Thursday, September 14, 2006

9.º 6.ª


Posted by Picasa

Esta secção sobre António Gedeão teve como pretexto o concurso «Rómulo de Carvalho / António Gedeão, o poeta da Ciência» (promovido pelo Plano Nacional de Leitura). Para efeitos desse concurso, funciona como página, da responsabilidade do 9.º 6.ª da Escola Secundária José Gomes Ferreira (Benfica, Lisboa).
Não se trata, porém, de página que responda aos requisitos de navegabilidade e interactividade propostos pelo regulamento do Concurso. Desaproveitámos os recursos informáticos, concentrámo-nos nos textos. Em geral, a página reúne textos escritos pelos alunos «à maneira de» ou a propósito de algum texto de Gedeão (dá-se o texto de António Gedeão em corpo pequeno, enquanto a glosa, pelo aluno, fica em corpo um pouco maior). Portanto, também a obra do poeta foi privilegiada em detrimento da vida e restante obra de Rómulo de Carvalho.
António Gedeão


Um físico, um poeta,
Um professor e artista.
Uma pessoa muito esperta
E com mente pouco vista.

Autor da «Pedra filosofal»,
Quase hino anti-fascista,
Foi um homem com moral,
Convicto e idealista.

[Mário; capa do catálogo da BN; estudo da assinatura reproduzido a partir do mesmo catálogo]
Poema épico

O poema «Poema épico» apresenta-nos personagens que estão nos antípodas (são exactamente ao contrário) de um herói de uma epopeia. Escreve mais uma quadra, de matriz sintáctica semelhante, que trate ainda de outra figura também humilde, aparentemente sem nada que a recomendasse para heroína de epopeia. Usa um dos esquemas rimáticos nestas quadras de Gedeão (A-B-A-B ou A-B-B-A).

Poema épico

O rapagão da camisola vermelha sacode a melena da testa
e retesa os braços num bocejo como um jovem leão voluptuoso.
Dorme a sesta
o involuntário ocioso.

A filha do alfaiate atirou a tesoura e o dedal pela janela
e sumiu-se na noite escura do mundo.
Quis respirar mais fundo
e isso de ser coitada é lá com ela.

O homem da barba por fazer conta os filhos e as moedas
e balbucia qualquer coisa num tom inexpressivo e roufenho.
Súbito chamejam-lhe os olhos como labaredas:
— Eu já venho!

O da face doente,
o que sofre por tudo e por nada, sem querer,
abana a cabeça negativamente:
— Isto não pode ser! Isto não pode ser!

Sentados às soleiras das portas,
mordendo a língua na tarefa inglória,
com letras gordas e por linhas tortas
vão redigindo a História.

António Gedeão, Obra Completa, Lisboa, Relógio D'Água, [2004], p. 189
O rapaz lá da loja de jogos, está sempre contente:
vendia dos melhores,
nas prateleiras não havia os piores,
não havia nada que o pusesse doente

E o pivot do jornal
está lá todos os dias,
nem uma chamada leva a mal,
é sempre a senhora simpatias

[Pedro G.]
Qual personagem adorada,
Qual mulher de vida feliz;
É o oposto da fantasia que diz
Que não há pessoa falhada.
Criança no barco desfeito;
Tristeza transformada em presença constante,
Tentativa de felicidade que já não tem efeito,
Sonhos isentos de um mar de rosas cavalgante.
[Ana M.]
Encostados às paredes da cidade,
olhando com olhos no vazio profundo,
sem nada e sem piedade,
são discriminados pelo mundo.
[Pedro M.]
Vagabundo, no metro toca,
Para seu espírito elevar.
O saxofone faz com que a alma oca
Fique «blue» por quem o negro passar.
[Micaela]
Canção do oboé



Segundo o modelo deste poema de António Gedeão, «Canção do oboé», escrever uma «Canção de [outro instrumento musical

Canção do oboé

Habita no meu sangue como um solo de oboé.
Inexistente e imaginada
é toda feita de nada
mas necessária como o ar que não se vê.

Com os pés alados das semicolcheias
que extravasam da pauta,
baila no estrado olímpico das veias,
descontraída, turbulenta, incauta.

Oiço-a acordado e sinto-me adormecido
nas ondas largas que no sangue vão
como o transístor que se encosta ao ouvido
e apenas ouve quem o tem na mão.


António Gedeão, Obra Completa, Lisboa, Relógio D'Água, [2004], p. 214
Canção da Guitarra
Lá está, no meu quarto, uma guitarra
feita de madeira de carvalho,
com uma copa dourada.
Estar a tocar e a apreciar o orvalho.

É uma sensação especial
e só me sinto contente:
Colcheias, semicolcheias na pauta especial,
É uma música fluente.

Notas e notas vão
saindo das cordas
com a minha mão,
naquela borda, naquela borda.
[Afonso]
Canção da viola (guitarra clássica)
Enquanto flui o vento,
A encantada melodia
Arrepia-me a espinha
E continua, esguia.
E aquela guitarra
Agarra-se fortemente.
Aos meus braços escravizados.
Sem saber, transponho a música
Da tablatura para a realidade.
E, sem saber, comovo as gentes
Com os ritmos das semínimas,
Os sons dos bemóis
E das cordas entrelaçadas,
Abraçadas aos meus dedos viciados.
Sem saber, dou ao mundo
Um bocado do meu eu.
E, sem saber, corro livre
Pelas pautas musicais,
À procura de um caminho,
De um mundo vque, para mim, ainda não existe.
Por que corro?
Não sei.
Sei que tenho que correr, agarrar-me à vida.
Sei.
A música disse-me.
E assim me sinto,
Quando toca aos meus ouvidos:
Uma caixa aberta, de infinitas emoções.

[Joana L.]
Canção da Voz
Faz-me estremecer como o belo cântico dos pássaros.
Inspiradora e irregular,
é um enredo alternativo
de notas soltas.

Uma vida proferida melodicamente,
através da alma reveladora das pessoas,
experiências sentidas e conduzidas
pelas palavras esvoaçantes.

Ao ouvi-la, sinto-me bem,
Relaxada perante a minha existência,
inserida num mundo privado
onde só a voz corre.

[Cátia]
Enquanto

Neste poema, «enquanto», conjunção temporal, serve de título e é realmente fulcral na sintaxe e no sentido do texto. Escreve um poema igualmente fundado numa conjunção à tua escolha.

