Garrett & Canção 4
Miguel D. [Bom (+) {tal como
as notas seguintes, esta apreciação diz respeito sobretudo à primeira versão do
texto, embora tenha tentado também vigiar a revisão havida}]
Podemos fazer uma ponte entre o que se exprime
nesta canção escrita em 1961 e o que tanto Manuel de Sousa Coutinho como D.
João de Portugal sentiram, ao verem-se numa ocasião de possível disputa pelo
amor de D. Madalena de Vilhena. Manuel de Sousa certamente amava D. Madalena,
mas como poderia ele negar que o seu matrimónio era ilegítimo? Uma vez que D.
João, o primeiro marido de D. Madalena, ainda estava vivo, o casamento de D.
Manuel com a sua amada não era permitido, era ilegítimo e pecaminoso, e D.
Maria de Noronha, a afável filha adolescente de treze anos, de personalidade
tão curiosa, não era mais que uma bastarda.
D. João de Portugal, que havia sofrido horrores
durante os últimos vinte anos, em cativeiro na Palestina, sente que merecia
algo de melhor quando retornasse a casa, uma vez que fora apenas através da sua
força de vontade e desejo de ver a esposa uma vez mais que se mantivera vivo
durante os vinte e um longos anos em que estivera separado da amada. Ao invés,
viu que uma das duas únicas coisas que ainda o prendiam a este mundo já não lhe
pertencia (a outra seria Telmo, o seu fiel escudeiro e amigo). Com efeito,
apesar de reconhecer que Madalena já não é sua (“A minha família... Já não
tenho família”), ainda se apresenta esperançoso em a ter mais uma vez nos
braços (“É ela que me chama! Santo Deus! Madalena que chama por mim...”) mas
depressa percebe que a graciosa mulher está perdida para sempre para Manuel de
Sousa (“Ah! E eu tão cego que já tomava para mim! Céu e Inferno!”). Tal como
escreveu João Gilberto, “Mas só não quero que me faça de bolinha de papel”: o
nobre romeiro não deseja ser enganado, nem deixar-se passar por tolo.
Manuel de Sousa, porém, não se conforma:
recusa-se a manter um casamento ilegítimo, decidindo-se a passar o resto dos
seus dias como religioso dominicano. Também ele não quer ser “bolinha de
papel”, mas, no seu caso, mais aos olhos dos seus familiares, da sociedade e
até de Deus.
Podemos ainda aplicar o que é dito na canção a
D. Madalena. Há já muito que a pobre mulher sentia na alma a chegada de uma
catástrofe, que haveria de mudar a sua vida, a do esposo e a da filha. O
desgosto que sofre é enorme. Não aguenta o facto de saber que a filha é fruto
de uma relação em pecado e o seu casamento, ilegítimo. Aqui, D. Madalena foi
submetida a uma violência sentimental sem
limites, “amachucada” sem piedade... Foi feita uma bolinha de papel.
Alexandre
C. [Bom/Bom(+)]
A música “Eu me recordo”, de Roberto Carlos,
poderia ser, de certa forma, o testemunho de D. João de Portugal acerca de tudo
aquilo que passou com Madalena de Vilhena.
Quando volta, D. João descobre que,
aparentemente, foi esquecido: Madalena está agora casada com Manuel de Sousa
Coutinho e tem uma filha — Maria de Noronha. A sua vida foi reconstruída após o
desaparecimento do ex-marido em Alcácer Quibir. Regressando ele vinte e um anos
após tal acontecimento, mostra que ainda não esquecera a vida anterior nem o
amor por Madalena (“Eu me recordo / Mesmo depois de tantos anos / Eu me recordo / Ainda
hoje tudo que fomos”). O seu amor por Madalena ainda é visível quando, ao
pensar que ela está a chamá-lo, fica contentíssimo (“Que encanto, que sedução!
Como lhe hei de resistir?”); mas, no momento a seguir, quando se apercebe de
que não é o visado dos ininterruptos chamamentos, a desilusão apodera-se dele (“Ah!
E eu tão cego que já tomava para mim! Céu e inferno!”). Este amor que D. João
sentia por Madalena parecia não ser totalmente retribuído, pois, enquanto ele a
amava perdidamente (“oh, Telmo, Telmo, com que amor a amava eu“), ela sentia-se
aprisionada e amedrontada (“Mas tu não sabes a violência, o constrangimento de
alma, o terror com que eu penso em ter de entrar naquela casa. Parece-me que é
voltar ao poder dele“), sentimento que revela quando confrontada com a
necessidade de ter voltar a viver na sua antiga casa, desta vez com Manuel de
Sousa.
Mas
esta música também pode ser vista da perspetiva de Telmo: este, ao longo de
vários anos e apesar da permanente falta de notícias, mantivera sempre D. João
no seu pensamento (“Eu te recordo / Porque nunca te esqueci”). Nunca deixou de
acreditar que, por alguma razão, “no fim de vinte anos de o julgarem todos
perdido”, ele ainda estava vivo e iria regressar, ao contrário do que toda a
gente pensava (“o filho que eu criei neste braços… Vou saber novas certas dele
(…); e eu, eu que sempre esperei, que sempre suspirei pela sua vinda…”). Apesar
desta esperança e felicidade, Telmo estava receoso em relação ao que iria
acontecer a Maria, que iria ser vista por todos como uma filha ilegítima.
Telmo, mesmo demonstrando todo o carinho e a saudade por D. João de Portugal,
seu amo, admite que se sente também infeliz pela situação em que ficara a
menina pela qual fora ganhando tanto afeto, a filha de Manuel de Sousa e
Madalena.
Daniel [Bom +]
A música “Burn it down”, do artista Linkin Park,
ilustra dois aspectos ou momentos importantes da obra Frei Luís de Sousa: no final do acto I, a decisão tomada por Manuel
de Sousa de queimar a sua própria casa; ao longo da história, o mistério que
envolve o medo de Madalena face ao regresso de D. João de Portugal, dado como
desaparecido durante vários anos desde a Batalha de Alcácer Quibir.
“To burn it to the ground” (queimá-la até ao
chão) representa, literalmente, a decisão de Manuel de Sousa face ao “perigo”
que ele e a sua família enfrentavam. Quando descobre que um grupo de
governadores, leais ao rei espanhol, se vem instalar na sua casa, Manuel de
Sousa decidiu incendiar a sua própria residência para expressar, por um lado, a
revolta que sentia em relação a esta situação, mas também para recordar aos
mais fieis ao rei espanhol que os portugueses ainda acreditavam em se tornar
independentes outra vez.
O mistério e drama à volta de Madalena e a
possiblidade do regresso de D. João de Portugal é o aspecto da obra Frei Luís de Sousa mais ilustrado nesta
música. “And you were there at the turn / Waiting to let me know” (E tu estavas
lá na esquina / À espera para me deixar saber) pode ser interpretado como o
receio que Madalena sentiu durante grande parte da história: a sensação de que
D. João poderia regressar a qualquer momento e causar um sentimento de remorso
e vergonha em Madalena. Este medo acabou por se tornar realidade, quando, no
final do acto II, Madalena é visitada por um romeiro, aparentemente vulgar e insuspeito,
e descobre que D.João de Portugal estava vivo, ou seja, que tinha sobrevivido
durante anos, desde o seu desaparecimento na Batalha de Alcácer Quibir. No
entanto, no decorrer do acto III, iremos confirmar que este simples romeiro é,
afinal, o próprio D. João de Portugal, que não pretendia revelar a sua
verdadeira identidade a Madalena, uma vez que sabia que ela iria sofrer um
golpe muito profundo de que seria muito difícil recuperar.
No
geral, existe uma parte de música que contém vários destes aspectos importantes
da obra: “all that i needed / was the one thing i couldn’t find” (tudo o que eu
precisei / foi a única coisa que eu não consegui encontrar). Manuel de Sousa,
que se sentia revoltado com a situação que enfrentava, precisava apenas de ter
coragem e paciência para resistir à tentação de se revoltar e sofrer
consequências mais graves, em vez de decidir queimar a própria casa e irritar
os mais fieis ao rei espanhol. Por outro lado, quando D. João de Portugal
desapareceu, Madalena precisava apenas de encontrá-lo para se sentir segura e
feliz, o que acabou por não acontecer.
