-te viçosa
C omo uma rosa louçã.
L endo num livro ela estava
E ncostada ao seu balcão
T endo gesto que mostrava
A mar-me do coração.
António Gedeão, Obra Completa, Lisboa, Relógio D'Água, [2004], p. 639.
Catarina

C ada vez que te via, ficava paralisada,
A cada minuto que passava,
T eria de ir buscar uma almofada.
A cada segundo, eu pensava,
R ia, chorava, por não estares comigo,
I ria morrer sozinha
N a profunda mágoa do Santiago.
A deus, minha amiga, e obrigadinha.

[Catarina]
Madalena

M açã e laranja
A nanás e banana
D epois uma boa toranja
A lmoçou assim a Ana
L evantar cedinho
E xercício todos os dias
N ão comer docinho
A vida sem arrelias.

[Nuno]

Continuação de Os Lusíadas

Rómulo de Carvalho, com apenas onze anos, escreveu uma continuação dos Lusíadas, que se ocupava da história de Portugal posterior a Alcácer-Quibir. Escreve tu uma estância dedicada também a um facto da história de Portugal posterior ao século XVI. Cumpre o esquema rimático seguido na epopeia de Camões (e nas estrofes do adolescente Rómulo) e procura fazer, aproximadamente, a mesma métrica.

Canto XI

I
Depois da sanguinolenta batalha,
Conhecida por Alcácer-Quibir
Ficando tudo numa só mortalha,
Fidalgos, e El-Rei logo a seguir,
Valentes e todos da mesma igualha,
Nenhum se recusou e quis fugir,
Nem D. Sebastião; só se meteu
Entre seu inimigo, onde morreu.

II
Por morte de El-Rei D. Sebastião,
Que tristíssima foi e mui fatal,
Lhe sucedeu um tio prelado, então,
Sendo dos da igreja um Cardeal
Segundo primo de El-Rei D. João
Descendente dos reis de Portugal,
Do Príncipe perfeito, seu cognome,
Por sua altivez, seu valor e nome.
António Gedeão, Obra Completa, Lisboa, Relógio D'Água, [2006], 636
Canto XII
Depois de uma vida inteira,
Cheia de tesouros e de emoções,
E pelo mundo, a nossa bandeira.
De tudo isto, só se ouve canções
Mal escritas e de qualquer maneira,
Por homens pequenos de outras nações.
Desses males o povo se ressentiu.
E o homem do governo não saiu.

Mas todo este conto se complicou,
Pois os males eram demasiados.
E das cinzas um povo se revoltou,
Vindo de um sítio mal amado.
Mas a infeliz guerra continuou,
Envergonhando o nosso passado.
Mas Portugal, feliz, às ruas saiu!
Pois o homem da cadeira caiu!

[Bruno]
Num dia de Abril muito ensolarado,
Os militares, contra o fascismo,
Juntaram-se na Praça do Chiado
Para aniquilar o salazarismo.
Cravos surgiram nas mãos dos soldados,
O povo lhos deu. Que malabarismo!
Nas espingardas estas foram as balas;
Com elas, os canhões abriram alas.

O povo festejou a liberdade;
Na rua, então, ele se manifestou.
Descobriu-se a enorme falsidade
Que o antigo regime cultivou.
Para a PIDE não houve caridade,
Muita gente o povo daqui expulsou.
No país reinou então a anarquia,
Era o que fazia quem cá vivia.

[Mariana]
“Grândola Vila Morena” cantando,
Marcharam soldados. Revolução!
Em busca da liberdade, sonhando,
Sem medo, com esperança no coração.
E o povo saiu à rua gritando,
“Queremos liberdade, paz e pão!”
Viva sempre o vinte e cinco de Abril!
Viva o verde, o vermelho e os cravos mil!

[Marta P. F.]


Poema do alegre desespero

Repara nos seis primeiros versos do «Poema do alegre desespero». Escreve mais algumas estrofes com o mesmo esquema rimático e que tenham (ou tenham subentendida) a frase «compreende-se que ninguém se lembre de».

Poema do alegre desespero
Compreende-se que lá para o ano três mil e tal
ninguém se lembre de certo Fernão Barbudo
que plantava couves em Oliveira do Hospital,
ou da minha virtuosa tia-avó Maria das Dores
que tirou um retrato toda vestida de veludo
sentada num canapé junto de um vaso com flores.
Compreende-se.