Enquanto
Enquanto houver um homem caído de bruços no passeio
e um sargento que lhe volte o corpo com a ponta do pé
para ver como é;
enquanto o sangue gorgolejar das artérias abertas
e correr pelos interstícios das pedras,
pressuroso e vivo como vermelhasminhocas despertas;
enquanto as crianças de olhos lívidos e redondos como luas,
órfãs de pais e de mães,
andarem acossadas pelas ruas
como matilhas de cães;
enquanto as aves tiverem de interromper o seu canto
com o coraçãozinho débil a saltar-lhes do peito fremente,
num silêncio de espanto
rasgado pelo grito da sereia estridente;
enquanto o grande pássaro de fogo e alumínio
cobrir o mundo com a sombra escaldante das suas asas
amassando na mesma lama de extermínio
os ossos dos homens e as traves das suas casas;
enquanto tudo isto acontecer, e o mais que não se diz por ser verdade,
enquanto for preciso lutar até ao desespero da agonia,
o poeta escreverá com alcatrão nos muros da cidade:

ABAIXO O MISTÉRIO DA POESIA.
António Gedeão, Obra Completa, Lisboa, Relógio D'Água, [2004], p. 198.
Quando

Quando eu a vi sair de casa,
tudo em mim tremelicava:
ela era a luz de toda a rua,
ainda ficava mais linda,
quando soltava o cabelo,
porque,
quando saía de casa,
havia aquele vento matinal
e o seu cabelo esvoaçava,
quando falava com ela,
eu até gaguejava.
A sua voz era suave,
quando estava com ela.
Parecia que estava no campo
a ouvir os pássaros a cantar,
enquanto víamos o pôr-do-sol
reflectido num lago.

[João Miguel]
Apesar

Apesar dos “Objectivos do Milénio”,
continua a haver pessoas a morrer de fome;
apesar de haver demasiados alimentos
e haver muitas pessoas com obesidade,
os alimentos continuam a falar onde são precisos;
apesar das crianças que choram de fome,
e das mães que sofrem, não por elas
mas por não poderem alimentar os seus filhos;
apesar dos países pobres terem recursos
e de terem possibilidade de alimentar todos os sítios;
apesar da taxa de natalidade ser muito elevada
e o número de habitantes ser cada vez menor,
o poeta gritará com todas as suas forças:
É PRECISO AJUDAR.

[João Af. D.]
Quando
Quando o aborto é notícia,
Todos os telejornais falam sobre isso,
Todas as pessoas parecem saber do assunto,
Os títulos dos jornais e a política,
A peixeira e o advogado de Freiria;
E todos reflectem sobre o problema,
Avançam todas as teorias e certezas
Sobre o início da vida ou sobre a dor.
Todos dizem que já disseram que sim,
Todos dizem que acham que não,
Quando se fala de aborto
E quando o aborto é noticia.
E quando não se fala?
O aborto deixa de ser importante?
Deixa de acontecer,
Quando não é noticia?

[Paulo]
Todavia

Há progresso,
Todavia as pessoas morrem sem remédios,
Onde não existem carros nem prédios.
Todavia há quem durma ao relento,
Exposto à tirania do frio e do vento.

[Mário]

Calçada de Carriche
Escreve uma 'versão masculina' do poema «Calçada de Carriche». Como verás, este longo poema retrata uma mulher de vida condicionada pelos outros («explorada» pela sua condição de mulher e de operária). Escreverás um texto simétrico, que, em ritmo aproximado, nos mostre o quotidiano de um homem e burguês; ou, segunda hipótese, do homem a que corresponderia o marido desta Luísa.

Calçada de Carriche

Luísa sobe,
sobe a calçada,
sobe e não pode
que vai cansada.
Sobe, Luísa,
Luísa, sobe,
sobe que sobe
sobe a calçada.

Saiu de casa
de madrugada;
regressa a casa
é já noite fechada.
Na mão grosseira,
de pele queimada,
leva a lancheira
desengonçada.
Anda, Luísa,
Luísa, sobe,
sobe que sobe,
sobe a calçada.

Luísa é nova,
desenxovalhada,
tem perna gorda,
bem torneada.
Ferve-lhe o sangue
de afogueada;
saltam-lhe os peitos
na caminhada.
Anda, Luísa,
Luísa, sobe,
sobe que sobe,
sobe a calçada.

Passam magalas,
rapaziada,
palpam-lhe as coxas
não dá por nada.
Anda, Luísa,
Luísa, sobe,
sobe que sobe,
sobe a calçada.

Chegou a casa
não disse nada.
Pegou na filha,
deu-lhe a mamada;
bebeu a sopa
numa golada;
lavou a loiça,
varreu a escada;
deu jeito à casa
desarranjada;
coseu a roupa
já remendada;
despiu-se à pressa,
desinteressada;
caiu na cama
de uma assentada;
chegou o homem,
viu-a deitada;
serviu-se dela,
não deu por nada.
Anda, Luísa.
Luísa, sobe,
sobe que sobe,
sobe a calçada.

Na manhã débil,
sem alvorada,
salta da cama,
desembestada;
puxa da filha,
dá-lhe a mamada;
veste-se à pressa,
desengonçada;
anda, ciranda,
desaustinada;
range o soalho
a cada passada,
salta para a rua,
corre açodada,
galga o passeio,
desce o passeio,
desce a calçada,
chega à oficina
à hora marcada,
puxa que puxa,
larga que larga,
puxa que puxa,
larga que larga,
puxa que puxa,
larga que larga,
puxa que puxa,
larga que larga;
toca a sineta
na hora aprazada,
corre à cantina,
volta à toada,
puxa que puxa,
larga que larga,
puxa que puxa,
larga que larga,
puxa que puxa,
larga que larga.
Regressa a casa
é já noite fechada.
Luísa arqueja
pela calçada.
Anda, Luísa,
Luísa, sobe,
sobe que sobe,
sobe a calçada,
sobe que sobe,
sobe a calçada,
sobe que sobe,
sobe a calçada.
Anda, Luísa,
Luísa, sobe,
sobe que sobe,
sobe a calçada.

António Gedeão, Obra Completa, Lisboa, Relógio D'Água, [2004], p. 140.

Calçada de Carriche
António senta-se,
pega no comando,
muda de canal e ajeita-se,
chama e chama pelo Nando.
Muda, António,
António, muda,
Muda que muda,
Muda de canal.

Levanta-se da cama
ao fim da tarde,
penteia o cabelo, o que mais ama,
arranja-se antes que anoiteça.
Na gorda barriga,
de pele esticada,
poisa a Urtiga,
que se aquece do nada.
Fica, António,
António, muda,
Muda que muda,
Muda de canal.
António é velho,
chato,
tem cabeça de courato
e veste barato.
Tranquilo,
com as preocupações
come ainda mais
torresmos e coscorões.
Fica, António,
António, muda,
muda de canal.

Vê o Benfica,
adormecido,
tenta acordar com pica
embora ela já tenha ido.
Fica, António,
António, muda,
Muda que muda,
Muda de canal.

Olha a Luísa e não diz nada,
vai dormir
com uma grande pedrada,
chega à cama e só pensa em rir.
Muda que muda,
Muda de canal.

[Sara]

Segunda Circular
Desce José
a estrada,
sentado confortavelmente
no seu Fiat Strada.

Chega ao escritório,
põe tudo num pandemónio,
faz a vida negra
até ao melhor operário.

Recosta-se no cadeirão
e descansa um pouco,
fica cansado
só de ver os outros a ter um trabalhão.

Volta a casa,
evitando as faixas com carros.
Manda trabalhar os empregados,
que já estão cansados.

