Sunday, September 16, 2012

Garrett & Canção 4


Miguel D. [Bom (+) {tal como as notas seguintes, esta apreciação diz respeito sobretudo à primeira versão do texto, embora tenha tentado também vigiar a revisão havida}]



Podemos fazer uma ponte entre o que se exprime nesta canção escrita em 1961 e o que tanto Manuel de Sousa Coutinho como D. João de Portugal sentiram, ao verem-se numa ocasião de possível disputa pelo amor de D. Madalena de Vilhena. Manuel de Sousa certamente amava D. Madalena, mas como poderia ele negar que o seu matrimónio era ilegítimo? Uma vez que D. João, o primeiro marido de D. Madalena, ainda estava vivo, o casamento de D. Manuel com a sua amada não era permitido, era ilegítimo e pecaminoso, e D. Maria de Noronha, a afável filha adolescente de treze anos, de personalidade tão curiosa, não era mais que uma bastarda.

D. João de Portugal, que havia sofrido horrores durante os últimos vinte anos, em cativeiro na Palestina, sente que merecia algo de melhor quando retornasse a casa, uma vez que fora apenas através da sua força de vontade e desejo de ver a esposa uma vez mais que se mantivera vivo durante os vinte e um longos anos em que estivera separado da amada. Ao invés, viu que uma das duas únicas coisas que ainda o prendiam a este mundo já não lhe pertencia (a outra seria Telmo, o seu fiel escudeiro e amigo). Com efeito, apesar de reconhecer que Madalena já não é sua (“A minha família... Já não tenho família”), ainda se apresenta esperançoso em a ter mais uma vez nos braços (“É ela que me chama! Santo Deus! Madalena que chama por mim...”) mas depressa percebe que a graciosa mulher está perdida para sempre para Manuel de Sousa (“Ah! E eu tão cego que já tomava para mim! Céu e Inferno!”). Tal como escreveu João Gilberto, “Mas só não quero que me faça de bolinha de papel”: o nobre romeiro não deseja ser enganado, nem deixar-se passar por tolo.

Manuel de Sousa, porém, não se conforma: recusa-se a manter um casamento ilegítimo, decidindo-se a passar o resto dos seus dias como religioso dominicano. Também ele não quer ser “bolinha de papel”, mas, no seu caso, mais aos olhos dos seus familiares, da sociedade e até de Deus.

Podemos ainda aplicar o que é dito na canção a D. Madalena. Há já muito que a pobre mulher sentia na alma a chegada de uma catástrofe, que haveria de mudar a sua vida, a do esposo e a da filha. O desgosto que sofre é enorme. Não aguenta o facto de saber que a filha é fruto de uma relação em pecado e o seu casamento, ilegítimo. Aqui, D. Madalena foi submetida a uma violência sentimental sem  limites, “amachucada” sem piedade... Foi feita uma bolinha de papel.

 

Alexandre C. [Bom/Bom(+)]



A música “Eu me recordo”, de Roberto Carlos, poderia ser, de certa forma, o testemunho de D. João de Portugal acerca de tudo aquilo que passou com Madalena de Vilhena.

Quando volta, D. João descobre que, aparentemente, foi esquecido: Madalena está agora casada com Manuel de Sousa Coutinho e tem uma filha — Maria de Noronha. A sua vida foi reconstruída após o desaparecimento do ex-marido em Alcácer Quibir. Regressando ele vinte e um anos após tal acontecimento, mostra que ainda não esquecera a vida anterior nem o amor por Madalena (“Eu me recordo / Mesmo depois de tantos anos / Eu me recordo / Ainda hoje tudo que fomos”). O seu amor por Madalena ainda é visível quando, ao pensar que ela está a chamá-lo, fica contentíssimo (“Que encanto, que sedução! Como lhe hei de resistir?”); mas, no momento a seguir, quando se apercebe de que não é o visado dos ininterruptos chamamentos, a desilusão apodera-se dele (“Ah! E eu tão cego que já tomava para mim! Céu e inferno!”). Este amor que D. João sentia por Madalena parecia não ser totalmente retribuído, pois, enquanto ele a amava perdidamente (“oh, Telmo, Telmo, com que amor a amava eu“), ela sentia-se aprisionada e amedrontada (“Mas tu não sabes a violência, o constrangimento de alma, o terror com que eu penso em ter de entrar naquela casa. Parece-me que é voltar ao poder dele“), sentimento que revela quando confrontada com a necessidade de ter voltar a viver na sua antiga casa, desta vez com Manuel de Sousa.

Mas esta música também pode ser vista da perspetiva de Telmo: este, ao longo de vários anos e apesar da permanente falta de notícias, mantivera sempre D. João no seu pensamento (“Eu te recordo / Porque nunca te esqueci”). Nunca deixou de acreditar que, por alguma razão, “no fim de vinte anos de o julgarem todos perdido”, ele ainda estava vivo e iria regressar, ao contrário do que toda a gente pensava (“o filho que eu criei neste braços… Vou saber novas certas dele (…); e eu, eu que sempre esperei, que sempre suspirei pela sua vinda…”). Apesar desta esperança e felicidade, Telmo estava receoso em relação ao que iria acontecer a Maria, que iria ser vista por todos como uma filha ilegítima. Telmo, mesmo demonstrando todo o carinho e a saudade por D. João de Portugal, seu amo, admite que se sente também infeliz pela situação em que ficara a menina pela qual fora ganhando tanto afeto, a filha de Manuel de Sousa e Madalena.

 

Daniel [Bom +]



A música “Burn it down”, do artista Linkin Park, ilustra dois aspectos ou momentos importantes da obra Frei Luís de Sousa: no final do acto I, a decisão tomada por Manuel de Sousa de queimar a sua própria casa; ao longo da história, o mistério que envolve o medo de Madalena face ao regresso de D. João de Portugal, dado como desaparecido durante vários anos desde a Batalha de Alcácer Quibir.

“To burn it to the ground” (queimá-la até ao chão) representa, literalmente, a decisão de Manuel de Sousa face ao “perigo” que ele e a sua família enfrentavam. Quando descobre que um grupo de governadores, leais ao rei espanhol, se vem instalar na sua casa, Manuel de Sousa decidiu incendiar a sua própria residência para expressar, por um lado, a revolta que sentia em relação a esta situação, mas também para recordar aos mais fieis ao rei espanhol que os portugueses ainda acreditavam em se tornar independentes outra vez.

O mistério e drama à volta de Madalena e a possiblidade do regresso de D. João de Portugal é o aspecto da obra Frei Luís de Sousa mais ilustrado nesta música. “And you were there at the turn / Waiting to let me know” (E tu estavas lá na esquina / À espera para me deixar saber) pode ser interpretado como o receio que Madalena sentiu durante grande parte da história: a sensação de que D. João poderia regressar a qualquer momento e causar um sentimento de remorso e vergonha em Madalena. Este medo acabou por se tornar realidade, quando, no final do acto II, Madalena é visitada por um romeiro, aparentemente vulgar e insuspeito, e descobre que D.João de Portugal estava vivo, ou seja, que tinha sobrevivido durante anos, desde o seu desaparecimento na Batalha de Alcácer Quibir. No entanto, no decorrer do acto III, iremos confirmar que este simples romeiro é, afinal, o próprio D. João de Portugal, que não pretendia revelar a sua verdadeira identidade a Madalena, uma vez que sabia que ela iria sofrer um golpe muito profundo de que seria muito difícil recuperar.

No geral, existe uma parte de música que contém vários destes aspectos importantes da obra: “all that i needed / was the one thing i couldn’t find” (tudo o que eu precisei / foi a única coisa que eu não consegui encontrar). Manuel de Sousa, que se sentia revoltado com a situação que enfrentava, precisava apenas de ter coragem e paciência para resistir à tentação de se revoltar e sofrer consequências mais graves, em vez de decidir queimar a própria casa e irritar os mais fieis ao rei espanhol. Por outro lado, quando D. João de Portugal desapareceu, Madalena precisava apenas de encontrá-lo para se sentir segura e feliz, o que acabou por não acontecer.