E até mesmo que já ninguém se lembre que houve três impérios no Egipto
(o Alto Império, o Médio Império e o Baixo Império)
com muitos faraós, todos a caminharem de lado e a fazerem tudo de perfil,
e o Estrabão, o Artaxerxes, e o Xenofonte, e o Heraclito,
e o desfiladeiro das Termópilas, e a mulher do Péricles, e a retirada dos dez mil,
e os reis de barbas encaracoladas que eram senhores de muitas terras,
que conquistavam o Lácio e perdiam o Epiro, e conquistavam o Epiro e perdiam o Lácio,
e passavam a vida inteira a fazer guerras,
e quando batiam com o pé no chão faziam tremer todo o palácio,
e o resto tudo por aí fora,
e a Guerra dos Cem Anos,
e a Invencível Armada,
e as campanhas de Napoleão,
e a bomba de hidrogénio,
e os poemas de António Gedeão.

Compreende-se.

Mais império menos império,
mais faraó menos faraó,
será tudo um vastíssimo cemitério,
cacos, cinzas e pó.

Compreende-se.
Lá para o ano três mil e tal.

E o nosso sofrimento para que serviu afinal?

António Gedeão, Obra Completa, Lisboa, Relógio D'Água, [2004], p. 220




Poema do alegre desespero
Compreende-se que amanhã ou depois
ninguém se lembre de que eu errei
ao resolver o exercício número dois,
ou daquela pastilha de banana
que sem querer eu pisei,
quando me divertia a seguir a Ana.

Compreende-se que daqui a cem anos
ninguém se lembre do onze de Madrid
que vingou a guerra injusta aos muçulmanos,
Ou do Caso Casa Pia, de Paulo Pedroso,
José Ritto, Carlos Cruz e Bibi,
que veio mostrar como este país é vergonhoso.

[Gonçalo]
Compreende-se que ninguém se lembre dos quadros da escola
verdes-tropa com uma espécie de parapeito
para pôr o apagador e o giz que parecia cola.

No futuro vai ser tudo electrónico:
O quadro, o giz, o apagador, que leva tudo a eito:
Vai ser tudo super-sónico.

[Tiago]


Alegremente, no autocarro

As quatro quintilhas de «Alegremente, no autocarro» têm estrutura idêntica (todos os seus cinco versos são paralelos). Escreve mais uma quintilha que siga a mesma estrutura e se enquadre no sentido do poema.

Alegremente, no autocarro

As crianças tristes passam alegres no autocarro,
cantando em altos berros e intrometendo-se com quem passa.
Vão todas ao Posto vacinar-se de graça.
A vacina é triste, as crianças são tristes,
mas passam todas, alegremente, no autocarro.

Os soldados tristes passam alegres no autocarro,
entoando as canções que cantavam nas romarias da sua terra.
Vão para o cais do embarque tomar o paquete que os levará para guerra.
A guerra é triste, os soldados são tristes,
mas passam todos, alegremente, no autocarro.

Os operários tristes passam alegremente no autocarro,
cantando e gesticulando com a garrafa de vinho na mão.
Vão todos para a fábrica vigiar as máquinas e carregar num botão.
A fábrica é triste, os operários são tristes,
mas passam todos, alegremente, no autocarro.

Os camponeses tristes passam alegres no autocarro,
cantando e dando vivas ao longo do percurso.
Vão todos à cidade, de fato novo, aplaudir o discurso.
O discurso é triste, os camponeses são tristes,
mas passam todos, alegremente, no autocarro.

Alegremente, no autocarro.

António Gedeão, Obra Completa, Lisboa, Relógio D’Água, [2004], p. 230
Os alunos da secundária tristes passam alegres no autocarro,
gritando e dizendo adeus a quem passa.
Vão todos à central eléctrica ver o que se passa.
A central eléctrica é triste, os alunos da secundária são tristes,
mas passam todos, alegremente, no autocarro.

[Ana]

Os empresários tristes passam alegres no autocarro,
cantando e irritando quem passa.
Vão todos a uma conferência importante.
A conferência é triste, os empresários são tristes,
mas passam todos, alegremente, no autocarro.

[Marta L.]

