Rui Zink
No nosso manual (Mensagens, 10.º ano, pp. 235-236) transcrevem-se
de O Anibaleitor passagens que na edição original (Lisboa, Teorema,
2006) estão entre as pp. 30 e 52:
«Foste magnífico,
grumete, e por isso serás recompensado. Se não fosses tu, teríamos de dar
meia-volta e regressar a casa de mãos vazias. Assim, graças a ti, podemos
continuar a nossa aventura.» [... ]
Sobre a mesa, ao lado de
uma travessa com cebolas, estava — aberto — o mapa.
«Sabes ler, grumete?»
Eu fiz que sim. Sabia
ler maizoumenos, mas isso não lhe
disse. [... ]
[Comecei a ler o mapa
curtido em pele humana:]
Se lerdes este maba, é sinal que encontrásteis o cabinho para
a toca de um estranho anibal, ao qual dou o nobe de Anibal Leitor. O Anibal
Leitor é um bicho bedonho que tem cobo brincibal qualidade o bício de ler... Lê
buito, só o bício de ler subera o abetite do Anibal Leitor.
«Então? Conseguiste
ler?»
«Sim, mas custa um
bocado.»
«Por causa dos bês, não
é?» [... ]
«Não sei», confessei,
sentindo-me estúpido. «Parece português, mas é um bocado esquisito. Talvez por
ser escrita antiga...»
«Antiga uma ova. A única
coisa que acontece é: o homem que escreveu isto... estaba consdipado!» [... ]
E entendi, então, o
autor do mapa estava simplesmente constipado. [...]
«T-tu... Tu és o
Anibaleitor?»
A desmesurada criatura
fez que sim com a cabeçorra. [...]
«Tu... Tu conheces a
Bíblia?»
«Claro que conheço. Um
livro bem giro, por acaso, cheio de ação e aventura.» O colosso franziu a
testa. «Tu não?»
«Sim... Não... Quero
dizer, conheço, mas não conheço.»
«Mau. Leste ou não
leste?»
«Não faço menos que os
outros. Agora já quase ninguém lê.» [...]
«Não leem? Então o que
fazem? Como passam o tempo?»
«Bem, dão muitos
desafios na televisão. Por causa do campeonato. [...] E há os concursos. E as
novelas...»[...]
«Tu... Tu comes mesmo pessoas?»
A criatura fez um ar
modesto:
«Bem, que posso dizer?
Sou um freguês de muito alimento.»
«A sério? Comes mesmo?»
«Gosto muito sobretudo
de língua portuguesa...»
Neste depoimento sobre livro de que gostasse de ter sido autor, Rui Zink refere As
Cidades Invisíveis, de Italo Calvino, que alguns de vocês terão lido há
pouco (estava na lista de obras para leitura) e outros podem ler agora, já que,
com boa vontade, podemos incluir o livro na categoria de «livros de viagem»:
Do mesmo Italo Calvino lhes aconselharia eu qualquer um
dos livros que constituem ‘Os Nossos Antepassados’: O Cavaleiro Inexistente,
O Barão Trepador, O Visconde Cortado ao Meio (falta a capa do Visconde, que emprestei, e não apenas uma sua metade):
E aqui, há oito anos — «Rui Zink, professor e escritor, 49 anos» (Público) —, Rui Zink aludia à sua experiência de professor, à infância, à maturidade, mas também à mágoa de que O Anibaleitor não tivesse sido recenseado no mesmo Público que lhe pedia depoimentos — ora aqui está uma boa sugestão: escreverem e publicarmos aqui apreciações críticas acerca de O Anibaleitor.
Cfr. secções sobre Autores ex-alunos do AeB; Adília Lopes; Manuel João Ramos; Luís Soares
0 Comments:
<< Home