Inês M. [Bom]
A música cantada por Mafalda Veiga pode
facilmente servir para descrever os sentimentos de Madalena nas cenas V, VI,
VII e VIII do ato segundo de Frei Luís de
Sousa. Todo o ato decorre a 4 de agosto de 1599, data em que se perfazem
vinte e um anos sobre Alcácer Quibir. Por isso, Madalena sente-se desamparada,
perdida (“E quase nada parece bater certo”). Quando Manuel de Sousa anuncia que
terá de ir a Lisboa, levando consigo Jorge, Madalena fica ainda mais em pânico,
sentindo que “nem sempre o chão da alma é seguro”. A mãe de Maria ainda sofre
com o desaparecimento/morte do primeiro marido, D. João de Portugal, pois “nem
sempre o tempo cura qualquer dor” e esta, especialmente, não desapareceu e
ainda atormenta Madalena, que suplica ao marido que não se afaste deles, acrescentando:
“Esta, esta noite, particularmente, não fico só…”. Assim sendo, procura Maria
como consolo, já que os homens da casa a abandonaram, mas esta mostra interesse
em ir a Lisboa com o pai, o que faz com que Madalena entre num estado de
desespero (“a morrer de tristeza e de medo”). O seu único consolo seria Manuel
de Sousa, pois Madalena e Manuel são como cúmplices (como se diz, aliás, no
título da canção), visto serem os mais afetados com o hipotético regresso de D.
João de Portugal, devido à possível ilegitimidade do seu casamento e da sua
filha Maria. Contudo, Manuel mostra-se mais descansado, (“Esperando o que vier
de peito aberto”), desvaloriza a situação (“É o dia da paixão de Cristo”) e diz
que voltará antes que seja noite. Resignada com a situação, Madalena faz então
um pedido ao marido: “Telmo que vá com ela (Maria); não o quero cá”. O facto de
não querer Telmo em redor deve-se, provavelmente, à crença deste em que o seu
anterior amo se encontra vivo e, num dia tão marcante como aquele em que a ação
se desenrola, as cogitações de Telmo tornarem-se mais agudas, o que iria abater
ainda mais Madalena.
Jorge acaba então por se oferecer para fazer
companhia a Madalena, partindo Manuel com Maria, Telmo e os criados, mas nem
isso a descansa. Madalena hiperboliza a situação (“Tenho este medo, este horror
de ficar só… de vir a achar-me só no mundo!”). Regressará Manuel para lhe fazer
companhia? Madalena sente-se insegura, tem medo do regresso do primeiro marido
e das consequências que acarretaria. O que acontecerá ao seu amor por Manuel de
Sousa Coutinho? E à sua filha Maria? (“Seremos cúmplices para o resto da vida /
Ou talvez só até amanhecer”). Contudo, como descobriremos mais à frente na
peça, todos os presságios temidos por Madalena acabam por se concretizar e a
família Coutinho será abalada com a chegada de um romeiro ao palácio dos
Vimioso (onde se encontra Madalena), um ponto marcante da peça.
Mar [Bom -]
A canção “O meu amor existe”, de Jorge Palma, pode ser relacionada com a
peça Frei Luís de Sousa pois tem
muito a ver com o amor que D. João de Portugal tinha por Madalena — um amor que,
depois de tantos anos, permaneceu pois, quando João voltou e viu que Madalena
era feliz com Manuel de Sousa, arrependeu-se de ter regressado e quis que
Madalena nem soubesse do seu regresso.
A quadra “O meu amor
ensinou-me a chegar, sedento de ternura, separou as minhas feridas e pôs-me a
salvo para além da loucura” pode associar-se à peça Frei Luís de Sousa, já que D. João de Portugal estivera vinte anos
em cativeiro e, antes, tinha deixado uma carta a Madalena a dizer-lhe que “vivo
ou morto, Madalena, hei de ver-vos pelo menos ainda uma vez neste mundo”, o que
pode significar que fora o amor que tinha a Madalena que lhe dera forças para
lutar e sobreviver durante esses vinte e um anos pois tinha assim o objectivo
de depois voltar para ela.
Consideramos que o ato III,
cena V, linhas 68 à 74, também se pode relacionar com a canção: “Sua mulher
honrada e virtuosa, sua mulher que ele amava — oh, Telmo, Telmo, com que amor a
amava eu! — sua mulher que ele já não pode amar sem desonra e vergonha!... Na
hora em que ela acreditou na minha morte, nessa hora morri…”, “…Não, vai, dito
por ti terá dobrada força: dize-lhe que falaste com romeiro, que o examinaste,
que o convenceste de falso e de impostor, dize o que quiseres mas salva-a ela
da vergonha, e ao meu nome da afronta”. Nestas linhas podemos ver que o amor
que D. João de Portugal tem por Madalena é tão grande que está disposto a
deixá-la ser feliz com Manuel de Sousa, mesmo que isso signifique voltar a
ir-se embora, apesar de ter esperado tantos anos para estar com ela.
Estas linhas lembram a canção de Jorge Palma
pois, na estrofe “O meu amor ensinou-me a partir, nalguma noite triste, mas
antes ensinou-me a não esquecer que o meu amor existe”, o que acontece é o mesmo
que sucedeu a D. João de Portugal. O seu amor é tão grande que ele prefere
deixar Madalena ser feliz, mesmo que tal signifique ter de partir outra vez.
Esta acção de D. João de Portugal mostra que, por mais que passassem os anos,
ele nunca esqueceria o amor por Madalena.
Marta
[Muito Bom (-)]
A música, lançada no álbum La Valse à Mille Temps, é de enorme influência para muitos músicos
franceses e de outras (muitas) nacionalidades, que terão elaborado as suas
próprias versões, em várias línguas e com pequenas adaptações, porém sem nunca
abdicarem da poesia que a constitui.
A súplica sugerida na música da autoria de
Jacques Brel, cantor e compositor belga, uma demonstração de desespero
romântico, «Ne me quitte pas / Não me deixes», pode ser equiparada ao amor de
Madalena de Vilhena e Manuel de Sousa, tornado impossível pelo regresso de D.
João de Portugal, julgado morto na Batalha de Alcácer Quibir (exceto por Telmo,
seu aio fiel, que nunca confiou nesse pressuposto).
Ao reconhecerem o verdadeiro paradeiro de D.
João, Madalena e Manuel de Sousa são confrontados com a fatal conclusão de que
o seu amor se tornaria impossível («a nossa união, o nosso amor é impossível»)
e que Maria passaria a ser o fruto do pecado («Maria… a filha do meu amor, a
filha do meu pecado»).
Manuel de Sousa considera indubitável a
necessidade da separação de Madalena, ainda que não seja essa a sua vontade,
agindo de forma mais inflexível, enquanto que Madalena, que sempre sofrera do
terror de ser abandonada («Tenho este medo, este horror de ficar só… de vir a
achar-me só no mundo»), pede a Manuel que não a deixe, tentando convencê-lo,
bem como a si própria, de que poderiam estar a precipitar-se ao acreditar nas
palavras do Romeiro. Por isso, Madalena suplica que se esqueça («il faut
oublier») pois todo o passado pode ser esquecido («tout peut s’oublier / Qui
s’enfuit déjà»). A solução seria esquecer os mal-entendidos («Oublier le temps
/ Des malentendus»), evitar precipitações e crenças nas palavras que poderiam
destruir as suas vidas. Esquecer a hora em que fora posta em causa a felicidade
daquela família («Oublier ces heures / Qui tuaient parfois / Le coeur de bonheur»).
No entanto, nem a própria Madalena crê
verdadeiramente nas suas dúvidas, apesar de tentar convencer-se do contrário.
As suas palavras são resultado do amor, que fala por ela, mas não modificam a
atitude do marido face à situação em que se encontram. Manuel de Sousa sabe
toda a verdade em toda a extensão, ao contrário de Madalena, e nem por um
segundo duvida da identidade daquele peregrino, despedindo-se então da esposa
amada («Pela última vez, Madalena… pela derradeira vez neste mundo, querida… Adeus,
adeus!»).
