Sunday, August 20, 2017

Rui Zink


No nosso manual (Mensagens, 10.º ano, pp. 235-236) transcrevem-se de O Anibaleitor passagens que na edição original (Lisboa, Teorema, 2006) estão entre as pp. 30 e 52:
«Foste magnífico, grumete, e por isso serás recompensado. Se não fosses tu, teríamos de dar meia-volta e regressar a casa de mãos vazias. Assim, graças a ti, podemos continuar a nossa aventura.» [... ]
Sobre a mesa, ao lado de uma travessa com cebolas, estava — aberto — o mapa.
«Sabes ler, grumete?»
Eu fiz que sim. Sabia ler maizoumenos, mas isso não lhe disse. [... ]
[Comecei a ler o mapa curtido em pele humana:]
Se lerdes este maba, é sinal que encontrásteis o cabinho para a toca de um estranho anibal, ao qual dou o nobe de Anibal Leitor. O Anibal Leitor é um bicho bedonho que tem cobo brincibal qualidade o bício de ler... Lê buito, só o bício de ler subera o abetite do Anibal Leitor.
«Então? Conseguiste ler?»
«Sim, mas custa um bocado.»
«Por causa dos bês, não é?» [... ]
«Não sei», confessei, sentindo-me estúpido. «Parece português, mas é um bocado esquisito. Talvez por ser escrita antiga...»
«Antiga uma ova. A única coisa que acontece é: o homem que escreveu isto... estaba consdipado!» [... ]
E entendi, então, o autor do mapa estava simplesmente constipado. [...]
«T-tu... Tu és o Anibaleitor?»
A desmesurada criatura fez que sim com a cabeçorra. [...]
«Tu... Tu conheces a Bíblia?»
«Claro que conheço. Um livro bem giro, por acaso, cheio de ação e aventura.» O colosso franziu a testa. «Tu não?»
«Sim... Não... Quero dizer, conheço, mas não conheço.»
«Mau. Leste ou não leste?»
«Ler, ler, não.» [...]
«Não faço menos que os outros. Agora já quase ninguém lê.» [...]
«Não leem? Então o que fazem? Como passam o tempo?»
«Bem, dão muitos desafios na televisão. Por causa do campeonato. [...] E há os concursos. E as novelas...»[...]
«Tu... Tu comes mesmo pessoas?»
A criatura fez um ar modesto:
«Bem, que posso dizer? Sou um freguês de muito alimento.»
«A sério? Comes mesmo?»
«Gosto muito sobretudo de língua portuguesa...»

Neste depoimento sobre livro de que gostasse de ter sido autor, Rui Zink refere As Cidades Invisíveis, de Italo Calvino, que alguns de vocês terão lido há pouco (estava na lista de obras para leitura) e outros podem ler agora, já que, com boa vontade, podemos incluir o livro na categoria de «livros de viagem»:


            Do mesmo Italo Calvino lhes aconselharia eu qualquer um dos livros que constituem ‘Os Nossos Antepassados’: O Cavaleiro Inexistente, O Barão Trepador, O Visconde Cortado ao Meio (falta a capa do Visconde, que emprestei, e não apenas uma sua metade):


E aqui, há oito anos — «Rui Zink, professor e escritor, 49 anos» (Público) —, Rui Zink aludia à sua experiência de professor, à infância, à maturidade, mas também à mágoa de que O Anibaleitor não tivesse sido recenseado no mesmo Público que lhe pedia depoimentos — ora aqui está uma boa sugestão: escreverem e publicarmos aqui apreciações críticas acerca de O Anibaleitor.

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