Sunday, September 16, 2012

Garrett & Canção 6


Karim [Bom (-) {tal como as notas seguintes, esta apreciação diz respeito sobretudo à primeira versão do texto, embora tenha tentado também vigiar a revisão havida}]



“Porque é que a vida nos trama / quando alguém se ama?” é um dístico de “Mentira”, de João Pedro Pais, que podemos dirigir a Madalena. Esta, quando ainda não tinha partido o seu primeiro marido para Alcácer Quibir, apaixona-se por Manuel de Sousa Coutinho, com o qual casou passados sete anos do desaparecimento de D. João de Portugal (“Este amor, que hoje está santificado e bendito no céu, porque Manuel de Sousa é meu marido, começou com um crime, porque eu amei-o assim que o vi (…) D. João de Portugal era ainda vivo! O pecado estava-me no coração (…) mas dentro da alma eu já não tinha outra imagem senão a do amante”). Resumindo, a frase evidencia um acontecimento comum na nossa vida: o facto de o amor, por vezes, não ser apenas uma rosa com pétalas, também ter espinhos.

“recordo-me de ti / imagino porquê” é um passo também relacionável com Madalena, pelo facto de esta recordar muitas vezes o seu primeiro marido. Ao longo da obra, podemos constatar várias partes em que Madalena o lembra, principalmente em conversas com Telmo.

A pergunta “porque é que a vida nos fascina?” pode associar-se a Maria, filha de Madalena e de Manuel de Sousa Coutinho, pelo facto de esta jovem ser muito curiosa e imaginativa, diferente das outras raparigas. Interessava-se por batalhas, histórias de aventuras, de guerra, de paixão, pela política, pela religião e pela sociedade. Pelo facto de Maria ser, assim, uma espécie de segundo Telmo, se é que podemos assim dizer, os pais estavam sempre preocupados consigo, queriam que ela se entretivesse mais com coisas da sua idade, em vez de se preocupar com “assuntos para adultos”.

“mas é mentira! / mentira! mentira!” é uma tríade de exclamações que pode relacionar-se com diversos momentos da obra. Exemplo: no Ato Segundo, Cena I, Maria, com Telmo, numa das divisões do palácio de D. João de Portugal, para defronte a três retratos. Sabendo que num deles figurava o amigo com quem Telmo andara na Índia (Luís Vaz de Camões) e que o outro era o Rei D. Sebastião, Maria pede a Telmo que lhe diga quem representa o terceiro retrato. Telmo, por sua vez, mostra-se reticente a desvendar-lhe que o retratado é D. João de Portugal, o seu querido primeiro amo. Maria, sendo uma rapariga perspicaz, percebe que o aio não lhe está a contar a verdade e, na Cena II, fica a saber, através do pai, que a figura presente no retrato é D. João de Portugal, afirmando então que já desconfiava disso, que algo já lhe dizia que era ele mesmo. Com isto tudo, podemos perceber o porquê de Telmo ter sido tão reticente, misterioso, impreciso a dar a resposta, a desvendar a identidade da imagem. Para o aio, era difícil falar do “falecido” amo (no Ato Segundo, Cenas XIV e XV, percebemos que o romeiro é o próprio D. João de Portugal, afinal, vivo), a quem mostrara sempre uma lealdade integral. E não nos podemos esquecer que, no Ato Primeiro, Cena II, Telmo prometera a Madalena não contar mais histórias ou falar de assuntos que estimulassem o temperamento de Maria, de modo a que esta não pensasse tanto nos assuntos de “adultos”, distraindo-se mais com coisas para a sua idade. O comportamento do aio ao evitar desvendar a identidade daquela figura mostra a sua preocupação com o estado emocional de Maria, de quem tanto gostava.

 

Filipa [Suf+/Bom-]



A canção de Micael Carreira “Porque ainda te amo”, do álbum Viver a Vida, pode-se aplicar a várias sentimentos e falas das personagens do Frei Luís de Sousa.

Dizer que não me mata ver-te já com outro” diz-nos o que sente o romeiro, ou D. João de Portugal, que, na conversa com Telmo, dizia que “Com a mão que deu a outro, riscou-me do número dos vivos”. Como sabemos, Madalena casara com Manuel de Sousa Coutinho, sete anos depois de o seu marido desaparecer na batalha de Alcácer Quibir. Neste excerto da obra de Garrett, percebemos que o romeiro se sentia morto por a mulher o ter trocado por outro homem e que era como um morto entre os vivos, pois a sua mulher o considerava um homem morto enquanto ele sofria como prisioneiro.

Com “Eu vivo nesta sombra do que foi contigo / Sem ti na minha vida sinto-me perdido” relaciono o passo da obra em que Madalena chama por Manuel e lhe diz: “Marido da minha alma, pelo nosso amor te peço, pelos doces nomes que me deste, pelas memórias da nossa felicidade antiga, pelas saudades de tanto amor e tanta ventura..”. Associo estes dois excertos, porque Madalena, nesta fala, está a lembrar-se de alguns momentos que passara com o seu Manuel, nas felicidades que sentira ao pé de seu marido e do amor que nele via, e também podemos perceber que precisava de Manuel para se sentir bem, e, na música, o sujeito poético lembra-se dos momentos que passou com alguém e diz que, sem essa pessoa, se sentiria perdido.

“Porque ainda te amo / Estou desesperado / Como é que eu faço para esquecer me de ti / E voltar a poder ser feliz”. Quando Madalena procura por Manuel, D. João de Portugal encontra-se numa sala a falar com Telmo e, quando ouve Madalena a chamar por Manuel, o romeiro pensa que esta chama por si e ganha esperanças. Mostra-nos assim o amor que ainda sente por ela, mas, no momento em que percebe que Madalena não chama por ele, mas por Manuel, sente-se completamente perdido, desesperado (“Ah! E eu tão cego que já tomava para mim! Céu e Inferno! Abra-se esta porta…”). Percebemos nesta fala do romeiro que ainda ama Madalena e não consegue esquecê-la, e que talvez não possa voltar a ser feliz sem ela, pois, nos anos todos em que esteve preso, pensou que ela não tivesse desistido de saber se estava vivo e, no reencontro, percebeu que Madalena já tinha casado, tido uma filha e desistira de o procurar sete anos depois do seu desaparecimento.

 

João Almendra [Suficiente +]



Na música de Paulo Gonzo, “Dei-te quase tudo”, há trechos que se adaptam a algumas personagens do Frei Luís de Sousa. As frases vêm coincidir com alguns acontecimentos percorridos por parte das personagens da história.

“Foste entrando sem pedires” marca o começo do Frei Luís de Sousa, quando Telmo entra na câmara antiga, decorada com “todo o luxo e extravagante elegância portuguesa dos princípios do século dezassete”, onde encontra Madalena só, sentada a ler. Conversam sobre Maria, filha de Madalena e de Manuel de Sousa Coutinho, e D. João de Portugal. “Tatuaste a minha vida” é uma expressão que remete para as recordações que Madalena tem de Telmo, por se conhecerem há vários anos, e por este a ter marcado e, agora, importunar.

“Ferro e fogo e muito mais” encenam as armas utilizadas para a fuga aos governadores. Manuel de Sousa Continho, mal soube da chegada dos governadores a Lisboa e de que alguns queriam ficar hospedados em sua casa, decidiu não o permitir. Poderia ele fazer-lhes frente e lutar? Não, mas tomou uma decisão distinta. Pegou numa das tochas que iluminavam a sua casa e chegou fogo aos grandes tecidos de cortinados que tapavam as janelas, queimando toda a casa.

Os versos “E deixaste a minha vida/ Meio perdida/ Neste beco sem saída…” podem relacionar-se com a parte em que chega um Romeiro (D. João de Portugal) a casa de Manuel Sousa Coutinho, dizendo que trazia um recado para Madalena. O Romeiro entra e diz tudo o que tem a dizer a Madalena, deixando-a de rastos, sem saber o que fazer. Já no ato III, ficando a sós com Telmo, o Romeiro tem uma longa conversa com ele, dizendo-lhe que estivera vinte anos de cativeiro e de miséria, de saudades e de ânsias, e que, em vinte anos de ausência, ganharam-se novos amigos, fazendo esquecer os velhos que ficaram para trás. Com esta conversa, Telmo apercebe-se de que o Romeiro é D. João de Portugal. É-lhe pedido que minta sobre a sua identidade, ficando Telmo meio perdido, num beco sem saída, sem saber se deve ou não renegar o antigo amo. 