 

Inês M. [Bom]



A música cantada por Mafalda Veiga pode facilmente servir para descrever os sentimentos de Madalena nas cenas V, VI, VII e VIII do ato segundo de Frei Luís de Sousa. Todo o ato decorre a 4 de agosto de 1599, data em que se perfazem vinte e um anos sobre Alcácer Quibir. Por isso, Madalena sente-se desamparada, perdida (“E quase nada parece bater certo”). Quando Manuel de Sousa anuncia que terá de ir a Lisboa, levando consigo Jorge, Madalena fica ainda mais em pânico, sentindo que “nem sempre o chão da alma é seguro”. A mãe de Maria ainda sofre com o desaparecimento/morte do primeiro marido, D. João de Portugal, pois “nem sempre o tempo cura qualquer dor” e esta, especialmente, não desapareceu e ainda atormenta Madalena, que suplica ao marido que não se afaste deles, acrescentando: “Esta, esta noite, particularmente, não fico só…”. Assim sendo, procura Maria como consolo, já que os homens da casa a abandonaram, mas esta mostra interesse em ir a Lisboa com o pai, o que faz com que Madalena entre num estado de desespero (“a morrer de tristeza e de medo”). O seu único consolo seria Manuel de Sousa, pois Madalena e Manuel são como cúmplices (como se diz, aliás, no título da canção), visto serem os mais afetados com o hipotético regresso de D. João de Portugal, devido à possível ilegitimidade do seu casamento e da sua filha Maria. Contudo, Manuel mostra-se mais descansado, (“Esperando o que vier de peito aberto”), desvaloriza a situação (“É o dia da paixão de Cristo”) e diz que voltará antes que seja noite. Resignada com a situação, Madalena faz então um pedido ao marido: “Telmo que vá com ela (Maria); não o quero cá”. O facto de não querer Telmo em redor deve-se, provavelmente, à crença deste em que o seu anterior amo se encontra vivo e, num dia tão marcante como aquele em que a ação se desenrola, as cogitações de Telmo tornarem-se mais agudas, o que iria abater ainda mais Madalena.

Jorge acaba então por se oferecer para fazer companhia a Madalena, partindo Manuel com Maria, Telmo e os criados, mas nem isso a descansa. Madalena hiperboliza a situação (“Tenho este medo, este horror de ficar só… de vir a achar-me só no mundo!”). Regressará Manuel para lhe fazer companhia? Madalena sente-se insegura, tem medo do regresso do primeiro marido e das consequências que acarretaria. O que acontecerá ao seu amor por Manuel de Sousa Coutinho? E à sua filha Maria? (“Seremos cúmplices para o resto da vida / Ou talvez só até amanhecer”). Contudo, como descobriremos mais à frente na peça, todos os presságios temidos por Madalena acabam por se concretizar e a família Coutinho será abalada com a chegada de um romeiro ao palácio dos Vimioso (onde se encontra Madalena), um ponto marcante da peça.

 

Mar [Bom -]



A canção “O meu amor existe”, de Jorge Palma, pode ser relacionada com a peça Frei Luís de Sousa pois tem muito a ver com o amor que D. João de Portugal tinha por Madalena — um amor que, depois de tantos anos, permaneceu pois, quando João voltou e viu que Madalena era feliz com Manuel de Sousa, arrependeu-se de ter regressado e quis que Madalena nem soubesse do seu regresso.

A quadra “O meu amor ensinou-me a chegar, sedento de ternura, separou as minhas feridas e pôs-me a salvo para além da loucura” pode associar-se à peça Frei Luís de Sousa, já que D. João de Portugal estivera vinte anos em cativeiro e, antes, tinha deixado uma carta a Madalena a dizer-lhe que “vivo ou morto, Madalena, hei de ver-vos pelo menos ainda uma vez neste mundo”, o que pode significar que fora o amor que tinha a Madalena que lhe dera forças para lutar e sobreviver durante esses vinte e um anos pois tinha assim o objectivo de depois voltar para ela.

Consideramos que o ato III, cena V, linhas 68 à 74, também se pode relacionar com a canção: “Sua mulher honrada e virtuosa, sua mulher que ele amava — oh, Telmo, Telmo, com que amor a amava eu! — sua mulher que ele já não pode amar sem desonra e vergonha!... Na hora em que ela acreditou na minha morte, nessa hora morri…”, “…Não, vai, dito por ti terá dobrada força: dize-lhe que falaste com romeiro, que o examinaste, que o convenceste de falso e de impostor, dize o que quiseres mas salva-a ela da vergonha, e ao meu nome da afronta”. Nestas linhas podemos ver que o amor que D. João de Portugal tem por Madalena é tão grande que está disposto a deixá-la ser feliz com Manuel de Sousa, mesmo que isso signifique voltar a ir-se embora, apesar de ter esperado tantos anos para estar com ela.

Estas linhas lembram a canção de Jorge Palma pois, na estrofe “O meu amor ensinou-me a partir, nalguma noite triste, mas antes ensinou-me a não esquecer que o meu amor existe”, o que acontece é o mesmo que sucedeu a D. João de Portugal. O seu amor é tão grande que ele prefere deixar Madalena ser feliz, mesmo que tal signifique ter de partir outra vez. Esta acção de D. João de Portugal mostra que, por mais que passassem os anos, ele nunca esqueceria o amor por Madalena.

 

Marta [Muito Bom (-)]



A música, lançada no álbum La Valse à Mille Temps, é de enorme influência para muitos músicos franceses e de outras (muitas) nacionalidades, que terão elaborado as suas próprias versões, em várias línguas e com pequenas adaptações, porém sem nunca abdicarem da poesia que a constitui.

A súplica sugerida na música da autoria de Jacques Brel, cantor e compositor belga, uma demonstração de desespero romântico, «Ne me quitte pas / Não me deixes», pode ser equiparada ao amor de Madalena de Vilhena e Manuel de Sousa, tornado impossível pelo regresso de D. João de Portugal, julgado morto na Batalha de Alcácer Quibir (exceto por Telmo, seu aio fiel, que nunca confiou nesse pressuposto).

Ao reconhecerem o verdadeiro paradeiro de D. João, Madalena e Manuel de Sousa são confrontados com a fatal conclusão de que o seu amor se tornaria impossível («a nossa união, o nosso amor é impossível») e que Maria passaria a ser o fruto do pecado («Maria… a filha do meu amor, a filha do meu pecado»).

Manuel de Sousa considera indubitável a necessidade da separação de Madalena, ainda que não seja essa a sua vontade, agindo de forma mais inflexível, enquanto que Madalena, que sempre sofrera do terror de ser abandonada («Tenho este medo, este horror de ficar só… de vir a achar-me só no mundo»), pede a Manuel que não a deixe, tentando convencê-lo, bem como a si própria, de que poderiam estar a precipitar-se ao acreditar nas palavras do Romeiro. Por isso, Madalena suplica que se esqueça («il faut oublier») pois todo o passado pode ser esquecido («tout peut s’oublier / Qui s’enfuit déjà»). A solução seria esquecer os mal-entendidos («Oublier le temps / Des malentendus»), evitar precipitações e crenças nas palavras que poderiam destruir as suas vidas. Esquecer a hora em que fora posta em causa a felicidade daquela família («Oublier ces heures / Qui tuaient parfois / Le coeur de bonheur»).

No entanto, nem a própria Madalena crê verdadeiramente nas suas dúvidas, apesar de tentar convencer-se do contrário. As suas palavras são resultado do amor, que fala por ela, mas não modificam a atitude do marido face à situação em que se encontram. Manuel de Sousa sabe toda a verdade em toda a extensão, ao contrário de Madalena, e nem por um segundo duvida da identidade daquele peregrino, despedindo-se então da esposa amada («Pela última vez, Madalena… pela derradeira vez neste mundo, querida… Adeus, adeus!»).