Dorme um sono descansado,
sem pensar no operário
que chega a casa
e dorme estafado.

[João Af.]





Pedra filosofal


Lê o conhecido «Pedra filosofal». Talvez tenhas estado, em Novembro de 2005, na sessão do aniversário da escola em que Manuel Freire cantou a canção com esta letra. (Essa canção, que há trinta e muitos anos tornou este poema tão conhecido, podes ouvi-la aqui.) Os últimos versos da terceira estrofe («alto-forno, geradora, / cisão de átomo, radar, / ultra-som, televisão, / desembarque em foguetão / na superfície lunar» pretendem referir o que na altura seriam os expoentes da modernidade. Prossegue essa estrofe, acrescentando uma dezena de versos com nomes ou situações que hoje seriam representativas da mesma modernidade.


Pedra filosofal

Eles não sabem que o sonho
é uma constante da vida
tão concreta e definida
como outra coisa qualquer,
como esta pedra cinzenta
em que me sento e descanso,
como este ribeiro manso
em serenos sobressaltos,
como estes pinheiros altos
que em oiro se agitam,
como estas aves que gritam
em bebedeiras de azul.

Eles não sabem que o sonho
é vinho, é espuma, é fermento,
bichinho álacre e sedento,
de focinho pontiagudo,
que fossa através de tudo
num perpétuo movimento.

Eles não sabem que o sonho
é tela, é cor, é pincel,
base, fuste, capitel,
arco em ogiva, vitral,
pináculo de catedral,
contraponto, sinfonia,
máscara grega, magia,
que é retorta de alquimista,
mapa do mundo distante,
rosa-dos-ventos, Infante,
caravela quinhentista,
que é cabo da Boa Esperança,
ouro, canela, marfim,
florete de espadachim,
bastidor, paço de dança,
Colombina e Arlequim,
passarola voadora,
pára-raios, locomotiva,
barco de proa festiva,
alto-forno, geradora,
cisão de átomo, radar,
ultra-som, televisão,
desembarque em foguetão
na superfície lunar.

Eles não sabem, nem sonham,
que o sonho comanda a vida.
Que sempre que o homem sonha
o mundo pula e avança
como bola colorida
entre as mãos de uma criança.

António Gedeão, Obra Completa, Lisboa, Relógio D'Água, [2004], p. 104

Curto-circuito, um trovão,
Velocidade cortante, um avião,
Uma bala rasante, uma pistola,
Uma ligação, um prédio,
Todas as extravagâncias, impedindo o tédio,
Uma célula, um neutrão,
corrente, um electrão,
CD, um cartão.
Um isqueiro, um incêndio,
Um mundo evoluído, compreende-o.
[Tiago]
MP4, viagem à Jamaica,
controlo remoto da vivenda em Cascais,
roupa térmica, moto,
conhecer países, premonições
ténis giros, sistema de som,
calças rasgadas, mobília chique e moderna,
ser modelo, passar férias na Lua,
sonhar.

[Sara]

Lágrima de preta

Fazer uma paródia a «Lágrima de Preta». Substituir «lágrima» por alguma outra excreção e fazer as outras adaptações necessárias.

Lágrima de preta

Encontrei uma preta
que estava a chorar,
pedi-lhe uma lágrima
para a analisar.

Recolhi a lágrima
com todo o cuidado
num tubo de ensaio
bem esterilizado.

Olhei-a de um lado,
do outro e de frente:
tinha um ar de gota
muito transparente.

Mandei vir os ácidos,
as bases e os sais,
as drogas usadas
em casos que tais.

Ensaiei a frio,
experimentei ao lume,
de todas as vezes
deu-me o que é costume:

nem sinais de negro,
nem vestígios de ódio.
Água (quase tudo)
e cloreto de sódio.

António Gedeão, Obra Completa, Lisboa, Relógio D'Água, [2004], p. 163
Suor de preta

Encontrei uma preta
Que estava a suar,
Pedi-lhe uma gota
Para a analisar.

Recolhi o suor
Com todo o cuidado
Num tubo de ensaio
Bem esterilizado.

Olhei-o de um lado,
Do outro e de frente:
Tinha um ar de gota
Muito transparente.

Mandei vir os ácidos
As bases e os sais
As drogas usadas
Em casos que tais.

Ensaiei a frio,
Experimentei ao lume
De todas as vezes
Deu-me o que é costume:

Nem sinais de negro,
Nem qualquer verrina,
Água (quase tudo)
E uma ou outra toxina.

[Mário]
Cocó de caucasiana
Encontrei uma caucasiana
que estava a defecar,
pedi-lhe umas fezes
para as analisar.

Recolhi o cocó
minuciosamente
num penico
bem deslavado.

Observei-o de um lado
e do outro e de frente:
tinha um ar de cocó
muito consistente.

Mandei vir as luvas,
as pinças e as navalhas,
os objectos usados
em tais situações.

Ensaiei no frigorífico
experimentei no microondas,
todavia
não derreteu.

Nem sinais de diarreia,
nem vestígios de granulado;
consistência (quase tudo)
e um mau cheiro tramado.

[Ana G.]

Poema do poste com flores amarelas


O poema que se segue, ao contrário do que é costume na poesia de António Gedeão, não é rimado. Os seus versos são aliás extensos, quase como se se tratasse de prosa. Escreve uma continuação do poema.

Poema do poste com flores amarelas

Vieram os operários, puseram o poste de ferro na berma do passeio
e foram-se para voltar noutro dia.
O poste tinha sido pintado há pouco de verde
e quando lhe batia o sol rutilava como as escamas dos dragões.
Mesmo junto do poste, no passeio, havia uma árvore que dava flores amarelas,
e o vento fez cair algumas flores amarelas sobre o poste verde.
As pessoas que por ali passavam diziam «que chatice de poste»,
mas o poeta sorria para as flores amarelas.
António Gedeão, Obra Completa, Lisboa, Relógio D'Água, [2004], p. 220
Aproximou-se mais um pouco do poste
e colocou algumas flores amarelas que colhera anteriormente.
Olhou em seu redor e viu inúmeras pessoas.
Estavam curiosas em relação ao que realizava
Parecia um pintor famoso.
Ao sair de perto do poste, olho-o já de longe.
Estava a ser admirado por todos os transeuntes:
Naquele dia estava feliz.
[Ana G.]

Lição sobre a água

Seguindo a matriz sintáctica do poema «Lição sobre a água», escrever uma «Lição sobre o vinho». Começarás assim «Este líquido é vinho / Quando ...». Tenta respeitar a tal «matriz sintáctica» e conseguir rima segundo o mesmo esquema rimático (ou muito aproximado).

Lição sobre a água

Este líquido é água.
Quando pura
é inodora, insípida e incolor.
Reduzida a vapor,
sob tensão e a alta temperatura,
move os êmbolos das máquinas que, por isso,
se denominam máquinas de vapor.

É um bom dissolvente.
Embora com excepções mas, de um modo geral,
dissolve tudo bem, ácidos, base e sais.
Congela a zero graus centesimais
e ferve a 100, quando à pressão normal.