O próprio Romeiro — D. João de Portugal, com
mais precisa identidade —, ao aperceber-se das desgraças que tinha criado no
seio da família Vilhena-Coutinho, tenta remediar a situação, pedindo a Telmo
que desminta o seu regresso, através da persuasão de todos de que não passava
de um impostor («vai dizer-lhe que o peregrino era um impostor»). O seu amor
por Madalena de Vilhena leva-o a afirmar que morrera verdadeiramente no dia em
que ela teria acreditado na sua morte. E assim renuncia a uma hipotética vida
ao lado da amada, sabendo que esta nunca assim seria feliz. Dispõe-se a
restabelecer a harmonia que havia retirado àquela família, escondendo-se para
sempre nas sombras, observando a felicidade de Madalena, que um dia fora sua,
de longe, sem interferir nela, o que se adequa também a um trecho da música:
«Je me cacherai là (irei esconder-me) / À te regarder (para te contemplar) /
Danser et sourire (a dançar e a sorrir) / Et à t’écouter (e a ouvir-te) /
Chanter et puis rire (cantar e depois rir)».
Sara
[Bom]
A
música «Breakeven», da banda
irlandesa The Script, contém
vários versos que seriam relacionáveis com a peça Frei Luís de Sousa.
Toda a canção poderia ser relatada pelo romeiro, D. João de Portugal, sobre o
que lhe acontecera e o que lhe está a acontecer.
“I'm
still alive but I'm barely breathing” (“Continuo vivo mas mal respiro”), é como
começa a música e é trecho que podemos associar a um relato de D. João de
Portugal quando chega a Almada para falar com Madalena.
“Her
best days will be some of my worst” (“Os melhores dias dela serão dos meus
piores”), continua o vocalista, como que a dizer que Madalena, agora com o seu
marido, Manuel, e com a filha, Maria, terá melhores dias adiante, ao contrário
de D. João. “She finally met a man that's gonna put her first” (“Ela finalmente
conheceu um homem que vai colocá-la em primeiro lugar”), continuam os versos,
como se D. João estivesse a falar. Podemos considerar que D. João tinha apenas
duas paixões na vida, a guerra e Madalena, como é dito por Maria e Telmo na
peça (“e aquela mão que descansa na espada, como quem não tem outro arrimo, nem
outro amor nesta vida”; “Pois tinha, oh! se tinha”).
Os
versos seguintes da música descreveriam, se continuarmos a analogia, os
sentimentos de D. João. “What am I supposed to
do when the best part of me was always you?” (“O que hei eu de fazer quando a melhor
parte de mim sempre foste tu?”). Esta parte, do refrão, parece dirigir-se a
Madalena. Como está na peça: “com que amor a amava eu!”. “I'm falling to
pieces” (“Estou a desmoronar aos bocados”) descreveria o estado de espírito de
D. João que, desde que fora dado como morto, tivera vida dura. “she moved on
while I'm still grieving” (“Ela seguiu em frente enquanto eu continuo
magoado”), mais uma vez, a narrar o que D. João de Portugal sente por Madalena
ter continuado a sua vida sem ele, ter casado de novo e ter até uma filha. “you
left me with no love, and no love to my name” (“Deixaste-me sem amor e sem amor
ao meu nome”) é um verso que se reportaria ao ponto de vista de D. João acerca
de Madalena o ter “abandonado” e que podemos relacionar com uma das falas do
romeiro: “Na hora em que ela acreditou na minha morte, nessa hora morri.”.
A
canção acaba com o verso “I'm falling to pieces” (“Estou a desmoronar-me aos
bocados”), para, de certa forma, reforçar a ideia de como o narrador está
desiludido, como D. João de Portugal está dolorido mas tem de seguir em frente,
como Madalena aparentemente já o fez: “De mim já não há senão esse nome, ainda
honrado”.
Rita S. [Bom/Bom (+)]
Esta
canção, dos Daughter, do álbum The wild Youth (2011), espelha, na
perfeição, os sentimentos de Madalena ao longo da obra, mas, sobretudo, no fim
do acto II, com a chegada do romeiro ao
palácio dos Vimioso. Todo o acto decorre na antiga habitação de Madalena e ex-marido,
D. João de Portugal, num cenário «melancólico» e austero, um «salão antigo»,
sem qualquer contacto com o exterior. O ambiente é escuro, pesado e triste,
conduzindo inevitavelmente a família de Manuel de Sousa Coutinho a um final
trágico.
Com o
desaparecimento de D. João de Portugal na Batalha de Alcácer Quibir, a 4 de agosto de 1578, vivia
Madalena de Vilhena ainda a sua «juventude» (youth), como é aliás o título
da música dos Daughter, casara com Manuel de Sousa Coutinho, homem por quem se
apaixonara ainda em vida do ex-marido. Madalena vive, por isso, com um enorme
sentimento de culpa que, associado aos terrores de que D. João de Portugal
possa ainda estar vivo, não a deixam ser feliz. Podemos percebê-lo na reflexão
sobre os versos de Camões («que o não saiba ele ao menos, que não suspeite o
estado em que eu vivo...», «este medo, estes contínuos terrores que ainda me
não deixaram gozar um só momento de toda a imensa felicidade que me dava o seu
amor»). Como se adverte na canção («Estabeleceram-se sombras no lugar que» / (shadows
settle on the place that), o seu primeiro marido «deixou» / (you left), que
rodeiam Madalena de pressentimentos trágicos e receios aterradores, muitos
deles alimentados por Telmo, a quem sempre devotou grande consideração
(«ficastes-me em lugar de pai»), pelos seus «agouros e profecias do costume»,
fazendo o mesmo, embora indirectamente, com Maria, explorando a sua fantasia e
o seu espírito sonhador. Ambos (Telmo e Madalena) sofrem pela morte/desaparecimento
de D. João de Portugal e «as suas mentes estão perturbadas pelo vazio» (our
minds are troubled by the emptiness).
Focar-nos-emos
agora no fim do acto II e na chegada do romeiro que vem, em todos os aspectos,
piorar a situação de Madalena e tornar reais os seus medos. A acção decorre dia
4 de agosto, vinte e um anos depois de Alcácer Quibir, e após a partida de
Manuel de Sousa Coutinho e de Maria para Lisboa. Madalena encontra-se,
portanto, desamparada, completamente sozinha.
Quando
o romeiro dá a entender que D. João de Portugal se encontra vivo («...dizei-lhe
que um homem que muito bem lhe quis... está vivo...»), Madalena entra
imediatamente em pânico («Meu Deus, meu Deus!», «Minha filha, minha filha,
minha filha!...»). A mulher de Manuel de Sousa Coutinho «sente que perdeu tudo
e que é apenas uma silhueta» (i've lost it all, i'm just a silouhette) e toda a
família é lançada para a desgraça, bem como as personagens mais afectadas pelo
regresso hipotético de D. João de Portugal, devido à possível ilegitimidade do
seu casamento e da sua filha Maria. O alvoroço instala-se, tal como o medo e a
vergonha do «pecado». Madalena é «um rosto sem vida» (A lifeless face) e «os
seus sentimentos estão mortos e acabados» (our feelings, they are dead and they
are gone), tal como os de Manuel de Sousa Coutinho e de toda a família.
Madalena «tem os olhos húmidos pelas palavras que» (my eyes are damp from the
words) D. João de Portugal/Romeiro «deixou» (you left).
Manuel
de Sousa Coutinho e Madalena de Vilhena acabam por se refugiar em Deus e na
religião, tornando mais acentuada a ideia de tragédia e consequente desfecho
infeliz.
Rita
M. [Bom (-)]
A canção escolhida —
“Eu estou aqui/Eu sou aquele”, dos Anjos — relaciona-se com a obra numa
situação específica, a de D. João de Portugal/Romeiro e D. Madalena. Esta
canção também já foi usada como genérico na telenovela Vingança, o que é adequado pois, inicialmente, quando o Romeiro
aparece, nutre este sentimento por Madalena.