O próprio Romeiro — D. João de Portugal, com mais precisa identidade —, ao aperceber-se das desgraças que tinha criado no seio da família Vilhena-Coutinho, tenta remediar a situação, pedindo a Telmo que desminta o seu regresso, através da persuasão de todos de que não passava de um impostor («vai dizer-lhe que o peregrino era um impostor»). O seu amor por Madalena de Vilhena leva-o a afirmar que morrera verdadeiramente no dia em que ela teria acreditado na sua morte. E assim renuncia a uma hipotética vida ao lado da amada, sabendo que esta nunca assim seria feliz. Dispõe-se a restabelecer a harmonia que havia retirado àquela família, escondendo-se para sempre nas sombras, observando a felicidade de Madalena, que um dia fora sua, de longe, sem interferir nela, o que se adequa também a um trecho da música: «Je me cacherai là (irei esconder-me) / À te regarder (para te contemplar) / Danser et sourire (a dançar e a sorrir) / Et à t’écouter (e a ouvir-te) / Chanter et puis rire (cantar e depois rir)».

 

Sara [Bom]



A música «Breakeven», da banda irlandesa The Script, contém vários versos que seriam relacionáveis com a peça Frei Luís de Sousa. Toda a canção poderia ser relatada pelo romeiro, D. João de Portugal, sobre o que lhe acontecera e o que lhe está a acontecer.

“I'm still alive but I'm barely breathing” (“Continuo vivo mas mal respiro”), é como começa a música e é trecho que podemos associar a um relato de D. João de Portugal quando chega a Almada para falar com Madalena.

“Her best days will be some of my worst” (“Os melhores dias dela serão dos meus piores”), continua o vocalista, como que a dizer que Madalena, agora com o seu marido, Manuel, e com a filha, Maria, terá melhores dias adiante, ao contrário de D. João. “She finally met a man that's gonna put her first” (“Ela finalmente conheceu um homem que vai colocá-la em primeiro lugar”), continuam os versos, como se D. João estivesse a falar. Podemos considerar que D. João tinha apenas duas paixões na vida, a guerra e Madalena, como é dito por Maria e Telmo na peça (“e aquela mão que descansa na espada, como quem não tem outro arrimo, nem outro amor nesta vida”; “Pois tinha, oh! se tinha”).

Os versos seguintes da música descreveriam, se continuarmos a analogia, os sentimentos de D. João. “What am I supposed to do when the best part of me was always you?” (“O que hei eu de fazer quando a melhor parte de mim sempre foste tu?”). Esta parte, do refrão, parece dirigir-se a Madalena. Como está na peça: “com que amor a amava eu!”. “I'm falling to pieces” (“Estou a desmoronar aos bocados”) descreveria o estado de espírito de D. João que, desde que fora dado como morto, tivera vida dura. “she moved on while I'm still grieving” (“Ela seguiu em frente enquanto eu continuo magoado”), mais uma vez, a narrar o que D. João de Portugal sente por Madalena ter continuado a sua vida sem ele, ter casado de novo e ter até uma filha. “you left me with no love, and no love to my name” (“Deixaste-me sem amor e sem amor ao meu nome”) é um verso que se reportaria ao ponto de vista de D. João acerca de Madalena o ter “abandonado” e que podemos relacionar com uma das falas do romeiro: “Na hora em que ela acreditou na minha morte, nessa hora morri.”.

A canção acaba com o verso “I'm falling to pieces” (“Estou a desmoronar-me aos bocados”), para, de certa forma, reforçar a ideia de como o narrador está desiludido, como D. João de Portugal está dolorido mas tem de seguir em frente, como Madalena aparentemente já o fez: “De mim já não há senão esse nome, ainda honrado”.

 

Rita S. [Bom/Bom (+)]



Esta canção, dos Daughter, do álbum The wild Youth (2011), espelha, na perfeição, os sentimentos de Madalena ao longo da obra, mas, sobretudo, no fim do acto II, com a  chegada do romeiro ao palácio dos Vimioso. Todo o acto decorre na antiga habitação de Madalena e ex-marido, D. João de Portugal, num cenário «melancólico» e austero, um «salão antigo», sem qualquer contacto com o exterior. O ambiente é escuro, pesado e triste, conduzindo inevitavelmente a família de Manuel de Sousa Coutinho a um final trágico.

Com o desaparecimento de D. João de Portugal na Batalha de  Alcácer Quibir, a 4 de agosto de 1578, vivia Madalena de Vilhena ainda a sua «juventude» (youth), como é aliás o título da música dos Daughter, casara com Manuel de Sousa Coutinho, homem por quem se apaixonara ainda em vida do ex-marido. Madalena vive, por isso, com um enorme sentimento de culpa que, associado aos terrores de que D. João de Portugal possa ainda estar vivo, não a deixam ser feliz. Podemos percebê-lo na reflexão sobre os versos de Camões («que o não saiba ele ao menos, que não suspeite o estado em que eu vivo...», «este medo, estes contínuos terrores que ainda me não deixaram gozar um só momento de toda a imensa felicidade que me dava o seu amor»). Como se adverte na canção («Estabeleceram-se sombras no lugar que» / (shadows settle on the place that), o seu primeiro marido «deixou» / (you left), que rodeiam Madalena de pressentimentos trágicos e receios aterradores, muitos deles alimentados por Telmo, a quem sempre devotou grande consideração («ficastes-me em lugar de pai»), pelos seus «agouros e profecias do costume», fazendo o mesmo, embora indirectamente, com Maria, explorando a sua fantasia e o seu espírito sonhador. Ambos (Telmo e Madalena) sofrem pela morte/desaparecimento de D. João de Portugal e «as suas mentes estão perturbadas pelo vazio» (our minds are troubled by the emptiness).

Focar-nos-emos agora no fim do acto II e na chegada do romeiro que vem, em todos os aspectos, piorar a situação de Madalena e tornar reais os seus medos. A acção decorre dia 4 de agosto, vinte e um anos depois de Alcácer Quibir, e após a partida de Manuel de Sousa Coutinho e de Maria para Lisboa. Madalena encontra-se, portanto, desamparada, completamente sozinha.

Quando o romeiro dá a entender que D. João de Portugal se encontra vivo («...dizei-lhe que um homem que muito bem lhe quis... está vivo...»), Madalena entra imediatamente em pânico («Meu Deus, meu Deus!», «Minha filha, minha filha, minha filha!...»). A mulher de Manuel de Sousa Coutinho «sente que perdeu tudo e que é apenas uma silhueta» (i've lost it all, i'm just a silouhette) e toda a família é lançada para a desgraça, bem como as personagens mais afectadas pelo regresso hipotético de D. João de Portugal, devido à possível ilegitimidade do seu casamento e da sua filha Maria. O alvoroço instala-se, tal como o medo e a vergonha do «pecado». Madalena é «um rosto sem vida» (A lifeless face) e «os seus sentimentos estão mortos e acabados» (our feelings, they are dead and they are gone), tal como os de Manuel de Sousa Coutinho e de toda a família. Madalena «tem os olhos húmidos pelas palavras que» (my eyes are damp from the words) D. João de Portugal/Romeiro «deixou» (you left).

Manuel de Sousa Coutinho e Madalena de Vilhena acabam por se refugiar em Deus e na religião, tornando mais acentuada a ideia de tragédia e consequente desfecho infeliz.

 

Rita M. [Bom (-)]



A canção escolhida — “Eu estou aqui/Eu sou aquele”, dos Anjos — relaciona-se com a obra numa situação específica, a de D. João de Portugal/Romeiro e D. Madalena. Esta canção também já foi usada como genérico na telenovela Vingança, o que é adequado pois, inicialmente, quando o Romeiro aparece, nutre este sentimento por Madalena.

