Sunday, September 16, 2012

Garrett & Canção 3


Gi [Bom/Bom(-) {tal como as notas seguintes, esta apreciação diz respeito sobretudo à primeira versão do texto, embora tenha tentado também vigiar a revisão havida}]



Sem conhecer as nossas personagens ou a nossa história, Imagine Dragons faz, com a sua canção «Demons», uma subtil representação dos sentimentos mais profundos por que passam os heróis de Frei Luís de Sousa. Integrada no álbum Night Visions (2012), esta canção é, como o título já anuncia, sobre demónios que vivem dentro de todos nós e que tentam consumir a nossa verdade e a nossa alma.

«I want to hide the truth / I want to shelter you // Eu quero esconder a verdade / Eu quero proteger-te» é um desejo partilhado por Madalena e Manuel de Sousa Coutinho quanto à sua filha, embora, em termos quantitativos, se possa dizer que é Madalena que o sente com mais ardor. Vemos isto com facilidade cada vez que Madalena tenta proteger a filha de pensar de mais ou de estudar coisas que, de acordo com a mãe, não são próprias para a sua idade («Minha querida Maria, que tu hás-de estar sempre a imaginar nessas coisas que são tão pouco para a tua idade!»).

Madalena também tenta impedir que Maria saiba sobre D. João de Portugal, o primeiro marido. Isto torna-se impossível quando, após o incêndio, toda a família Coutinho se muda para a antiga casa de D. João de Portugal, decorada com inúmeros retratos, incluindo um, do próprio D. João, que desperta a curiosidade de Maria. Manuel, que não partilha o medo de Madalena, acaba por contar a Maria quem era o retratado pois ele, como se afirma no dístico «Don’t want to let you down / Don’t want to hide the truth // Não te quero desapontar / Não quero esconder a verdade», não lhe quer mentir. Mesmo assim, não lhe revela que João era o antigo marido de Madalena, algo que Maria, sendo tão esperta, talvez até já saiba.

A D. João, que tão pouco pensa querer mas que tanto o seu coração deseja, talvez se apropriem as linhas «So they dug your grave / And the masquerade / Will come calling out / At the mess you made // Então eles cavaram a tua sepultura / E os mascarados / Vão queixar-se / Da confusão que criaste». O súbito reaparecimento do antigo marido de Madalena não é nem bem aceite, nem desejado pela família de Manuel, que vê toda a calma e paz das suas futuras vidas desaparecer quando o velho fidalgo volta com o poder de destruir o estatuto da família e, mais importante para Manuel e Madalena, o estatuto de Maria («milha filha!... Estou… estás… perdidas, desonradas… infames!»).

No fim da peça, a morte de Maria é um acontecimento trágico, que nunca poderia ter sido evitado dada a natureza da doença que afligia Maria. Mesmo assim, os corações das personagens de Frei Luís de Sousa sofrem com a sua morte, e acredito que todos eles, de Madalena a Telmo, acreditem que o seu destino poderia ter sido evitado se algo diferente tivesse sido feito e se culpem pela morte da jovem: «No matter what we breed / We still are made of greed / This is my kingdom come // Não importa o que produzimos / Nós ainda somos feitos de ganância // Este é o nosso destino».

 

Ana Marta [Bom/Bom (-)]



As perguntas feitas no refrão da canção de Pedro Abrunhosa «Quem me leva os meus fantasmas?», bem como alguns versos da mesma, retratam bem algumas personagens do Frei Luís de Sousa, especialmente Madalena.

Madalena, quando recebe a notícia de que, juntamente com o resto da família e criados, teria de abandonar a casa em que vivia — que estava prestes a ser incendiada — e que iria viver para o palácio em que vivera com o primeiro marido, D. João, fica aterrorizada («para aquela casa não, não me leves para aquela casa!»). O verso «Quem me leva os meus fantasmas?» adequar-se-ia à situação, não como uma pergunta colocada por Madalena com o intuito de saber quem a iria ajudar a esquecer os seus medos, mas como uma espécie de pedido a Deus para os esquecer. No fundo, Madalena desejava esquecer o que D. João de Portugal escrevera na carta que lhe deixara antes de partir para a Batalha de Alcácer-Quibir («vivo ou morto, Madalena, hei de ver-vos pelo menos ainda uma vez no mundo»).

Ao mudar-se para a casa em que vivera com o primeiro marido, os seus receios tornar-se-iam mais intensos («vou achar ali a sombra despeitosa de D. João, que me está ameaçando com uma espada de dois gumes… que a atravessa no meio de nós e (…) que nos vai separar para sempre»). Madalena sente que algo de terrível acontecerá no seio da sua família (e aqui outro verso da canção de Pedro Abrunhosa seria aplicável: «Quem me salva desta espada?», embora a palavra «espada» seja utilizada no sentido conotativo, a palavra mais acertada seria mesmo «destino», visto que Madalena pedia a Deus para a salvar a ela, a Manuel de Sousa e a Maria do terrível destino que se avizinhava).

A atitude de Manuel de Sousa perante os medos e “fantasmas” da mulher, antes de mudar de casa, é espelhada pelos versos «E alguém me gritava / Com voz de profeta / Que o caminho se faz / Entre o alvo e a seta» pois o marido tenta mostrar-lhe que não há motivos para ela cismar em agouros («não há espetros que nos possam aparecer senão os das más ações que fazemos»), tendo uma posição quase moralista. “Que o caminho se faz  entre o alvo e a seta” é um verso que espelha a opinião de Manuel de Sousa segundo a qual Madalena não deve recear pelo regresso de D. João mas enfrentar o problema. Manuel de Sousa tem uma posição cética em relação aos receios da mulher, mas será que se manterá incrédulo até ao final? Quando aparecer o Romeiro (D.João), dará razão a Madalena?

 

Pedro R. [Bom+/Muito Bom-]



Destacando em grande parte o contexto dramático e triste que se sente na peça de Almeida Garret, parece-me que estes Beatles, nunca tendo decerto vislumbrado Frei Luís de Sousa, conseguiram evidenciar nesta música, por antinomia, todas as características da obra garretiana.

“Here Comes The Sun”(“Lá vem o Sol”) conta a história da felicidade após a tristeza, do Verão a seguir ao Inverno, contrastando evidentemente com Frei Luís de Sousa, onde, tomando por vezes uma perspectiva um pouco cruel, nenhuma personagem parece ter vontade que o “long cold lonely winter” (“longo inverno frio e sozinho”) acabe, que D. João de Portugal regresse. Madalena, por outro lado, sabendo a saúde do seu primeiro marido, “foge espavorida e neste gritar”.

Estabelece-se todo um cenário sombrio, não só pelas personagens como pelas diáclases, que se vai adensando pelo conteúdo da própria história. Parece que nunca “as tristezas acabaram” e que nunca “os sorrisos voltarão às caras” (“the smiles returning to the faces”).

A semelhança entre os dois textos resume-se numa única frase/verso: “It seems like years since it’s been here” (“Parece que foi há muitos anos desde que ele esteve cá”), onde, apesar de em contextos diferentes, pela metáfora, é possível a comparação entre Verão/D. João de Portugal, ainda que, D. João só aparente ter sentimentos calorosos com Telmo, sendo, por isso, no melhor dos casos, um Outono.

Continuando com a perspectiva do Romeiro, é de prever, e dedutível pelas suas afirmações, a vontade que tem — depois de tantos anos passados e de tão longa viagem a que não sucumbiu — de voltar aos seus queridos e de os ver à espera do seu retorno. Descobre que isso não se deu, descobre que não “Está tudo bem” (“It’s all right”) e que afinal não é aquele “Sol que veio” (“The sun has come”) de África mas sim uma razão para o desgosto de todos, uma “peste”, atingindo, com a sua chegada, aquele que parece ser o clímax de tristeza deste acto, tendo em conta que, à sua chegada, todos pareceram perecer de desgosto, tendo mesmo Maria esse destino.

A todas as personagens parece ser favorável a mensagem desta música e, não me atrevendo demasiado, mesmo ao escritor. Parece-me ser benéfico pensar que tudo ficará bem e será menos saudável este constante pesar.