“Dei-te quase tudo / E quase tudo foi demais” é o que D. João de Portugal pode pensar em relação a Madalena, por ela ter julgado que ele estava morto e por o ter abandonado, aproveitando para encontrar um novo marido. D. João de Portugal fica consolado por voltar a ver a sua antiga mulher e o fiel Telmo mas, ao mesmo tempo, triste, por ninguém o reconhecer ou valorizar e por perceber que Madalena ama outro.

 

Mariana L. [Bom-/Bom(-)]



«I'm still alive but I'm barely breathing» / «Ainda estou vivo, mas quase não consigo respirar» é um desabafo que se pode adequar a D. João de Portugal, que só reaparece no Ato Segundo, Cena XIII, vinte e um anos após ter desaparecido na Batalha de Alcácer Quibir. No desenrolar da ação, a sua personagem é um exemplo de paradoxo/contradição pois está ausente, mas, ao mesmo tempo, sempre presente em recordações das personagens.

«I'm falling to pieces» / «Estou a cair aos pedaços» acaba por coincidir com a maneira (em parte, os trajes) e também com o que D. João de Portugal sente quando aparece, como romeiro, misterioso, insensível, velho com barbas longas e pobremente vestido, após três dias de viagem, revelando que o seu único desejo é dar um recado a D. Madalena (“Há três dias que não durmo nem descanso nem pousei esta cabeça nem pararam estes pés dia nem noite, para chegar aqui hoje, para vos dar o meu recado… e morrer depois”). Diz que esteve cativo em Jerusalém durante vinte anos e que foi libertado apenas há um ano, o que acaba por se relacionar com a seguinte frase da música: «Cause I got time while she got freedom» / «Porque eu tenho tempo enquanto ela tem liberdade». Isto é, ele tinha apenas muito tempo pela frente, mas sem qualquer liberdade; já ela tinha toda a liberdade necessária para refazer a sua vida.

«She finally met a man that's gonna put her first» / «Ela finalmente encontrou um homem que vai valorizá-la»: D. Madalena, após a batalha que pensa ser fatídica para D. João de Portugal, casa com Manuel de Sousa Coutinho, homem por quem já estava apaixonada («Este amor, que hoje está santificado e bendito do céu, porque Manuel de Sousa é meu marido, começou por um crime, porque eu amei-o assim que o vi (…) foi em tal dia como hoje, D. João de Portugal ainda era vivo!»).

«Her best days will be some of my worst» / «Os melhores dias dela vão ser meus piores»: enquanto D. João de Portugal estava cativo a sofrer sozinho e já todos estavam convencidos de que estava morto, à exceção do fiel servidor Telmo («Não me esqueceu uma letra daquelas palavras; e eu sei que homem era meu amo para as escrever em vão»), D. Madalena estava feliz e com o homem que realmente amava, Manuel de Sousa Coutinho, e deste casamento nascera até uma filha, Maria («eu resolvi-me por fim casar com Manuel de Sousa (…) vivemos seguros, em paz e felizes… há catorze anos. Temos esta filha, esta querida Maria, que é todo o gosto e ânsia da nossa vida»).

O verso «What am I supposed to do when the best part of me was always you?» / «O que eu deveria fazer se a melhor parte de mim sempre foste tu?» remete-nos para D. João de Portugal, que amava realmente D. Madalena («D. João de Portugal morreu no dia em que sua mulher disse que ele morrera. Sua mulher honrada e virtuosa, sua mulher que ele amava… — oh, Telmo, Telmo com que amor a amava eu!»).

 

Mariana O. [Bom (-)]



«O sol que arde / invade as janelas do coração» será uma boa forma de descrever o sentimento com que Madalena lidara todos os dias, ainda que passados já tantos anos, por causa do desaparecimento e suposta morte, em plena Batalha de Alcácer Quibir, do seu primeiro marido, D. João de Portugal. «Sei que por dentro / leva no peito toda a desilusão» remete-nos imediatamente até para os dias passados, de forma angustiada, por Madalena. Ainda que com o passar do tempo e que com a sua vida refeita («Que a vida vai ser bonita / E com o tempo eu volto a sorrir»), Madalena, ao longo das suas falas, não deixa de mostrar, ainda que intermitentemente, a mágoa, o seu desespero por pouco ou nada lhe ter sido comunicado acerca da morte do seu marido.

Esta canção vai, de certa forma, ao encontro dos sentimentos presentes em Madalena e em cada uma das suas falas, ainda que, por diversas vezes, os seus sentimentos alternassem entre a felicidade, a preocupação, a tristeza ou o sobressalto. Porém, existem diversos momentos na canção que também podem remeter para a personagem de D. João de Portugal, mais concretamente no regresso do mesmo, após deparar-se com uma nova realidade. «Não sei por que você já pôs / Outra pessoa em meu lugar» é o verso mais indicado para descrever os sentimentos que invadem D. João assim que se apercebe de que sua mulher, Madalena, resolvera refazer a sua vida com outro homem, Manuel de Sousa Coutinho, com quem tivera a filha, Maria. Para a personagem de D. João, que sempre acreditara que, após conseguir escapar de Jerusalém, voltaria e seria recebido da mesma forma como havia saído no dia da batalha, lidar com aquela situação e com tudo o que tinha sucedido na sua ausência era algo para o qual nenhuma batalha o conseguiria preparar («Eu sinto que assim já foi / Mais fácil de aceitar»).

Por outro lado, os versos «E se ontem você fez doce / Sei que amanhã não vai viver sem mim» poderão definir a ânsia de D. João de Portugal, que, ainda sem ter conhecimento da nova vida de Madalena, guarda para si a esperança de poder voltar e retomar o que perdera no passado.

Afinal de contas, as esperanças que invadiam a espera de D. João para voltar para casa não seriam tão certas assim. Ainda que esperançoso relativamente ao amor de Madalena, D. João de Portugal apercebe-se de que nada voltaria a ser como dantes. «Não adianta mais / Agora que você quebrou / Aquilo que não vai voltar» será o verso indicado para contrapor a toda a esperança inicial. Para D. João, a possibilidade de a sua mulher regressar ao passado do seu lado vai sendo esbatida com acontecimentos e afirmações que o fazem perceber que o tempo foi apagando o sentimento de Madalena que, aliás, nunca fora de amor. Enfim, toda a letra nos remete para sentimentos de tristeza e de desilusão, também as emoções principais dos protagonistas da peça.

 

Miguel G. [Bom -]



A canção «O Homem Voltou», de Zeca Afonso, do disco Coro dos Tribunais, de 1975, relaciona-se com Frei Luís de Sousa porque se refere à chegada de um homem que voltou à sua rua, à casa de um amigo antigo, ninguém o reconhecendo. Como canta Zeca Afonso: “O Homem voltou ao solar do amigo (…) / Havia uma vala na rua comprida / E a porta travava ninguém o espera”.

Esta letra está relacionada com a chegada a casa de D. João de Portugal, depois do seu desaparecimento em Alcácer Quibir. A canção de Zeca Afonso dá a entender que os seus amigos já tinham desistido do homem, e por isso não tinham esperanças na sua chegada a casa. É o que acontece em Frei Luís de Sousa com Madalena, que, depois de pensar que o marido estava morto, casara com outro homem. Nas suas palavras: «D. João ficou naquela batalha com o seu pai, com a flor da nossa gente».

É verdade que Madalena o procurou e chorou pela sua perda (“Sabeis como chorei a sua perda, como respeitei a sua memória, como durante sete anos, incrédula a tantas provas e testemunhos de sua morte, o fiz procurar por essas costas de Berberia, por todas as séjanas de Fez e Marrocos, por todos quantos aduares de Alarves aí houve…”), mas, no final, desistira e resignara-se com a morte do marido.