Para D. João, o grande amor sempre foi Madalena e, apesar de nunca o ter amado e isso pertencer ao passado, como diz a música (“Sou o passado recordado de um amor, um grande amor”), ela tivera-lhe sempre “respeito, devoção, lealdade”. Mesmo depois de ter desaparecido na batalha, D. João continuou a estar presente para Madalena, que procurou por ele durante sete anos, adiando a sua felicidade com D. Manuel, e, mesmo passados esses sete anos, o antigo marido continuou a ser uma sombra na vida do casal. Telmo, entre outros indícios e histórias, era também uma lembrança viva para Madalena pois a relação estabelecida entre criado e amo era forte (“o filho que criaste”) e Telmo gostava de recordá-la, o que torna D. João “aquele que vive aceso no teu mundo”.

Com o aproximar da efeméride dos vinte e um anos após a morte de D. João e depois do incêndio no palácio de D. Manuel, toda a família e criados tiveram de se mudar para a única casa disponível, o palácio que pertenceu ao antigo marido de Madalena. Só passados vários dias é que ela deixou de estar constrangida por estar na casa onde já tinha vivido, como se algo a estivesse a assombrar (“Eu sou aquele que te persegue num sono profundo / Serei um sonho, um pesadelo”) e conseguiu descansar (“é a primeira noite que dorme com sossego”).

Já no palácio de D. João, a 4 de agosto de 1599, aparece um Romeiro que diz ter um recado importante para D. Madalena (“Eu estou aqui, aqui p'ra te dizer”). Este Romeiro é quem foi em tempos o marido de Madalena e, através da conversa que têm, sente-se nele um sentimento de raiva e vingança que podemos relacionar com os versos “Eu sou aquele que não esquece nem perdoa / Eu sou aquele que a tua ausência magoa”. Mas, ao falar com Telmo — que, ao princípio, não o reconhece (“Romeiro, quem és tu? / Ninguém, Telmo; ninguém se nem já tu me conheces!”) e o faz sentir esquecido (“Eu já fui tudo e agora não sou nada”) —, apercebe-se de como fora injusto e pede para Telmo negar a sua identidade. O aio acaba por não o fazer e a noite do regresso de D. João é uma noite desastrosa, “uma noite nunca apagada”, como muitos presságios indicavam. No fundo, a canção aplicar-se-ia mais aos sentimentos de D. João, que, relativamente a Madalena, achava “Que como eu ninguém te amou / Sou o final de uma história inacabada”.

 

Catarina [Muito Bom-/Bom+]



Tentei verdadeiramente encontrar uma música portuguesa onde Frei Luís de Sousa, a conhecida obra de Almeida Garrett, visse a sua intriga refletida. No entanto, deparei-me com o mesmo problema com que arrosto há tantos anos que se tornou um velho companheiro. Já alguma vez se dedicaram a traduzir uma música em inglês para português? Na maioria das vezes (muito provavelmente, devido à qualidade do que ouvimos), o resultado é uma letra pirosa, sem sentido ou, a bem dizer, estúpida. É por isso que os portugueses ouvem pouca da arte portuguesa, acho eu. De qualquer forma, como diz Manuela Azevedo, sobre o seu “Problema de Expressão”, “a língua inglesa fica sempre bem e nunca atraiçoa ninguém”. E foi assim que acabei a cair no mesmo erro de sempre de escolher música estrangeira, em detrimento da portuguesa. Optei por Adele e, cuja música Skyfall, lançada em 2012, está em clara sintonia com Frei Luís de Sousa, publicado em 1844.

This is the end. Hold your breath and count to ten (“É o fim. Retém a respiração e conta a até dez”), canta a voz profunda de Adele, em Skyfall, a banda sonora do último 007. É o momento em que o fim chega, em que tudo se desmorona na vida dos Sousa Coutinho, em que catorze anos construídos passo a passo, peça por peça, aos poucos, caem ao chão como um castelo de cartas com a chegada de “Ninguém”. Como um fantoche, um boneco de corda absolutamente impotente, Maria dança nas mãos do destino, que lhe destrói o coração uma vez com a perda do primeiro marido, a deixa recuperar alguma paz de espírito e a volta a lançar numa infernal dança de palavras e confissões. “As suas palavras trago-as escritas no coração com as lágrimas de sangue (…) que muitas vezes me caíram nestas mãos, que me correram por estas faces”, murmura o Romeiro, antes das palavras que se seguem, que lançarão a família Coutinho no abismo da desonra e vergonha.

I’ve drowned and dreamt this moment (“Já muito sonhei este momento”) escreveram Adele e Paul Epworth, como que adivinhando os presságios que as personagens da obra proferem à vez ao longo da trama até ao clímax da entrada em cena de D. João de Portugal, quando o céu lhes cai aos pés, arrastando consigo a desonra. Contudo, a solução é encontrada, não sem trazer mais tragédia à história: D. Manuel e D. Madalena voltam as costas ao mundo, decisão que envolve uma quantidade imensurável de sacrifícios — mas nada há a fazer. E é desta forma que se erguem ambos para enfrentar o destino: “let the sky fall when it crumbles… we will stand tal, face it all together(“Deixa que o céu se desmorone, quando treme… permaneceremos fortes, enfrentaremos tudo juntos.”) Tudo enfrentarão juntos, mesmo sendo o seu próprio mundo a cair, numa confusão de peças de dominó, apoiando-se na segurança, como diz Adele (“the security of you loving arms, keeping me from harm” [“a segurança dos teus braços de amor, protegendo-me da dor”]), e no amor um do outro.

“A todos parece que o coração lhes adivinha desgraça…”, reflecte Frei Jorge, assustado com o ambiente pesado no palácio de Almada e com a forma como a família se afoga em presságios e maus agoiros sobre o futuro. Aquela sexta-feira acaba por ser fatal. Como canta a voz rouca e de timbre único de Adele, o fim chega, o céu estremece e desaba sob as cabeças de toda a família. No fim, restam peças de coração, memórias e presságios, um anjo caído e mais um par de costas voltadas ao mundo. No fim, resta Ninguém, com uma vingança por concretizar. No fim, não resta nada, só bocados de céu espalhados pelo chão.

 

Gonçalo V. [Bom -]



Em Frei Luís de Sousa, obra para a qual se contenta “com o título modesto de drama”, Garrett vai apresentar um hino à paixão romântica avassaladora que procura superar todos os obstáculos para sobreviver.

D. Madalena tem por Manuel de Sousa Coutinho uma paixão profunda que a conduz tão irracionalmente que ela cometeu adultério no seu coração, assim que o conheceu, como podemos verificar na cena X do II ato: “Este amor, que hoje está santificado e bendito no céu, (...) começou com um crime, porque eu amei-o assim que o vi… e quando o vi, (…) D. João de Portugal ainda era vivo! (...) dentro da alma eu já não tinha outra imagem senão a do amante…”. Apesar disto, D. Madalena foi fiel ao seu primeiro marido, D. João de Portugal, até este ter desaparecido em Alcácer Quibir. Podemos imaginar que o seu estado de espírito, ainda antes de se poder casar com Manuel, se aproximasse do da letra da canção “Fico assim sem você”, de Adriana Calcanhoto: ”Avião sem asa, / Fogueira sem brasa, / Sou eu assim, sem você / futebol sem bola, / Piu-piu sem Frajola, / Sou eu assim, sem você… / Porque é que tem que ser assim? / Se o meu desejo não tem fim / Eu te quero a todo o instante...”.

Quis a sorte que D. João de Portugal desaparecesse na Batalha de Alcácer Quibir, e, depois de procurado sete anos, sem sucesso, todos, incluindo a própria família, se convencessem da sua morte e, assim, D. Madalena pôde casar com Manuel de Sousa Coutinho.

