Aula 5 da Quarentena (= 120-120R)
Aula
120-120R
[= Quarentena 5] (24 [5.ª], 25/mar [4.ª, 9.ª, 3.ª]) Informações:
1 — À hora da
aula (a primeira desta Q5 será a do 12.º 5.ª, às 11.45 de terça) já estarão
lançados os comentários aos trabalhos de Pessoa das turmas 3.ª e 5.ª; espero
resolver os que ainda faltam das outras duas turmas hoje e amanhã (atualização: já estão os comentários de todas as turmas).
2 — Tenho
recebido os trabalhos feitos nas aulas 2, 3 e 4 da Quarentena; aceitarei os que
me chegarem também hoje e amanhã (mas não depois de quarta-feira).
3 — Aula Q6 (e
última do período) ficará afixada na 5.ª feira, às 10 horas, no horário do 12.º
9.ª (se participarem em torneios na sexta-feira, alunos das turmas 3.ª, 4.ª,
5.ª podem assistir à aula desta turma — enfim, se houver lugar na covidíssima sala
D9 e se se puder guardar uma distância de dois metros entre alunos e de dois
centímetros entre cada vírus).
Retomo o assunto que
está na ordem do dia mas também a técnica de escrever um texto argumentativo.
Lê este texto de
opinião de José Pacheco Pereira, publicado no sábado: «Ler e saber ajudam mais
a atravessar esta pandemia», Público,
21 de março de 2020, p. 26. Procura perceber qual é (i) a perspetiva defendida
por JPP; (ii) os dois argumentos que dá para fundamentar essa perspetiva; (iii)
os exemplos para cada um desses argumentos. Basta ires à procura (para depois
confrontares as tuas ideias com o que sintetizo à frente).
O artigo de Pacheco
Pereira que, grosso modo, defende a
importância de ler, como vantagem em tempos de pandemia, tem um aspeto que
queria gabar — e eu até reconheço que o autor por vezes me irrita —, a boa
toilette da argumentação, a preocupação em seguir, no fundo, a arrumação
argumento + exemplo, argumento + exemplo, e a elegância da introdução e da
conclusão. É um bom modelo do que seria uma excelente parte III de exame,
embora tenha decerto muito mais palavras do que as permitidas neste tipo de
itens. Um bom texto argumentativo vosso teria sempre de ser muito mais
condensado.
O argumento 1 está
nos parágrafos 2, 3 e 4 (de «Bem sei [...]» até «mas ajuda») e é, no fundo, ‘o
conhecimento fornecido pela vida é útil se a vida for mesmo vivida (e não a
ilusão de vida das redes sociais) e, sobretudo, se for apoiado em livros,
filmes, etc.’. Os exemplos para este argumento estão nos parágrafos 5 e 6 (de
«Quem lê [...]» a «mas ajuda»).
O argumento 2 está
nos parágrafos 7 e 8 («O problema» a «obrigação»): ‘nos tempos que correm a boa
informação é bloqueada e substituída pela desinformação, o que faria mais
premente o referido no argumento 1’. Os exemplos, neste caso, estão perto do
argumento, no parágrafo 8 (é a lista de desinformações ou teorias da
conspiração).
A introdução é o
parágrafo 1. Deixa bem clara a posição do cronista e até antecipa a linha da
argumentação.
A conclusão é o
parágrafo 9. Retoma implicitamente o que já expendido ao longo do artigo mas
através de alusão historiográfica, à obra de Gibbon sobre a queda do império
romano. Esta alusão é um duplo exemplo: JJP mostra como lhe é útil conhecer o livro
daquele historiador e a citação ilustra como a ignorância dos últimos romanos
os prejudicou.
Do Inimigo Público retirei o recorte em
cima, mas não sei se podemos brincar com estas coisas. Se calhar, não devia.