Mesmo a Telmo esta mensagem caberia bem. Mesmo tendo sido o único fiel ao amo, deveria ter em maior reserva os seus “agouros e profecias do costume”, deixando ao mesmo tempo que, como noutro grande título desta banda, as coisas andassem (“Let it Be”).

 

Luísa [Muito Bom-/Bom+]



A canção de Dave Koz (saxofonista) e Dana Glover (vocalista) “Start all over again” exprime uma mensagem, de certa forma, análoga ao desfecho do Frei Luís de Sousa: o regresso de D. João de Portugal e o início de um novo capítulo na vida de todas as personagens.

Todavia, esta canção do álbum Hello Tomorrow (2010) pode também funcionar, em determinados aspetos, como o oposto da obra; por ter uma letra otimista que defende que, apesar das adversidades, é possível recomeçar de uma forma positiva e deixar toda a mágoa para trás: «If your heart’s beating / You can start all over again / Goodbye Sorrow, you can start all over again» (Se o teu coração bate / Podes começar de novo / Adeus Tristeza, podes começar de novo).

Já na obra de Garrett, o recomeço não é enfrentado com o mesmo otimismo, visto que o regresso do esposo anterior, supostamente morto, de Madalena causa nela e em D. Manuel de Sousa um sentimento de arrependimento e culpa tão grande que se confinam à vida religiosa, passando o resto das suas vidas em conventos separados, como uma penitência pelo amor entre eles, que seria um pecado, por afinal Madalena não estar viúva: «Todas estas coisas são já indignas de nós. Até ontem, a nossa desculpa, para com Deus e para com os homens, estava na boa-fé e seguridade de nossas consciências. Essa acabou. Para nós já não há senão estas mortalhas e a sepultura dum claustro».

Quando D. João de Portugal volta, instala-se o caos, transmitindo-se-nos a sensação de desgraça e desespero em Madalena e Manuel («Oh, minha filha, minha filha! Desgraçada filha, que ficas órfã!... órfã de pai e de mãe... e de família e de nome, que tudo perdeste hoje... A desgraçada nunca os teve. Oh, Jorge, que esta lembrança é que me mata, que me desespera!») que a letra da canção bem aponta, como uma mensagem que tanto poderia aplicar-se a Madalena como a Manuel (ambos por terem permitido a relação) ou a D. João de Portugal (por ter voltado e criado tanta infelicidade): «Look at the world that you’ve let down / My, my, such a disgrace / The damage is done, you can’t replace it» (Vê o mundo que desiludiste / Minha, minha, que desgraça / O mal está feito, não o podes substituir).

Os versos «These are the times that leave you hopeless / These are the times you say / There is no way, no way, no way» (Estes são os momentos que te deixam sem esperança / Estes são os momentos em que dizes / De maneira nenhuma, nenhuma, nenhuma) são uma boa representação da reação de todas as personagens ao saberem que D. João está vivo e presente ali mesmo. Uma delas será a de Jorge que, ao aperceber-se de quem é o Romeiro, “cai prostrado no chão, com os braços estendidos diante da tribuna”.

Talvez fosse ainda pertinente assinalar o final da canção (aludindo também ao caráter religioso presente ao longo da obra), que poderia funcionar como encorajamento a Madalena e Manuel a agir de outra forma: «Everything can change, if all our things are new / The impossible is here and it’s crying out for you / Everything is gonna work out right / Just like we prayed it would» (Tudo pode mudar, se as nossas coisas forem novas / O impossível está aqui e está a gritar por ti / Tudo vai ficar bem / Tal como nós rezámos para que fosse).

 

Marta V. [Bom]



A música “Xico”, de Luísa Sobral, remete-nos para o passado de um casamento falhado, como mais tarde se percebe — o casamento de Dolores e Xico. A canção tem início com “Já passaram dois anos e tal / E do Xico nem sinal”, que nos conduz ao enredo da peça de Almeida Garrett Frei Luís de Sousa. D. Madalena de Vilhena há sete anos que nada sabia sobre o seu primeiro marido, D. João de Portugal, que se pensa ter morrido na Batalha de Alcácer Quibir. Ainda envia equipas de busca a fim de tentar encontrar o marido, mas nada se soube e Madalena acaba por se casar com Manuel de Sousa Coutinho (de quem já gostava quando ainda era mulher de D. João de Portugal), marido e pai da sua única filha, Maria.

Prossegue-se com os versos “Há quem diga que emigrou / Há quem diga que encontrou / Uma brasileira que não está nada mal”, o que nos faz recordar os agoiros de Telmo, o aio fiel de D. João de Portugal e, agora, de Manuel de Sousa Coutinho, que, com as suas suposições e opiniões, mantém viva a imagem do antigo amo; é a sua insistência no facto de achar que D. João não morreu e que regressará para junto da sua família, tal como D. Sebastião regressaria para salvar Portugal, que faz com que D. Madalena de Vilhena sinta terríveis temores e angústia com a ideia de a sua vida poder ser arrasada pelo regresso do ex-marido.

Sendo difícil encontrar uma música que seja totalmente fiel à peça de Almeida Garrett, a quadra que se segue em “Xico” (“E a Dolores todos os dias o espera / Com a sopa ao lume e o prato do costume / Finge não ouvir a vizinhança / E pede a Deus um pouco mais de esperança”) nada tem que ver, de um modo geral, com a peça, a não ser pelo facto de Madalena, à semelhança de Dolores, viver numa situação de expectativa, no caso de Madalena, angustiadamente. Porém, o último verso da quadra supracitada — “E pede a Deus um pouco mais de esperança” — estabelece uma relação com o drama de Garrett pois também em Frei Luís de Sousa Deus é invocado, como se pode verificar em expressões como “que Deus o tenha em glória?” (Cena II, Acto primeiro) ou “Ora seja Deus nesta casa!” (Cena V, Acto primeiro).

 “Ó Xico, Ó Xico / Onde te foste meter? / Ó Xico, Ó Xico / Não me faças mais sofrer” pode lembrar-nos os temores de Madalena por fim sozinha, no dia fatídico de 4 de Agosto de 1599, quando Manuel decide deslocar-se a Lisboa. “Conheceu o Xico em Almerimar / E logo ali decidiram casar / Dolores levou o essencial / A velha caixa de costura e o avental” são versos que estabelecem uma conexão com a peça de Garrett, uma vez que Manuel de Sousa Coutinho era “bom mareante”, assim como Xico. Ainda que até agora não tenhamos lido as últimas cenas da obra de Garrett, sabe-se que Madalena e Manuel mantiveram o seu casamento durante catorze anos, em que viveram felizes, ainda que sempre com angústia por parte de Madalena, induzida também pelos agouros de Telmo, que atormentavam os casados (”Viveram dez anos sem igual / Ninguém previa tal final”).

“Agora diz Dolores com lamento / De Espanha nem bom vento / nem bom casamento” faz-nos reflectir sobre o que poderá ter conduzido tanto ao fim do casamento de Xico e Dolores como ao de D. Madalena de Vilhena e Manuel de Sousa Coutinho.

A canção termina com os versos que traduzem o estado de ansiedade e angústia em que se encontra Madalena durante toda a peça. Apesar de a música ser bastante dinâmica, sabe-se que o cenário apresentado em Frei Luís de Sousa é sombrio e triste.

 

Sara [Suf+/Bom-]










A canção que escolhi para estabelecer analogias com a obra Frei Luís de Sousa foi “Miserable at Best”, de Mayday Parade. A canção fala essencialmente de alguém que sofre com a ideia de ver a rapariga de quem gosta com outra pessoa, o que, na minha opinião, se pode aplicar à situação em que D. João se encontra, ao regressar da batalha, vinte e um anos após ter sido dado como desaparecido, e ver que Madalena refizera a sua vida, constituindo uma nova família, com um novo marido, Manuel de Sousa Coutinho, e uma filha, Maria.