Para D. João, o
grande amor sempre foi Madalena e, apesar de nunca o ter amado e isso pertencer
ao passado, como diz a música (“Sou o passado recordado de um amor, um grande
amor”), ela tivera-lhe sempre “respeito, devoção, lealdade”. Mesmo depois de
ter desaparecido na batalha, D. João continuou a estar presente para Madalena,
que procurou por ele durante sete anos, adiando a sua felicidade com D. Manuel,
e, mesmo passados esses sete anos, o antigo marido continuou a ser uma sombra
na vida do casal. Telmo, entre outros indícios e histórias, era também uma
lembrança viva para Madalena pois a relação estabelecida entre criado e amo era
forte (“o filho que criaste”) e Telmo gostava de recordá-la, o que torna D.
João “aquele que vive aceso no teu mundo”.
Com o aproximar da
efeméride dos vinte e um anos após a morte de D. João e depois do incêndio no
palácio de D. Manuel, toda a família e criados tiveram de se mudar para a única
casa disponível, o palácio que pertenceu ao antigo marido de Madalena. Só
passados vários dias é que ela deixou de estar constrangida por estar na casa
onde já tinha vivido, como se algo a estivesse a assombrar (“Eu sou aquele que
te persegue num sono profundo / Serei um sonho, um pesadelo”) e conseguiu
descansar (“é a primeira noite que dorme com sossego”).
Já no palácio de D.
João, a 4 de agosto de 1599, aparece um Romeiro que diz ter um recado
importante para D. Madalena (“Eu estou aqui, aqui p'ra te dizer”). Este Romeiro
é quem foi em tempos o marido de Madalena e, através da conversa que têm,
sente-se nele um sentimento de raiva e vingança que podemos relacionar com os
versos “Eu sou aquele que não esquece nem perdoa / Eu sou aquele que a tua
ausência magoa”. Mas, ao falar com Telmo — que, ao princípio, não o reconhece
(“Romeiro, quem és tu? / Ninguém, Telmo; ninguém se nem já tu me conheces!”) e
o faz sentir esquecido (“Eu já fui tudo e agora não sou nada”) —, apercebe-se
de como fora injusto e pede para Telmo negar a sua identidade. O aio acaba por
não o fazer e a noite do regresso de D. João é uma noite desastrosa, “uma noite
nunca apagada”, como muitos presságios indicavam. No fundo, a canção
aplicar-se-ia mais aos sentimentos de D. João, que, relativamente a Madalena,
achava “Que como eu ninguém te amou / Sou o final de uma história inacabada”.
Catarina [Muito
Bom-/Bom+]
Tentei verdadeiramente encontrar uma música
portuguesa onde Frei Luís de Sousa, a
conhecida obra de Almeida Garrett, visse a sua intriga refletida. No entanto,
deparei-me com o mesmo problema com que arrosto há tantos anos que se tornou um
velho companheiro. Já alguma vez se dedicaram a traduzir uma música em inglês
para português? Na maioria das vezes (muito provavelmente, devido à qualidade
do que ouvimos), o resultado é uma letra pirosa, sem sentido ou, a bem dizer,
estúpida. É por isso que os portugueses ouvem pouca da arte portuguesa, acho eu.
De qualquer forma, como diz Manuela Azevedo, sobre o seu “Problema de
Expressão”, “a língua inglesa fica sempre bem e nunca atraiçoa ninguém”. E foi
assim que acabei a cair no mesmo erro de sempre de escolher música estrangeira,
em detrimento da portuguesa. Optei por Adele e, cuja música Skyfall, lançada em 2012, está em clara sintonia com Frei Luís de Sousa, publicado em 1844.
“This is the end. Hold
your breath and count to ten” (“É o
fim. Retém
a respiração e conta a até dez”), canta a voz profunda de Adele, em Skyfall, a banda sonora do último 007. É
o momento em que o fim chega, em que tudo se desmorona na vida dos Sousa
Coutinho, em que catorze anos construídos passo a passo, peça por peça, aos
poucos, caem ao chão como um castelo de cartas com a chegada de “Ninguém”. Como
um fantoche, um boneco de corda absolutamente impotente, Maria dança nas mãos
do destino, que lhe destrói o coração uma vez com a perda do primeiro marido, a
deixa recuperar alguma paz de espírito e a volta a lançar numa infernal dança
de palavras e confissões. “As suas palavras trago-as escritas no coração com as
lágrimas de sangue (…) que muitas vezes me caíram nestas mãos, que me correram
por estas faces”, murmura o Romeiro, antes das palavras que se seguem, que
lançarão a família Coutinho no abismo da desonra e vergonha.
“I’ve drowned and dreamt
this moment” (“Já muito sonhei este
momento”) escreveram Adele e Paul Epworth, como que adivinhando os presságios
que as personagens da obra proferem à vez ao longo da trama até ao clímax da
entrada em cena de D. João de Portugal, quando o céu lhes cai aos pés,
arrastando consigo a desonra. Contudo, a solução é encontrada, não sem trazer
mais tragédia à história: D. Manuel e D. Madalena voltam as costas ao mundo,
decisão que envolve uma quantidade imensurável de sacrifícios — mas nada há a
fazer. E é desta forma que se erguem ambos para enfrentar o destino: “let the
sky fall when it crumbles… we will stand tal, face it all together”(“Deixa que o céu se desmorone, quando
treme… permaneceremos fortes, enfrentaremos tudo juntos.”) Tudo enfrentarão
juntos, mesmo sendo o seu próprio mundo a cair, numa confusão de peças de
dominó, apoiando-se na segurança, como diz Adele (“the security of you loving
arms, keeping me from harm” [“a segurança dos teus braços de amor,
protegendo-me da dor”]), e no amor um do outro.
“A todos parece que o coração lhes adivinha
desgraça…”, reflecte Frei Jorge, assustado com o ambiente pesado no palácio de
Almada e com a forma como a família se afoga em presságios e maus agoiros sobre
o futuro. Aquela sexta-feira acaba por ser fatal. Como canta a voz rouca e de
timbre único de Adele, o fim chega, o céu estremece e desaba sob as cabeças de
toda a família. No fim, restam peças de coração, memórias e presságios, um anjo
caído e mais um par de costas voltadas ao mundo. No fim, resta Ninguém, com uma
vingança por concretizar. No fim, não resta nada, só bocados de céu espalhados
pelo chão.
Gonçalo V. [Bom -]
Em Frei Luís de Sousa, obra
para a qual se contenta “com o título modesto de drama”, Garrett vai apresentar
um hino à paixão romântica avassaladora que procura superar todos os obstáculos
para sobreviver.
D. Madalena tem por Manuel de Sousa Coutinho uma paixão profunda que a
conduz tão irracionalmente que ela cometeu adultério no seu coração, assim que
o conheceu, como podemos verificar na cena X do II ato: “Este amor, que hoje
está santificado e bendito no céu, (...) começou com um crime, porque eu amei-o
assim que o vi… e quando o vi, (…) D. João de Portugal ainda era vivo! (...)
dentro da alma eu já não tinha outra imagem senão a do amante…”. Apesar disto,
D. Madalena foi fiel ao seu primeiro marido, D. João de Portugal, até este ter
desaparecido em Alcácer Quibir. Podemos imaginar que o seu estado de espírito,
ainda antes de se poder casar com Manuel, se aproximasse do da letra da canção
“Fico assim sem você”, de Adriana Calcanhoto: ”Avião sem asa, / Fogueira sem
brasa, / Sou eu assim, sem você / futebol sem bola, / Piu-piu sem Frajola, /
Sou eu assim, sem você… / Porque é que tem que ser assim? / Se o meu desejo não
tem fim / Eu te quero a todo o instante...”.
Quis a sorte que D. João de Portugal desaparecesse na Batalha de Alcácer
Quibir, e, depois de procurado sete anos, sem sucesso, todos, incluindo a própria
família, se convencessem da sua morte e, assim, D. Madalena pôde casar com
Manuel de Sousa Coutinho.