Ainda sobre Covid-19,
esta explicação etimológica por Frederico Lourenço, escritor, tradutor,
professor de grego e latim, merece leitura:
Cheio de remorsos por
ter brincado com coisas sérias, deixo dois contributos com máscaras úteis
nestes tempos de pandemia:
Passamos a uma parte mais
gramatical da aula.
Ainda uma pergunta de
exame sobre sentidos conferidos por marcadores
discursivos (solução na Apresentação da aula):
2018, 1.ª fase
4. As expressões «Quer dizer» (linha 17) e «Dito de
outro modo» (linha 21), seguidas de dois pontos [«Quer dizer: são as culturas
que criam os termos, os mantêm e desenvolvem, vá lá alguém saber exatamente
porquê. Todavia, não é a língua portuguesa que é mais saudosa que as outras,
mas os portugueses que, por qualquer razão, insistem mais nesse sentimento. […]
Assim, o termo ganhou uma extensão invulgar que as metáforas ainda alargaram
mais. Ora, em semântica, é regra fundamental que o significado é o uso. Dito de
outro modo: para se saber o que significa uma palavra ou uma expressão,
analisa-se o contexto em que é usada.»], introduzem, respetivamente, sequências
textuais em que o autor
(A) apresenta
um argumento novo e reforça as ideias anteriormente apresentadas.
(B) sintetiza
o conteúdo do parágrafo e explica a ideia anteriormente expressa.
(C) fundamenta
o seu ponto de vista e introduz novos argumentos.
(D)
problematiza a ideia apresentada anteriormente e exemplifica o seu ponto de
vista.
O questionário que se
segue é do manual Entre Nós e as Palavras,
da editora Santillana. É um questionário que percorre os vários assuntos de
gramática sobre que mais incide o programa e os itens são de dificuldade média
ou, por vezes alta, pelo que se trata de uuma boa aferição. Todos estes
assuntos os temos dado, ou revisto, recentemente, à exceção dos dos itens 17-22
(que têm que ver com a história da língua — é uma matéria a que teremos de
voltar, ainda que o que está nas pp. 2-5 do anexo do manual pudesse ajudar).
Experimenta resolver
estas vinte e oito perguntas (podes saltar ou não as perguntas 17-22). Solução
fica na Apresentação (eventualmente, com alguns comentários nas mais difíceis —
eventualmente = ‘talvez’; não é no sentido inglês, ‘finalmente’, um falso amigo
que tantos já cometem). Depois de confrontares os teus resultados com os na Apresentação,
podes anotar o número de respostas certas (#/28).
1. Identifique o sujeito da seguinte
frase: «O Livro do desassossego,
assinado pelo semi-heterónimo Bernardo Soares, é composto por diversos
fragmentos.»
2. Qual é a função sintática do vocábulo
«futurista» na frase «A "Ode triunfal" pertence à fase futurista de
Campos.»?
3. Na frase «Caeiro, o poeta bucólico,
escreveu "O guardador de rebanhos".» o constituinte «poeta bucólico»
desempenha a função sintática de complemento do nome?
4. Na frase «Os alunos lembram-se da
teoria do fingimento», qual é a função sintática do constituinte «da teoria do
fingimento»?
5. Na frase «As críticas que Camões faz
na sua epopeia continuam atuais.», o adjetivo desempenha a função sintática de
complemento direto?
6. Na frase «Os alunos consideram O ano da morte de Ricardo Reis a melhor
obra de Saramago.», indique a função sintática do constituinte «a melhor obra
de Saramago».
7. Qual é a função sintática desempenhada
pelos advérbios na frase «Ruy Belo procura intervir social e politicamente
através da poesia.»?
8. Em «Ela canta, pobre ceifeira, /
Julgando-se feliz talvez», qual é a função sintática desempenhada pelo
advérbio?
9. Qual é a função sintática do pronome
relativo na frase «Os poemas que Cesário Verde escreveu foram editados por
Silva Pinto.»?
