Texto (9)
Cem poemas de Torga / Cem estrofes apócrifas São aqui reproduzidos cem poemas de Miguel Torga. Cada um dos cem textos tem uma estrofe falsa — criada por um aluno. Essa estrofe foi escrita de modo a que não fosse fácil distingui-la das restantes, as verdadeiramente torguianas. Na exposição — que esteve à entrada do CRE entre 20 de Novembro e o final do 1.º período — as estrofes apócrifas não eram identificadas (até eram, mas escondidamente: eram as estrofes que tinham ao lado alguma imagem). Aqui, as estrofes falsas — escritas pelo aluno cujo nome subscreve o poema — vão marcadas com um # à esquerda do seu primeiro verso. Os poemas estão agrupados por turmas: primeiro, os do 10.º 1.ª; depois, os do 10.º 2.ª; do 10.º 4.ª, do 10.º 5.ª e, por fim, os do 10.º 6.ª. [Quanto à imagem que ponho à direita, clicável, notem que parece tratar-se de resposta de Torga ao mesmo inquérito a que respondeu Graciliano Ramos («Auto-retrato aos 56 anos», p. 28 do manual) e sobre cujo modelo também escreveram vocês]
Tormenta
Noite medonha, aquela!
O mar tanto engolia a caravela
Como a exibia à tona, desmaiada!
No abismo do céu nem uma estrela!
E a cruz de Cristo, a agonizar na vela,
Suava sangue sem poder mais nada!
A fúria cega dum tufão raivoso
Vinha das trevas desse Tenebroso
E varria a quimera do convés...
O mastro grande que Leiria deu
Era um homem de pinho, mas caiu
Quando um raio o abriu de lés a lés...
Novo guarda dos rumos da Nação,
O piloto guiava a perdição
Como um pai os destinos do seu lar...
Até que o lar inteiro se desfez.
Até que ao pai chegou também a vez
De fazer uma prece e descansar...
O gajeiro sem gávea, dessa altura
Que a alma atinge ao rés da sepultura,
Olhou ainda a bruma em desafio...
Mas a Sereia Negra, que cantava
No coração do mar, tanto chamava,
Que ele deu-lhe aquele olhar cansado e frio.
O naufrágio alargou-se ao mar inteiro.
E o corpo morto dum herói, primeiro
Cruzado da unidade deste mundo,
No dorso frio duma onda irada,
Mandou aos mortos, com a mão na espada,
Boiar o sonho, que não fosse ao fundo.
#Tudo se perde da vista,
Mas logo costa se avista:
É algo que o herói merece,
Depois de tanta tormenta,
Depois da noite sangrenta,
Ouvirem todos a sua prece.
[Tiago S. (10.º 1.ª). O poema — sem a estrofe falsa — está em: Miguel Torga, Poesia Completa, II, 2007, p. 261]
Lua Nova
Desenha-se no céu a lua nova,
Límpida, casta, tenra como um gomo
De um alto, doce e sumarento pomo
Que a gula adeja, violenta e prova.
Vem doutra lua velha, sonolenta,
Com versos gastos, poeirentos, frios;
Vem com os seus bicos doutros céus vazios
Onde a seiva cansada não fermenta.
Puro crescente branco da vontade,
Enquanto a noite, horizontal, ressona,
Mais se precisa, mais exibe à tona
A sua genuína mocidade.
#Diabos descem em voo picado,
Enquanto a lua continua a cintilar;
Seus mortos nos túmulos a despertar
Para anunciar o crime do pecado.
[Laura (10.º 1.ª). O poema — sem a estrofe falsa — está em: Miguel Torga, Poesia Completa, I, 2007, p. 176]
Voz
Era uma voz que doía,
Mas ensinava.
Descobria,
Mal o seu timbre se ouvia
No silêncio que escutava.
Paraísos, não havia.
Purgatórios não mostrava.