Mesmo após catorze anos de casamento, era muito difícil a D. Madalena estar afastada do seu segundo marido e, quando este se ausentava, ficava perdida e assustada, entrando em pânico sempre que ele se demorava (“tô louca pra ter ver chegar, / tô louca pra te ter nas mãos, / Deitar no teu abraço, / Retomar o pedaço, / que falta no meu coração…”, canta Adriana Calcanhoto). Essa inquietação é evidente na última fala de D. Madalena, na cena II do I ato,  quando pede a Telmo que vá perguntar a Frei Jorge a razão pela qual Manuel de Sousa ainda não regressara. A ausência do marido, os momentos de solidão, deixavam-na desesperada. Na cena V do II ato, a primeira fala de D. Madalena mostra bem isso e ficamos a saber que todo o “seu mal era susto”, era “terror de o perder”, o que lembra imediatamente as palavras de Adriana Calcanhoto: “Eu não existo longe de você, / a solidão é o meu pior castigo…”. Esta paixão intensa por Manuel de Sousa Coutinho não a tivera D. Madalena nunca por D. João de Portugal, como diz Telmo, também na cena II do I ato, quando a acusa de ter tido ao pobre do seu primeiro amo apenas “respeito, devoção, lealdade”, mas nunca “amor”.

“Por que é que tem de ser assim?”, pergunta a canção de Adriana Calcanhoto. Para D. Madalena não foi assim, foi pior, porque ela esqueceu-se de que o seu primeiro marido podia não estar morto, como realmente não estava, e a Fortuna de que falavam os versos de Camões, que ela lia no início da peça, veio a castigá-la com a mais terrível solidão, que ela teve de viver, longe de Manuel de Sousa Coutinho numa cela de um convento.

 

Núria [Bom (-)]









“Encontros e Despedidas” sugere-nos um espaço de chegadas e partidas, um lugar, como uma estação ou um aeroporto, onde se criam emoções e onde se dá espaço à tragédia. Podemos também verificá-lo na obra Frei Luís de Sousa onde, principalmente na personagem Madalena, a maioria das emoções ou acções é provocada pelas partidas e chegadas das outras personagens.

Na obra, a personagem Madalena retrata muito o sofrimento da partida de alguém que nos é querido. “A plataforma dessa estação / é a vida”, neste caso, a vida de Madalena. Vemos o que sofre com a mudança de casa, com a partida do marido, com a partida da filha ou com a chegada do ex-marido: “A vida se repete na estação”, esta estação onde “Tem gente a sorrir e a chorar”.

“A hora do encontro / é também de despedida”, quando D. João de Portugal volta e diz que está vivo (“O trem que chega”). “Minha filha, minha filha, minha filha!”: Madalena percebe que a filha é ilegítima e que está perdida. A sua filha nunca terá a vida com que sonha (“trem da partida”): “estou... estás... perdidas, desonradas... infames!”.

Maria Rita lembra ainda os quereres de quem viaja, de quem realmente parte ou volta. “Tem gente que chega para ficar”, como sucede com Manuel de Sousa. Num sentido não tão literal, a verdade é que, mesmo casada com D. João de Portugal, Madalena e Manuel de Sousa já estavam apaixonados e, a partir desse momento, Manuel de Sousa ficou, ficou independentemente do que era ou não D. João de Portugal para Madalena. Por outro lado, “Tem gente que vai e quer ficar”. D. João de Portugal parte e é dado como morto, mas sempre quis regressar para a sua mulher, voltar à sua casa, voltar para o seu aio Telmo. Este querer é evidenciado no seu regresso: “dizei-lhe que um homem que muito bem lhe quis... aqui está vivo...”.

Por fim, Telmo, a personagem que tentou sempre manter-se fiel ao primeiro amo, D. João de Portugal, e que não cria na sua morte. Um aio, que sempre amou D. João de Portugal como um filho (“Meu filho!... Oh! é o meu filho todo; a voz, o rosto...”) e não queria senão notícias desse seu tão amado filho que para si nunca morrera (“Mande notícias do mundo de lá / diz quem fica”).

 

Inês B. [Bom-/Bom(-)]








A música que escolhi para o comentário a esta peça, foi “You found me”, de um grupo musical chamado The Fray. A letra tem muitas analogias com Frei Luís de Sousa, como, por exemplo, nos versos “All my days were spent by the telefone / that never rang / And all I needed was a cal / That never came” (todos os meus dias foram passados perto de telemóvel / que nunca tocou / e a única coisa que eu precisava era um telefonema / que nunca chegou), que consegue mostrar-nos um pouco o sentimento de angústia de D. Madalena de Vilhena, enquanto temia que D. João de Portugal, o primeiro marido, regressasse da batalha. É claro que, no caso de Madalena, não esperava por um telefonema mas por uma carta ou por mensageiro que lhe entregasse notícias do marido. Na peça, acompanhamos esta espera de Madalena pois até mesmo depois de lhe ser comunicado que o seu marido havia morrido na batalha, ela continuou a esperar e a procurar por D. João, ainda que sem sucesso. Também a música nos recorda deste episódio com os versos “And I've been calling for years / And years, and years, and years” (e eu fui ligando [neste sentido significa ‘tentar saber, procurar’] durante anos, e anos, e anos, e anos). No caso de Madalena, a dolorosa espera durara sete longos anos.

Passados sete anos, D. Madalena de Vilhena decide casar novamente, sendo o novo marido o fidalgo honrado D. Manuel de Sousa Coutinho, com quem um ano mais tarde teria uma filha, D. Maria. Telmo, o aio da família, apesar de estimar muito Madalena, faz questão de manter viva a memória do seu primeiro amo, D. João de Portugal, atormentando assim Madalena, cujos pensamentos são perfeitamente descritos nos versos seguintes: “Where were you / When everything was falling apart” (onde estás tu [que, no caso de Madalena, se refere a D. Manuel] quando tudo está a correr mal). Quando Manuel de Sousa Coutinho, chega a casa, acaba por incendiá-la para evitar que ai se instalem os governantes espanhóis, informa Madalena de que terão de se mudar para a sua primeira casa, em que ela vivera com D. João. Madalena, já um tanto atormentada com os agoiros de Telmo, resolve contar ao marido os seus sentimentos de angústia e terror sobre D. João. Nos próximos versos conseguiremos ver representado o estado de espirito de Madalena durante esta confissão ao marido: “Lost and insecure / you found me, you found me” (perdida e insegura / tu encontraste-me, tu encontraste-me). No entanto, Madalena não consegue convencer o marido e a família e acaba mesmo por se mudar para o palácio de D. João.

Acontece que, um dia em que Madalena estava com Frei Jorge, irmão de D. Manuel, aparece-lhes um romeiro, dizendo que D. João de Portugal estava vivo. Madalena começa a chorar e fica completamente desorientada, o que nos leva a pensar ironicamente “just a little late / you found me”(só um pouco tarde, tu encontraste-me), como diz a letra.

Devo ainda referir a confusão sentimental e emocional de D. Manuel de Sousa Coutinho, ao descobrir que a sua união com Madalena não era reconhecível e que a filha seria considerada ilegítima. Todos estes sentimentos estão claramente evidenciados nos versos “But in the end / Everyone ends up alone / Losing her / No way to know / How long she will be next to me” (mas no final / todos terminam sozinhos / perdendo-a / não existe maneira / de saber quanto tempo ela estará a meu lado).

 

Alexandre A. [Suficiente/Suficiente(+)]



Esta canção de António Zambujo — «Noite Apressada» — faz-me recordar do decorrer da acção entre a cena IX do acto primeiro e a cena I do acto segundo de Frei Luís de Sousa. O título, «Noite apressada», é deveras apropriado à noite em que Sousa Coutinho chega, alvoraçado, de Lisboa, alertando a sua família e comitiva de que terão de abandonar a casa em que residem.

Na didascália da primeira fala de Manuel, é referido que “passeia agitado”, o que realmente descreve o ambiente daquela noite, de inquietação.