A música começa com “Katie, don't cry / I know you're trying your hardest / And the hardest part is letting go” (“Katie, não chores / eu sei que estás a fazer o teu melhor / e a parte mais complicada é seguir em frente”). Esta parte da canção pode representar os momentos complicados por que Madalena passou quando D João desapareceu na batalha e tentou obstinadamente recuperar o seu marido, mesmo quando toda a esperança dos demais já se tinha esgotado. Apesar de não amar verdadeiramente o primeiro marido, Madalena sofreu bastante com a sua perda e tentou encontrá-lo com todos os meios de que dispunha, recusando-se, de certa forma, a refazer a sua vida, como é dito na segunda cena do primeiro ato da obra (“Sabeis como chorei a sua perda, como respeitei a sua memória, como durante sete anos, incrédula a tantas provas e testemunhos da sua morte, o fiz procurar“).

Outros versos que achei adequarem-se à obra são “So let's not pretend like you're alone tonight / I know he's there” (“Por isso não vamos fingir que estás sozinha esta noite / Eu sei que ele está aí”). Esta parte aplica-se também à situação de D. João que, ao regressar a casa, encontra Madalena novamente casada, e à forma como a personagem se deve ter sentido, substituído ou traído, mesmo que essa traição não fosse intencional, pois não havia maneira de saber que ele teria sobrevivido.

Uma última referência que considerei apropriada é “I'll bet he gets the nerve to walk the floor / And ask my girl to dance / She'll say yes” (“Aposto que ele tem coragem para atravessar o piso / e perguntar se à minha menina se quer dançar / Ela vai dizer que sim”), que representa a forma como D João poderá ter imaginado o modo como Manuel e Madalena se terão aproximado, por exemplo, ou podemos interpretar como se fosse uma metáfora: “Aposto que ele tem coragem para atravessar o piso” representa o ‘atrevimento’ de Manuel ao aproximar-se da mulher de D João, a “sua menina”, a sua esposa, Madalena tomando assim a iniciativa e afastando-a ainda mais de D. João, que, apesar de tudo, ainda era esposo de Madalena, “e perguntar se à minha menina se quer dançar / Ela vai dizer que sim” pode representar o pedido de casamento, ou a oficialização da relação entre ambos.

 

Leonor [Bom (-)]









O rumor de que D. João de Portugal não está morto é traduzido na expressão que serve de título à canção “Ouvi dizer”, do álbum O Monstro Precisa de Amigos, de 1999, do grupo português Ornatos Violeta e cuja letra é da autoria de Manuel Cruz.

No ato segundo, cena dez, já estabelecidos na casa em que outrora vivera com D. João de Portugal, Madalena está cada vez mais inquieta e angustiada pela incerteza da morte de D. João. As lembranças presentes por toda a casa referem-se aos versos que Victor Espadinha canta no fim da música: “Alguém escreveu o teu nome por toda a parte”. O incêndio no seu palácio de Almada não é o único motivo que suscitou esta preocupação (”Em todo o lado essa palavra repetida ao expoente da loucura”). Fazia anos que casara com D. João de Portugal, que se perdera D. Sebastião na Batalha de Alcácer Quibir e que vira Manuel de Sousa Coutinho pela primeira vez, por quem logo se apaixonara, embora já fosse casada com D. João. Sentindo ter logo traído o seu primeiro casamento, julga-se merecedora de castigo: “Fui eu quem virou as páginas / Na pressa de chegar até nós”. Pois a partir daquele momento nunca mais conseguiu esquecê-lo (“sobre a razão estar cega”), o amor com Manuel passa a ser eivado de remorso.

Nesta sexta-feira conturbada, Miranda anuncia a chegada de um romeiro, vindo da Terra Santa, que deseja falar a Madalena. Não sem alguma relutância inicial, Jorge e Madalena recebem o Romeiro.Ficam a saber que estivera cativo durante vinte anos, em Jerusalém, e fora liberto há um ano; que é um homem só (“E eu fiquei com tanto para dar”) que há três dias que viaja para ali chegar naquele mesmo dia e dar um recado a D. Madalena.

Jorge já impaciente, pressiona o Romeiro a falar sobre o motivo que o trouxera à presença de D. Madalena. Este, numa atitude fria e insensível, dá a conhecer que D. João de Portugal ainda se encontra vivo. Na canção portuguesa, os versos “Não vais achar nada bem / Que eu pague a conta em raiva” acompanham esta atitude tão pouco calorosa por parte do romeiro.

Madalena retira-se dali, «espavorida e a gritar», pensando no seu casamento inválido e na filha Maria, que é, afinal, ilegítima, arrependida, sentindo-se culpada de tudo. “E eu fiquei com tanto para dar!/ E agora não vais achar nada bem / Que eu pague a conta em raiva! / E pudesse eu pagar de outra forma! / E pudesse eu pagar de outra forma”, no refrão, refletem da melhor forma este misto de sentimentos vividos pela personagem relativamente à família que está perdida na desgraça, que, na cabeça de Madalena, teve origem no seu amor prematuro por Manuel de Sousa Coutinho (“Ora amarga / Ora doce/ Para nos lembrar que o amor é uma doença / Quando nele julgamos ver a nossa cura…”).

Mas é Jorge quem entende toda a tragédia, já depois de Madalena ter saído, quando lhe ordena “Procurai nesses retratos, e dizei-me se algum deles pode ser” e o romeiro, imediatamente, aponta para o quadro de D. João de Portugal. Tudo se encaixa na história do romeiro que ficara cativo devido à batalha para que partira, a batalha de Alcácer Quibir. Era ele mesmo, D. João de Portugal. Chega-se então ao clímax da peça, onde toda a ação se modificará.

 

Marta P. [Bom -]



A canção (“Por quem não esqueci”), originalmente interpretada pelos Sétima Legião, no álbum De Um Tempo Ausente, lançado em 1989, e, mais recentemente (2008), interpretada por Tim, vocalista da banda portuguesa Xutos e Pontapés, no seu álbum a solo Braços de Prata, pode aplicar-se à vida e à situação de D. Madalena de Vilhena, uma das personagens de Frei Luís de Sousa.

Toda a canção alude à situação de angústia e de espera em que D. Madalena se encontra após o desaparecimento do rei D. Sebastião e do seu filho — D. João de Portugal, primeiro marido da aristocrata — na batalha de Alcácer Quibir.

As duas primeiras quadras representam a fé e a esperança — “Ainda procuro / Por quem não esqueci/ Em nome de um sonho / Em nome de ti” — que Madalena procurava manter em si, a certeza do regresso do seu marido — “Há uma voz de sempre / Que chama por mim”. A voz de D. João manteve-se sempre no coração da viúva, mesmo depois do seu segundo casamento com Manuel de Sousa Coutinho e após o nascimento da sua filha, Maria, até porque Telmo, o velho aio do guerreiro, nunca acreditou na morte do seu senhor e atormentava Madalena, alimentando o terror e as superstições que ela tinha quanto ao regresso de D. João, já que começara a amar o segundo marido, quando o primeiro ainda vivia.

As restantes quadras ajustam-se também a Madalena que, há já vinte e um anos, espera, sem o desejar, é certo, o regresso de D. João de Portugal — “Por sinais perdidos / Eu espero em vão”. Procurara o marido durante sete anos e, ao continuar sem qualquer sinal de vida dele, perdera a fé e a expectativa de voltar a reencontrar D. João e acredita que a morte teria sido mesmo o seu destino — “Ainda procuro / Por quem não esquec i/ Por quem já não volta / Por quem eu perdi”.

 

Nuno [Bom]








Durante alguns dias pensei que canção poderia escolher que se identificasse com a obra Frei Luís de Sousa. Nada me ocorria, até que pensei em "Tears in Heaven", de Eric Clapton, já que a morte do filho, a quem dedica a canção, se poderia relacionar com a morte de Maria, também ela inocente.

Mas, uma noite, no meu quarto, chegaram-me os ecos de um CD de Vitorino, cantor que pouco me dizia, que a minha mãe estava a ouvir. A certa altura, ouvi o verso "Morre-se devagar em frente ao Tejo" e resolvi pesquisar. Foi então que achei que se adaptava melhor a Frei Luís de Sousa do que "Tears in Heaven".