Os idosos tristes passam alegres no autocarro,
cantando as velhas músicas das suas terras.
Vão a uma festa.
A festa é triste, os idosos sãos
mas passam todos, alegremente, no autocarro.
[Soraia]
Os sem-abrigo tristes passam alegremente no autocarro,
dormindo e ressonando com toda a gente a olhar.
Vão ao lar buscar comida quente para almoçar.
A pobreza é triste, os sem-abrigo são tristes,
Mas passam todos, alegremente, no autocarro.
[Marta P. F.]
Os animais tristes passam alegres no autocarro,
Cantando, furiosos, até à selva,
Vão para se refugiar das pessoas,
A luta é triste, os animais são tristes,
Mas passam todos, alegremente, no autocarro.

[Francisco]
Os adultos tristes passam alegres no autocarro,
cantando e dançando ao som das palmas.
Vão todos para casa ter com as famílias.
A casa é triste, os adultos são tristes,
mas passam todos, alegremente, no autocarro.

[Catarina]
Poema do fecho éclair



No «Poema do fecho éclair», apresenta-se uma série de vantagens que tinha um rei do século XVI, contrastada no fim com uma desvantagem (não ter um fecho éclair). Escreve um texto (que pode ser em poesia não rimada), em que relates a situação contrária: dirás as vantagens que tens por viveres no século XXI e, no final, indicarás qualquer coisa que não tens (por não viveres no XVI).

Eu tenho …
[muitas linhas]
O que eu não tenho é …

Poema do fecho éclair

Filipe II tinha um colar de oiro,
tinha um colar de oiro com pedras rubis.
Cingia a cintura com cinto de coiro,
com fivela de oiro,
olho de perdiz.

Comia num prato
de prata lavrada
girafa trufada,
rissóis de serpente.
O copo era um gomo
que em flor desabrocha,
de cristal de rocha
do mais transparente.

Andava nas salas
forradas de Arrás,
com panos por cima,
pela frente e por trás.
Tapetes flamengos,
combates de galos,
alões e podengos,
falcões e cavalos.

Dormia na cama
de prata maciça
com dossel de lhama
de franja roliça.
Na mesa do canto
vermelho damasco,
e a tíbia de um santo
guardada num frasco.

Foi dono da Terra,
foi senhor do Mundo,
nada lhe faltava,
Filipe Segundo.

Tinha oiro e prata,
pedras nunca vistas,
safiras, topázios,
rubis, ametistas.
Tinha tudo, tudo,
sem peso nem conta,
bragas de veludo,
peliças de lontra.
Um homem tão grande
tem tudo o que quer.

O que ele não tinha
era um fecho éclair.
António Gedeão, Obra Completa, Lisboa, Relógio D’Água, [2004], p. 202

Poema das florestas
Neste nosso mundo desenvolvido,
Temos assistido a grandes mudanças.
O telefone virou telemóvel,
A caneta é agora teclados e
A máquina de escrever é PC.

Anda-se de carro ou de camião,
Descobriu-se melhor o Universo,
Há mais divulgação de informação
com a Internet; em vez de verso
Há uma crescente globalização.

As modas não são o que eram antes,
Usam-se outras roupas diferentes,
Os cortes de cabelo também mudaram
A PS surgiu; vícios começaram.
Da antiga à velha, tudo evolui.

Várias empresas apostam nas TIC.
Novas curas para doenças surgiram.
A educação e a formação
São métodos profissionais que
São agora muito importantes
Para o desenvolvimento económico.

Hoje em dia, felizmente, nós,
Apesar de não nos apercebermos,
Temos quase tudo facilitado,
Mas o que não temos e precisávamos,
É locais puros, como florestas.

O nosso planeta é um bem precioso,
Há que conservá-lo, não o poluir,
Reciclar o lixo, fazer o bem.
Porque tudo o que nos falta é,
E sempre foi, espaços naturais.

[Mariana]



Poema dos ténis de marca
Eu tenho um computador,
tenho uma playstation.
Pesquiso na internet
assuntos que desconheço.

Como pizza,
em pratos de plástico;
os guardanapos,
são de papel
Ando nas ruas,
com roupa normal,
as pessoas não comentam, a minha maneira de vestir.
Tenho direito à liberdade,
posso fazer tudo o que quero.
A minha casa é pequena,
não vivo do luxo,
as mobílias são normais.
Tenho tudo o que é necessário,
para viver bem.
O que eu não tenho
é uns ténis de marca.