Tal como o homem da canção de Zeca Afonso chegou ao local onde tinha os amigos e não encontrou ninguém, também D. João de Portugal voltou à sua antiga casa, para ver que a vida da sua mulher tinha mudado e que tinha perdido a sua família, que já nem o reconhecia (“A minha família… Já não tenho família. (…) Parentes!... os mais chegados, os que eu me importava achar,… contaram com a minha morte, fizeram a sua felicidade com ela; hão-de jurar que me não conhecem”).

Mesmo o sofrimento do homem da canção (“O homem cavava uma cova na vida” (…) “E a rua era larga e a rua era fria / Andou mais um passo e tombou”) pode ser relacionado com o sofrimento por que passou D. João de Portugal: “As suas palavras, trago-as escritas no coração com as lágrimas de sangue que lhe vi chorar, que muitas vezes me caíram nestas mãos, que me correram por estas faces” (…) “sofrei, que ele também sofreu muito”.

No entanto, ao contrário do homem da canção que sofreu com o “frio” e com o seu destino (“O homem precisa é dum’outra cantiga / Agora que o frio voltou”), D. João de Portugal informou subtilmente a família da sua chegada, o que levou a um final trágico.

 

Pedro S. [Bom(-)/Bom]



Ao traduzirmos o título da música escolhida, podemos perfeitamente perceber que haverá algum paralelismo entre esta e Frei Luís de Sousa: «Alguém que eu conheci». «Alguém que conheci, e já não conheço», quem poderia verbalizar este pensamento na peça de Garrett? Quem teria um estado de espírito próximo deste? Claramente, D. João de Portugal.

Se mudássemos algumas partes da letra (sobretudo para substituir elementos que não existiriam na época da obra, como telemóveis), isto seria mais evidente ainda, e aquela encaixaria perfeitamente no estado de espírito de D. João de Portugal (Romeiro, enquanto personagem), quando se apercebe de que a sua mulher (no fundo, ex-mulher) seguiu em frente com a sua vida, segura da sua morte. Sente-se desiludido com um amor que afinal terminou, e sente-se ainda mais desiludido por constatar que a sua ex-mulher agia como se nada se tivesse passado, sentimentos que partilha com o cantor, já que a canção gira em volta deste «esquecimento» dum amor tão belo. É óbvio que o pobre Romeiro, afastado da sua pátria e da sua amada durante longos vinte e um anos, ficou surpreendido ao chegar à casa que anteriormente fora sua e encontrar Madalena casada com outro homem e com uma filha desse mesmo casamento. Sentiu-se mesmo um estranho na sua própria casa e mesmo à frente da mulher que sempre amara, e que nem foi capaz de o reconhecer, tratando-o como um desconhecido, o que é motivo de pesar: «You treat me like a stranger and that feels so rough» («Tratas-me como um estranho e isso é tão duro»).

Afinal, a sua mulher esquecera tudo o que tinham passado, colocando um fim à sua vida juntos ao casar com Manuel, tal como diz a música de Gotye: «But you didn't have to cut me off / Make out like it never happened and that we were nothing» («Não precisavas de me afastar / Fingir que nunca aconteceu e que não fomos nada»). Pode ser que, no meio destes pensamentos, tenha considerado que já não conhecia Madalena, que esta teria mudado (o que seria normal e bastante compreensível — afinal tinham passado vinte e um anos desde que se tinham visto pela última vez), o que também vai ao encontro do refrão da música: «Now you’re just somebody that I used to know» («Agora és só alguém que eu conheci»), bastante dramático e trágico, perfeito por isso mesmo para a obra de Garrett.

 

Salomé [Bom (-)]



E Depois do Adeus, música conhecida por ter servido como senha de início da revolução de 25 de Abril de 1974 e por ter vencido o Festival da Canção nesse mesmo ano, interpretada por Paulo de Carvalho e escrita por José Niza, aplica-se à história de Madalena, personagem da obra Frei Luís de Sousa, de Almeida Garrett.

É com as duas primeiras cenas do ato I que a letra desta música se relaciona, pois é aí que a memória de D. João de Portugal, tomado como morto na Batalha de Alcácer Quibir, está mais posta em evidência.

«Quis saber quem sou/ O que faço aqui / Quem me abandonou / De quem me esqueci» questionar-se-ia João. Ora, apesar de todo o «respeito, lealdade e devoção» que Madalena teve pelo seu primeiro marido, acabou por esquecê-lo, depois de este ser dado como morto em Alcácer Quibir.

A quadra «Perguntei por mim / Quis saber de nós / Mas o mar / Não me traz / Tua voz.» lembra-nos que Madalena esperou sete anos (número simbólico) por D. João de Portugal, aguardando que lhe trouxessem notícias do esposo, o que não aconteceu.

«Em silêncio, amor / Em tristeza e fim / Eu te sinto, em flor / Eu te sofro, em mim / Eu te lembro, assim»: Madalena, após a morte de D. João de Portugal, não pôde viver mais em paz, recordando-o dia após dia; aconchegando-se, em silêncio, na tristeza e no medo por amar outro homem (“Oh! Que o não saiba ele ao menos, que não suspeite o estado em que eu vivo… este medo, estes contínuos terrores, que ainda me não deixaram gozar um só momento de toda a imensa felicidade que me dava o seu amor”).

«Partir é morrer / Como amar / É ganhar / E perder» pode associar-se ao facto de que, depois de D. João de Portugal partir e ser dado como morto, Madalena e Manuel de Sousa apaixonaram-se e esta, apesar de “ganhar” todo o amor de Manuel, perdeu a verdadeira felicidade que teve um dia, rodeando-se de um sentimento de culpa que sempre a aterrorizava.

«Tu vieste em flor / Eu te desfolhei / Tu te deste em amor / Eu nada te dei» recorda-nos que Madalena nunca retribuiu a D. João o amor que recebeu, referindo-se ao amor como um sentimento que «não está em nós dá-lo, nem quitá-lo».

«E depois do amor / E depois de nós / O dizer adeus / O ficarmos sós», depois da despedida de Madalena e D. João, Madalena ficou «só, viúva e órfã», encontrando o apoio e proteção de que necessitava em Telmo, aio e amigo fiel de D. João («Depois que fiquei só (…), em vós, Telmo, em vós achei o carinho e proteção, o amparo que precisava»).

Madalena aprendeu a viver com a dor da ausência do primeiro marido; perdeu toda a paz de alma, ficando apenas com os terrores constantes que a assombravam («Teu lugar a mais / Tua ausência em mim / Tua paz / Que perdi / Minha dor que aprendi / De novo vieste em flor / Te desfolhei...»). A ideia de que, um dia, D. João poderia voltar a entrar na sua vida levava-lhe toda a paz que lhe restava. Isso acabou por acontecer: o primeiro marido voltou, gerando a tragédia.

 

Sofia A. [Suficiente +]



A letra da música «Lembra-te de mim», de João Pedro Pais, tem semelhanças com as personagens de Frei Luís de Sousa.

«Entrei numa casa fria / De portadas entreabertas» parece lembrar a altura em que Madalena sabe que tem de ir viver para a casa do seu primeiro marido, D. João de Portugal. Sente um grande medo por ir novamente para aquela casa, já que sabe que lhe fará recordar o primeiro marido («Parece-me que é voltar ao poder dele, que é tirar-me dos teus braços, que o vou encontrar ali»). Madalena mostra que tem receio de reviver o que passou naquela casa e não quer falar a Maria no primeiro marido e nas dúvidas que a angustiam, embora talvez já tenha uma premonição do que acontecerá depois.

«Não me esqueço do recado / Nem de um gesto ocasional» recorda-me que Madalena nunca se esqueceu de tudo o que passou com D. João não por o ter amado incondicionalmente, porque nunca o amou verdadeiramente (só amava verdadeiramente o seu marido Manuel), mas por se sentir culpada por nunca ter amado D. João como ele a amava. O seu primeiro marido sentia um grande amor por ela e demonstrava-o; no entanto, depois da batalha de Alcácer-Quibir, foi dado como morto e Madalena casara com Manuel (que já conhecera da vigência do casamento com João). Se D. João não tivesse sido dado como morto na batalha, talvez o casamento com Madalena tivesse perdurado durante muitos anos e Madalena aprendesse a amar João, que, de resto, sempre respeitou.