A canção de Vitorino, «Rua do Quelhas», cuja letra foi feita por António Lobo Antunes, é dedicada a Florbela Espanca, mas pode representar toda a mágoa e felicidade vividas por Madalena e Manuel de Sousa.

Começa com os versos "Morre-se devagar neste país / Onde é depressa a mágoa e a saudade". Estes versos podem relacionar-se com a época de Frei Luís de Sousa. Nessa altura, Portugal estava sob domínio espanhol, na dinastia filipina, e os portugueses sentiam a saudade de ter um país independente, daí a “mágoa e a saudade”, bem como a ideia de morte – a morte psicológica de um povo dominado. Mas também podem simbolizar a morte psicológica do casal que terá de se separar.

Já nos próximos versos, "Oh meu amor de longe quem me diz / Como é a tua sombra na cidade / Morre-se devagar em frente ao Tejo / Repetindo o teu nome lentamente", há um certo clima de paixão, tal como há no momento em que Manuel tem de partir para Lisboa e Madalena entra em pânico, ou na cena VI do ato III, quando Madalena pensa que quem está a falar com Telmo é Manuel e pede que lhe abram a porta, repetindo “esposo, esposo”, "Meu Marido, meu amor, meu Manuel!", revelando, pela repetição, a intensidade do seu desespero amoroso. Há também referências ao local, o rio Tejo (no poema é “em frente ao Tejo”; na obra é em Almada, junto ao rio Tejo, donde se vê Lisboa, que decorrem algumas cenas dramáticas).

Os três últimos versos ("Fica a cinza de um corpo no olhar / Oh meu amor a noite se vier / É seara de nós ao pé do mar") simbolizam, duplamente, a morte de Maria, como "cinza de um corpo", e a "morte para o mundo", de Madalena e Manuel, ao terem de desistir de toda a vida que passaram juntos, para entrar no convento, pois era a única coisa a fazer para salvarem a sua alma do pecado de um casamento ilegal aos olhos da igreja. Dessa felicidade apenas restavam cinzas, como as do retrato que ardeu no incêndio.

Finalmente, a própria música e interpretação de Vitorino revelam uma certa tristeza, tal como os sentimentos de Madalena ao longo da obra.

 

Guilherme [Bom +]



Quando comecei a pensar neste trabalho e na escolha musical, estávamos em vésperas da manifestação do dia 2 de Março e, na televisão, ouvia-se com frequência a “Grândola, Vila Morena”, do Zeca Afonso. Como ele era autor de muitas canções de intervenção, pensei que em alguma devia encontrar uma ligação ao tema do Frei Luís de Sousa.

Em “Menina dos olhos tristes”, do álbum Velhos Contos, Rumos Novos, de 1969, Zeca Afonso refere-se ao período da Guerra Colonial, com os soldados que partiram jovens que atravessaram os oceanos rumo a África, deixaram as suas famílias e não voltaram. D. João de Portugal também parte com D. Sebastião para África atravessando mares, em nome da fé e da conquista. Porém, regressa como “morto-vivo” (“Na hora em que ela acreditou na minha morte, nessa hora morri”), a um país que não era o seu e para uma família que já não existia. Traz consigo a devastação e a vergonha para junto daqueles que em tempo tinham sido seus, Madalena e Telmo, e destrói aquilo que aquela construíra após a sua partida. Traz a morte de Maria e a ida para o convento de Madalena e Manuel de Sousa Coutinho.

D. João é um soldado ainda mais trágico que o “soldadinho” da canção, porque retorna um homem totalmente derrotado. Não é como o soldadinho que, à imagem do herói “Ulisses”, tem a sua “Penélope” que o aguarda, ao tear (“Senhora de olhar cansado / Porque a fatiga o tear”), sempre cheia de esperança no seu retorno.

Embora na canção uma carta cause a tristeza a um amigo do “soldadinho” (“Anda bem triste um amigo / Uma carta o fez chorar”), a carta que D. João escreve a Madalena é recebida também por Telmo, seu escudeiro e amigo, que, em vez de sentir tristeza, sente a esperança do regresso do seu senhor. Mas até mesmo Telmo, que sempre acreditara no seu regresso, deseja que este nunca tivesse voltado, pois a sua vinda iria afectar Maria, que acaba por morrer de vergonha ao saber-se ilegítima (“morro, morro… de vergonha”).

Tanto na canção como em “Frei Luís de Sousa” parece-me que o pano de fundo é a guerra e as situações anormais que se vivem em consequência desta. Sejam elas justas ou injustas, haja heroicidade ou derrota, todos os beligerantes sofrem consequências com reflexos nas suas vidas. Na época em que decorre a acção de Frei Luís de Sousa, o adultério constituía, por costumes religiosos, grande agravo. Nos dias de hoje, os sofrimentos são outros: no caso da canção, é a morte. Bem disse o Padre António Vieira: “É a guerra aquele monstro que se sustenta das fazendas, do san­gue, das vidas, e, quanto mais co­me e consome, tanto menos se farta”.

 

Chico [Muito Bom -]



Pegar num acontecimento único, esquecendo todos os outros à volta, todos os que aconteceram antes ou depois, é sempre uma jogada de risco: não existe uma história apenas num momento, não se pode ter tudo numa jogada só, porque uma história não é algo isolado, mas uma sequência de momentos. Mas existe sempre um momento, algumas vezes mais do que um, decerto, mas pelo menos um momento fulcral na história, um momento que se prolonga pelo resto da história e contamina todo o seu desenvolvimento: sem ele, nada faria sentido.

Nalgumas obras, esse momento é o primeiro vislumbre de um amor eterno, noutras, como no Frei Luís de Sousa, é o último. A história está, toda ela, como que “manchada” pelo desaparecimento de D. João de Portugal, na Batalha de Alcácer Quibir, e, ainda que passados vários anos desde esse momento ("[Madalena] Sabeis como chorei a sua perda, como respeitei a sua memória, como durante sete anos o fiz procurar por essas costas de Berberia...”), todos os intervenientes ainda se sentem muito ligados àquele acontecimento, inclusivamente os que nunca estiveram directamente relacionados com o caso, como Maria.

A música de Zeca Afonso é o retrato de uma situação que podia muito bem ser a de D. João de Portugal. O seu desaparecimento foi algo inesperado, a sua morte havia sido prevista, mas nem os mais pessimistas foram capazes de o antecipar ("A morte saiu à rua num dia assim / Naquele lugar sem nome pra qualquer fim"). E, quando desapareceu, quase todos o julgaram morto e, apesar da ausência de um corpo, a certeza prevaleceu, superando a esperança. Apenas os mais presos pela saudade, como Telmo, se mantiveram fiéis à sua memória.

A morte de um rei pode parecer uma realidade já distante, para uma geração que apenas o sabe por livros e histórias, mas um sentimento perene na sua história é a perda e a força que essa mesma perda teve para o que lhe sucedeu ("E o som da bigorna como um clarim do céu / Vão dizendo em toda a parte o pintor morreu").

A música fala-nos de outro sentimento que apenas se encontra subjacente na história de Almeida Garrett – o orgulho. O mesmo orgulho que levou o povo português, bem como D. Sebastião e D. João de Portugal, a combater em Alcácer Quibir, é referido na canção de Zeca Afonso: o orgulho de se ser Português. Porque esse orgulho serve de exemplo, embora, por vezes, bastante desaproveitado, para aqueles que se sentem longe de casa, esse orgulho retoma o conforto caloroso aos corações daqueles que por cá vão ficando. E essa saudade que cá fica, torna-nos mais fortes e melhores do que antes éramos ("Na curva da estrada há covas feitas no chão / E em todas florirão rosas duma nação").

 

Joana [Bom -]



Na música dos Pearl Jam, “Just Breathe” encontramos várias referências que se poderão aplicar a cenas de Frei Luís de Sousa, mais especificamente, a cenas com o romeiro.