Mesmo após catorze anos de casamento, era muito difícil a D. Madalena
estar afastada do seu segundo marido e, quando este se ausentava, ficava
perdida e assustada, entrando em pânico sempre que ele se demorava (“tô louca
pra ter ver chegar, / tô louca pra te ter nas mãos, / Deitar no teu abraço, /
Retomar o pedaço, / que falta no meu coração…”, canta Adriana Calcanhoto). Essa
inquietação é evidente na última fala de D. Madalena, na cena II do I ato, quando pede a Telmo que vá perguntar a Frei
Jorge a razão pela qual Manuel de Sousa ainda não regressara. A ausência do
marido, os momentos de solidão, deixavam-na desesperada. Na cena V do II ato, a
primeira fala de D. Madalena mostra bem isso e ficamos a saber que todo o “seu
mal era susto”, era “terror de o perder”, o que lembra imediatamente as
palavras de Adriana Calcanhoto: “Eu não existo longe de você, / a solidão é o
meu pior castigo…”. Esta paixão intensa por Manuel de Sousa Coutinho não a
tivera D. Madalena nunca por D. João de Portugal, como diz Telmo, também na
cena II do I ato, quando a acusa de ter tido ao pobre do seu primeiro amo
apenas “respeito, devoção, lealdade”, mas nunca “amor”.
“Por que é que tem de ser assim?”, pergunta a canção de Adriana
Calcanhoto. Para D. Madalena não foi assim, foi pior, porque ela esqueceu-se de
que o seu primeiro marido podia não estar morto, como realmente não estava, e a
Fortuna de que falavam os versos de Camões, que ela lia no início da peça, veio
a castigá-la com a mais terrível solidão, que ela teve de viver, longe de
Manuel de Sousa Coutinho numa cela de um convento.
Núria
[Bom (-)]
“Encontros
e Despedidas” sugere-nos um espaço de chegadas e partidas, um lugar, como uma
estação ou um aeroporto, onde se criam emoções e onde se dá espaço à tragédia.
Podemos também verificá-lo na obra Frei
Luís de Sousa onde, principalmente na personagem Madalena, a maioria das
emoções ou acções é provocada pelas partidas e chegadas das outras personagens.
Na
obra, a personagem Madalena retrata muito o sofrimento da partida de alguém que
nos é querido. “A plataforma dessa estação / é a vida”, neste caso, a vida de
Madalena. Vemos o que sofre com a mudança de casa, com a partida do marido, com
a partida da filha ou com a chegada do ex-marido: “A vida se repete na
estação”, esta estação onde “Tem gente a sorrir e a chorar”.
“A
hora do encontro / é também de despedida”, quando D. João de Portugal volta e
diz que está vivo (“O trem que chega”). “Minha filha, minha filha, minha
filha!”: Madalena percebe que a filha é ilegítima e que está perdida. A sua
filha nunca terá a vida com que sonha (“trem da partida”): “estou... estás...
perdidas, desonradas... infames!”.
Maria
Rita lembra ainda os quereres de quem viaja, de quem realmente parte ou volta.
“Tem gente que chega para ficar”, como sucede com Manuel de Sousa. Num sentido
não tão literal, a verdade é que, mesmo casada com D. João de Portugal, Madalena
e Manuel de Sousa já estavam apaixonados e, a partir desse momento, Manuel de
Sousa ficou, ficou independentemente do que era ou não D. João de Portugal para
Madalena. Por outro lado, “Tem gente que vai e quer ficar”. D. João de Portugal
parte e é dado como morto, mas sempre quis regressar para a sua mulher, voltar
à sua casa, voltar para o seu aio Telmo. Este querer é evidenciado no seu
regresso: “dizei-lhe que um homem que muito bem lhe quis... aqui está vivo...”.
Por fim, Telmo, a personagem que tentou sempre
manter-se fiel ao primeiro amo, D. João de Portugal, e que não cria na sua
morte. Um aio, que sempre amou D. João de Portugal como um filho (“Meu
filho!... Oh! é o meu filho todo; a voz, o rosto...”) e não queria senão
notícias desse seu tão amado filho que para si nunca morrera (“Mande notícias
do mundo de lá / diz quem fica”).
Inês
B. [Bom-/Bom(-)]
A música que escolhi para o comentário a esta
peça, foi “You found me”, de um grupo musical chamado The Fray. A letra tem muitas analogias com Frei Luís de Sousa, como, por exemplo, nos versos “All my days were
spent by the telefone / that never rang / And all I needed was a cal / That
never came” (todos os meus dias foram passados perto de telemóvel / que nunca
tocou / e a única coisa que eu precisava era um telefonema / que nunca chegou),
que consegue mostrar-nos um pouco o sentimento de angústia de D. Madalena de
Vilhena, enquanto temia que D. João de Portugal, o primeiro marido, regressasse
da batalha. É claro que, no caso de Madalena, não esperava por um telefonema
mas por uma carta ou por mensageiro que lhe entregasse notícias do marido. Na
peça, acompanhamos esta espera de Madalena pois até mesmo depois de lhe ser
comunicado que o seu marido havia morrido na batalha, ela continuou a esperar e
a procurar por D. João, ainda que sem sucesso. Também a música nos recorda
deste episódio com os versos “And I've been calling for years / And years, and
years, and years” (e eu fui ligando [neste sentido significa ‘tentar saber,
procurar’] durante anos, e anos, e anos, e anos). No caso de Madalena, a
dolorosa espera durara sete longos anos.
Passados sete anos, D. Madalena de Vilhena decide
casar novamente, sendo o novo marido o fidalgo honrado D. Manuel de Sousa
Coutinho, com quem um ano mais tarde teria uma filha, D. Maria. Telmo, o aio da
família, apesar de estimar muito Madalena, faz questão de manter viva a memória
do seu primeiro amo, D. João de Portugal, atormentando assim Madalena, cujos
pensamentos são perfeitamente descritos nos versos seguintes: “Where were you /
When everything was falling apart” (onde estás tu [que, no caso de Madalena, se
refere a D. Manuel] quando tudo está a correr mal). Quando Manuel de Sousa
Coutinho, chega a casa, acaba por incendiá-la para evitar que ai se instalem os
governantes espanhóis, informa Madalena de que terão de se mudar para a sua
primeira casa, em que ela vivera com D. João. Madalena, já um tanto atormentada
com os agoiros de Telmo, resolve contar ao marido os seus sentimentos de angústia
e terror sobre D. João. Nos próximos versos conseguiremos ver representado o
estado de espirito de Madalena durante esta confissão ao marido: “Lost and
insecure / you found me, you found me” (perdida e insegura / tu encontraste-me,
tu encontraste-me). No entanto, Madalena não consegue convencer o marido e a
família e acaba mesmo por se mudar para o palácio de D. João.
Acontece que, um dia em que Madalena estava com
Frei Jorge, irmão de D. Manuel, aparece-lhes um romeiro, dizendo que D. João de
Portugal estava vivo. Madalena começa a chorar e fica completamente
desorientada, o que nos leva a pensar ironicamente “just a little late / you
found me”(só um pouco tarde, tu encontraste-me), como diz a letra.
Devo ainda referir a confusão sentimental e
emocional de D. Manuel de Sousa Coutinho, ao descobrir que a sua união com
Madalena não era reconhecível e que a filha seria considerada ilegítima. Todos
estes sentimentos estão claramente evidenciados nos versos “But in the end /
Everyone ends up alone / Losing her / No way to know / How long she will be
next to me” (mas no final / todos terminam sozinhos / perdendo-a / não existe
maneira / de saber quanto tempo ela estará a meu lado).
Alexandre
A. [Suficiente/Suficiente(+)]
Esta canção de António Zambujo — «Noite
Apressada» — faz-me recordar do decorrer da acção entre a cena IX do acto
primeiro e a cena I do acto segundo de Frei
Luís de Sousa. O título, «Noite apressada», é deveras apropriado à noite em que Sousa Coutinho chega, alvoraçado,
de Lisboa, alertando a sua família e comitiva de que terão de abandonar a casa
em que residem.
Na didascália da primeira fala de Manuel, é
referido que “passeia agitado”, o que realmente descreve o ambiente daquela
noite, de inquietação.