[Carla]
Poema das antigas tradições
Eu tenho um telemóvel no qual posso falar e ver as pessoas ao mesmo tempo e no qual posso gravar os momentos dignos de recordar mais tarde, através de fotografias e vídeos. Tenho um MP3, com o qual ouço, onde e quando quero, todo o tipo de música que aprecio. Tenho um portátil de última geração, super inteligente, que me ajuda imenso nos trabalhos para a escola, no qual tenho instalada a internet, pela qual, por apenas 24 euros por mês e sem assinatura do telefone, posso navegar horas e horas a fio e que me permite também falar com os meus amigos espalhados por todo o mundo.
O que eu não tenho são as antigas tradições que caracterizam um país.

[Cláudia]
Poema do ferro de engomar

Eu tenho quase tudo:
tenho uma casa grande,
com uma piscina enorme.
Desde um jardim verde com vista para o mar,
eu tenho tudo.

Durmo num quarto pequeno,
mas com coisas de grande valor,
uma cama com flores de prata e
uma cómoda.

Tenho uma cadela,
a cadela Conceição,
que salta na cama,
que pula no chão,
mas que trata de mim,
como se fosse minha ama.

Tenho muitos amigos,
amigos fiéis.
Trocamos de brincos,
trocamos de anéis.
Guardam segredos
e quanto a isso só lhes agradeço.

Quanto ao meu carro
é grande e veloz.
Anda na estrada,
anda na lama
E, mesmo assim,
nunca se queixou.

Tenho tudo,
tenho quase tudo,
Porque o que eu não tenho
é um ferro de engomar a carvão.

[Joana O.]

Ballet

Escrever poema com o mesmo número de versos e estrofes de «Ballet» mas sobre outra arte, espectáculo, desporto (exemplos: «Futebol», «Natação», «Surf»). Não é obrigatória a rima.

Ballet

Como jogos de água, ascendes vitoriosa e ufana.
Soberana,
à superfície do tablado estendes
as linhas com que nos prendes,
filigrana.



[desenho de Tiago]
Língua de fumo da taça do turíbulo,
endoideceste em beleza.
Vermelha e quente como o sangue do patíbulo
é tua natureza.

Volátil,
rodopias em torno do teu eixo
centrifugando círculos de espuma.
Estacas. E em sonolento desleixo,
esboçando incompletos gestos lentos,
fragmentos de movimentos,
semeias flores, na bruma.

Ascendes e rodopias.
Rodopias e ascendes.
Fazes-te noites e dias
nas sombras que denuncias,
nos relâmpagos que acendes.

Célere, corres,
mimosa
e assustada.
Gaivota medrosa
na areia dourada.
O sol entontece e morde.
Num repente, libertada,
deslizas, pura escultura,
na macia curvatura
de um acorde.

Nos pontos da trajectória
que descreves, transparece
o clamor da longa história.
Tua beleza é vitória,
dura vitória da espécie.

O escopro de milhões de anos arrancou-te à pedra bruta,
modelou-te em pormenor.
O sangue de milhões de homens, em ti, a ferver, se escuta.
A harmonia dos teus gestos foi revolta, treva e luta.
O perfume do teu corpo foi temperado em suor.
António Gedeão, Obra Completa, Lisboa, Relógio D’Água, [2004], p. 112

Ginástica rítmica

Como nos sábados em que treinamos,
porque gostamos,
à conquista de expressão
e de perfeição,
e muito nos esforçamos.

Arcos com cores e bolas redondas,
atiradas ao ar,
no meio da luz projectam sombras
de pasmar.

Magnífico,
Saltamos muito alegremente,
Fazendo cada vez melhor,
ao mesmo tempo, agilmente
mas com mais imaginação,
outras vezes com mais sensação.

Rodopiamos e saltamos,
Saltamos e rodopiamos,
Fazendo três dias por semana,
compensando com uma banana,
ao mesmo tempo que cantamos.

Sou magra, elegante
e simpática.
A ginástica é a minha amante,
usando a matemática
para calcular os espaços.
A sorte é que tenho uma professora fantástica
que nos ajuda regularmente
e vai continuar eternamente
evitando que tenhamos embaraços.

Uso uma bola,
vestimos fatos cinzentos
pareço uma mola
cada uma arrumando os aposentos,
tiro a cartola.
As fitas coloridas
nos espectáculos de ginástica,
a maquilhagem e as purpurinas,
somos todas muito crescidas,
De tudo isto sou fanática.