Limbos, sim, é que dizia
Que os sentia,
Pesados de covardia,
Lá na terra onde morava.
#Era uma voz afinada,
Que cantava
Na alegria da madrugada.
Mas quase não falava,
Quando estava desolada.
E morava neste mundo
Aquela voz.
Morava mesmo no fundo
Dum poço dentro de nós.
[Brigitta (10.º 1.ª). O poema — sem a estrofe falsa — está em: Miguel Torga, Poesia Completa, I, 2007, p. 178]
Termo
Pára, imaginação!
Não há mais aventura, nem poesia.
A hora é de finados,
Com versos apagados
Na lareira onde a fogueira ardia.
Pára, é da lei.
Agora é só cansaço desiludido
E memória teimosa que entristece
O nada que acontece
E o muito acontecido.
Pára, porque findou
O tempo intemporal
Do amor e da graça concedida
A quem nele, no seu barro original,
Modela a própria vida.
#Pára, se existes.
Oh! Universo infinito!
Desconhecido, bonito,
Quem te conhece é sortudo.
Pára! Tu que és nada em tudo!
[Mariza (10.º 1.ª). O poema — sem a estrofe falsa — está em: Miguel Torga, Poesia Completa, II, 2007, p. 477]
Ordem
Este relógio de sala
Que marca as horas passadas
Aqui ao lado,
Fala
Como um deus aos seus fiéis.
De silêncios abismais,
Coberto de majestade,
Sem dizer com que verdade,
Bate as seis.
#E verdadeiramente me acorda
Desta poltrona aconchegada!
A verdade é que sinto a chamada
Duma força que não sei qual é.
Acorda-me de infinita depressão,
Diz que sim,
Está a chamar-me a mim.
Vem, retira-me esta motivação.
E o que é certo é que desperta
A vida na sua cama!
O que é certo é que me chama
Para não sei que rigor
De infindável penitência.
E me faz
Mais algum tempo capaz
De suor e paciência.
[Ana (10.º 1.ª). O poema — sem a estrofe falsa — está em: Miguel Torga, Poesia Completa, I, 2007, p. 245]
Marão
Serra, seio de pedra
Onde mamei a infância.
Amor de mãe, que medra
Quando medra a distância.
Dura severidade
Tapetada de acenos
Às ilusões da idade
E aos deslizes pequenos.
#Momentos de alegria,
No balançar dos arvoredos.
Minha serra me oferecia
Entre os seus penedos.
Velha raiz segura
À universal certeza
De um gesto de ternura
E um pouco de beleza.
[Eliana (10.º 1.ª). O poema — sem a estrofe falsa — está em: Miguel Torga, Poesia Completa, I, 2007, p. 248]
Romance
Um cavaleiro e uma dama,
Cada qual na sua cama,
Lado a lado;
Mas voltados,
De modo que ele a não veja
E ela tenha de o ver.
Isto à sombra de uma igreja
Que os há-de absolver!
#Tanta crença num romance
Para depois o desfazer,
Para o amor,
Que parecia nascer;
Deu tanta dor e sofrimento
À bela dama sepultada,
Que não pôde deixar de ser ignorada
Pelo cavaleiro honrado e violento.
Traição dela?
Excesso dele?
Segredos que o tempo leva,
Mas deixam mágoas de pedra...
Até numa sepultura
A raiz duma amargura
Encontra o sol de que medra.
Dorme, dorme, cavaleiro,
Com tuas barbas honradas;
Dorme, também, linda dama,
Com tuas contas passadas
E teus véus medievais.
E o pecado
Deixai-o assim acordado
Para exemplo dos mortais.
[Luís (10.º 1.ª). O poema — sem a estrofe falsa — está em: Miguel Torga, Poesia Completa, I, 2007, p. 249]
Solidão
Só, como a fonte no areal sem vida.
Só, como o sol no céu deserto.
Só, de cabeça erguida,
Humanamente certo.