10. Na frase «É incrível que Fernando
Pessoa se tenha desdobrado em tantos heterónimos.», a oração introduzida pela
conjunção «que» é uma subordinada (adverbial) consecutiva?
11. Classifique a oração subordinada na
frase «O Padre António Vieira critica os colonos do Maranhão, onde pregou o seu
sermão.».
12. Classifique a oração subordinada na
frase «Ainda que a mãe a tentasse demover, Inês Pereira casa-se com o
Escudeiro.».
13. A oração introduzida pela conjunção
na frase «Os alunos gostaram do conto "Famílias desavindas", de Mário
de Carvalho, pois tem uma dimensão irónica.» é uma subordinada causal?
14. No verso «O mito é o nada que é
tudo.», a oração subordinada é uma (adjetiva) relativa restritiva?
15. Classifique a oração «Quem tem
hábitos de leitura» na frase «Quem tem hábitos de leitura tem mais facilidade
na língua portuguesa.»
16. Na frase «Camões é o nosso cantor
épico, logo é um símbolo nacional.», classifique a oração introduzida pela
conjunção.
17. A palavra «cegonha» teve origem no
termo latino «ciconia». Enumere os
processos fonológicos que se verificaram nessa evolução.
18. Qual é o nome que se dá à queda de um
segmento sonoro no meio de uma palavra?
19. Embora tenham formas e sentidos
diferentes, as palavras «plano» e «chão» provêm do mesmo étimo latino: «planum». Por isso, designam-se
palavras...
20. Quais são as três variedades da
língua portuguesa?
21. Indique cronologicamente as três
fases da evolução do português.
22. Diga o nome de quatro línguas
românicas.
23. Qual é o tipo de modalidade expressa
na frase «Talvez os alunos gostem dos poetas portugueses do século xx.»
24. Na frase «O poeta é um fingidor.»,
indique o valor aspetual traduzido pela forma verbal.
25. Qual é o mecanismo de coesão lexical
presente na frase «Almeida Garrett e Alexandre Herculano foram escritores
românticos.»?
26. Na frase «Pedro da Maia, personagem
romântica, suicida-se, dado que foi incapaz de suportar a traição de Maria
Monforte.» utiliza-se a coesão interfrásica?
27. Identifique dois deíticos presentes
na frase: «Quem te diria que eu morri, se não fosse eu mesma, Simão?».
28. Identifique o processo irregular de
formação de palavras presente na frase «Li um fragmento do Livro do desassossego em PDF.».
[Vê a
apresentação:]
Como tenho agora
muitas canções sugeridas por alunos de todas as turmas, e não as posso usar
como fazia em aula, vou aproveitar algumas para breve análise da letra.
Começo pelo
celebérrimo «Águas de março», de António Carlos Jobim (Tom Jobim). Ficam duas
versões, uma cantada pelo próprio Tom Jobim (na imagem fixa, à direita está o
poeta Vinícius de Moraes); e, mais à frente, outra, em parceria com Elis
Regina:
E a letra:
Águas de março (Tom Jobim)
É o pau, é a pedra, é o fim do caminho
É um resto de toco, é um pouco sozinho
É um caco de vidro, é a vida, é o sol
É a noite, é a morte, é um laço, é o anzol
É peroba no campo, é o nó da madeira
Caingá candeia, é o matita-pereira
É madeira de vento, tombo da ribanceira
É o mistério profundo, é o queira ou não queira
É o vento ventando, é o fim da ladeira
É a viga, é o vão, festa da ciumeira
É a chuva chovendo, é conversa ribeira
Das águas de março, é o fim da canseira
É o pé, é o chão, é a marcha estradeira
Passarinho na mão, pedra de a tiradeira
É uma ave no céu, é uma ave no chão
É um regato, é uma fonte, é um pedaço de pão
É o fundo do poço, é o fim do caminho
No rosto um desgosto, é um pouco sozinho
É um estepe, é um prego, é uma conta, é um conto
É um pingo pingando, é uma conta, é um ponto
É um peixe, é um gesto, é uma prata brilhando
É a luz da manhã, é o tijolo chegando
É a lenha, é o dia, é o fim da picada