Manuel sugere a Madalena que se mudem para a sua antiga casa, aquela que partilhou com o seu primeiro marido, D. João de Portugal, mas a Madalena esta ideia não agrada, há uma “descrença total”. Madalena pede desculpa a Manuel, argumentando que não lhe sai da cabeça a deia de encontrar a sombra de D. João na sua antiga casa (“alma dobrada dentro do seu pensamento”).

Entre o palácio de D. João, com uma decoração bastante ? e, no acto III, simples, podemos ver uma semelhança com uma igreja (“era uma igreja”) .

Logo após haver certezas de que os governadores tinham desembarcado e que se dirigiam para a casa de Manuel Sousa Coutinho, este ordena aos criados, com os brandões acesos em punho, que os usem como lhes tinha ordenado, sem cessar. Havia então começado a destruição da casa, era “imensa a casa perdida”, “imensa a linha de vida no seu desenho mortal, imensa na despedida, a certeza do final”. Aqui é-nos possível relacionar o desenho mortal e a certeza do final, com a destruição pelo fogo, involuntária, do retrato de Manuel Sousa Coutinho.

Chegam então ao palácio em Almada, onde se encontrava um salão melancólico e com ar pesado, com grandes retratos de família. Um deles era de D. João, e estava especialmente incidido pela luz de um brandão aceso: era como uma “luz proibida dentro da catedral”.

 

Gonçalo C. [Suficiente (-)]







“Eu já esqueci teu adeus” aplica-se um pouco a Madalena que, sete anos depois de D. João de Portugal ter ido para a batalha de Alcácer Quibir, e depois também da sua suposta morte, casara-se com Manuel de Sousa Coutinho, fidalgo que já amava antes da suposta morte do seu antigo marido.

“Desde que te perdi, parte de ti / Do peito consegui tirar”. A Madalena, perder o marido, custara mas, com o passar dos anos, deixou de acreditar que ele ainda estivesse vivo e casou-se com o homem por quem se tinha apaixonado à primeira vista, mesmo antes de D. João de Portugal ter morrido.

“Não vou esquecer” aplica-se mais a Telmo, que gostava imenso de D. João de Portugal, de quem fora aio, e que lhe era como se fosse da família. Telmo, mesmo perante todas as evidências de que seu amo teria morrido em Alcácer Quibir, continuou a defender que D. João de Portugal ainda estaria vivo, pois dizia que seu senhor era um homem valente, corajoso, bom manuseador de espada, um bom homem de família, e era impossível um homem desses ter morrido naquela batalha. Telmo, apesar de tudo isto, entra em contradição consigo mesmo, já que, na parte final da história, não reconhece João à primeira: pergunta ao romeiro, D. João de Portugal, quem era, só então respondendo o romeiro que não era ninguém se já nem Telmo o reconhecia.

“Teu nome teu olhar/Vou apagar p’ra sempre do fundo de mim”. Madalena após a sua mudança de casa, com toda a sua família, para a sua antiga casa, também pertencente a D. João de Portugal, vai até um salão e vê um quadro de D. João na parede e, ao vê-lo, assusta-se e foge com sua filha, Maria, que se encontrava com ela, e vai um pouco contra o que dissera (que teria esquecido o ex-marido, que este era passado). Nota-se que, afinal, D. João de Portugal ainda está bem presente na cabeça de Madalena. Por mais que Madalena tente esquecer o antigo marido, não o conseguirá pois, como se notou, ele continua bem presente na sua memória.

 

F. Hipólito [Bom/Bom (-)]



O título da canção da banda Amor Electro, «Onde tu me quiseres», poderia reportar-se a uma cena muito particular protagonizada por Manuel de Sousa e Madalena de Vilhena.

«Pois sairemos, sim; eu nunca me opus ao teu querer, nunca soube que coisa era ter outra vontade diferente da tua; estou pronta a obedecer-te sempre, cegamente, em tudo» é uma frase que Madalena profere antes de deflagrar o incêndio da sua casa, podendo ser contraposta ao refrão da canção: «Eu vou, eu estou, onde tu me quiseres, eu vou, eu estou, onde tu me quiseres, porque no amor nunca é demais amar». Madalena revela o grande amor que tem por Manuel de Sousa, segue-o incondicionalmente, fazendo da vontade de seu esposo a sua, um pouco à semelhança do sujeito poético da música, que encaixa relativamente bem neste excerto da peça de Almeida Garrett.

«Sem rumo, sem norte, com o amor que Deus me deu» pode ser aplicado ao mesmo contexto, apesar de, à primeira vista, não ser manifesta essa relação. Madalena, apesar de saber que a sua próxima habitação será aquela casa maldita onde já fora feliz não deseja lá voltar («Mas tu não sabes a violência, o constrangimento de alma, o terror com que eu penso em ter de entrar naquela casa»). Esta citação mostra o descontentamento de Madalena em regressar a casa de D. João de Portugal, pois sente que, naquele lugar, perderá o norte, irá viver com medo, apenas com o amor que Deus lhe deu, e isso deixá-la-á perdida.

Dir-se-ia que a canção foi baseada em Frei Luís de Sousa, nomeadamente na passagem em que ocorre o abandono por parte da família de Madalena e Manuel, sendo a parte de Madalena a mais enfatizada, parecendo que a mãe de Maria se transforma em Mariza Liz, vocalista da banda, e canta esta canção.

Apesar do refrão parecer cantado por Madalena, também se pode aplicar a outra personagem, mas num outro contexto e em outra situação, a de Telmo em relação a Maria. Apesar de menos relacionada com a canção, faz sentido esta relação, porque o amor de Telmo por Maria é de grandes proporções e, apesar de o aio anteriormente ter dedicado a sua vida a D. João de Portugal e jurado fidelidade incondicional, já não é isso que sucede agora , pois Maria é a quem o fiel escudeiro da família de Madalena dá a sua vida: «eu agora tremo… É que o amor destoutra filha, desta última filha, é maior, e venceu… venceu…apagou o outro…».

 

Beatriz [Suficiente]



Após a chegada do Romeiro a Lisboa, o pânico vai-se instalando aos poucos no palácio de D. João de Portugal. Ao princípio, todos desconhecem a sua identidade, tomando-o como um simples mensageiro, mas, após as novas serem transmitidas, Frei Jorge e, depois, Telmo descobrem o homem que está por detrás daqueles trajes e barbas.

O Romeiro confessa que D. João de Portugal derramou lágrimas, lágrimas essas que eram de sangue, devidas ao facto de este não poder estar ao pé de Madalena; que jurou a pés juntos que um dia iria voltar, não fazendo a sua amada esposa sofrer mais (“Love is a four letter word, And never spoken here. Love is a four letter word, Here in this prison”).

Telmo não esconde a alegria que sente em rever o seu verdadeiro amo, após a sua pressuposta morte baseada em meras especulações, mas, apesar de este ser um dos seus grandes desejos, o aio não esconde o terror que sente relativamente ao facto de D. João de Portugal, com a sua vinda, poder vir manchar a vida de Maria de Noronha, tal como a dos restantes habitantes do seu palácio.

O romeiro, ao longo do seu diálogo com Telmo, vai-se apercebendo de que algo não está bem e insiste com o aio para que este lhe conte o que sucedera na sua ausência. Telmo, não hesitando mais, diz-lhe que Madalena de Vilhena estava agora casada com Manuel de Sousa Coutinho, com quem, como fruto do seu amor, concebera uma filha, Maria, por quem Telmo sentia grande ternura.

Estas novas suscitaram em D. João vários sentimentos. Apesar de sabermos que o Romeiro apenas tivera a intenção de honrar a sua esposa, este poderia ter desenvolvido um sentimento de raiva, e, porventura vingar-se, sendo este um comportamento normal, tendo em conta que fora traído por todos.

Deste modo, a música “The Day That Never Comes”, dos Metallica, poderá descrever, por isso, o sentimento que foi despertado em D. João, ao saber das traições de Madalena.