«Os rostos para quem os viu / Já não são como dantes»: passados tantos anos, D. João regressa e vai visitar a sua esposa; no entanto, faz-se passar por outra pessoa e ninguém o reconhece. Se Madalena amasse o primeiro marido, nunca se teria esquecido das suas feições e tê-lo-ia reconhecido, mesmo já estando ele com mais idade. Madalena fica aflita, quando percebe que D. João não morreu e que ainda está vivo «Meu Deus, meu Deus! Que se não abre a terra debaixo de meus pés… Que não caem estas paredes, que me não sepultam já aqui?...». O que ela não sabe é que ele está bem mais perto do que ela julga.

«São derrotas, são vitórias / Quero agora descansar...» é um dístico que talvez nos retrate D. João que, após derrotas e vitórias, conseguiu finalmente chegar à sua amada. Sabe agora que, em vida, conseguiu cumprir todos os seus objetivos e que todos os que ama sabem que ele está vivo.

 

Sofia R. [Bom]



O Concerto Acústico foi o segundo álbum gravado ao vivo de Rui Veloso, lançado em 2003, e a sua terceira faixa é «Nunca me esqueci de ti». Esta tem muito que ver com duas personagens de Frei Luís de Sousa, de Almeida Garrett: D. Madalena de Vilhena e D. João de Portugal. A letra desta canção poderia ser uma carta de D. Madalena endereçada a D. João de Portugal, o seu primeiro marido, depois de este ter partido para a batalha de Alcácer Quibir com o rei D. Sebastião e nunca mais ter voltado. Sete anos depois, pensando que o marido tinha morrido, D. Madalena decide casarse com Manuel de Sousa Coutinho.

Contudo, pela forma como reagiu durante os catorze anos em que estiveram casados à ideia de falar sobre o seu exmarido ou à ideia de deixar a sua filha, Maria, relacionarse com a sua memória através das palavras do sempre presente amo, Telmo Pais «Não fales com ela desse modo, nessas coisas» (Madalena, Ato I, Cena II) —, podemos imaginar que houvesse algo que sentisse que ainda não estaria bem esclarecido («Bato a porta devagar / Olho só mais uma vez / Como é tão bonita esta avenida...»), como se ainda olhasse para D. João de Portugal como o homem com quem devesse ficar eternamente.

A vida de Madalena com Manuel de Sousa sempre foi a melhor que poderia ter sido, mas nunca o que Madalena queria ter tido. Teve sempre «uma mão cheia de nada
/ e o mundo à cabeceira», nunca se esquecendo de D. João de Portugal e da possibilidade de este regressar de Alcácer Quibir. Mas a realidade, e Madalena de Vilhena sabia disso, é que «tudo muda, tudo parte / tudo tem o seu avesso» e, para a personagem principal feminina desta história, é «frágil a memória da paixão», o que levava a que se lembrasse constantemente do seu primeiro marido.

Foi quando D. João de Portugal voltou, disfarçado de peregrino, numa noite, quando já se via «a lua, fim de tarde» e contou a Madalena e a Frei Jorge, cunhado desta, que conhecera D. João de Portugal, que esta, mais alvoroçada ainda, quis saber onde e como estaria o seu primeiro marido, confirmando que a sua preocupação por aquele que, um dia, combatera ao lado de D. Sebastião, continuava a existir. Nesta situação, Madalena poderia dedicar o título da canção ao homem que teria à sua frente, se soubesse que era D. João de Portugal e não um simples romeiro. Mesmo assim, certamente que o fazia, em orações, desde o dia em que ele desaparecera.

 

Sol [Suficiente +]



“Amar não é pecado”, de Luan Santana, fala sobre o medo de um amor que leva o sujeito poético a manter segredo (“Tive medo, e em segredo, Guardei o sentimento e me sufoquei”). Podemos desde já fazer a comparação com Madalena, de Frei Luís de Sousa, que gostou de D. Manuel de Sousa assim que o viu, como ela disse (no acto segundo, cena X), estando, no entanto, ainda casada com D. João de Portugal (“Este amor, que hoje está santificado e bendito no céu, porque Manuel de Sousa é meu marido, começou com um crime, porque eu amei-o assim que o vi… (…) D. João de Portugal ainda era vivo!”). Também num 4 de agosto, o seu marido desaparecera na Batalha de Alcácer Quibir, ficando-se a pensar que tinha morrido ("D. João ficou naquela batalha... com a flor da nossa gente").

Porém, o “eu” da canção acaba por revelar o que sentia (“Eu tô apaixonado / Eu tô contando tudo / E não tô nem ligando pro que vão dizer / Amar não é pecado”). O mesmo fez Madalena, sete anos depois de Alcácer Quibir. Voltou a casar, desta vez com D. Manuel de Sousa, com quem teve uma filha, Maria.

Em Frei Luís de Sousa, este amor vai causar a máxima angústia a Madalena, quando o Romeiro lhe conta que o seu primeiro marido está vivo, deixando-lhe também um recado do mesmo (ele mesmo, saberemos depois). Já antes, porém, Madalena tinha má consciência pelo casamento com Manuel e, por isso, sentia-se culpada (“O pecado estava-me no coração; a boca não o disse… os olhos não sei o que fizeram, mas dentro da alma eu já não tinha outra imagem senão a do amante”).

Um conselho que o cantor poderia dar-lhe era que “Amar não é pecado”, como diz o próprio título da música, pois não se escolhe de quem gostamos. Madalena, mesmo convencida de que o marido estava morto, esperara ainda sete anos e só depois voltara a casar. E, no entanto, continua obcecada pelo passado, teme o presente e vive aterrorizada com o futuro.

 

Lara [Suficiente (+)]



A mensagem que a música cantada por Taylor Swift transmite é que, se já sabemos que alguém será um problema para nós, não temos de nos envolver com essa pessoa, seja no campo da amizade, de amor ou no nosso trabalho/escola. A verdade é que, enquanto homens, seres pensantes, sabemos muito bem que há quem nos possa trazer problemas (“I Knew you were trouble / Eu sabia que eras um problema”, do álbum Begin Again, 2012).

Julgo que, se já sabemos que, à partida, certa pessoa nos trará problemas, a solução será afastarmo-nos. Isto seria um bom conselho em que talvez Manuel de Sousa devesse ter pensado. A verdade é que a sua “querida Madalena” apenas trouxe problemas a Manuel, um “honrado fidalgo”. Talvez este soubesse desde o momento em que viu Madalena que esta lhe traria problemas (“I think part of me knew the second I saw him that this would happen / acho que parte de mim quando o viu sabia que isto aconteceria”).

Podemos também considerar, hipótese mais viável e mais fiável, que nunca passou sequer pela cabeça de Manuel que o primeiro marido de Madalena, D. João de Portugal, pudesse estar vivo e voltar. Num tempo em que os bons costumes obrigavam a um casamento para toda a vida, excepto em caso de viuvez, a presunção da morte de D. João era decisiva.

Como solução, Manuel poderia ter-se afastado de Madalena, mas logo no início, quando estes se enamoraram. Agora, o pecado (do casamento entre Madalena e Manuel, estando D. João vivo) já estava consumado, não havendo muito mais a fazer do que se separarem. Claramente, toda esta situação desencadeou sobre a família Sousa Coutinho “infâmia e desonra”.

A Madalena este conselho também serviria. Nunca deveria ter-se casado com D. João de Portugal, seu “primeiro marido”, visto que sabia bem que não o amava. Na verdade, talvez Madalena o tivesse feito por conveniência, visto que a época assim o exigia, mas, à luz do conhecimento e da mentalidade que temos hoje, ter-se casado com D. João não foi sensato. Todo o problema se desencadeou devido a Madalena não amar D. João de Portugal, e ela sempre justificou esta falta de amor como algo que não dependia de nós “dá-lo nem quitá-lo”. Após sete anos de procurar o seu marido que estava desaparecido (desde a batalha de Alcácer-Quibir), desistiu e casou-se com D. Manuel. Se amasse D. João de Portugal, nunca o deixaria de procurar, sendo que nada disto teria sucedido.