Foi neste líquido que numa noite cálida de Verão,
sob um luar gomoso e branco de camélia,
apareceu a boiar o cadáver de Ofélia
com um nenúfar na mão.

António Gedeão, Obra Completa, Lisboa, Relógio D'Água, [2004], p. 202
Lição sobre o sangue
Este líquido é sangue.
Quando fresco,
é brilhante, estranho, perturbador.
Reduzido ao seu horror,
sob gritos, apático,
move as entranhas das máquinas que somos,
máquinas de repugnante interior.

É uma prova.
Guarda, sem excepção,
Tudo o que somos
Que fizemos
E que um dia nos roubarão.
Foi neste líquido que, no senado,
Sob as sombras de traidores,
César viu os perdedores
Com espanto inesperado.
[Joana M. L.]
Lição sobre a cerveja

Este líquido é cerveja.
Quando bebida,
É amarga, doce e sentida,
como uma mágoa vivida.
Cerveja assim engolida
Sem ardor nem vergonha
De nem querer estar com a vida.

É uma boa companheira
E, quando é tirada em vão,
Desperta sonhos e ilusões
Como saltitantes feijões
Da máquina para o balcão.

Tardes quentes despertem o desejo
Deste líquido tão procurado
Mas, ao mesmo tempo, amarado
Às garras do vício, de tal modo é o ensejo.

[Micaela]

Anacleta


O poema que se segue é um acróstico (o início dos versos, lido na vertical, constitui um nome) escrito por Rómulo de Carvalho aos 11 anos. Escreve um acróstico, e também dedicado a uma pessoa ou a coisa de que muito gostes. Usa o mesmo esquema rimático (A-B-A-B-C-D-C-D).

Anacleta

A mei-te ao ver-te formosa
N aquela bela manhã
A mei-te ao ver-te viçosa
C omo uma rosa louçã.
L endo num livro ela estava
E ncostada ao seu balcão
T endo gesto que mostrava
A mar-me do coração.
António Gedeão, Obra Completa, Lisboa, Relógio D'Água, [2004], p. 639.
Compasso

C om o teu espigão aguçado,
O cupas todo o centro da folha,
M as com um ar engraçado
P ara arrancar da garrafa a rolha.
A nda com o lápis à roda,
S em falhar um risco.
S em deixar de estar na moda,
O compasso roda como um disco.

[João M.]
Poema da auto-estrada
Escrever poema «antónimo» do seguinte poema de António Gedeão: «Poema da auto-estrada».
Poema da auto-estrada
Voando vai para a praia
Leonor na estrada preta.
Vai na brasa, de lambreta.
Leva calções de pirata,
Vermelho de alizarina,
modelando a coxa fina
de impaciente nervura.
Como guache lustroso,
amarelo de indantreno,
blusinha de terileno,
desfraldada na cintura.
Fuge, fuge, Leonoreta.
Vai na brasa, de lambreta.
Agarrada ao companheiro
na volúpia da escapada
pincha no banco traseiro
em cada volta da estrada.
Grita de medo fingido,
que o receio não é com ela,
mas por amor e cautela
abraça-o pela cintura.
Vai ditosa, e bem segura.
Como um rasgão na paisagem
corta a lambreta afiada,
engole as bermas da estrada
e a rumorosa folhagem.
Urrando, estremece a terra,
bramir de rinoceronte,
enfia pelo horizonte
como um punhal que se enterra.
Tudo foge à sua volta,
o céu, as nuvens, as casas,
e com os bramidos que solta
lembra um demónio com asas.
Na confusão dos sentidos
já nem percebe, Leonor,
se o que lhe chega aos ouvidos
são ecos de amor perdidos
se os rugidos do motor.
Fuge, fuge, Leonoreta.
Vai na brasa, de lambreta.
António Gedeão, Obra Completa, Lisboa, Relógio D'Água, [2004], p. 177
Poema do Planalto
Andando vai para o céu
Ronoel na terra branca.
Vai na frescura, de batel.

Leva calças de anjo,
amarelo de anel,
amachucando o gémeo interno
da impaciente amargura.
Como pincel traposo,
vermelho de horroroso,
gravata à madrileno.
amachucada na bacia.

Anda, anda, Ronoelereta.
Vai na frescura, de batel.

Agarrado ao amante
na ternura da estalada,
trincha no banco pioneiro
em cada volta chicoteada.
Ri-se de receio fingido,
que o medo não é com ele,
mas, por ódio e rancor,
esfaqueia-o pela cintura.
Vai vaidosa e mal segura.

Como um nevão na paisagem
corta o batel aproado,
engole a terra pura
e a esplendorosa ramagem.
Chorando, abana o planeta,
zumbir de elefante,
penetra por vante,
como um revólver de perneta.
Tudo vem em seu redor,
o planalto, as folhas, as cabanas,
e com os zumbidos que solta
lembra um anjo com cornos.

Na acalmia dos sentidos,
já nem sente Ronoel
se o que lhe chega aos ouvidos
são sons de rancor perdidos
se os rugidos do batel.

Anda, anda, Ronoelereta.
Vai na frescura, de batel.

[João Tomás]
Continuação de Os Lusíadas

Rómulo de Carvalho, com apenas onze anos, escreveu uma continuação dos Lusíadas, que se ocupava da história de Portugal posterior a Alcácer-Quibir. Escreve tu uma estância dedicada também a um facto da história de Portugal posterior ao século XVI. Cumpre o esquema rimático seguido na epopeia de Camões (e nas estrofes do adolescente Rómulo) e procura fazer, aproximadamente, a mesma métrica.

Canto XI

I
Depois da sanguinolenta batalha,
Conhecida por Alcácer-Quibir
Ficando tudo numa só mortalha,
Fidalgos, e El-Rei logo a seguir,
Valentes e todos da mesma igualha,
Nenhum se recusou e quis fugir,
Nem D. Sebastião; só se meteu
Entre seu inimigo, onde morreu.

II
Por morte de El-Rei D. Sebastião,
Que tristíssima foi e mui fatal,
Lhe sucedeu um tio prelado, então,
Sendo dos da igreja um Cardeal
Segundo primo de El-Rei D. João
Descendente dos reis de Portugal,
Do Príncipe perfeito, seu cognome,
Por sua altivez, seu valor e nome.
António Gedeão, Obra Completa, Lisboa, Relógio D'Água, [2006], 636
Muitas foram as pessoas abaladas
Por tais maçadores movimentos
Foi em 1755, depois das nove badaladas
Que muitos seres abanaram, turbulentos.
As antigas histórias contadas
Não passam agora de simples acentos,
Por entre os contos portugueses
Ainda presentes, entre os camponeses.
[Ana M.]

D. João restaura a independência
E surge nesse momento propício;
Com o apoio continuaria
E, com todo seu poderio,
Várias batalhas venceria
E a muitos calaria o pio.
Agora vive momentos de paz
Este imenso Portugal audaz.