Manuel sugere a Madalena que se mudem para a sua
antiga casa, aquela que partilhou com o seu primeiro marido, D. João de
Portugal, mas a Madalena esta ideia não agrada, há uma “descrença total”.
Madalena pede desculpa a Manuel, argumentando que não lhe sai da cabeça a deia
de encontrar a sombra de D. João na sua antiga casa (“alma dobrada dentro do
seu pensamento”).
Entre o palácio de D. João, com uma decoração
bastante ? e, no acto III, simples, podemos ver uma semelhança com uma igreja (“era
uma igreja”) .
Logo após haver certezas de que os governadores
tinham desembarcado e que se dirigiam para a casa de Manuel Sousa Coutinho,
este ordena aos criados, com os brandões acesos em punho, que os usem como lhes
tinha ordenado, sem cessar. Havia então começado a destruição da casa, era
“imensa a casa perdida”, “imensa a linha de vida no seu desenho mortal, imensa
na despedida, a certeza do final”. Aqui é-nos possível relacionar o desenho
mortal e a certeza do final, com a destruição pelo fogo, involuntária, do
retrato de Manuel Sousa Coutinho.
Chegam então ao palácio em Almada, onde se
encontrava um salão melancólico e com ar pesado, com grandes retratos de
família. Um deles era de D. João, e estava especialmente incidido pela luz de
um brandão aceso: era como uma “luz proibida dentro da catedral”.
Gonçalo
C. [Suficiente (-)]
“Eu já esqueci teu
adeus” aplica-se um pouco a Madalena que, sete anos depois de D. João de
Portugal ter ido para a batalha de Alcácer Quibir, e depois também da sua suposta
morte, casara-se com Manuel de Sousa Coutinho, fidalgo que já amava antes da
suposta morte do seu antigo marido.
“Desde
que te perdi, parte de ti / Do peito consegui tirar”. A Madalena, perder o
marido, custara mas, com o passar dos anos, deixou de acreditar que ele ainda
estivesse vivo e casou-se com o homem por quem se tinha apaixonado à primeira
vista, mesmo antes de D. João de Portugal ter morrido.
“Não vou
esquecer” aplica-se mais a Telmo, que gostava imenso de D. João de Portugal, de
quem fora aio, e que lhe era como se fosse da família. Telmo, mesmo perante
todas as evidências de que seu amo teria morrido em Alcácer Quibir, continuou a
defender que D. João de Portugal ainda estaria vivo, pois dizia que seu senhor era
um homem valente, corajoso, bom manuseador de espada, um bom homem de família, e
era impossível um homem desses ter morrido naquela batalha. Telmo, apesar de
tudo isto, entra em contradição consigo mesmo, já que, na parte final da
história, não reconhece João à primeira: pergunta ao romeiro, D. João de
Portugal, quem era, só então respondendo o romeiro que não era ninguém se já
nem Telmo o reconhecia.
“Teu nome
teu olhar/Vou apagar p’ra sempre do fundo de mim”. Madalena após a sua mudança
de casa, com toda a sua família, para a sua antiga casa, também pertencente a
D. João de Portugal, vai até um salão e vê um quadro de D. João na parede e, ao
vê-lo, assusta-se e foge com sua filha, Maria, que se encontrava com ela, e vai
um pouco contra o que dissera (que teria esquecido o ex-marido, que este era
passado). Nota-se que, afinal, D. João de Portugal ainda está bem presente na
cabeça de Madalena. Por mais que Madalena tente esquecer o antigo marido, não o
conseguirá pois, como se notou, ele continua bem presente na sua memória.
F. Hipólito [Bom/Bom (-)]
O título da canção da banda Amor Electro, «Onde
tu me quiseres», poderia reportar-se a uma cena muito particular protagonizada
por Manuel de Sousa e Madalena de Vilhena.
«Pois sairemos, sim; eu nunca me opus ao teu
querer, nunca soube que coisa era ter outra vontade diferente da tua; estou
pronta a obedecer-te sempre, cegamente, em tudo» é uma frase que Madalena
profere antes de deflagrar o incêndio da sua casa, podendo ser contraposta ao
refrão da canção: «Eu vou, eu estou, onde tu me quiseres, eu vou, eu estou,
onde tu me quiseres, porque no amor nunca é demais amar». Madalena revela o
grande amor que tem por Manuel de Sousa, segue-o incondicionalmente, fazendo da
vontade de seu esposo a sua, um pouco à semelhança do sujeito poético da
música, que encaixa relativamente bem neste excerto da peça de Almeida Garrett.
«Sem rumo, sem norte, com o amor que Deus me
deu» pode ser aplicado ao mesmo contexto, apesar de, à primeira vista, não ser
manifesta essa relação. Madalena, apesar de saber que a sua próxima habitação
será aquela casa maldita onde já fora feliz não deseja lá voltar («Mas tu não
sabes a violência, o constrangimento de alma, o terror com que eu penso em ter
de entrar naquela casa»). Esta citação mostra o descontentamento de Madalena em
regressar a casa de D. João de Portugal, pois sente que, naquele lugar, perderá
o norte, irá viver com medo, apenas com o amor que Deus lhe deu, e isso
deixá-la-á perdida.
Dir-se-ia que a canção foi baseada em Frei Luís de Sousa, nomeadamente na
passagem em que ocorre o abandono por parte da família de Madalena e Manuel,
sendo a parte de Madalena a mais enfatizada, parecendo que a mãe de Maria se
transforma em Mariza Liz, vocalista da banda, e canta esta canção.
Apesar do refrão parecer cantado por Madalena,
também se pode aplicar a outra personagem, mas num outro contexto e em outra
situação, a de Telmo em relação a Maria. Apesar de menos relacionada com a
canção, faz sentido esta relação, porque o amor de Telmo por Maria é de grandes
proporções e, apesar de o aio anteriormente ter dedicado a sua vida a D. João
de Portugal e jurado fidelidade incondicional, já não é isso que sucede agora ,
pois Maria é a quem o fiel escudeiro da família de Madalena dá a sua vida: «eu
agora tremo… É que o amor destoutra filha, desta última filha, é maior, e
venceu… venceu…apagou o outro…».
Beatriz
[Suficiente]
Após a chegada do Romeiro a Lisboa, o pânico
vai-se instalando aos poucos no palácio de D. João de Portugal. Ao princípio,
todos desconhecem a sua identidade, tomando-o como um simples mensageiro, mas,
após as novas serem transmitidas, Frei Jorge e, depois, Telmo descobrem o homem
que está por detrás daqueles trajes e barbas.
O Romeiro confessa que
D. João de Portugal derramou lágrimas, lágrimas essas que eram de sangue, devidas
ao facto de este não poder estar ao pé de Madalena; que jurou a pés juntos que
um dia iria voltar, não fazendo a sua amada esposa sofrer mais (“Love is a four letter word, And never spoken here. Love is a four letter word, Here
in this prison”).
Telmo não esconde a alegria que sente em rever o
seu verdadeiro amo, após a sua pressuposta morte baseada em meras especulações,
mas, apesar de este ser um dos seus grandes desejos, o aio não esconde o terror
que sente relativamente ao facto de D. João de Portugal, com a sua vinda, poder
vir manchar a vida de Maria de Noronha, tal como a dos restantes habitantes do
seu palácio.
O romeiro, ao longo do seu diálogo com Telmo,
vai-se apercebendo de que algo não está bem e insiste com o aio para que este
lhe conte o que sucedera na sua ausência. Telmo, não hesitando mais, diz-lhe
que Madalena de Vilhena estava agora casada com Manuel de Sousa Coutinho, com
quem, como fruto do seu amor, concebera uma filha, Maria, por quem Telmo sentia
grande ternura.
Estas novas suscitaram
em D. João vários sentimentos. Apesar de sabermos que o Romeiro apenas tivera a
intenção de honrar a sua esposa, este poderia ter desenvolvido um sentimento de
raiva, e, porventura vingar-se, sendo este um comportamento normal, tendo em
conta que fora traído por todos.