O mal de D. João de Portugal foi ter-se apaixonado por Madalena (“But I don't know if I should / Mas eu não sei se eu deveria”). “Cego”, foi-lhe impossível resistir, mas talvez devesse tê-lo feito.

A verdade de tudo isto é que, se “I know you were trouble / eu sabia que eras um problema”, o melhor teria sido evitá-lo, coisa que nenhuma das três personagens fez.

 

Raffaella [Suf+/Bom-]




Qualquer ser humano tem fantasmas que o perseguem. Estes podem surgir na forma de memórias, arrependimentos, de sonhos incompletos e, até, de incertezas. Mas muitas vezes são estes fantasmas que nos impedem de viver a nossa vida em pleno, como se pode ver em Frei Luís de Sousa. A música dos Mumford & Sons, “Ghosts That We Knew [”Fantasmas Que Conhecíamos”]”, fala, de certo modo, desta mesma lei.

No caso de D. Madalena de Vilhena, o fantasma era D. João de Portugal, sempre presente em sua vida, não só pela memória que seu aio, Telmo Pais, fazia questão de reacender. «But the ghosts that we knew will flicker from view / And we’ll live a long life [”mas os fantasmas que conhecemos, irão desaparecer de vista / e viveremos uma longa vida”]» leva-nos ao início da obra, quando sabemos que, durante sete anos, Madalena esperara e procurara o marido, sempre com esperanças de que este pudesse voltar. Acabara então por aceitar a sua morte, casando com Manuel de Sousa Coutinho, e seguindo em frente com sua vida.

Telmo permaneceu fiel a seu primeiro amo, D. João de Portugal. Tem um amor paternal por Maria de Noronha, filha de Madalena e de Manuel, e acha que a pequena era digna de «nascer em melhor estado». Este também tem, porém, os seus fantasmas, ligados a memórias, visto que sempre duvidara da morte de seu primeiro amo, acreditando que ele voltaria. Confirma-se na música, «But I will hold with all of my might /Just promise me we’ll be alright [” mas eu aguentarei com toda a minha força / prometa-me apenas que tudo ficará bem”]».

Finalmente, Frei Jorge, irmão de Manuel de Sousa Coutinho, e seus fantasmas. O seu papel na família torna-se fundamental. Ajuda Madalena nas suas confissões, apoia o irmão na decisão de mudar de casa e mostra carinho por Maria. A identificação do romeiro é feita por ele, tendo anteriormente suspeitado e receado a  tragédia que iria cair sobre a família, quando as suas suspeitas se haviam realizado. («So give me hope in the darkness that I will see the light / ‘cause oh they gave me such a fright [“dá-me esperança de que, na escuridão, veja luz / visto que me pregaram um grande susto”]»),  pedindo ajuda a Deus, pelo que há de suceder.

 

Carolina [Bom+/Bom(+)]



A canção “Somebody That I Used To Know” (“Alguém que eu costumava conhecer”), escrita e interpretada pelo cantor australiano Gotye e pela neozelandesa Kimbra, descreve na perfeição o sentimento de D. João de Portugal, ao regressar a casa vinte e um anos depois da Batalha de Alcácer Quibir, onde se pensava que havia morrido.

A chegada de D. João, considerada o clímax da tragédia, aconteceu de modo subtil, porque este se apresentou como um velho peregrino que regressava «do Santo Sepulcro de Jesus Cristo» (Romeiro, cena XIV, linha 15, segundo acto) e pretendia falar com D. Madalena, o que fez com que não fosse reconhecido de imediato.

À medida que o diálogo se vai desenrolando, D. João apercebe-se de que nada é como dantes, que a sua esposa está agora casada com outro homem e que têm uma filha em comum, D. Maria de Noronha, o mesmo que Gotye quis registar no seu álbum, de 2011, “Making Mirrors”: “But you didn’t have to cut me off / make out like it never happened and that we were nothing” (“mas tu não tinhas de me excluir / fingir que nunca tinha acontecido e que nós nunca tínhamos sido nada”), que vai ao encontro do que diz o “peregrino” quando Madalena lhe pergunta pela família («Parentes!... Os mais chegados, os que eu me importava achar… contaram com a minha morte, fizeram a sua felicidade com ela; hão de jurar que me não conhecem» [Romeiro, cena XIV, linha 33, segundo ato]).

D. João de Portugal, ao ver que tudo tinha mudado, sentiu-se um estranho na própria casa e perante a sua esposa, o que o magoou profundamente («De parentes, já sei mais do que queria» [Romeiro, cena XIV, linha 39, sendo ato]), à semelhança do que diz o cantor em “but you treat me like a stranger and it feels so rough” (“mas tu tratas-me como se fosse um estranho e isso para mim é tão duro”).

Ao perceber que era tarde demais e que não havia nada a fazer, senão ir embora e deixar D. Madalena com o «homem que ela ama» (referindo-se a D. Manuel de Sousa Coutinho), D.João pede a Telmo, seu único amigo (como diz o próprio) e fiel aio, que diga que tudo aquilo havia sido um «vil e grosseiro embuste de inimigos» (Romeiro, cena V, linha 46, terceiro acto).

Afinal, D. Madalena já não era a pessoa que D. João de Portugal conhecia e amava (“now you’re just somebody that I used to know” [“agora apenas és alguém que eu conhecia”]).

 

Aurélio [Suficiente]



«Quero e não posso mais querer voltar» é talvez a melhor forma de descrever a maneira como D. João de Portugal reaparece. Escolhi esta música, do álbum Sou Eu, talvez por se enquadrar mais nesta personagem, que, para mim, é a mais enigmática de Frei Luís de Sousa.

Quando um estranho Romeiro aparece no palácio onde agora habitam D. Madalena de Vilhena e sua filha Maria — sempre acompanhadas pelo seu fiel aio Telmo — toda a gente fica desconfiada das suas intenções. Porém, apesar disso, a dama, que é «a mais honrada e virtuosa dama que tem Portugal», decide dar-lhe uma hipótese de se explicar.

Assim, o Romeiro vai revelando aos poucos a sua verdadeira identidade, não dizendo nunca quem é realmente, como se quisesse que Madalena descobrisse, como se que quisesse que ela lhe mostrasse que não o tinha esquecido e que ele ainda era o grande amor da sua vida.

Telmo, que sempre acreditara que o seu amo estivesse vivo, mantém-se incrédulo à realidade que o atingiu. Mas, como fiel escudeiro que é, está ao lado de seu amo. Telmo volta assim a privar com D. João de Portugal. É na conversa que tem com Telmo que D. João descobre a angústia que Madalena viveu quando ele desapareceu em Alcácer Quibir e o esforço que fizera para encontrar o marido.

Ao saber isto, D. João ordena a Telmo que vá ter com Madalena e que lhe diga «que o peregrino era um impostor, que desapareceu, que mais ninguém houve novas dele; que tudo isto foi vil e grosseiro embuste de inimigos de… dos inimigos desse homem que ela ama… E que sossegue, que seja feliz». Isto mostra o amor que D. João ainda sentia por Madalena pois este conseguiu abdicar do sentimento de ‘’vingança’’ que o consumia, em prol da felicidade de Madalena.

Ele apenas queria que ela se lembrasse dos momentos que tinham vivido e do grande homem que ele era «Quando lembrar, tenta me amar / Me perdoar depois de tudo que fiz / Eu nunca quis te magoar / Quando lembrar, tenta sorrir».

 

João F. [Suficiente (+)]



“Ninguém é de ninguém”, de João Pedro Pais – do álbum Segredos, de 1997 –, pode lembrar-nos algumas personagens e momentos da peça Frei Luís de Sousa.