«Yes I understand, that every life must end; as we sit alone, I know someday we must go» (Sim, eu compreendo que todas as vidas devem acabar; enquanto nos sentamos sozinhos, eu sei que um dia temos de partir) lembra-me da cena XIV do acto segundo, quando Madalena está a falar com o antigo marido, D. João de Portugal, tomando-o por um velho romeiro. Ao sentar-se com a mulher que mais amava, D. João, que tanto sacrificara para poder voltar a casa, não conseguiu morrer após vinte anos a ser maltratado, após vinte e um anos longe de casa, não conseguiu morrer, com o seu coração em Almada, sempre prometendo a si próprio de que iria regressar, voltar à sua família («Padeci muita fome, e não sofri com paciência; deram-me muitos tratos»; «bem vedes que não soube morrer lá»).

Ao ouvir, por parte de Jorge, que Deus o fez regressar para poder morrer no seio da sua família, o falso romeiro diz que não tem família («A minha família… Já não tenho família»). E, quando Madalena menciona que terá, certamente, parentes, amigos, D. João, ressentido, afirma que a família conta com a sua morte («Parentes!... Os mais chegados, os que eu me importava achar… contaram com a minha morte, fizeram a sua felicidade com ela; hão de jurar que não me conhecem»). Ofendido por não o reconhecerem vinte e um anos depois, nem pelo aspecto, nem pela voz, mostra-nos que amava verdadeiramente Madalena, que, contrariamente, não o amava, e não o reconhecia. Amigos tem apenas um, que, apesar de não nomear, percebemos facilmente que se trata de Telmo. O velho aio, que nunca duvidou da morte do antigo amo, marca ainda presença em D. João. Na letra da música dos Pearl Jam podemos observar uma situação semelhante: «Oh, I’m a lucky man, to count on both hands the ones I love; Some folks just have one, yeah others they’ve got none, aw-huh» (Oh, eu sou um homem sortudo, por contar em ambas as mãos os que eu amo; alguns só têm um, outros não têm nenhum).

«Practiced are my sins, never gonna let me win, aw-huh; under everything, just another human being, aw-huh; Yeah I don’t wanna hurt, there’s so much in this world to make me bleed» (Praticados estão todos os meus pecados, nunca me vai deixar ganhar; por baixo de tudo, apenas outro ser humano; Eu não quero sofrer, há tanto neste mundo para me fazer sangrar). Também estes versos de Just Breathe se relacionam facilmente com a obra de Almeida Garret. D. João de Portugal, depois de ter sido refém durante cerca de vinte anos após a batalha de Alcácer-Quibir, reconhece que sofreu muito durante esse período. No fundo, era apenas um ser humano que, após um árduo período, queria voltar a casa, para a família. Tendo chegado, encontra uma família que contara com a sua morte; e apenas uma pessoa continuara a acreditar na sua força, admitindo que o seu estava ainda vivo. O romeiro sofre, talvez mais do que no cativeiro, ao ver a mulher que amava feliz com outro homem, Manuel, e com uma filha, Maria.

 

Miguel G. [Suficiente (+); mais tarde será preciso pôr as traduções dos versos ingleses, aspeto que me terei esquecido de advertir na primeira versão]



A música “Coming Home”, de Diddy e no álbum Last Train to Paris, parece-se, e contrasta algumas vezes, com Frei Luís de Sousa. Os versos “I’m coming home / I’m coming home / tell the word I’m coming home” lembram o regresso de D. João de Portugal, exatamente vinte e um anos depois de feito captivo na batalha de Alcácer-Quibir. As frases “Let the rain wash away all the pain of yesterday / I know my kingdom awaits” contradizem o que acontece no Frei Luís de Sousa, visto que vinte e um anos não vão ser esquecidos e que o reino do sujeito poético já não será nos braços de Madalena, que casou com Manuel de Sousa Coutinho, com quem teve uma única filha, Maria.

A quadra “I hear ’The Tears of a Clown’ / I hate that song / I always feel like they talking to me when it comes on / Another day another Dawn” carateriza a tristeza sentida por João de Portugal, e os vinte anos que esperou em cativeiro, apenas observando os dias e as noites (“another day another Dawn”). Durante toda a música, a frase “I need to get back to the place where I belong” representa a luta que D. João de Portugal tivera de vencer para conseguir morrer na sua pátria. E “A house is not a home, I hate that song / is a house really a home when you´re loved ones is gone?”, é o que melhor representa a luta de D. João de Portugal, que, ao fim de vinte e um anos em cativeiro, regressa à sua casa e apercebe-se de que o que outrora fora a sua família já não é.

A parte da letra que mais diverge do amor entre D. João e Madalena é “Baby we’ve been living in sin, cause we’ve been really in love but we’ve been living as friends”, visto que Madalena já admitira que não sentia paixão por D. João e que os vinte e um anos separados fizeram com que se afastassem. A parte final também contrasta bastante com Frei Luís de Sousa, visto que na canção temos um final feliz e, ao contrário, D. João de Portugal estava condenado a um final de vida solitário.

 

Pedro A. [Bom-/Suf+]



Penso que a palavra-chave que liga esta música a Frei Luís de Sousa é a do título da canção, “Home (casa)”. Manuel de Sousa Coutinho, depois de ter queimado a sua própria casa para impedir que os governadores lá ficassem, vai para o palácio do primeiro marido de sua mulher, D. João de Portugal. Esta casa torna-se um elemento de grande importância para a história. Madalena, mulher de Manuel de Sousa, ao entrar nesse palacete fica muito perturbada com o que ele lhe recorda. Maria, filha de Madalena e de Manuel de Sousa, é quem tenta ajudar a mãe a superar os “agouros” (“E eu agora é que faço de forte e assisada”).

Telmo talvez seja quem mais angústia sente por regressar àquela casa, à casa em que outrora estivera com o seu primeiro amo, D. João, e com Madalena. Telmo era leal a D. João (“o Manuel de Sousa Coutinho” é “guapo cavalheiro”, ”honrado fidalgo”, ”bom português” mas “nunca há de ser” “meu nobre, meu santo amo”), não acredita na morte do seu primeiro amo, que desaparecera há vinte e um anos, na batalha de Alcácer Quibir, e sempre vira o casamento de Madalena com Manuel de Sousa como uma traição a João. Pensa que Madalena oferecera a D. João, “respeito”, “devoção”, “lealdade”, “mas amor” não lhe tivera.

Na letra da canção, “I'm just too far / From where you are (eu estou muito longe de onde tu estás)”, tal como em Frei Luís de Sousa, alguém está longe da pessoa que ama. D. João de Portugal, que quer a todo o custo voltar para casa “vivo ou morto”, havia de ver Madalena mais uma vez, tal como na canção, em que o sujeito poético quer voltar para casa (“I just wanna go home [eu só quero ir para casa]”. D. João consegue, ao fim de vinte e um anos desaparecido, voltar para saber que já ninguém o reconhecia, acaba por se arrepender de ter voltado e diz ser “ninguém”(pois se já nem o leal aio Telmo o reconhecia!). Na canção também o «eu» volta para casa (“I'm coming back home [eu estou a voltar para casa]”).

Resta saber se terá mais sorte do que D. João, que voltara para descobrir que já não tinha família (“A minha família… Já não tenho família”), nem parentes ou amigos (“os mais chegados, os que me importava achar, contaram com a minha morte, fizeram a sua felicidade com ela; hão de jurar que não me conhecem”).

 

Marta B. [Bom -]



O título da canção de Paulo de Carvalho, “E Depois do Adeus”, poderia servir de epígrafe a toda a história de Frei Luís de Sousa, uma vez que esta se passa depois do “adeus” de D. João de Portugal.

Com estes primeiros versos —“O que faço aqui / Quem me abandonou / De quem me esqueci / Perguntei por mim / Quis saber de nós / Mas o mar / Não me traz / Tua voz” — somos transportados para diferentes cenas e diferentes atos da peça.