Deste modo, a música “The Day That Never Comes”,
dos Metallica, poderá descrever, por isso, o sentimento que foi despertado em
D. João, ao saber das traições de Madalena.
De facto, D. João
esperou anos para se libertar do exílio (“Waiting for the one, The day that never comes”),
acreditando que sairia dali vivo, voltando para os braços de sua esposa, não a
deixando sofrer mais. E assim foi, a promessa feita para com Deus foi comprida,
mas o resultado final, não, e, por isso, o verdadeiro dono do palácio não se
deixou ficar (“I'll put an end to this, I swear. This, I swear”).
Miguel B. [Suficiente {reporto-me,
porém, a esta segunda versão, já que o primeiro esboço apresentado não chegava
às cem palavras}]
Esta canção — «Novo dia»,
do grupo brasileiro Ponto de Equilíbrio — poderia mostrar a Madalena e a Manuel
como ver esta tragédia toda de outro ponto de vista, um positivo, em que o facto
de uma pessoa estar viva é uma coisa boa. Diz-lhes que, livres do pensamento da
igreja da época, poderiam pensar por eles mesmos, tirar as suas próprias
conclusões e decisões, em vez de, simplesmente, desistirem da vida secular num
momento de crise, em que ninguém sabia o que pensar nem o que fazer. Quanto a
mim, a decisão da Manuel e Madalena foi demasiado precipitada, pelo menos a de
Manuel (já que Madalena foi convencida por outros, foi influenciada). Se
falassem sobre os prós e os contras do que eventualmente decidiram, veriam que
esquecer os seus erros negligentes, a sua filha e os seus amigos não seria a
melhor solução, diria até que nunca o
seria. Se Manuel pensasse que o amor de Madalena por D. João pertencera ao
passado (apesar de o ter dito algures na peça), veria que a decisão de
dissolver a família era, no mínimo, escusada.
Maria, pobre coitada,
teve de “pagar” pelos erros (azar) dos outros. Não foi justo com elas o
destino, visto que era uma rapariga inocente, sem ligação aos pecados dos
outros, apesar de ser mais uma prova, um testemunho, do erro de Madalena e
Manuel. Mais uma “contra-razão” para as ações do casal: não é pelas “provas” de
um “crime” desaparecerem que o crime também desaparece — pelo contrário, assim só
se acumulam crimes (ficaram com o sangue de Maria nas mãos).
Esta imbróglio todo
poderia evoluir de tragédia até “conto de fadas” com uma simples alteração
mencionada na letra: “vamos nos redimir”, dirigido aos senhores que avançaram
com as tropas de D. João para a morte ou, no seu caso, para o cativeiro.
Deixava de haver estas confusões todas que resultaram no sofrimento que vimos,
deixando também de existir Maria (mais vale viver e morrer cedo do que não
chegar a viver de todo).
Resumindo e concluindo:
esta tragédia poderia ter sido evitada, de todo ou parcialmente, mas, nesse
caso, nós não teríamos nada de interessante para ler, nem para nos fazer dar
valor ao que temos hoje, que pode ser o que perderemos amanhã.
Joana [está bem mas foi
demasiado ajudado]
Escolhi
esta música da banda Moonspell — «Em nome do medo» —, porque molda exemplarmente
o destino trágico da família Sousa Coutinho. O medo foi, sem qualquer dúvida o
ingrediente fulcral que atravessou os últimos oito dias daquela família em Frei Luís de Sousa. De facto, D.
Madalena vivia aterrorizada com a possibilidade do regresso de D. João de
Portugal. Em nome do medo, D. Madalena vive o seu inferno pessoal, atormentada
constantemente pela previsão da desgraça e da ruína que desabaria sobre a sua
família, caso os agouros e os sonhos se materializassem.
D.
Madalena desafiou o destino e os Deuses quando casou com Manuel Sousa Coutinho,
sem saber se o seu marido estava realmente morto. Tal como diz o verso da
música, foi severamente punida, porque sofreu a “ira dos Deuses”. Viveu uma
vida cruel e uma tormenta sem fim pela escolha que fez.
“O
céu que nos esmaga na ausência de ti” define toda a obra e a natureza frágil da
existência da família Sousa Coutinho. D. Madalena vive com uma consciência que
não está apaziguada. O seu coração sofre pelo amor da filha e do marido,
porque, pelo pecado que cometeu, o céu pode esmagar a vida de inocentes. É a
ausência de D. João de Portugal que preenche todo o imaginário de D. Madalena.
Alias, a figura espectral do D. João constrói um quadro adequadamente sombrio e
sinistro que reflecte a aura de D. Madalena. D. João de Portugal é senhor do
tempo de D. Madalena porque, para si, só ele pode desonrar “o sangue de seu
sangue”.
“Comemos
os frutos de tão triste jardim”. Considero lindíssima esta associação poética
da tristeza e do jardim. Ao jardim, é associada a ideia de vida, de beleza, de
dom divino. Mas D. Madalena comeu o fruto proibido. O amor puro e sincero por
Manuel Sousa Coutinho gerou O fruto, Maria. O jardim, ameno e pleno de vida,
tornou-se um lugar onde a sombra obscura paira e, ameaçadoramente, vigia os
passos do destino de D. Madalena.
“Faltou-nos
o tempo, chegamos ao fim”: tal como escreveu Camões, o amor longo que moldou
aquela família era demasiado para tão curta que é a vida. Àquela família faltou
o tempo para viver plenamente aquele sentimento. A chegada do romeiro trouxe o
fim daquele amor e o seu tempo chegou ao fim.
“Mas
nem o vento por terra me deita / E nem o fogo por dentro me queima” reflecte na
perfeição o espírito guerreiro de Maria. No momento em que os seus pais estão
prestes a tomar hábito, aquela menina, que estava disposta a pegar em armas e a
lutar, ao lado do seu patriótico pai, contra os espanhóis, trava agora a
batalha pela sua sobrevivência e pela da família. Maria não vai desistir, e
nada a vai demover da convicção de que juntamente com a sua bem-amada família pode lutar contra a
maldade do mundo. Nada a derruba e nada a queima, porque o amor que sente pelos
seus pais tudo pode vencer.
Foi
em nome do medo que a família de Manuel Sousa Coutinho morreu. O sofrimento
atroz vivido e sentido por todos é resultado da imposição moral. Foi em nome do
medo, das convenções sociais, da hipocrisia e do cinismo que se ceifou a
felicidade. O medo de que Maria fosse humilhada, enxovalhada socialmente,
conduz ao derradeiro sacrifício. O
medo de que Maria fosse considerada uma bastarda e desonrada publicamente
alimenta o terror de uma mãe e resulta no padecimento excruciante de um pai.
Que medo é esse que leva a abdicar de uma filha?
Raquel [Bom -, mas,
parece-me, um pouco ajudado por adulto]
O paralelismo que
se pode encontrar entre o poema desta música dos Oficina G3, uma banda
brasileira, e a história que nos é relatada no Frei Luís de Sousa é, quanto a mim, o sentimento comum de tragédia
e dor.
Drama escrito em
1843 por Almeida Garrett, o Frei Luís de
Sousa relata-nos a história de uma família nobre e a tragédia que se abate sobre
ela pelo regresso do marido que todos julgavam morto na Batalha de Alcácer
Quibir. Tendo casado novamente, julgando-se viúva, D. Madalena acaba por ter
uma filha. Esta situação, na época em que se dá, é extremamente grave,
originando um sofrimento enorme a todos os protagonistas da história. A
história tem ainda como tema a resistência do povo português ao domínio dos
reis espanhóis, durante a dinastia Filipina (“quebradas foram as alianças / Por
muitos que se diziam irmãos; “quem perderá um povo escolhido, um povo ferido”).
Maria e o criado
Telmo são as figuras que acreditam e, ao mesmo tempo, têm medo de qualquer
coisa de que não têm completa consciência do que seja: criam o ambiente místico
da história. D. Madalena de Vilhena casa com Manuel de Sousa Coutinho, patriota
que combate clandestinamente os usurpadores do trono. D. João de Portugal é o
real marido de D. Madalena.