“Conta-me histórias / de tempos a que eu gostaria de voltar” alude à personagem de Telmo, o conselheiro da família, em cujas falas era frequente a recordação de momentos passados (daí a referência à citação de João Pedro Pais). Telmo era visto como o confidente da família, tendo um papel fulcral na tomada de quaisquer decisões. Telmo é também reconhecido como um grande sábio, contador de histórias e mitos, sendo sua ouvinte principal Maria (que tinha grande carinho por ele), a quem revelara a identidade de Camões após a observação dos quadros, e Madalena, a quem confidenciara seus conhecimentos baseados na religião e no seu desejo do regresso de D. João de Portugal, que acabou por acontecer, após a longa caminhada do próprio, após vinte anos em cativeiro. Ocorre-nos o trecho de João Pedro Pais “Eu quero andar sempre devagar / até a ti chegar”.

“Tenho saudades de momentos / que nunca mais vou encontrar” podia aplicar-se ao abandono e incêndio do palácio de Manuel Sousa Coutinho — uma ação corajosa e patriótica após Manuel ter recebido a notícia de que iria hospedar governadores espanhóis — e, consequentemente, à perda do próprio retrato, que Madalena implora seja salvo, sem sucesso, o que geraria, mais uma vez, uma onda de tristeza, descontentamento e medo, que persistiu em toda a peça, desde os presságios de Maria (doente, fraca) até à preocupação excessiva de Madalena.

“Ninguém é de ninguém / mesmo quando se ama alguém” é relacionável com o reencontro do Romeiro-D. João de Portugal com Madalena e Telmo, o momento culminante da história (o clímax, portanto). Mas já era tarde de mais, o coração de Madalena pertencera a outra pessoa — Manuel de Sousa Coutinho — e D. João, tendo conhecimento disso, despreza a ex-mulher, criticando-a, pois ela nunca o tinha amado verdadeiramente. Esta citação de João Pedro Pais teria sido uma boa resposta de Madalena, pois já se passariam vinte e um anos do seu desaparecimento, e Madalena tinha agora um marido e uma filha, Maria, que pede desesperada para seus pais não se separarem.

 

Miguel T. [Bom+/Muito Bom-]




Esta canção de João Gilberto seria bem compreendida por D. Manuel de Sousa Coutinho e D. Madalena de Vilhena quando têm conhecimento de que o ex-marido de D. Madalena não estava “tão morto” como se pensava. Afinal, a réstia de esperança que Telmo sempre tivera veio a fazer sentido… Afinal, a carta enviada pelo combatente em Alcácer Quibir através de Frei Jorge de Sousa tinha o seu cunho de verdade… Afinal, D. Madalena e Maria não erraram nos presságios sobre os acontecimentos com que se tinham confrontado… Apercebemo-nos de um sem-fim de “afinais”, quando o misterioso Romeiro veio anunciar tão trágica notícia. D. Madalena apercebe-se também de que cometera um erro ao casar com D. Manuel. E, agora, o que sucederia? É esta mesma pergunta que D. Madalena fez, hipoteticamente, a D. Manuel, quando ambos descobrem a fatal notícia que os incompatibiliza enquanto casal, a notícia que os fez afastar de um final feliz. Na canção por mim escolhida do brasileiro João Gilberto, o sujeito poético, tendo-se apaixonado por «Doralice» (que veio dar nome à canção) e tendo, embora não explicite o quê, acontecido algo que, tal como ao casal da peça de Almeida Garrett, os afastava e impedia de estarem juntos, pergunta «Agora amor, Doralice meu bem / Como é que nós vamos fazer?». Na canção, é o rapaz apaixonado que põe a questão à sua amada Doralice. Já na peça a pergunta não é explícita, e cada cônjuge a fez para si e respondeu-se a si mesmo. Se o casal tivesse conversado antes de tomar as suas decisões, ambos os cônjuges fariam a pergunta um ao outro. Há outras situações descritas pela canção de 1964 que também vão ao encontro do texto de Almeida Garrett de 1843 como é o caso dos presságios que D. Madalena faz antes de qualquer personagem adivinhar sequer a chegada do Romeiro. Gilberto escreve: «Alguma coisa bem que andava me avisando / Até parece que eu estava adivinhando». Mais uma vez, é o apaixonado que nos dá a conhecer os seus presságios. Na peça é D. Madalena de Vilhena quem pressagia algo de mau e terrível sobre o seu casamento: «não me sai esta ideia da cabeça… que vou achar ali [no palácio de D. João] a sombra de D. João (…) que se atravessa no meio de nós (…) que nos vai separar para sempre…». Vejamos agora o lado de D. Manuel e a sua resposta e decisão perante a pergunta inicial. Na peça, depois do aparecimento do Romeiro e de este dar a notícia de que D. João estaria vivo, D. Manuel de Sousa Coutinho toma o nome de Frei Luís de Sousa e ingressa num convento. Adota assim uma vida de celibato, dedicando o seu tempo à escrita, tornando-se um escritor de renome a nível nacional. Já o «eu» da canção de João Gilberto prefere passar o resto da vida sozinho (tal como Frei Luís) e apenas na companhia, não da sua pena, mas do seu instrumento musical: «Eu prefiro viver tão sozinho / Ao som do lamento do meu violão». Estas analogias reforçam a ideia de Frei Luís de Sousa ser uma obra atual, como vimos no início do período, a propósito de uma crónica de Eugénio Lisboa.

 

Mariana C. [Bom]



A canção “Addicted”, de Kelly Clarkson, apresenta trechos que se assemelham bastante à forma de sentir de Madalena, a respeito do ex-marido desaparecido na Batalha de Alcácer Quibir, D. João de Portugal.

Após o seu desaparecimento, Madalena casara com Manuel de Sousa, partindo do pressuposto de que o primeiro marido estava morto, pelo que estava livre para casar segunda vez. Contudo, sente, no seu íntimo, que atraiçoou D. João («Este amor — que hoje está santificado e bendito no Céu, porque Manuel de Sousa é meu marido — começou com um crime, porque eu amei-o assim que o vi... D. João de Portugal ainda era vivo. O pecado estava-me no coração; a boca não o disse... mas dentro da minha alma eu já tinha outra imagem senão a do amante... já não guardava a meu marido»). Sinónimos da sua aflição são os versos «It's like you're a demon I can't face down; It's like I'm running from you all the time; It's like I can't breathe / É como se fosses um demónio que não consigo encarar; É como se estivesse a fugir de ti a toda a hora; É como se não conseguisse respirar».

Esta infidelidade “sentimental” continuou a afligir Madalena, fazendo-a sentir-se culpada, embora tudo apontasse para a sua inocência. É este sentimento de culpa, associado aos terrores de que D. João ainda esteja vivo, que não a deixam ser feliz ao lado do único homem que verdadeiramente amou.

Madalena de Vilhena vive uma felicidade passageira com Manuel de Sousa, pressentindo a desventura e a tragédia que adviriam do possível regresso de D. João de Portugal. Vive com um medo constante de que a sobrevivência de D. João destrua a sua felicidade e a sua família. D. João ocupa completamente o seu pensamento, não a deixando raciocinar devidamente, tal como acontece na música: «It's like I can't think; Without you interrupting me; In my thoughts, in my dreams; You've taken over me / É como se não conseguisse pensar; Sem me interromperes; Nos meus pensamentos, nos meus sonhos; Apoderaste-te de mim».

No imaginário de D. Madalena, a apreensão torna-se pressentimento, dor e angústia. E este terror vê-se ainda mais claramente aquando da necessidade de voltar para o palácio onde viveu com D. João de Portugal. D. Madalena vive aterrorizada com o “fantasma” do primeiro marido («It's like you're a ghost that's haunting me; Leave me alone; And I know these voices in my head are mine alone / É como se fosses um fantasma que me está a assombrar; Deixa-me em paz; E eu sei que estas vozes na minha cabeça são só minhas»).