A corrida ao ouro e diamantes
serviu para acumularcapital;
D.João V mais as suas amantes
Cobravam pedras de ouro, esse mal
Mais vinho do Porto, o que era antes
Uma grande satisfação sem igual
Tornou numa miséria
Esse grande Portugal.

[Pedro M.]
África será nossa e de mais ninguém,
Nem que quase todo o mundo vá alcançá-la.
Lutaremos por aí além,
Nenhum português irá renegá-la.
Bem preparados, mataremos também,
A nossa nação irá conquistá-la.
Os ingleses que se preparem para a guerra,
Portugal vai traçar uma nova era.

As ameaças a ninguém assustaram,
Com excepção do nosso bendito rei,
Uma revolução foi o que instalaram.
À espera do desenvolvimento ficarei,
Por nada a ameaça negaram.
Mas o povo não se afrontou, bem sei.
Porém, a nação portuguesa é uma «nossa»
E consigo acreditar que África ainda será nossa!

[Ana S.]
Depois dos loucos anos vinte,
as mentalidades progrediram imenso,
a mulher deixou de ser um pedinte
e pôde começar a agir com bom senso.
Da extrema moral deixou de ser seguinte,
deixando o homem até um pouco tenso;
Da mais que perfeita fada do lar,
tudo nela conseguiu transformar.
[Cátia]

Poema da Noiva de Chagall

A propósito do «Poema da Noiva de Chagall», escolhe uma outra pintura [buscada, por exemplo, em site de pintura] e escreve poema alusivo.

Poema da Noiva de Chagall

Tenho os olhos repletos de ventura.
E isto simplesmente
por ver na minha frente um tanque de água,
bancos de pedra à volta
e uns modestos arbustos sem grandeza.
Como a ventura é fácil quando tudo
se mede em desventura!

Tudo se junta neste quadro ameno
para dar felicidade momentânea;
e o que falta, que é tudo, isso, imagino.
A luz do Sol escondido a jorros brota,
caustica a pele e afogueia o rosto;
nos arbustos despidos as flores rescendem;
e no tanque parado, de águas sujas,
o transparente líquido se eleva
e em parábolas cai na morta superfície.

Desce um pombo do alto em voo lento
e na borda do tanque poisa, e olha.
Finjo que sou de pedra; e o pombo olha-me.
Finge-se ele de pedra enquanto o olho,
e assim nos demoramos, um e outro,
até nos convencermos
que só de mútuo amor se vive em paz.

Um roçar de asas vem do alto e desce.
É ela, a pomba, o número que faltava
no programa das festas dos meus olhos.
Ao lado dele poisa, e tão chegada
que as penas dele em mim se sobressaltam.

Foi então que um rumor tão insensível
como um abril de pétalas
roçou por entre as folhas dos arbustos.
A noiva de Chagall,
micro-onda violeta, espuma de detergente,
flutuando ao sabor de uma suposta brisa,
alegre e rápida, voluptuosa e breve,
em círculos de renda me envolveu.

De vassoura de esparto, o homem do jardim
juntava as folhas secas,
e ao juntá-las,
diluía rumores no silêncio da tarde
enquanto ia pensando noutra coisa.

António Gedeão, Obra Completa, Lisboa, Relógio D'Água, [2004], p. 242
Poema do Quarto de Van Gogh

Um lugar que sirva de abrigo,
Um lugar para onde alguém possa fugir.

Alegria,
Tristeza,
Desilusão,
No meio daquelas paredes azuis,
Perdidas na claridade e nos cantos do quarto.

Duas cadeiras para sentar e pensar.
Uma cama acolhedora na almofada se refugiarem as lágrimas.
Quadros para expor os sentimentos.
Uma mesa para escrever e voltar a ficar na mesma.
Uma janela para olhar o mundo lá fora.
Uma porta azul para recomeçar tudo de novo.

Um quarto.
Um abrigo.
Um refúgio.

[Carolina]
Poema da Mona Lisa de Da Vinci

Obra de pequenas dimensões,
mas conhecida por todo o mundo,
pintada por Da Vinci,
isenta de ilusões.

Cores de tristeza intrigante,
mulher com olhar profundo;
vestes de estranha origem,
que mostram um toque sufocante.

Natureza espontânea ou não,
em que a realidade parece mentira;
obra por muitos conhecida
como a palma da mão.

Ao fundo, uma vista natural
que se mistura com a mulher,
dona de um sorriso
um tanto irreal.

[Guilherme]


Poema do alegre desespero
Repara nos seis primeiros versos do «Poema do alegre desespero». Escreve mais algumas estrofes com o mesmo esquema rimático e que tenham (ou tenham subentendida) a frase «compreende-se que ninguém se lembre de».

Poema do alegre desespero
Compreende-se que lá para o ano três mil e tal
ninguém se lembre de certo Fernão Barbudo
que plantava couves em Oliveira do Hospital,
ou da minha virtuosa tia-avó Maria das Dores
que tirou um retrato toda vestida de veludo
sentada num canapé junto de um vaso com flores.
Compreende-se.

E até mesmo que já ninguém se lembre que houve três impérios no Egipto
(o Alto Império, o Médio Império e o Baixo Império)
com muitos faraós, todos a caminharem de lado e a fazerem tudo de perfil,
e o Estrabão, o Artaxerxes, e o Xenofonte, e o Heraclito,
e o desfiladeiro das Termópilas, e a mulher do Péricles, e a retirada dos dez mil,
e os reis de barbas encaracoladas que eram senhores de muitas terras,
que conquistavam o Lácio e perdiam o Epiro, e conquistavam o Epiro e perdiam o Lácio,
e passavam a vida inteira a fazer guerras,
e quando batiam com o pé no chão faziam tremer todo o palácio,
e o resto tudo por aí fora,
e a Guerra dos Cem Anos,
e a Invencível Armada,
e as campanhas de Napoleão,
e a bomba de hidrogénio,
e os poemas de António Gedeão.

Compreende-se.

Mais império menos império,
mais faraó menos faraó,
será tudo um vastíssimo cemitério,
cacos, cinzas e pó.

Compreende-se.
Lá para o ano três mil e tal.

E o nosso sofrimento para que serviu afinal?

António Gedeão, Obra Completa, Lisboa, Relógio D'Água, [2004], p. 220

Compreende-se que hoje em dia
ninguém se lembre do Lopes da Silva
que mil e uma desgraças nos trazia.

Ou até do tão amado Felisberto
que foi a prova viva
de que se consegue vencer um jogo mesmo com o pulso aberto.
[Guilherme]


Poema para Galileo
Escreve um «Poema para [outra figura histórica (da ciência, da cultura)]».

Poema para Galileo

Estou olhando o teu retrato, meu velho pisano,
aquele teu retrato que toda a gente conhece,
em que a tua bela cabeça desabrocha e floresce
sobre um modesto cabeção de pano.
Aquele retrato da Galeria dos Ofícios da tua velha Florença.
(Não, não, Galileo! Eu não disse Santo Ofício.
Disse Galeria dos Ofícios.)
Aquele retrato da Galeria dos Ofícios da requintada Florença.
Lembras-te? A Ponte Vecchio, a Loggia, a Piazza della Signoria...