De facto, D. João esperou anos para se libertar do exílio (“Waiting for the one, The day that never comes”), acreditando que sairia dali vivo, voltando para os braços de sua esposa, não a deixando sofrer mais. E assim foi, a promessa feita para com Deus foi comprida, mas o resultado final, não, e, por isso, o verdadeiro dono do palácio não se deixou ficar (“I'll put an end to this, I swear. This, I swear”).

 

Miguel B. [Suficiente {reporto-me, porém, a esta segunda versão, já que o primeiro esboço apresentado não chegava às cem palavras}]



Esta canção — «Novo dia», do grupo brasileiro Ponto de Equilíbrio — poderia mostrar a Madalena e a Manuel como ver esta tragédia toda de outro ponto de vista, um positivo, em que o facto de uma pessoa estar viva é uma coisa boa. Diz-lhes que, livres do pensamento da igreja da época, poderiam pensar por eles mesmos, tirar as suas próprias conclusões e decisões, em vez de, simplesmente, desistirem da vida secular num momento de crise, em que ninguém sabia o que pensar nem o que fazer. Quanto a mim, a decisão da Manuel e Madalena foi demasiado precipitada, pelo menos a de Manuel (já que Madalena foi convencida por outros, foi influenciada). Se falassem sobre os prós e os contras do que eventualmente decidiram, veriam que esquecer os seus erros negligentes, a sua filha e os seus amigos não seria a melhor solução, diria até que nunca  o seria. Se Manuel pensasse que o amor de Madalena por D. João pertencera ao passado (apesar de o ter dito algures na peça), veria que a decisão de dissolver a família era, no mínimo, escusada.

Maria, pobre coitada, teve de “pagar” pelos erros (azar) dos outros. Não foi justo com elas o destino, visto que era uma rapariga inocente, sem ligação aos pecados dos outros, apesar de ser mais uma prova, um testemunho, do erro de Madalena e Manuel. Mais uma “contra-razão” para as ações do casal: não é pelas “provas” de um “crime” desaparecerem que o crime também desaparece — pelo contrário, assim só se acumulam crimes (ficaram com o sangue de Maria nas mãos).

Esta imbróglio todo poderia evoluir de tragédia até “conto de fadas” com uma simples alteração mencionada na letra: “vamos nos redimir”, dirigido aos senhores que avançaram com as tropas de D. João para a morte ou, no seu caso, para o cativeiro. Deixava de haver estas confusões todas que resultaram no sofrimento que vimos, deixando também de existir Maria (mais vale viver e morrer cedo do que não chegar a viver de todo).

Resumindo e concluindo: esta tragédia poderia ter sido evitada, de todo ou parcialmente, mas, nesse caso, nós não teríamos nada de interessante para ler, nem para nos fazer dar valor ao que temos hoje, que pode ser o que perderemos amanhã.

 

Joana [está bem mas foi demasiado ajudado]






Escolhi esta música da banda Moonspell — «Em nome do medo» —, porque molda exemplarmente o destino trágico da família Sousa Coutinho. O medo foi, sem qualquer dúvida o ingrediente fulcral que atravessou os últimos oito dias daquela família em Frei Luís de Sousa. De facto, D. Madalena vivia aterrorizada com a possibilidade do regresso de D. João de Portugal. Em nome do medo, D. Madalena vive o seu inferno pessoal, atormentada constantemente pela previsão da desgraça e da ruína que desabaria sobre a sua família, caso os agouros e os sonhos se materializassem.

D. Madalena desafiou o destino e os Deuses quando casou com Manuel Sousa Coutinho, sem saber se o seu marido estava realmente morto. Tal como diz o verso da música, foi severamente punida, porque sofreu a “ira dos Deuses”. Viveu uma vida cruel e uma tormenta sem fim pela escolha que fez.

“O céu que nos esmaga na ausência de ti” define toda a obra e a natureza frágil da existência da família Sousa Coutinho. D. Madalena vive com uma consciência que não está apaziguada. O seu coração sofre pelo amor da filha e do marido, porque, pelo pecado que cometeu, o céu pode esmagar a vida de inocentes. É a ausência de D. João de Portugal que preenche todo o imaginário de D. Madalena. Alias, a figura espectral do D. João constrói um quadro adequadamente sombrio e sinistro que reflecte a aura de D. Madalena. D. João de Portugal é senhor do tempo de D. Madalena porque, para si, só ele pode desonrar “o sangue de seu sangue”.

“Comemos os frutos de tão triste jardim”. Considero lindíssima esta associação poética da tristeza e do jardim. Ao jardim, é associada a ideia de vida, de beleza, de dom divino. Mas D. Madalena comeu o fruto proibido. O amor puro e sincero por Manuel Sousa Coutinho gerou O fruto, Maria. O jardim, ameno e pleno de vida, tornou-se um lugar onde a sombra obscura paira e, ameaçadoramente, vigia os passos do destino de D. Madalena.

“Faltou-nos o tempo, chegamos ao fim”: tal como escreveu Camões, o amor longo que moldou aquela família era demasiado para tão curta que é a vida. Àquela família faltou o tempo para viver plenamente aquele sentimento. A chegada do romeiro trouxe o fim daquele amor e o seu tempo chegou ao fim.

“Mas nem o vento por terra me deita / E nem o fogo por dentro me queima” reflecte na perfeição o espírito guerreiro de Maria. No momento em que os seus pais estão prestes a tomar hábito, aquela menina, que estava disposta a pegar em armas e a lutar, ao lado do seu patriótico pai, contra os espanhóis, trava agora a batalha pela sua sobrevivência e pela da família. Maria não vai desistir, e nada a vai demover da convicção de que juntamente com  a sua bem-amada família pode lutar contra a maldade do mundo. Nada a derruba e nada a queima, porque o amor que sente pelos seus pais tudo pode vencer.

Foi em nome do medo que a família de Manuel Sousa Coutinho morreu. O sofrimento atroz vivido e sentido por todos é resultado da imposição moral. Foi em nome do medo, das convenções sociais, da hipocrisia e do cinismo que se ceifou a felicidade. O medo de que Maria fosse humilhada, enxovalhada socialmente, conduz ao derradeiro sacrifício. O medo de que Maria fosse considerada uma bastarda e desonrada publicamente alimenta o terror de uma mãe e resulta no padecimento excruciante de um pai. Que medo é esse que leva a abdicar de uma filha?

 

Raquel [Bom -, mas, parece-me, um pouco ajudado por adulto]





O paralelismo que se pode encontrar entre o poema desta música dos Oficina G3, uma banda brasileira, e a história que nos é relatada no Frei Luís de Sousa é, quanto a mim, o sentimento comum de tragédia e dor.

Drama escrito em 1843 por Almeida Garrett, o Frei Luís de Sousa relata-nos a história de uma família nobre e a tragédia que se abate sobre ela pelo regresso do marido que todos julgavam morto na Batalha de Alcácer Quibir. Tendo casado novamente, julgando-se viúva, D. Madalena acaba por ter uma filha. Esta situação, na época em que se dá, é extremamente grave, originando um sofrimento enorme a todos os protagonistas da história. A história tem ainda como tema a resistência do povo português ao domínio dos reis espanhóis, durante a dinastia Filipina (“quebradas foram as alianças / Por muitos que se diziam irmãos; “quem perderá um povo escolhido, um povo ferido”).

Maria e o criado Telmo são as figuras que acreditam e, ao mesmo tempo, têm medo de qualquer coisa de que não têm completa consciência do que seja: criam o ambiente místico da história. D. Madalena de Vilhena casa com Manuel de Sousa Coutinho, patriota que combate clandestinamente os usurpadores do trono. D. João de Portugal é o real marido de D. Madalena.