 

Tiago [Suficiente +/Bom -]



Loud foi o quinto álbum da cantora barbadense Rihanna, lançado a 13 de Maio de 2011, e a sua sexta faixa é «California King Bed». Esta música relaciona-se bastante com a peça Frei Luís de Sousa, visto poder retratar o sofrimento que D. João de Portugal teria sentido ao regressar para o seu palácio e deparar-se com uma família reconstruída de que já não fazia parte. Esta canção poderia ser, portanto, um pensamento ou até mesmo, um documento escrito por D. João de Portugal, ao aperceber-se de que fora trocado por Manuel de Sousa Coutinho.

Antes da partida para a batalha de Alcácer Quibir, D. João vivera, juntamente com D. Madalena, uma vida decerto igual à dos outros fidalgos da época («Chest to chest / Nose to nose /Palm to palm / We were always just that close» [Peito com peito / Nariz com Nariz / Palma com Palma / Nós sempre estivemos assim tão próximos]); supôs-se que teria sido morto na batalha, sendo que apenas Telmo acreditara que D. João estaria vivo («Tu, bem sei que duvidaste sempre da minha morte, que não quiseste ceder a nenhuma evidência»). Assim, D. Madalena, após esperar sete anos por D. João de Portugal, casa, com o consentimento das três famílias, com Manuel de Sousa Coutinho.

Ao voltar na figura de um Romeiro, D. João de Portugal, vendo a nova família composta por D. Madalena de Vilhena (sua mulher), Manuel de Sousa Coutinho e sua filha, Maria, apercebe-se de que já não haveria solução quanto ao seu amor com D. Madalena («So how come when I reach out my fingers, It feels like more than distance between us» [Como pôde acontecer isto que quando estico os meus dedos, sinto mais do que distância entre nós]). O refrão refere-se também ao que sentiu D. João de Portugal («We're ten thousand miles apart» [Nós estamos a dez mil milhas de distância]).

D. João de Portugal decide então não se intrometer na nova família («So confused wanna ask if you love me, but i don’t wanna seem so week, maybe i’ve been a california dreamer» [Tão confuso quero-te perguntar se me amas, mas não quero parecer fraco, talvez seja um sonhador californiano]) e percebe que as esperanças que tivera ao achar que poderia voltar para a vida de D. Madalena e ocupar o mesmo papel eram falsas e que o melhor seria partir: «Basta: vai dizer-lhe que o peregrino era um impostor, que desapareceu, que ninguém mais houve novas dele; que tudo isto foi vil e grosseiro embuste de inimigos de…dos inimigos desse homem que ela ama…E que sossegue, que seja feliz. Telmo, adeus!».

 

Pedro F. [Bom]



Ao ouvir esta “Teresa”, alguns versos fizeram-me lembrar uma personagem de Frei Luís de Sousa: Maria, filha de Madalena e Manuel de Sousa Coutinho. Com letra e música da autoria dos Capitão Fausto, esta mistura rápida de guitarras, piano e bateria tem excertos líricos que nos remetem para a personalidade e maneira de ser da pequena de treze anos.

Por exemplo, em “mão na Teresa / e os pés no chão / tu vais acabar presa por querer tanta atenção” recordamos a conversa entre Madalena e Telmo, fiel escudeiro da família. Aquela, ao ter bem presente a grande influência do aio sobre Maria, pede-lhe para não falar com a filha sobre variados temas como a Bíblia, as teorias sebastianistas e outros que não eram para o seu género ou idade, visto que ela estava sempre a tentar saber mais sobre tudo e era uma criança curiosa e interessada por natureza. À vista dos pais até demasiado, talvez por temerem que o seu índice de curiosidade lhe trouxesse problemas futuros.

No terceiro e quarto versos, “tentava ser diferente / a ver se conseguia”, está descrita a maneira de ser de Maria, apesar de, no caso da filha de Madalena, a diferença não ser de forma apenas “tentada”. A filha de Manuel Coutinho era o contrário do que era espectável numa criança: em vez de se distrair como as outras donzelas da sua idade, entretinha-se com jardinagem, a ler ou, simplesmente, a sonhar. Como ela própria dizia: ”o que eu sou, só eu o sei”. Não tentava ser diferente, era-o naturalmente. Talvez estivesse destinada a grandes feitos, mesmo sem ter essa noção. Destacava-se de todos.

“A dança que ela queria / até ao fim do dia” reporta mais um episódio da curiosidade interminável de Maria. Aquando da chegada da família ao palácio de D. João de Portugal, a filha de Manuel de Sousa pergunta a Telmo a identidade do homem retratado na parede e não descansa enquanto não se lhe é dada uma resposta, mesmo depois de muito insistir e de questionar a razão de não lho quererem responder. Mal ela sabia que o cavaleiro representado (D. João de Portugal) tinha sido o primeiro marido da.

Por fim, “Chegar ao fim do dia / sentir-se como gente” poderá ilustrar um dos objetivos de Maria: ter voz própria, como nos mostra em conversas com o tio, e conhecer. Com gosto pela leitura, Maria interessa-se pelos Lusíadas e lê Menina e Moça, de Bernardim Ribeiro.

 

Marta G. [Suficiente (-)]



Escolhi a música “Far Away” para estabelecer uma relação com Frei Luís de Sousa, pois ela evidencia alguns sentimentos de D. João de Portugal que, após a batalha de Alcácer Quibir, se sentiu perdido, só e sem a sua família e, principalmente, sem a sua mulher, D. Madalena de Vilhena. Esta música foi também por mim escolhida por causa do videoclip, que, de certa forma, adequa-se à situação de D. João de Portugal quando teve que ir para fora combater pela sua pátria, tal como a personagem do videoclip, que deixou a mulher sozinha quando teve que ir combater um enorme incêndio. D. João de Portugal foi julgado morto pela mulher, pela família e pelo aio, Telmo. Vinte e um anos depois, D. João volta a Portugal e depara-se com inúmeras mudanças, entre elas, a de Madalena, que tem um novo marido, Manuel de Sousa Coutinho, e desse casamento haver agora uma filha, Maria. Com esta música, pretendo mostrar apenas o que D. João sentiu quando voltou a Portugal, depois de tantos anos longe de sua casa.

            Decidi então, ocupar-me apenas do acto II. Na cena XIV deste acto, aparece D. João de Portugal, identificando-se como um simples romeiro que veio da terra santa, Jerusalém, e que traz uma mensagem para D. Madalena. A certa altura, percebe-se que o romeiro, D. João, está a dar-se a conhecer gradualmente e que D. Madalena começa a ficar aterrorizada ao perceber que D. João se encontra vivo, que o seu casamento com Manuel de Sousa Coutinho não existe e que Maria é filha ilegítima. D. Madalena sai de cena totalmente apavorada e gritando. No texto, podemos comprovar isto com as seguintes falas de Madalena: ‘‘ Meu Deus, meu Deus! Que se não abre a terra debaixo dos meus pés.” | “Minha filha, minha filha, minha filha! (Em tom cavo e profundo.) / Estou. Estás. Perdidas, desonradas. Infames! (Com outro grito do coração.) / Oh! Minha filha, minha filha! (Foge espavorida e neste gritar.)”

Na fala ‘’Que não caem estas paredes, que me não sepultam já aqui?’’ atinge-se o clímax da acção, quando nos apercebemos de que D. João de Portugal, que se identificou como ‘’Ninguém ‘’, está vivo. Com isto, D. João de Portugal, percebe que D. Madalena já não o ama e que refez a sua vida com outro homem, pois pensou que o seu primeiro marido se encontrava morto. D. João, que, apesar de ter estado longe de Madalena, sempre a amara, vê agora que ela já não o ama, sofrendo pelo seu novo casamento com Manuel de Sousa Coutinho. Podemos comparar isto com os seguintes versos da música: “That I love you / I have loved you all along / And I miss you / Been far away for far too long / I keep dreaming you'll be with me / And you'll never go/ Stop breathing if I don't see you anymore” [Que eu te amo / Eu te amei o tempo todo / E eu sinto sua falta / Estive tão longe por muito tempo / Eu continuo sonhando que você estará comigo / E você nunca irá embora / Paro de respirar se eu não te ver mais].