Eu sei... Eu sei…
As margens doces do Arno às horas pardas da melancolia.
Ai que saudade, Galileo Galilei!
Olha. Sabes? Lá em Florença
está guardado um dedo da tua mão direita num relicário.
Palavra de honra que está!
As voltas que o mundo dá!
Se calhar até há gente que pensa
que entraste no calendário.

Eu queria agradecer-te, Galileo,
a inteligência das coisas que me deste.
Eu,
e quantos milhões de homens como eu a quem tu esclareceste,
ia jurar — que disparate, Galileo!
— e jurava a pés juntos e apostava a cabeça sem a menor hesitação — que os corpos caem tanto mais depressa quanto mais pesados são.

Pois não é evidente, Galileo?
Quem acredita que um penedo caia
com a mesma rapidez que um botão de camisa ou que um seixo da praia?

Esta era a inteligência que Deus nos deu.

Estava agora a lembrar-me, Galileo,
daquela cena em que tu estavas sentado num escabelo e tinhas à tua frente
um friso de homens doutos, hirtos, de toga e de capelo
a olharem-te severamente.
Estavam todos a ralhar contigo,
que parecia impossível que um homem da tua idade
e da tua condição,
se estivesse tornando num perigo
para a Humanidade
e para a Civilização.
Tu, embaraçado e comprometido, em silêncio mordiscavas os lábios, e percorrias, cheio de piedade,
os rostos impenetráveis daquela fila de sábios.

Teus olhos habituados à observação dos satélites e das estrelas,
desceram lá das suas alturas
e poisaram, como aves aturdidas — parece-me que estou a vê-las —
nas faces grávidas daquelas reverendíssimas criaturas.
E tu foste dizendo a tudo que sim, que sim senhor, que era tudo tal qual
conforme suas eminências desejavam,
e dirias que o Sol era quadrado e a Lua pentagonal
e que os astros bailavam e entoavam
à meia-noite louvores à harmonia universal.
E juraste que nunca mais repetirias
nem a ti mesmo, na própria intimidade do teu pensamento, livre e calma,
aquelas abomináveis heresias
que ensinavas e escrevias
para eterna perdição da tua alma.
Ai, Galileo!
Mal sabiam os teus doutos juízes, grandes senhores deste pequeno mundo,
que assim mesmo, empertigados nos seus cadeirões de braços,
andavam a correr e a rolar pelos espaços
à razão de trinta quilómetros por segundo.
Tu é que sabias, Galileo Galilei.
Por isso eram teus olhos misericordiosos,
por isso era teu coração cheio de piedade,
piedade pelos homens que não precisam de sofrer, homens ditosos
a quem Deus dispensou de buscar a verdade.
Por isso estoicamente, mansamente,
resististe a todas as torturas,
a todas as angústias, a todos os contratempos,
enquanto eles, do alto inacessível das suas alturas,
foram caindo,
caindo,
caindo,
caindo,
caindo sempre,
e sempre,
ininterruptamente,
na razão directa dos quadrados dos tempos.
António Gedeão, Obra Completa, Lisboa, Relógio D’Água, [2004], p. 205

Poema para Sigmund Freud
Vendo-te no retrato,
relembro-me de ti,
pensando no acto
inspiro-te em mim.
Inúmeras descobertas realizaste,
inúmeros disparates provocaste,
mas, para ser sincero,
nunca os reparaste.
Embora os disparates
que realizaste anteriormente
me tenham chocado profundamente,
nunca me desiludirão,
porque te admiro singelamente.
[João Tomás]

Poema para os irmãos Wright
Estou a olhar para a vossa fotografia,
aquela que foi tirada no vosso primeiro voo,
a fotografia que me inspirou
no meu futuro ofício.
Aquela fotografia no campo
em que o primeiro avião motorizado
saía disparado,
pela colina fora.

Nesse dia,
os priomeiros dez metros conquistados,
nosdescrentes desanimados
por verem que afinal tinham razão.
É verdade!
Quase foram passados
por outro qualquer aviador,
que, sem saber de vocês,
também quis ser vencedor.

E foi por vossa causa
que hoje todos conhecem os aviões
como grandes passarões
que nos levam até onde onde queremos.

Foi assim que o mundo conheceu
e sempre conhecerá
os certos irmãos Wright.

[João Af.]


Alegremente, no autocarro


As quatro quintilhas de «Alegremente, no autocarro» têm estrutura idêntica (todos os seus cinco versos são paralelos). Escreve mais uma quintilha que siga a mesma estrutura e se enquadre no sentido do poema.

Alegremente, no autocarro

As crianças tristes passam alegres no autocarro,
cantando em altos berros e intrometendo-se com quem passa.
Vão todas ao Posto vacinar-se de graça.
A vacina é triste, as crianças são tristes,
mas passam todas, alegremente, no autocarro.

Os soldados tristes passam alegres no autocarro,
entoando as canções que cantavam nas romarias da sua terra.
Vão para o cais do embarque tomar o paquete que os levará para guerra.
A guerra é triste, os soldados são tristes,
mas passam todos, alegremente, no autocarro.

Os operários tristes passam alegremente no autocarro,
cantando e gesticulando com a garrafa de vinho na mão.
Vão todos para a fábrica vigiar as máquinas e carregar num botão.
A fábrica é triste, os operários são tristes,
mas passam todos, alegremente, no autocarro.

Os camponeses tristes passam alegres no autocarro,
cantando e dando vivas ao longo do percurso.
Vão todos à cidade, de fato novo, aplaudir o discurso.
O discurso é triste, os camponeses são tristes,
mas passam todos, alegremente, no autocarro.

Alegremente, no autocarro.

António Gedeão, Obra Completa, Lisboa, Relógio D’Água, [2004], p. 230
Os jogadores tristes passam alegres no autocarro,
cantando gritos de vitória para o próximo jogo.
Vão para o estádio com receio de uma derrota.
A derrota é triste, os jogadores são tristes,
mas passam todos, alegremente. no autocarro.
[João Miguel]
Os judocas tristes passam alegremente no autocarro,
cantando e projectando apenas o parceiro mais alto.
Vão para o tapete, sofrer contra o asfalto.
O tapete é triste, os judocas são tristes,
mas passam todos, alegremente, no autocarro.
[Tiago]
O triste rapaz passa alegremente no autocarro,
sente que uma vez mais perdeu o rumo.
Tudo o que se tinha passado parece que ficou coberto de fumo.
Os pensamentos são tristes, as recordações são tristes,
mas passa sempre, alegremente, no autocarro.

[Guilherme]
Poema do fecho éclair



No «Poema do fecho éclair», apresenta-se uma série de vantagens que tinha um rei do século XVI, contrastada no fim com uma desvantagem (não ter um fecho éclair). Escreve um texto (que pode ser em poesia não rimada), em que relates a situação contrária: dirás as vantagens que tens por viveres no século XXI e, no final, indicarás qualquer coisa que não tens (por não viveres no XVI).