Assim, em ambos os textos, a guerra — real, num deles; em sentido figurado, no outro (“Vejo ruínas de uma guerra, mas uma guerra por nossas mãos, desencadeia a morte») — leva à morte. No texto de Frei Luís de Sousa, leva à morte de Maria; no poema da música, à morte do amor. Em ambos, as “feridas fazem sangrar a alma”; em ambos, se “matou o amor que um dia nos fez um”. Foi quebrada a aliança entre Madalena e Manuel e, com essa quebra, Maria ficou desligada da sociedade, pois, nesse tempo, um filho nascido fora de um casamento era visto de uma forma muito negativa.  

Ambos os textos realçam um sentido romântico da vida, em que a tragédia se abate sobre quem ama, ambas as histórias acabam de forma infeliz para todos os personagens, muitos estragos se dando e não havendo ninguém que ganhe. É que ”ninguém ganha uma guerra perdida”.

 

Nádia [Suficiente -/Insuficiente+]




A música que escolhi para a relacionar com o texto de Frei Luís de Sousa é do cantor Duarte Rosado, “Leva-me contigo”.

No primeiro momento, D. Madalena deixa transparecer o seu lado mais emotivo mostrando-se infeliz (“que este não suspeite o estado em que eu vivo este medo”), ligando-se assim aos sentimentos transmitidos pela música (“olho para tudo e tudo me faz chorar”). De tal forma D. Madalena se sente incerta do regresso de D. João de Portugal (“não sei que doloroso prazer em ter sempre viva e suspensa essa dúvida fatal”), que essa atitude é relacionável com a letra da canção (“sei que estás confusa e isso é normal”).

“Acabaram-se as palavras que saíam de ti, estivesses onde estavas eu sentia-te em mim”: D. Madalena concluiu que D. João tinha morrido na batalha de Alcácer Quibir, casando-se, após sete anos, com Manuel de Sousa Coutinho (“a que se apega esta vossa casualidade e de sete… e hoje mais catorze… vinte e um anos?”).

É no palácio de Almada que Maria fica intrigada por desconhecer o dono da casa (“dava todo o clarão de luz naquele retrato… Minha mãe (…) põe de repente os olhos nele e dá um grito (…) Pergunto-te o que é e não me respondeu…”). Os versos “estás em todo o lado nas paredes e no mar” podem associar-se aos quadros colocados nas paredes e às embarcações onde D. João partira.

Telmo, ao descobrir a verdadeira entidade do Romeiro, sentiu-se indignado por não poder partilhar essa informação com os restantes (“e eu hei de mentir, senhor, eu hei de renegar de vós como um vilão que não sou?”). Na música há a coincidência de o sujeito poético ter contado os sentimentos do Romeiro perante a situação descrita: “Não suporto ver-te assim sentes-te culpada, põe a culpa em mim acho que foste pressionado”.

Finalizando, tanto o texto dramático como a letra da música apresentam um carácter angustiado e trágico.

 


Maria Inês [Suficiente]



«Ouvi dizer» é mais uma música sobre o cliché do amor, que Manel Cruz escreveu e canta, proporcionando-nos, mais uma vez, uma viagem à sua voz e pensamentos densos, roucos e profundos, que nesta música também evidenciam um sentimento de culpa e de querer voltar atrás no tempo, o qual é igualmente sentido por todas as personagens quando se encontram com os seus destinos tragicamente alterados no final da obra de Almeida Garrett.

Poderíamos ouvir tanto Madalena como D. João de Portugal ou Manuel de Sousa a dizer «ouvi dizer que o nosso amor acabou», pois estes dois amores acabam no fim da peça: D. Madalena já não amava D. João de Portugal e D. Manuel, ao perceber que tinha vivido durante catorze anos um casamento ilegítimo, também decide acabar com o amor dos dois («a nossa união, o nosso amor é impossível»).

D. João, quando decidiu voltar, ainda tinha esperança no amor de D. Madalena por ele («que encanto, que sedução! Como hei de resistir!?») e não imaginava que catástrofes poderia originar na nova família da sua ex-mulher nem teve a noção de que o amor deles os dois já tinha acabado há muito («Pois eu não tive a noção do seu fim!»). Tentou, passados vinte e um anos da sua suposta morte, voltar à sua amada («Pelo que eu já tentei, passou todos estes anos»), mas só ele acreditava, D. Madalena tinha acreditado na sua morte, apesar de ainda sentir um terrível medo do seu espírito e, quando o pobre Romeiro se apercebe disto («na hora em que ela acreditou na minha morte»), nota que só ele quisera reatar o amor deles («Tudo foi para ti uma estúpida canção que só eu ouvi!»).

O Romeiro, quando descobre que a sua vinda só trouxe desgraças e infelicidade à família Vilhena-Coutinho, fica extremamente arrependido de ter voltado e até chega a pedir a Telmo que minta à família, não revelando a sua verdadeira identidade e, por isso, «pudesse ele ter pagado doutra forma» do que ter pagado com a «raiva» e ambiente trágico que trouxe à peça. Também D. Madalena sente que poderia ter pagado de outra forma (ao ter ignorado a existência de D. João) do que com o fim do seu casamento.

Toda a família, no início da peça, tem planos para o futuro («E eu tinha tantos planos pra depois!»), impulsionados também pelas ambições e curiosidade de Maria. Estão a viver numa nova casa e D. Manuel pretende opor-se aos governantes que invadiram a sua casa (agora incendiada) mas, ao longo da peça, podemos observar, seja pelos agoiros de Telmo ou pelos comentários de Jorge ou Maria, que o mundo em que pacificamente vivem vai ter uma rutura irremediável no final («Ouvi dizer que o mundo acaba amanhã»).

Durante a peça encontramos símbolos que insinuam a chegada de uma tragédia, como o quadro de D. João na antiga casa, o quadro incendiado de D. Manuel, o próprio cenário, deserto e austero, do terceiro ato. Por isso, é como se o nome de D. João ou o nome da desgraça estivessem escritos em todo o lado («A cidade está deserta, e alguém escreveu o teu nome em toda a parte: nas casas, nos carros, nas pontes, nas ruas»).

No fim, os vários amores entre as várias personagens da peça acabam por ser a origem da fatalidade: quando D. Madalena casou D. Manuel ou teve a sua filha, pensava que esses novos amores iriam curar o desgosto por D. João de Portugal («Quando nele julgamos ver a nossa cura!»). Mas, no final, o amor acaba por ser o vilão da história  («Pra nos lembrar que o amor é uma doença»).

Este ano também os Ornatos Violeta vivenciaram uma tragédia, quando esta banda fez o seu último concerto em Lisboa.

 


Gonçalo N. [Suficiente -/Insuficente+]


A canção por mim escolhida é “Encosta-te a mim”, de Jorge Palma. Para mim, esta música é a que mais lembra o enredo de Frei Luís de Sousa, se pensarmos que é D. João de Portugal a cantar para Madalena. A parte que me parece clara é «Chegado da guerra, fiz tudo p´ra sobreviver em nome da terra, no fundo p´ra te merecer. Recebe-me bem.”

Esta parte lembra que D. João de Portugal esteve na guerra (“Chegado da guerra”) e que fez tudo quanto podia para voltar para Madalena (“Fiz tudo p´ra sobreviver em nome da terra, no fundo p´ra te merecer. Recebe-me bem”).

A próxima parte em que vejo clara parecença com o enredo é “Eu venho do nada, porque arrasei o que não quis, em nome da estrada, onde só quero ser feliz. Enrosca-te a mim, vai desarmar a flor queimada, vai beijar o homem-bomba. Quero adormecer.”. Esta última parte faz lembrar que, quando D. João de Portugal voltou (“Eu venho do nada (…) em nome da estrada”), só queria voltar para os braços de Madalena (“Só quero ser feliz”), mas, sentindo-se culpado, quis apenas fingir que nada tinha acontecido e queria deixar Madalena e Manuel serem felizes (“Vai beijar o homem-bomba, quero adormecer”).

 

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