[Joana B.]
Natação

É um desporto lindo, que nos descontrai imenso.
Corpo direito,
olhos fixos na piscina
pensar nos movimentos,
mergulhar.

Em crawl,
nada-se mais rápido,
as pernas movimentam-se,
para cima e para baixo,
alternadamente.
Os braços movimentam-se
rapidamente, puxando a
água para trás.

Em costas,
ficamos deitados na água,
a flutuar em seguida
inicia-se o movimento
alternado das pernas e braços.

Em bruços,
A pernada faz-se com as
pernas flectidas, empurrando
a água e os braços fazem
movimentos circulares para trás.

Qualquer que seja a forma de nadar,
os movimentos tornam-se leves.

[Nuno]
Natação
Desporto isento de preconceito,
minucioso no seu gesto;
água receosa das gotículas,
tem muito para dar;
cloro ardente.

Teu se tornou
aquele que perdurou,
por ti lutou,
com sentido sentimento de força.

Subtileza,
suavidade flutuante que transporta
o teu corpo por ondas nunca admiradas.
Degraus. Vagorosos paços levam,
levam para o tal mundo servido de magia,
magia resguardada numa pequena bolha.
Rebenta, bolha, à superficie.

Reforças e esforças.
Esforças e reforças.
Compões deslizes e martírios
nos reconfortos que inspiras,
nas dificuldades que expiras.

Majestoso, nadas,
seguro
e confortado.
Folha fugaz na folhagem outonal,
no vento liberto.
A chuva derruba-te e desloca-te.
Sentes movimento, baila o odor,
fulminas no tempo,
música para teus ouvidos
que continua nublada.

Os braços das pernas,
unidos, movem
o sonho do puro começo.
A suavidade prolonga-se,
nuvens negras somem-se.

Gélida se fez
a água escorregada de muitos corpos,
a água perfurada em cada poro, em cada poro suado,
o humilde aspecto de cada braçada recordada por cada um de nós.
[Joana D.]
Lição sobre a água
Seguindo a matriz sintáctica do poema «Lição sobre a água», escrever uma «Lição sobre o vinho [ou outro líquido/bebida]: ». Começarás assim «Este líquido é vinho [coca-cola] / Quando ...». Tenta respeitar a tal «matriz sintáctica» e conseguir rima segundo o mesmo esquema rimático (ou muito aproximado).

Lição sobre a água
Este líquido é água.
Quando pura
é inodora, insípida e incolor.
Reduzida a vapor,
sob tensão e a alta temperatura,
move os êmbolos das máquinas que, por isso,
se denominam máquinas de vapor.

É um bom dissolvente.
Embora com excepções mas, de um modo geral,
dissolve tudo bem, ácidos, base e sais.
Congela a zero graus centesimais
e ferve a 100, quando à pressão normal.

Foi neste líquido que numa noite cálida de Verão,
sob um luar gomoso e branco de camélia,
apareceu a boiar o cadáver de Ofélia
com um nenúfar na mão.

António Gedeão, Obra Completa, Lisboa, Relógio D'Água, [2004], p. 202

Lição sobre o vinho1.
Este líquido é vinho.
Quando o provei,
Branco, tinto ou rosé,
Eu até bati com o pé.
Confesso que me assustei:
Odor forte, gosto horrível,
Um vómito de jacaré.

Se é bom, eu cá não sei.
Dei um grito,
A garrafa entornei,
A toalha ficou suja
E o meu pai muito aflito.

Foi a este líquido de cor vermelha
Que, sob o luar de Agosto,
Eu nem tomei o gosto,
Mas fez-me ficar mais velha.

2.
Este líquido é vinho.
Quando puro,
Tem odor forte e muita cor.
Em pipas de carvalho para ser melhor,
Que cantam histórias num sussurro,
Histórias de outros tempos:
De frade, abade, rei ou pastor.

É bom para o coração, se não for em demasia:
Um copo solta a emoção,
Dois copos saltam a alma,
Três copos a euforia.

Anos e anos de sabedoria
Neste cálice de rubi;
Tantos amantes que eu não conheci
Deste líquido da nossa alegria.