Eu tenho …
[muitas linhas]
O que eu não tenho é …

Poema do fecho éclair

Filipe II tinha um colar de oiro,
tinha um colar de oiro com pedras rubis.
Cingia a cintura com cinto de coiro,
com fivela de oiro,
olho de perdiz.

Comia num prato
de prata lavrada
girafa trufada,
rissóis de serpente.
O copo era um gomo
que em flor desabrocha,
de cristal de rocha
do mais transparente.

Andava nas salas
forradas de Arrás,
com panos por cima,
pela frente e por trás.
Tapetes flamengos,
combates de galos,
alões e podengos,
falcões e cavalos.

Dormia na cama
de prata maciça
com dossel de lhama
de franja roliça.
Na mesa do canto
vermelho damasco,
e a tíbia de um santo
guardada num frasco.

Foi dono da Terra,
foi senhor do Mundo,
nada lhe faltava,
Filipe Segundo.

Tinha oiro e prata,
pedras nunca vistas,
safiras, topázios,
rubis, ametistas.
Tinha tudo, tudo,
sem peso nem conta,
bragas de veludo,
peliças de lontra.
Um homem tão grande
tem tudo o que quer.

O que ele não tinha
era um fecho éclair.
António Gedeão, Obra Completa, Lisboa, Relógio D’Água, [2004], p. 202

Poema dos legumes
Eu tenho um computador,
Onde faço o que quero.
Moro num prédio
Onde posso passear de elevador.

Em minha casa há uma televisão,
Que me ajuda a sonhar
Em ser famosa
E ter uma mansão.

Tenho acesso a electricidade “infinita”
Que, quando falha,
E um Deus nos valha.

Posso passar férias num hotel
Todo fino
Em vez de num motel.
E até em rock posso cantar o hino!

Sei o que é música electrónica
E incompreensível,
Só tem mesmo o ritmo,
Faz-nos abanar até cairmos de cansaço

Esqueci-me de mencionar
Que também consigo telefonar:
Basta marcar o número que quero
E pode, ou não, ser de quem venero!

O que eu não tenho é
Legumes sem químicos.
[Ana Morais]
Eu tenho cérebro, penso,
tenho cabeça, tronco e membros,
ando, corro, salto e penso ser um rapaz normal.

Fisicamente normal,
anormal em pensamento.

Como todos os outros, tenho os meus problemas,
ansiedades, medos…
alguns sem razão,
outros evidentes.

O que mais me assusta é o facto de ter pensamento
e pensar.
Tenho medo de pensar,
pensar faz-me medo.

A evolução assusta-me,
o medo assusta-me.
Tenho medo de ter medo.
Até o facto de ter vida me assusta,
sei que vou morrer,
para quê viver?
temos todos de viver para morrer?

Todos lutamos mas…
será que faz sentido lutar?

A minha felicidade passa
pela felicidade dos outros.
Mas, sinceramente, confesso que a felicidade
e a actividade das pessoas me chegam a irritar.
Os seus pensamentos perturbam-me; a sua maneira de levar a vida, a sua felicidade…

O meu verbo ter é muito extenso.

Nós todos temos muita coisa,
mas não gozamos aquilo que de mais precioso temos.

O que eu não tenho é, com muita pena minha,
única e simplesmente,
vontade de viver.

[Pedro M.]
Poema das peliças de lontra
Tenho um portátil
com oito gigas de processador.
Uma consola de jogos,
um telemóvel inovador.
Um plasma de cinquenta polegadas
do mais moderno, sim senhor.
ipod e vídeo Sony,
Tudo do bom e do melhor.
Ao almoço, como caviar,
por vezes, uma pizza ou hambúrguer
para desanuviar.
Ao jantar, para não engordar,
lagosta recheada
e doce à colher,
mousse de chocolate
e o que mais houver.
A minha garagem
é pobrezinha,
tem vinte carritos,
pois coitadinha.
Esta situação
tem de mudar,
e brevemente
vou comprar
mais umas motas e jipes
para a modernizar.
Tenho uma viagem
reservada para a Lua,
no vaivém espacial.
Vou lá no Natal,
para representar Portugal.

O meu guarda-roupa
só tem Valentinos,
Gucci, Boss e Dior.
Pijamas de seda pura,
sapatos de crocodilo,
e camisas de estilo.
Do mais fino que há,
da mais linda montra.
O que não tenho
é peliças de lontra.

[Paulo]
Poema do que eu tenho
Tenho uns ténis da Roxy,
um colar amarelo e um cinto vermelho,
tenho tridents Oxy
e um anel já velho.
O que de velho não tem nada
é a minha mala Prada.
No meu dossiê do Noddy
há flores e uma fada.

Passeio no meu Audi A3
e, brincando no portátil,
encontro sites — eram vinte e três —
que serviam para diversão.
Mas a minha mãe preferia que fosse à missa.
Missa? Para isso não tinha feito a comunhão.

Vou a Punta Cana para a semana.
De avião ou de barco?
Não sei, mas vou convidar a Joana.
Levo os meus cremes e o meu arco,
o resto compro lá.
Quando lá cheguei, caí num charco;
escondi-me rapidamente, envergonhada,
entrei numa loja qualquer para não ser apanhada.
Logo de seguida saí para o hotel,
de cinco estrelas e bem frequentado;
ao fazer o check-in, assinei um papel,
entrei no quarto,
tinha vista para o céu e estava estrelado.

Tenho muito dinheiro
E isso não me falta;
O que eu não tenho
é amor verdadeiro.
[Sara]




Joaneida
Aos 16 anos, Rómulo de Carvalho escreveu estas estâncias, que consituem a Proposição de um poema épica a D. João I (ou à Ínclita Geração). Observa que o modelo de Os Lusíadas foi seguido de perto. Escreve a Proposição de um poema épico que pudesses fazer (podes usar os tópicos que prepararas na aula passada ou engendrar outra epopeia).

Joaneida

I
Aquele rei ilustre lusitano
Que a Fernando o Formoso sucedeu,
Que no bárbaro campo Tingitano
Os miserandos árabes venceu,
E que em Aljubarrota, o Castelhano,
Com pouquíssima gente combateu,
Em estilo humilde e fraco vou cantar,
Se a filha da Memória me ajudar.

II
E aquele Nuno, heróico Condestável,
Que só a Deus mostrava ter temor,
Que p’la sua coragem indomável,
Em Valverde e Trancoso fez furor,
Levado por uma fé inquebrantável,
Querendo servir ao Santo Criador,
Tornou-se em monge o ínclito guerreiro,
Terminando os seus dias num mosteiro.