É a garrafa de cana, o estilhaço na estrada
É o projeto da casa, é o corpo na cama
É o carro enguiçado, é a lama, é a lama
É um passo, é uma ponte, é um sapo, é uma rã
É um resto de mato na luz da manhã
São as águas de março fechando o verão
É a promessa de vida no teu coração
É uma cobra, é um pau, é João, é José
É um espinho na mão, é um corte no pé
São as águas de março fechando o verão
É a promessa de vida no teu coração
É pau, é pedra, é o fim do caminho
É um resto de toco, é um pouco sozinho
É um passo, é uma ponte, é um sapo, é uma rã
É um belo horizonte, é uma febre terça
São as águas de março fechando o verão
É a promessa de vida no teu coração
O G. S., que me sugeriu a canção, esqueceu-se de que ela não serviria
para análise sintática (é todo um conjunto de verbos copulativos + predicativos
do sujeito, ficando ausente o sujeito — subentido como o que está à nossa
frente, o que estamos a viver). Em termos de classificação de orações também
não poderia fazer muito com esta belíssima letra: teríamos de dizer que toda a
canção é uma sequência de coordenadas assindéticas (umas com vírgula, outras em
que a vírgula coincidiria com o final do verso). Se quiséssemos verificar
figuras de estilo (recursos estilísticos), diríamos que é uma longa enumeração,
com o recurso à anáfora («é» no início de cada verso ou de cada segmento).
Muitas vezes, esses segmentos recorrem a outras figuras. Ao lado de objetos,
trechos de paisagens, há predicativos que são mais «denotativos» — «o projeto da casa», «o corpo na cama», «a promessa de vida no
teu coração», «no rosto um desgosto —; também há umas «entre aliterações e
pleonasmos»: «vento ventando», «pingo pingando», «chuva chovendo».
A estratégia do poema é muito simples. Enunciam-se
marcas de um março chuvoso vivido pelo «eu»; no final, anuncia-se o que virá
depois: «são as águas de março fechando o verão / É a promessa de vida no teu
coração». É preciso ver que as «águas de março», no Brasil (pelo menos na
região que estaria em causa), marcam o fim do verão, anunciam o outono.
Já depois de escrever o que ficou em cima,
vejo na net uma série de interpretações biográficas. A canção teria que ver com
uma reação política e com um festival, da Globo, de que Jobim e outros
músicos hoje famosos (a geração de Chico Buarque, Caetano Veloso etc.) se
retiraram, em protesto. Estaria também inspirada por uma estada no «sítio» — a
casa de campo — e com um projeto de construção de casa empreendido por Jobim.
Agora, com a melodia da canção na cabeça,
escreve uma estrofe substituta da última. Mantém só o que já escrevi nas linhas
a seguir. Adaptei ao caso português (por isso também o gerúndio foi trocado por «a + Infinitivo»). Procura que a letra seja cantável segundo a melodia que já
conheces (e, repito, transpondo para o contexto português — logo, para o fim do inverno).
É uma cobra, é um pau, é João, é José
É um espinho na mão, é um corte no pé
São as águas de março fechando o verão
É a promessa de vida no teu coração
É pau, é pedra, é o fim do caminho
É um resto de toco, é um pouco sozinho
É um passo, é uma ponte, é um sapo, é uma rã
É um belo horizonte, é uma febre terça
São as águas de março fechando o verão
É a promessa de vida no teu coração
A tua estrofe:
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a fechar o inverno
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São as águas de março a fechar o inverno
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TPC — Não te esqueças do envio pedido no tepecê da
última aula. (Ao contrário, o que fizemos hoje não é para me enviares, pelo
menos por agora.)
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