D. João percebe também que, agora, depois de tanto tempo longe, não pode fazer nada para mudar o passado e para mudar o sentimento de D. Madalena, que já não o ama (“Too long, too late / Who was I to make you wait?” [Tanto tempo, tão tarde / Quem era eu para te fazer esperar]).

 

Ana [Suficiente/Suficiente(+)]




Ouvindo a música Máquina”, dos Amor Electro, percebe-se facilmente que se poderia enquadrar na personagem de Madalena, devido ao sentimento desta para com D. João de Portugal.

Podemos relacionar os versos “Saber o que fazer, com isto a acontecer, num caso como o meu. Ter o meu amor, para dar e pra vender, mas sei que vou ficar, Por ter o que eu não tenho, eu sei que vou ficar” com o amor não correspondido entre Madalena e D. João, pois a morte do seu marido nunca chegara a ser confirmada e o medo do regresso sempre persistira. Madalena é uma personagem romântica, sensível, frágil, angustiada e é principalmente caracterizada pelo seu medo em relação à solidão e ao facto de ficar sozinha (“Oh, Maria, Maria… também tu me queres deixar! Também tu me desamparas… e hoje”).

Telmo, o aio, sempre acreditou que D. João não morrera, a sua fidelidade com o seu amo sempre permanecera e, como confidente de Madalena, torna-se um tormento, porque continua a repisar a ideia de que D. João poderá voltar.

“Que sina, ai, que amor, já nem vou mais chorar, gritar, ligar, voltar, A máquina parou, Deixou de tocar.” Madalena, após sete anos, decidiu retomar a sua vida, voltando a casar-se depois de se apaixonar por Manuel de Sousa Coutinho.

“É de pedir aos céus / A mim, a ti e a Deus / Que eu quero ser feliz.” Madalena apenas quer ser feliz, mas a sua crença religiosa também a faz sentir culpada por seguir a sua vida amorosa.

“Porque este amor é meu / E cedo vou saber / Que triste é viver / Que sina, ai, que amor.” Esta estrofe identifica-se bastante com uma citação de Madalena no Ato primeiro, Cena I, em que diz “Oh! Que o não saiba ele ao menos, que não suspeite o estado em que eu vivo… este medo, estes contínuos terrores, que ainda me não deixaram gozar um momento de toda a imensa felicidade que me dava o seu amor. Oh! Que amor, que felicidade… que desgraça a minha!”.

A canção acaba com a frase A máquina acordou”, voltando a identificar-se, mais uma vez, com o drama de Frei Luís de Sousa, porque acaba de por descobrir-se que o Romeiro, vindo da Terra Santa, para dar a notícia de que D. João estava vivo, era D. João.

 

Gonçalo C. [Suficiente]



A música “Amor Combate”, dos Linda Martini, coincide com a história de D. Madalena e D. João de Portugal quanto à mudança de casa que a fez recordar memórias do seu primeiro marido e, igualmente, no regresso de D. João.

A primeira estrofe (“Eu quero estar lá / Quando tu tiveres de olhar para trás / Sempre quero ouvir / Aquilo que guardaste para dizer no fim”) apresenta, nos dois primeiros versos, algo que se refere à história entre D. Madalena e D. João de Portugal, enquanto que os dois últimos versos da quadra podem relacionar-se com Telmo, aquele que nunca acreditou na morte do amo a quem sempre foi fiel.

“O chão que pisas sou eu” é a citação ideal para representar a estadia de D. Madalena na casa do seu primeiro marido, uma vez que a fazia recordar os tempos que passara com D. João e a casa na sua memória era caracterizada pelo mesmo e pelas suas sombras. A mudança provocou-lhe uma profunda tristeza e o verso “Mas não te vou negar a visita às ruínas que deixaste em mim” mostraria o estado de espírito de Madalena, nomeadamente os sete dias em que não conseguira dormir.

A chegada de D. João de Portugal, primeiramente como um romeiro, desestabilizou o casamento de D. Manuel de Sousa Coutinho e D. Madalena, que sempre vivera com incertezas desde a partida do seu primeiro marido para a Batalha de Alcácer Quibir. “O nosso amor morreu / quem o matou fui eu” pode ser relacionado com a ação seguinte, em que D. Madalena é obrigada a perder D. Manuel, que, como ela, abandona a vida secular, e a sua filha, D. Maria, que não consegue sobreviver a tanto desgosto e vergonha.

“Se o nosso amor é um combate” (neste caso, D. Madalena entre D. Manuel de Sousa Coutinho ou D. João de Portugal), “então que ganhe a melhor parte”, o que, no caso da peça, não terá verdadeiramente sucedido.

 

Catarina [Suficiente]



A música «Where have you been» / «Onde tens andado», do álbum Talk that Talk, da cantora Rihanna, pode relacionar-se com a obra Frei Luís de Sousa, devido a Madalena ter sempre questionado onde estava D. João de Portugal, convencendo-se de que estava morto, ao contrário de Telmo, o aio fiel de D. João de Portugal, que sempre acreditara que o amo estava vivo.

«I've been everywhere, man, looking for someone, someone who can please me, love me all night long» / «Estive em todos os lugares, homem, à procura de alguém, alguém que possa agradar-me, e amar-me a noite toda» representa as saudades que Madalena sente de D. João de Portugal e a incerteza sobre se ele está vivo ou não. Esta parte da música também pode representar a descoberta de um novo amor, Manuel de Sousa Coutinho, com quem Madalena casara mais tarde e com quem tivera uma filha, de nome Maria («Resolvi-me por fim casar com Manuel de Sousa (…) vivemos seguros, em paz e felizes… há catorze anos. Temos esta filha, esta querida Maria, que é todo o gosto e ânsia da nossa vida»).

O refrão «Where have you been, all my life?» / «Onde você esteve, toda a minha vida?» pode adequar-se ao passo em que Madalena encontra Manuel de Sousa, após saber que o seu primeiro marido tinha morrido (o que, entretanto, se descobre não ser verdade).

A passagem «I’ve been everywhere, looking for you, baby» / «Estive em todos os lugares à procura de ti» pode representar o amor que D. João de Portugal sente por Madalena, os sacrifícios que passou só para a reencontrar outra vez e a decepção que teve quando se apercebeu de que Madalena já estava casado com outro homem, e que até já tinham uma filha («Tiraram-me tudo. E têm um filho eles?... Eu não... E mais, imagino...Oh! Passaram hoje pior noite que eu (...) D. João de Portugal morreu no dia em que sua mulher disse que ele morrera. Sua mulher honrada e virtuosa, sua mulher que ele amava...»).

 


Maria [Suficiente -]


Esta música lembra-me das saudades que Telmo, o leal escudeiro de D. João de Portugal, tinha do seu amo. Sempre tivera fé e nunca desistira de dizer que ele estava vivo, mesmo após tantos anos à sua procura. Telmo sempre soubera que ele estava vivo e esperara sempre encontrá-lo um dia.

Telmo faz a ligação entre o passado e o presente. Tendo servido D. João na sua meninice, vê nele um filho, tendo-se sempre recusado a aceitar que ele tivesse morrido na batalha de Alcácer Quibir. Telmo vai atormentar os catorze anos de casamento de Madalena, alimentando as crenças, os receios e os terrores de Madalena, não permitindo nunca que Madalena se esqueça do seu primeiro marido, lembrando-lhe que este poderá estar ainda vivo e regressar para reclamar o seu legítimo estatuto.

Atormenta Madalena, também indiretamente, através de Maria. Relativamente a Maria, no início, Telmo não a podia ver, porque era filha de Manuel de Sousa, mas Maria foi crescendo e acabou por conquistar o coração do velho Telmo, com toda a sua meiguice, ao ponto de este afirmar que gostava mais dela do que os próprios pais. Quando colocado à prova, no Ato III, o coração de Telmo acaba por pender para o lado de Maria. Colocado entre dois amores (D. João e Maria), Telmo mostra nitidamente que o amor que sente por Maria é maior que o que sente por D. João, não deixando de o querer de volta e de lhe ser fiel, mas sentindo que tem de ser ele a defender a pequena Maria.

 

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