O primeiro pode ser respondido pela própria Madalena “já não leio: há pouca luz de dia já; confundia-me a vista”. No entanto, podemos considerá-lo também num outro nível, ao juntarmos o segundo verso ao primeiro, o sentimento de dúvida por parte de Madalena, uma vez que ainda não tinham encontradas provas concretas de que D. João de Portugal morrera e ele jurara que, “vivo ou morto”, havia de a ver neste mundo. É um facto que Madalena procurara durante anos o seu primeiro marido (“Perguntei por mim / Quis saber de nós / Mas o mar / Não me traz / Tua voz”); no entanto, e apesar de lhe ter dado “respeito, devoção, lealdade”, nunca chegara, segundo Telmo, a amar verdadeiramente D. João.

Com a notícia da vinda dos governadores, Manuel de Sousa decidiu que tinham de sair daquela casa o mais rapidamente possível e, tal como José Niza pela voz de Paulo de Carvalho aconselhou, “Em silêncio, amor”. Depois de Madalena ter finalmente aceitado o facto de que não haveria outra casa substituta sem ser a do seu ex-marido, foi “Em tristeza e fim” que viu o retrato do seu amado arder, pois, apesar de ter gritado que o salvassem (“Ai, e o retrato do meu marido!... Salvem-me aquele retrato!”) e da tentativa de Miranda e de outro criado, em vão foi a sua vontade e, em poucos minutos, já toda a casa de Manuel de Sousa Coutinho se encontrava em labaredas.

“Eu te sinto, em flor / Eu te sofro, em mim /Eu te lembro, assim”, sentir, sofrer e lembrar-se é o que acontece a Madalena, ao chegar ao palácio de D.João de Portugal. Sente a falta de seu marido, uma vez que este está escondido numa quinta algures, sente a presença de D. João, o seu olhar atento a querer estragar-lhe o casamento com Manuel. Segundo Maria, “aquele palácio a arder, aquele povo a gritar, o rebate dos sinos, aquela cena toda” aterrara Madalena. Quando o seu querido retrato ali mesmo aos olhos de todos se desfez, parte de Madalena se desfizera também. Agora, só restava a lembrança, a lembrança de “tão gentil homem, vestido de cavaleiro de Malta com a sua cruz branca no peito”, e o desconsolo de Madalena é sentido por toda a casa.

A parte seguinte da canção fala-nos de que “partir é morrer” tal “como amar / é ganhar / E perder”, o que reflecte exactamente a história de Madalena, pois, depois da partida de D. João de Portugal, da notícia da sua perda e, finalmente, do insucesso em o encontrar, Madalena pôde “renascer”, pôde “dizer adeus” e ficar a sós com o seu verdadeiro amor, “do homem que quisestes mais sobre todos”, Manuel de Sousa Coutinho.

Porém, “depois do amor / E depois de nós” vem o “adeus/ O ficarmos sós”, que foi exactamente o que aconteceu a Madalena e a Manuel de Sousa, como Maria previra que aconteceria, pois cria “que são avisos que Deus nos manda para nos preparar” e que “grande desgraça a cair sobre meu pai...decerto! e sobre a minha mãe, que é o mesmo”, o que se veio a confirmar com o regresso inesperado, para todos, de D. João de Portugal ao seu palácio.

 

Filipa [Bom-]



A canção «Nunca me esqueci de ti», de Rui Veloso, pode ser perfeitamente aplicada a D. João de Portugal. Esta música, lançada em 2003, cujo sucesso foi largo e abrangente, consegue retratar, mais especificamente, o Ato II, a partir da Cena XI.

«Bato a porta devagar / Olho só mais uma vez / Como é tão bonita esta avenida...» seria um pensamento quase de certeza espoletado em D. João quando regressou a Lisboa, passados vinte e um anos, em que estivera cativo em consequência da batalha de Alcácer Quibir. No Ato II, aparentemente, D. João ainda não voltara, apenas voltara um Romeiro com uma mensagem para ser entregue a Dona Madalena, mas, como mais para a frente se entende, esse Romeiro era o próprio D. João, que acabaria por provocar em Madalena um enorme tormento.

«É a sorte, é a sina / Uma mão cheia de nada»: seria este o sentimento de D. João? Perdera a familía, os amigos que tivera, D. Madalena (que estava apaixonada e feliz com D. Manuel, desejando, no fundo, que D. João estivesse mesmo morto e não regressasse para fazer da sua vida um enorme inferno), e as duas décadas de cativeiro e miséria tornaram-no velho e acabado; porém, este velho cheio de vontade e motivação tivera a coragem de voltar, de tentar trazer um pouco de dignidade à sua vida, esclarecendo os fantasmas do passado. «Mas nunca / Me esqueci de ti / Não nunca me esqueci de ti» são palavras sinceras que D. João não precisara de dizer a Madalena por esta já saber serem verdade. Ela não o amara, mas D. João morrera de saudades, pois amara-a de verdade e desejara voltar para os braços dela. Ao voltar, entendeu que todos tinham encerrado o capítulo de vida em que ele estivera presente, excepto o seu fiel e protector aio Telmo. Esse sempre duvidara da morte de D. João, sempre quisera acreditar que ele voltaria. No entanto, Madalena, aquando do seu regresso, estava novamente casada, com o homem que realmente amava, e tomara a morte de D. João como certa, como ambas as famílias tinham feito. O facto de João não ter morrido na batalha de Alcácer Quibir implicaria que Madalena ainda estivesse casada com ele, fazendo com que sobre sua filha caísse a desonra e tornando-as a ambas infames.

D. João pensa em difamar Madalena ou, pelo menos, em atormentá-la, ao levar-lhe o recado na personagem de Romeiro; Madalena percebe que o seu pior medo foi concretizado, o de o primeiro marido voltar, se bem que no Ato II Madalena ainda não soubesse que este mesmo Romeiro era o antigo amante. Mais para a frente, D. João fica arrependido, pois Telmo confessa-lhe que Madalena tudo fez para o encontrar. A esse passo se adequa esta citação de Rui Veloso: «Tudo muda, tudo parte / Tudo tem o seu avesso / Frágil a memória da paixão».

 

Rafael [Bom-/Bom(-)]







Nesta canção que tem como título “Quem me leva os meus fantasmas” e está inserida no álbum Luz (2007), está expressa uma ideia de terror e pânico incitada por um sujeito, uma imagem, ou até mesmo uma mera representação mental no sujeito poético, «os meus fantasmas». Este possui inúmeras características em comum com as personagens da peça Frei Luís de Sousa, nomeadamente D. Madalena de Vilhena.

Pedro Abrunhosa retrata uma personagem com um passado perdido e escasso de esperança («Aquele era o tempo / Em que as mãos se fechavam»), em que fantasiava e fingia uma felicidade que, na verdade, se traduzia em sentimentos de angústia, opressão e solidão («Tropeçava no riso, abraçava venenos») e que, principalmente, temia euforicamente reencontrar “os fantasmas” do seu passado.

Tais características assentam bem na descrição do carácter e natureza de D. Madalena, conforme a concebeu Almeida Garrett na sua tragédia. Tal como está descrito nos versos da canção, Madalena é apresentada como uma personagem que mostra um grande temor e apreensão relativamente passado, como está explícito na reação que abordou na passagem do primeiro para o segundo ato da peça, ao assistir à inceneração do retrato do seu marido, Manuel de Sousa Coutinho («Ai, e o retrato de meu marido!... Salvem-me aquele retrato!»), e ao reencontrar o retrato do seu ex-marido, D. João de Portugal, ao chegar à sua antiga moradia.

No entanto, não será válido afirmar que Madalena tivesse um passado sombrio, lastimoso ou até mesmo insignificante, ao contrário do que os versos sugerem, visto que a análise da peça nos indica que Madalena experimentava sentimentos de lealdade, devoção, respeito mas não amor pelo seu ex-marido.

«De que serve ter o mapa / Se o fim está traçado» é talvez a recomendação feita nesta canção, contrastando com o que é dito no refrão. Pedro Abrunhosa, aliás o sujeito poético da canção, afirma que será em vão tentar escapar ou ignorar os tormentos do passado e que o único rumo possível é enfrentá-los corajosamente, mesmo que, por vezes, se assemelhem a um suicídio («Que o caminho se faz / Entre o alvo e a seta»). Esta seria uma recomendação que assentaria perfeitamente a D. Madalena no momento em que, após o desaparecimento de D. João em Alcácer Quibir, ela viveu uma vida repleta de terror e remorsos, completamente atormentada pela possibilidade de D. João estar vivo («não me sai esta ideia da cabeça… que vou achar ali a sombra despeitosa de D. João»), visto que este facto poria em causa a moralidade da sua união com Manuel de Sousa e deixaria Maria na posição de filha de um crime e de um pecado.