Assim, em ambos os
textos, a guerra — real, num deles; em sentido figurado, no outro (“Vejo ruínas
de uma guerra, mas uma guerra por nossas mãos, desencadeia a morte») — leva à
morte. No texto de Frei Luís de Sousa,
leva à morte de Maria; no poema da música, à morte do amor. Em ambos, as
“feridas fazem sangrar a alma”; em ambos, se “matou o amor que um dia nos fez
um”. Foi quebrada a aliança entre Madalena e Manuel e, com essa quebra, Maria
ficou desligada da sociedade, pois, nesse tempo, um filho nascido fora de um
casamento era visto de uma forma muito negativa.
Ambos os textos
realçam um sentido romântico da vida, em que a tragédia se abate sobre quem
ama, ambas as histórias acabam de forma infeliz para todos os personagens, muitos
estragos se dando e não havendo ninguém que ganhe. É que ”ninguém ganha uma guerra
perdida”.
Nádia [Suficiente
-/Insuficiente+]
Maria Inês [Suficiente]
Gonçalo N. [Suficiente -/Insuficente+]
A
música que escolhi para a relacionar com o texto de Frei Luís de Sousa é do cantor Duarte Rosado, “Leva-me contigo”.
No primeiro momento,
D. Madalena deixa transparecer o seu lado mais emotivo mostrando-se infeliz
(“que este não suspeite o estado em que eu vivo este medo”), ligando-se assim
aos sentimentos transmitidos pela música (“olho para tudo e tudo me faz
chorar”). De tal forma D. Madalena se sente incerta do regresso de D. João de Portugal
(“não sei que doloroso prazer em ter sempre viva e suspensa essa dúvida fatal”),
que essa atitude é relacionável com a letra da canção (“sei que estás confusa e
isso é normal”).
“Acabaram-se as
palavras que saíam de ti, estivesses onde estavas eu sentia-te em mim”: D.
Madalena concluiu que D. João tinha morrido na batalha de Alcácer Quibir,
casando-se, após sete anos, com Manuel de Sousa Coutinho (“a que se apega esta
vossa casualidade e de sete… e hoje mais catorze… vinte e um anos?”).
É no palácio de
Almada que Maria fica intrigada por desconhecer o dono da casa (“dava todo o
clarão de luz naquele retrato… Minha mãe (…) põe de repente os olhos nele e dá
um grito (…) Pergunto-te o que é e não me respondeu…”). Os versos “estás em
todo o lado nas paredes e no mar” podem associar-se aos quadros colocados nas
paredes e às embarcações onde D. João partira.
Telmo, ao descobrir a
verdadeira entidade do Romeiro, sentiu-se indignado por não poder partilhar
essa informação com os restantes (“e eu hei de mentir, senhor, eu hei de
renegar de vós como um vilão que não sou?”). Na música há a coincidência de o
sujeito poético ter contado os sentimentos do Romeiro perante a situação
descrita: “Não suporto ver-te assim sentes-te culpada, põe a culpa em mim acho
que foste pressionado”.
Finalizando, tanto o
texto dramático como a letra da música apresentam um carácter angustiado e
trágico.
Maria Inês [Suficiente]
«Ouvi dizer» é mais uma música sobre o cliché do amor, que Manel Cruz
escreveu e canta, proporcionando-nos, mais uma vez, uma viagem à sua voz e
pensamentos densos, roucos e profundos, que nesta música também evidenciam um
sentimento de culpa e de querer voltar atrás no tempo, o qual é igualmente
sentido por todas as personagens quando se encontram com os seus destinos
tragicamente alterados no final da obra de Almeida Garrett.
Poderíamos ouvir tanto Madalena como D. João de Portugal ou Manuel de
Sousa a dizer «ouvi dizer que o nosso amor acabou», pois estes dois amores
acabam no fim da peça: D. Madalena já não amava D. João de Portugal e D. Manuel,
ao perceber que tinha vivido durante catorze anos um casamento ilegítimo,
também decide acabar com o amor dos dois («a nossa união, o nosso amor é
impossível»).
D. João, quando decidiu voltar, ainda tinha esperança no amor de D.
Madalena por ele («que encanto, que sedução! Como hei de resistir!?») e não
imaginava que catástrofes poderia originar na nova família da sua ex-mulher nem
teve a noção de que o amor deles os dois já tinha acabado há muito («Pois eu
não tive a noção do seu fim!»). Tentou, passados vinte e um anos da sua suposta
morte, voltar à sua amada («Pelo que eu já tentei, passou todos estes anos»),
mas só ele acreditava, D. Madalena tinha acreditado na sua morte, apesar de
ainda sentir um terrível medo do seu espírito e, quando o pobre Romeiro se
apercebe disto («na hora em que ela acreditou na minha morte»), nota que só ele
quisera reatar o amor deles («Tudo foi para ti uma estúpida canção que só eu
ouvi!»).
O Romeiro, quando descobre que a sua vinda só trouxe desgraças e
infelicidade à família Vilhena-Coutinho, fica extremamente arrependido de ter
voltado e até chega a pedir a Telmo que minta à família, não revelando a sua
verdadeira identidade e, por isso, «pudesse ele ter pagado doutra forma» do que
ter pagado com a «raiva» e ambiente trágico que trouxe à peça. Também D. Madalena
sente que poderia ter pagado de outra forma (ao ter ignorado a existência de
D. João) do que com o fim do seu casamento.
Toda a
família, no início da peça, tem planos para o futuro («E eu tinha tantos planos pra depois!»), impulsionados também
pelas ambições e curiosidade de Maria. Estão a viver numa nova casa e D. Manuel
pretende opor-se aos governantes que invadiram a sua casa (agora incendiada)
mas, ao longo da peça, podemos observar, seja pelos agoiros de Telmo ou pelos
comentários de Jorge ou Maria, que o mundo em que pacificamente vivem vai ter
uma rutura irremediável no final («Ouvi dizer que o
mundo acaba amanhã»).
Durante a peça encontramos símbolos que insinuam a chegada de uma
tragédia, como o quadro de D. João na antiga casa, o quadro incendiado de
D. Manuel, o próprio cenário, deserto e austero, do terceiro ato. Por isso, é
como se o nome de D. João ou o nome da desgraça estivessem escritos em todo o
lado («A cidade está deserta, e alguém escreveu o teu nome em toda a parte: nas
casas, nos carros, nas pontes, nas ruas»).
No fim, os vários amores entre as várias personagens da peça acabam por
ser a origem da fatalidade: quando D. Madalena casou D. Manuel ou teve a sua filha,
pensava que esses novos amores iriam curar o desgosto por D. João de Portugal
(«Quando nele julgamos ver a nossa cura!»). Mas, no final, o amor acaba por ser
o vilão da história («Pra nos lembrar
que o amor é uma doença»).
Este ano também os Ornatos Violeta vivenciaram uma tragédia, quando esta
banda fez o seu último concerto em Lisboa.
Gonçalo N. [Suficiente -/Insuficente+]
A canção por mim escolhida é “Encosta-te a mim”,
de Jorge Palma. Para mim, esta música é a que mais lembra o enredo de Frei Luís de Sousa, se pensarmos que é
D. João de Portugal a cantar para Madalena. A parte que me parece clara é «Chegado da guerra, fiz tudo p´ra sobreviver em nome da terra, no fundo p´ra te merecer. Recebe-me bem.”
Esta parte lembra que D. João de Portugal esteve na guerra
(“Chegado da guerra”) e que fez tudo quanto podia para voltar para Madalena
(“Fiz tudo p´ra sobreviver em nome da terra, no fundo p´ra te merecer. Recebe-me
bem”).
A próxima parte em que vejo clara parecença com o enredo é
“Eu venho do nada, porque arrasei o que não quis, em nome da estrada, onde só quero ser feliz. Enrosca-te a mim, vai desarmar a flor queimada, vai beijar o
homem-bomba. Quero adormecer.”. Esta última parte faz lembrar que, quando D.
João de Portugal voltou (“Eu venho do nada (…) em nome da estrada”), só queria
voltar para os braços de Madalena (“Só quero ser feliz”), mas, sentindo-se
culpado, quis apenas fingir que nada tinha acontecido e queria deixar Madalena
e Manuel serem felizes (“Vai beijar o homem-bomba, quero adormecer”).
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