[Carlota]
Poema para Galileo
Escrever um «Poema para [outra figura histórica (da ciência, da cultura)]».
Poema para Galileo

Estou olhando o teu retrato, meu velho pisano,
aquele teu retrato que toda a gente conhece,
em que a tua bela cabeça desabrocha e floresce
sobre um modesto cabeção de pano.
Aquele retrato da Galeria dos Ofícios da tua velha Florença.
(Não, não, Galileo! Eu não disse Santo Ofício.
Disse Galeria dos Ofícios.)
Aquele retrato da Galeria dos Ofícios da requintada Florença.
Lembras-te? A Ponte Vecchio, a Loggia, a Piazza della Signoria...

Eu sei... Eu sei…
As margens doces do Arno às horas pardas da melancolia.
Ai que saudade, Galileo Galilei!
Olha. Sabes? Lá em Florença
está guardado um dedo da tua mão direita num relicário.
Palavra de honra que está!
As voltas que o mundo dá!
Se calhar até há gente que pensa
que entraste no calendário.

Eu queria agradecer-te, Galileo,
a inteligência das coisas que me deste.
Eu,
e quantos milhões de homens como eu a quem tu esclareceste,
ia jurar — que disparate, Galileo!
— e jurava a pés juntos e apostava a cabeça sem a menor hesitação — que os corpos caem tanto mais depressa quanto mais pesados são.

Pois não é evidente, Galileo?
Quem acredita que um penedo caia
com a mesma rapidez que um botão de camisa ou que um seixo da praia?

Esta era a inteligência que Deus nos deu.

Estava agora a lembrar-me, Galileo,
daquela cena em que tu estavas sentado num escabelo e tinhas à tua frente
um friso de homens doutos, hirtos, de toga e de capelo
a olharem-te severamente.
Estavam todos a ralhar contigo,
que parecia impossível que um homem da tua idade
e da tua condição,
se estivesse tornando num perigo
para a Humanidade
e para a Civilização.
Tu, embaraçado e comprometido, em silêncio mordiscavas os lábios, e percorrias, cheio de piedade,
os rostos impenetráveis daquela fila de sábios.

Teus olhos habituados à observação dos satélites e das estrelas,
desceram lá das suas alturas
e poisaram, como aves aturdidas — parece-me que estou a vê-las —
nas faces grávidas daquelas reverendíssimas criaturas.
E tu foste dizendo a tudo que sim, que sim senhor, que era tudo tal qual
conforme suas eminências desejavam,
e dirias que o Sol era quadrado e a Lua pentagonal
e que os astros bailavam e entoavam
à meia-noite louvores à harmonia universal.
E juraste que nunca mais repetirias
nem a ti mesmo, na própria intimidade do teu pensamento, livre e calma,
aquelas abomináveis heresias
que ensinavas e escrevias
para eterna perdição da tua alma.
Ai, Galileo!
Mal sabiam os teus doutos juízes, grandes senhores deste pequeno mundo,
que assim mesmo, empertigados nos seus cadeirões de braços,
andavam a correr e a rolar pelos espaços
à razão de trinta quilómetros por segundo.
Tu é que sabias, Galileo Galilei.
Por isso eram teus olhos misericordiosos,
por isso era teu coração cheio de piedade,
piedade pelos homens que não precisam de sofrer, homens ditosos
a quem Deus dispensou de buscar a verdade.
Por isso estoicamente, mansamente,
resististe a todas as torturas,
a todas as angústias, a todos os contratempos,
enquanto eles, do alto inacessível das suas alturas,
foram caindo,
caindo,
caindo,
caindo,
caindo sempre,
e sempre,
ininterruptamente,
na razão directa dos quadrados dos tempos.
António Gedeão, Obra Completa, Lisboa, Relógio D’Água, [2004], p. 205

Poema para Camões
Camões das tágides,
Das sereias encantadas,
Do mar português,
Das naus naufragados.

Camões das musas inspiradoras,
Dos ilustres lusitanos,
Como me agrada ler
Os teus maravilhosos cantos.

Grande personalidade és
E eu te admiro, amigo,
És a estrela persistente
No meu caderno antigo.

Não me maça ler a tua obra
Tal é a grandeza de espirito que nela habita;
Milagrosamente,
Ninguém a imita.

Se fosses vivo,
Não perderia a oportunidade de te ver
E queria, porque realmente queria,
Aprender contigo a escrever.

Assim me despeço,
Com o carinho de uma leitora interessada,
Que nunca achou na vida
Que a tua obra fosse uma maçada.

[Mónica]