Mas, afinal, podemos, em conclusão, afirmar que Madalena terá enfrentado efetivamente o seu passado, o seu “fantasma”, D. João de Portugal, visto que, no desfecho da peça, quando o Romeiro se identifica como o tal desaparecido na batalha do Norte de África, tanto Madalena como Manuel assumem o seu pecado e oferecem, como sacrifício, a sua morte psicológica através da clausura.

 

André [Suficiente-/Suficiente(-)]



Esta música de Jorge Palma, «Encosta-te a mim», poderia enquadrar-se nas cenas XIII, XIV e XV, e ainda em algumas partes das cenas seguintes.

Na cena XIII, o romeiro entra dentro da casa de D. João de Portugal, habitada de momento por Manuel de Sousa Coutinho, Madalena e Maria, e dirige-se a D. Madalena. Nas duas cenas seguintes, desencadeia-se um diálogo entre Jorge, Madalena e o romeiro, diálogo esse que, no final da cena XIV, fez com que D.Madalena ficasse perturbada, pois veio a descobrir que o seu primeiro marido, D. João de Portugal, não morrera na batalha de Alcácer Quibir e ainda estava vivo. Madalena não percebeu que o romeiro era o próprio D. João de Portugal, ao contrário de frei Jorge, que o percebeu.

Na música de Jorge Palma os versos que dizem «chegado da guerra…», «fiz tudo para sobreviver», «recebe-me bem», podiam enquadrar-se, como é óbvio, na parte em que o romeiro está em cena.

A meu ver, o verso da canção «recebe esta pomba que não esta armadilhada” seria correspondente à parte em que o romeiro diz a sua mensagem e àquela em que Madalena, após a mensagem ser lida, reage negativamente. Para mim, esta mensagem foi uma espécie de bomba para Madalena, pois foi uma novidade «estrondosa» e que fez com que ela, a partir daquele momento, ficasse «mal psicologicamente».

«Sei que não sei, às vezes, entender o teu olhar» e «Mas quero-te bem…» são versos que se enquadrariam na parte em que o romeiro fala com Telmo e lhe pede para manter segredo sobre a sua identidade e que fosse dizer a Madalena que tudo tinha sido um engano e que ele não passava de um impostor, pois ele não lhe quer mal nem à sua família.

O verso «Dá cabo dos teus desenganos…» lembra a cena XIV, pois aludiria ao facto de D. João de Portugal afinal não estar morto e ser isso uma mentira. Quanto ao verso «Eu venho do nada», poderia dirigir-se ao romeiro, pois ele apareceu «do nada» na casa habitada por Madalena e seus familiares.

«Não queiras ver quem eu não sou», a meu ver, reportar-se-ia ao facto de Madalena não ter percebido que o romeiro era D João de Portugal e de frei Jorge ter desconfiado de que seria ele.

 

Gisela [Bom (-)]






Ao pensar nesta análise a Frei Luís de Sousa, veio-me à lembrança uma canção portuguesa, na versão de Dulce Pontes, “Fado da Sina”.

Os amores de Madalena podem ser retratados nos versos de Amadeu do Vale «Reza-te a sina / Nas linhas traçadas / Na palma da mão / Que duas vidas / Se encontram cruzadas / No teu coração». Apesar de Madalena admitir que nunca amara D. João de Portugal, com quem se unira pelo casamento ainda muito jovem, sentia por ele um grande respeito, devoção e lealdade. No entanto, por D. Manuel, seu atual marido, nutre um grande amor, um sentimento inabalável e incontrolável, que tal como diz, “Não está em nós dá-lo nem quitá-lo”. Este grande amor, «que, em segredo, nasceu quase a medo», mesmo antes do desaparecimento de D. João de Portugal na batalha de Álcácer Quibir, levou a que ela infringisse o seu próprio código de honra, ao casar em adultério. Mas, ao contrário do que se poderia supor e tal como se diz na canção («Sinal de amargura / De dor e tortura / De esperança perdida»), este casamento, em vez de lhe trazer felicidade, trouxera terror e infelicidade: “estes medos, estes contínuos terrores…”, “que desgraça a minha”. A possibilidade de D. João de Portugal estar vivo atormenta constantemente Madalena.

Porém, uma outra catástrofe atinge a vida de Madalena, pois Manuel de Sousa, num ato de coragem e patriotismo, decide incendiar o seu palácio, manifestando-se contra o poder («A tua sina te diz / Que até morrer / Terás de ser / Sempre infeliz!...»). Madalena vê-se, assim, obrigada a voltar à casa onde viveu com D. João de Portugal. Mais uma vez, a sua vontade é totalmente subjugada pelo forte poder de decisão de Manuel de Sousa. Todas as antigas memórias indesejáveis voltam para atemorizar Madalena (“Mas tu não sabes a violência, o constrangimento de alma, o terror com que eu penso em ter de entrar naquela casa.”). Madalena não está bem. Desde que chegou à casa do ex-marido que não tem uma noite de sono. Não há um momento em que não pense em D. João: «Não podes fugir / Ao negro fado brutal / Ao teu distino fatal».

Mais à frente, já no ato terceiro, Madalena bem como toda a sua familia sofrem outra grande provação: a filha (que saberemos ilegítima), Maria, de “dotes admiráveis”, pura, formosa, bondosa, o “anjo”, está gravemente doente e a piorar de dia para dia; a dor que Madalena e Manuel sentem é insuportável, o medo de perder a filha é atroz. Como canta Dulce Pontes ao recordar Hermínia Silva, no Coliseu do Porto, em Maio de 1995, «A tua estrela / De brilho divino / Deixou de brilhar / Estrela que Deus te marcou / E que bem pouco brilhou / E cuja luz / Aos pés da cruz /Já se apagou!...». Também a peça Frei Luís de Sousa apresenta um final trágico. A morte física de Maria é acompanhada da morte simbólica das suas principais personagens, D. João de Portugal, Madalena, Manuel de Sousa e Telmo.

 

João [Suficiente +]





O conteúdo lírico desta música, “Imperdoável”, do álbum Com Todo o Respeito, lançado por Jorge Palma em 2011, pode relacionar-se com algumas situações vividas por personagens presentes em Frei Luís de Sousa.

Uma delas é, obviamente, Madalena, que sofreu muito emocionalmente com tudo o que sucedeu. Quando soube que o palacete do seu companheiro, depois, dos Vilhena-Coutinho, estava coberto de chamas e lá dentro ficara o retrato de Manuel de Sousa, Madalena mergulhou numa mágoa profunda que a deitou abaixo fisicamente também. Ela não queria voltar ao palacete dos Vimioso onde vivera com o primeiro marido, D. João de Portugal, onde não fora totalmente feliz por não o amar (ao contrário do seu aio, Telmo, sempre embevecido pelo amo), e por isso passou dias de sofrimento, como a música de Palma poderia descrever (“Vejo-me cego e confuso / nesta cama a latejar”; “sinto a máquina a bater / é o rugido infernal / destas veias a ferver”). Isto porque Madalena temia voltar à casa onde estivera com outra pessoa (“tu não sabes a violência, o constrangimento de alma, o terror com que eu penso em ter de entrar naquela casa”), porque sabia que lhe traria memórias que não queria recordar, talvez por pensar que era viúva e que não amara verdadeiramente D. João.

Madalena sentia-se mal por não ter esperado eternamente pelo seu primeiro marido, achara que fora um ato de desonra para com ele (“imperdoável é... /  esquecer quem bem nos quer”). Mas também sabia que D. João, enquanto “vivo”, recebera “respeito, devoção, lealdade” da sua parte. Esta passagem da canção pode relacionar-se também com Telmo, o amo da família, que se sentira mal pelo seu amor por Maria, filha de Madalena de Vilhena, ter superado o pelo “pobre de meu amo”.