III
Canto também aqueles quatro infantes,
Dum nobre rei, ilustre geração:
O sábio Henrique, pai dos navegantes,
Que faz calar a fama do Strabão
E que mandou por esses mares distantes,
Levados pela trombeta de Tritão,
Heróis, aventureiros destemidos,
Procurando lugares desconhecidos.
António Gedeão, Obra Completa, Lisboa, Relógio D’Água, [2004], p. 649.
Vikingueida
1
A arriscada navegação nos mares do Norte,
As invasões à Grã-Bretanha, Gália, Normandia,
Os vitoriosos homens do Norte,
Que a Islândia povoaram
E a Vineland descobriram,
Muito antes de Cristóvão Colombo.

II
Valente Thor guerreiro,
Digno de ovação,
Em Valhala não é arruaceiro
Como se diz nessa vil armação
Para desacreditar deuses dignos,
Adorados por homens condignos.

III
E vós, Odim, inspirai-me,
Nobre deus criador,
A revezar-me
Para elevar mais que a um condor
A obra do teu povo,
Descobridor no mundo novo.

[Joana M. L.]
Vizinheida

Tão importantes homens.
Tão inchadas meninas.
Que, no entanto,
de pouca inteligência são munidas.
Nascidas para zaragatear
e, desde então, sem parar de chatear.
apenas um grupo se fica
contra tal fita,
acabando de vez
com toda essa insensatez.
Por muitos testes passaram,
mas, contra elas, todos eles venceram.
Será então a história de alguns amigos,
Que não se deixaram ser vencidos.
E que, cientes dos seus direitos,
sempre se mantiveram firmes e direitos.
Contra a difamação dos vizinhos,
nós não ficamos caladinhos!
[Tiago]
Pottereida
Cantarei a criança que se tornou famosa
devido à cicatriz que possui.
Que não morreu por causa da sua mãe cuidadosa,
cuidado de que já não usufrui.
A sua vida é muito perigosa
e já passou por sítios onde eu nunca fui.
Com a família não pode contar,
mas tem os amigos para o ajudar.

[Cátia]
Ballet

Escrever poema com o mesmo número de versos e estrofes de «Ballet» mas sobre outra arte, espectáculo, desporto (exemplos: «Futebol», «Natação», «Surf»). Não é obrigatória a rima.

Ballet

Como jogos de água, ascendes vitoriosa e ufana.
Soberana,
à superfície do tablado estendes
as linhas com que nos prendes,
filigrana.

Língua de fumo da taça do turíbulo,
endoideceste em beleza.
Vermelha e quente como o sangue do patíbulo
é tua natureza.

Volátil,
rodopias em torno do teu eixo
centrifugando círculos de espuma.
Estacas. E em sonolento desleixo,
esboçando incompletos gestos lentos,
fragmentos de movimentos,
semeias flores, na bruma.

Ascendes e rodopias.
Rodopias e ascendes.
Fazes-te noites e dias
nas sombras que denuncias,
nos relâmpagos que acendes.

Célere, corres,
mimosa
e assustada.
Gaivota medrosa
na areia dourada.
O sol entontece e morde.
Num repente, libertada,
deslizas, pura escultura,
na macia curvatura
de um acorde.

Nos pontos da trajectória
que descreves, transparece
o clamor da longa história.
Tua beleza é vitória,
dura vitória da espécie.

O escopro de milhões de anos arrancou-te à pedra bruta,
modelou-te em pormenor.
O sangue de milhões de homens, em ti, a ferver, se escuta.
A harmonia dos teus gestos foi revolta, treva e luta.
O perfume do teu corpo foi temperado em suor.
António Gedeão, Obra Completa, Lisboa, Relógio D’Água, [2004], p. 112


Patinagem

A sensação do batimento das rodas no alcatrão,
o vento a passar ligeiramente pelas pernas,
a quantidade de suor que escorre desde a nuca atá ao pescoço,
os constantes ziguezagues por entre as tampas dos esgotos.
É preciso esforço, mas também prazer.

Levantar do passeio e as asas abrir,
um pé empinado e o outro a seguir,
uma mão na cabeça e outra no coração,
faz tudo parte da acção.

Empenhados:
travar em cada esquina,
saltar com presunção à beira dos cafés,
orgulhosos de cada progresso,
exprimem o seu sucesso,
como garrafas e lenços na mão
e, já descansados, com o traseiro no chão.

Voltas estonteantes
e com uma das pernas a rodopiar,
preparam-se os patinadores
para breves espectáculos,
treinando dias sem parar.

Paz, dedicação
e alegria,
são os sentimentos instalados em suas almas,
patins brilhantes e polidos.
Nestas alturas, a concentração vale ouro,
e, quando as cortinas do nervosismo se fecham
e a paz domina os seus sentidos,
A pomba branca é liberta,
com toda a sua graça e pureza,
levando a avante todo o seu trabalho.

Os bancos estavam cheios de povo,
a pista cheia de patinadores
que, ao pisarem o gelo,
sentiam a seus pés toda a glória.
E toda esta história, os levou à vitória.

Houve milhares de feridos,
grandes quantidades de sangue, suor e lágrimas,
mas tal sofrimento
pagou, com juros, tamanha satisfação
empenho, contentamento e a taça de patinadores vencedores.

[Micaela]

Futebol

O futebol é desporto-rei
que mexe com muitas nações,
os jogadores são heróis,
que ganham muitos milhões
e fazem paloitar os corações.

Seja no Euro ou no Mundial,
Portigal vibra com emoção
e, mesmo que não chegue à final,
há sempre uma loucura total.

Com Zidane fora,
a França fica a perder,
Portigal pode aproveitar
para finalmente vencer.
Mesmo sem o Pauleta,
Portugal não irá parar,
mas sim continuar...

Figo e Cristiano Ronaldo
são dois grandes jogadores,
mesmo fora de Portugal
vão despertando amores
e a vida não lhes corre nada mal.

Mas, por trás desta euforia,
continua a haver porcaria,
Pinto da Costa e «apito dourado»
mais a «amiga» Carolina Salgado,
dão sal ao futebol,
a corrupção não é nada mole,
os árbitros também ajudam à festa,
sendo pagos para favorecer,
parece que ninguém presta
e todos se estão a vender.

Há momentos que ficam para a História
e que guardamos com carinho,
num cantinho da nossa memória.
Quando Portugal estava quase a perder
ganhámos, com Ricardo a defender.

O futebol abre-nos portas para o mundo
e faz de nós povo herói,
com este desporto saímos a ganhar
e nunca vamos ao fundo,
haja força para continuar.

[João M.]
Futebol

Uma paixão, um desporto, uma bola
Na superfície do pé de cada jogador
Uma magia, um talento,
Uma ambição.

Estádios enormes, bancadas a abarrotar
E os adeptos a torcerem
Até perderem as suas vozes
Pela equipa que amam.

Um desporto com mais de cem anos
Cheio de beldade,
Muito suor em cada,
Muita energia.

Os adeptos eufóricos aplaudem o seu clube
Até à rouquidão,
Esperando pelo golo
Que dará a vitoria à equipa:
É o amor à camisola.

Cores e cores misturam-se a torcer
Por uma nação, um clube de rua, uma equipa
Mas o meu amor pelo futebol não se vai acabar,
Porque é dos poucos desportos que eu amo mesmo.

[Afonso]