Por fim, pode também relacionar-se com D. João de Portugal através de “Imperdoável é... / o que não vivi”, que mostra a indignação e frustração interiores que João sentiu ao longo dos vinte e um anos em que viveu em refúgio longe da sua amada, em que passou de nobre a romeiro aleatório e vulgar. “imperdoável é... / desistir de lutar” convém também a D. João de Portugal, dirigindo-se mais a Madalena por ter seguido com a sua vida. Mas será que a escolha de Madalena não é moralmente aceitável? Afinal de contas, passados vinte e um anos, é normal que haja mudanças a todos os níveis numa pessoa. Mas como D. João de Portugal passara vinte e um anos de amargura até voltar a casa, esperou que não tivesse sido totalmente esquecido porque avisou que voltaria para falar a Madalena uma última vez, “vivo ou morto”.

 


Cláudia [Suficiente]




A canção do grupo Soja, «Losing My Mind», descreve o que, possivelmente, D. João de Portugal deveria estar a passar durante os seus «vinte anos de cativeiro e miséria, de saudades e ânsias após a batalha de Alcácer» e o encontro com a sua "antiga" família.

«I think about the past/I want it again/I think about the way you feel/Inside, I start losing my mind/I'm losing my mind» (Eu penso sobre o passado / Eu quero-o de novo / Eu penso em ti, como te sentes / E por dentro, começo a perder a cabeça / Eu estou a perder a cabeça): no caso de D. João é neles que ele pensa (plural), não só na sua esposa, mas também no seu fiel aio e amigo, como ele próprio afirma («Mas tu és meu amigo!»). D. João descreve este tempo todo — «it's been too long» (passou demasiado tempo) —, também o diz este tema musical, que esteve desaparecido como miseráveis, cheio de ânsia e saudade. Por essa mesma razão podemos calcular que esta personagem estivesse a "perder a cabeça", como insinua a canção.

«There's no fights and theres no tears/There's no need if you're not here/And I'm not the same anyway, anymore» (Não há brigas e não há lágrimas / Não há nenhuma necessidade se não estás aqui / E eu não sou o mesmo de qualquer maneira, já não o sou): este trecho remete-nos para o momento em que D. João, como romeiro, pede a Telmo que convença os outros de que o romeiro não passava de um impostor («dize-lhe que falaste com o romeiro, que examinaste [...]»). O ex-marido de Madalena sabia que esta já não estaria lá para ele e que não valeria a pena causar brigas e lágrimas nem causar afrontas. «De mim já não há senão esse nome, ainda honrado», disse o romeiro. Tal como na canção, a única coisa que permanece inalterada é o seu nome, honrado, tudo por que passou acabou por mudar D. João de Portugal de uma maneira monstruosa.

 

Paco [Suficiente]



A tragédia de Almeida Garrett transmite um ambiente tenso desde o início até ao fim, desde as previsões de Telmo e os seus pensamentos até ao próprio desfecho do último acto.

A música capta a parte da vida de Madalena depois de ter conhecimento do desaparecimento de D. João. Nos primeiros sete anos após o desaparecimento em batalha, Madalena procura o seu marido com um incessante desejo: só pretende que “Ele venha como é, como era” nem que “venha mergulhado em lama”. No entanto, a procura acaba por se tornar inútil, escusada.

Com o passar dos anos, Madalena conhece Manuel de Sousa, com o qual tem uma filha (Maria). O desaparecimento do ex-marido deixa de a preocupar como preocupara no início mas há um constante sufoco, reforçado pelas ideias de Telmo, de que D. João poderá voltar. Uma carta entregue a Frei Jorge também fortalece as esperanças de um possível retorno.

Ao contrário do verso “venha (…) como uma velha memória”, Madalena sofre sempre que se lembra da tragédia que seria se D. João voltasse. Telmo acreditara sempre no regresso de D. João; no entanto, mesmo ele, agora, deseja que João nunca volte pois iria afetar Maria, que afirmaria morrer de vergonha (“…morro, morro, de vergonha”).

Os Nirvana começaram no fim da guerra fria em 1987, escreviam músicas melancólicas e simples que contrariavam os estilos emergentes da época. Ao contrário, D. João de Portugal seguia os costumes da sua época e seguia o seu nas suas guerras.

 


Afonso [Suficiente]



Qualquer pessoa familiarizada com a história de Frei Luís de Sousa perceberá rapidamente a sua ligação com esta música. Comecemos pelo título da canção, “Eu esperei”. Na peça encontra-se uma única personagem na mesma situação, Dona Madalena, que esperou não poucos anos pelo regresso do primeiro marido, D. João de Portugal, da batalha de Alcácer Quibir, e ficou depois em constante agonia, com a ideia de que ele poderia voltar um dia (ideia paralela à lenda de que D. Sebastião poderia voltar num dia de nevoeiro e salvar Portugal).

”Mas o dia não se fez melhor” pode lembrar o que exatamente acontece na peça: após esperar tantos anos e organizar inúmeras buscas em demanda do marido, nada aconteceu, nada melhorou. Havia apenas uma carta entregue no dia da batalha a Frei Jorge. Passados sete anos, D. Madalena decide avançar e deixa o passado para trás, algo que não era muito comum em mulheres na sua situação, pois, apesar de não ter notícias do marido, tal não significava indubitavelmente que este tivesse morrido. Como diz a canção, “Enfeitou as ruas para cobrir terra seca de não semear” (ou seja: Madalena enfeitou a sua vida, casando novamente, fingindo que tudo estaria bem). Só mais tarde perceberia que o que fizera era imoral pois casara novamente e tivera uma filha, estando ainda vivo D. João. Apesar de terem passado tantos anos, “a mentira não se fez verdade”. Assumir que D. João estava morto fora um erro (uma mentira nunca se torna verdade): O romeiro aparece e dá a notícia de que o primeiro marido de D. Madalena estava vivo, percebendo nós que, na verdade, seria o próprio D. João o romeiro.

Após esta revelação, D. Manuel de Sousa Coutinho, “cavaleiro mas já sem moral”, honrado cavaleiro que sempre havia respeitado a memória de D. João, não consegue continuar com a farsa, deixando tudo e abraçando a vida religiosa, tal como D. Madalena. Quanto a esta, havia vivido apenas com um medo, o de que um dia D. João voltasse e destruísse tudo o que ela amara. Vivera em liberdade mas como se estivesse presa, porque não se conseguira livrar dos pensamentos negativos que a assombravam: “Liberdade pode ser prisão... / Meu Deus, livra-nos do mal”

 


Ricardo [Insuficiente +/Suficiente -]


A canção, "Eu não sei quando te perdi’’, do antigo vocalista da banda “Da Weasel’’, agora mais conhecido como Algodão, retrata uma relação entre um homem e uma mulher. Esta relação não correu da melhor maneira, muito por culpa do homem, que não soube aproveitar o que tinha, como aliás admite (“não podia mas devia saber, não se trata assim ninguém”).

Em Frei Luís de Sousa, Telmo e Maria mantêm uma relação bastante forte e isso é demonstrado ao longo de toda a peça. Maria é uma das personagens mais importantes: filha de Madalena e Manuel, passa muito tempo em casa, a ser protegida e mimada, enquanto sofre de tuberculose. No entanto, é curiosa e quer fazer o mesmo — e, sempre que possível, mais — que as raparigas da sua idade e da mesma classe social. Telmo, o aio da família, passa então muito tempo com ela, acirrando-lhe o ânimo sebastianista e nacionalista.

Maria, no final da peça, morre (“Cai e fica morta no chão. Manuel de Sousa e Madalena prostram-se ao pé do cadáver da filha”). Maria é sebastianista, característica que lhe foi apresentada por Telmo, que nunca lhe apresentou a realidade mas a sua visão das coisas. Se pensarmos bem, Maria morreu de “vergonha”, devido ao que Telmo tinha dito, porque nós não podemos ter vergonha de algo que não conhecemos. Daí achar eu que, se há alguém na peça a quem posso associar esta música, essa figura será Telmo.

 

#