Só, a nascer, a ser e a morrer,
Recto como um pinheiro que brotou
E cresceu e caiu, sem se torcer
Ao tempo vário que por ele passou.
#Só, como um olhar sem emoção.
Só, como o assobio do vento.
Só, de mão no coração.
Já nem sei se tento.
[Carolina (10.º 1.ª). O poema — sem a estrofe falsa — está em: Miguel Torga, Poesia Completa, I, 2007, p. 250]
Embalo
Sono ao cantar das águas, ópio leve
A quem se empresta à vida...
Brando Deus que nos compra e que nos deve
À nossa Deusa mãe adormecida.
Frescos, os sonhos passam
Na tela etérea e branca das espumas...
Frescas mãos de ninguém os amordaçam
E apagam nos abismos e nas brumas.
#Embalados, já não pensamos,
Apenas fazemos movimentos:
De olhos fechados, dançamos,
Temos os nossos momentos.
Um pesadelo só de vez em quando:
E se o Deus adormece?
Mas o Deus acordado vai cantando
A música imortal que nos merece...
[Soraia (10.º 1.ª). O poema — sem a estrofe falsa — está em: Miguel Torga, Poesia Completa, I, 2007, p. 251]
Pergunta
#Duna que Deus criou, o grande criador,
Mas tudo o que existe é arenoso:
Versos aqui?, ou sinto o calor,
E sou apenas um ser sequioso?
Duna que o vento ergueu, monte de vento,
Onde tudo que nasce é movediço:
Versos aqui?, ou sigo o movimento,
E sou mais uma areia ao teu serviço?
Duna em que sou arado
À procura da terra da firmeza:
Versos aqui?, ou vou melhor calado,
Cheio de desespero e de certeza?
[Cláudia (10.º 1.ª). O poema — sem a estrofe falsa — está em: Miguel Torga, Poesia Completa, I, 2007, p. 256]
Douro
Cai o sol nas ramadas.
O sol, esse Van Gogh desumano...
E telas amarelas, calcinadas,
Fremem nos olhos como um desengano.
#As árvores ganham outra cor;
As caras reflectem alegria imensa,
Na companhia daquele senhor
E da visão que hoje compensa.
A cor da vida foi além de mais!
Lume e poeira, sem que o verde possa
Refrescar os craveiros e os tendais
De uma paisagem mais secreta e nossa.
Apenas uma fímbria namorada,
Vermelha e roxa, se desenha ao fundo...
O mosto de uma eterna madrugada
Que vem do incêndio refrescar o mundo.
[Joana (10.º 1.ª). O poema — sem a estrofe falsa — está em: Miguel Torga, Poesia Completa, I, 2007, p. 258]
Conquista
De que abismos irrompe a madrugada
E, feliz, amanhece!
Favorita velada
Do loiro sol que a aquece
Do seu alto passeio,
Vem da noite orvalhada
E rasga o manto onde escondia o seio.
#Inunda a terra de felicidade,
Enche os animais de alegria
E, com muita amabilidade,
Acorda quem nos sonhos se refugia,
Quem o sossego aprecia.
E o seu corpo presente
Brota como as ervilhas nos canteiros.
Alvo de amor, contente,
Dá flores, dá frutos, sente,
E cantam-lhe aves nos pendões cimeiros.
Alegria é o seu nome verdadeiro.
Frescura a sua imagem natural.
Lutou pelo caminho traiçoeiro,
Quase um sapo a comeu num lodaçal.
Mas o dia rompeu,
E o mundo, agora, é luminoso e seu!
[João Af. D. (10.º 1.ª). O poema — sem a estrofe falsa — está em: Miguel Torga, Poesia Completa, I, 2007, p. 260]
Fantasia
Canto ou não canto o limoeiro
Aqui ao lado?
Ele é tão delicado!
Tem um jeito tão puro
De se encostar ao muro
Onde vive encostado...
Canto ou não canto as tetas de donzela
Que daqui da janela
Vejo no limoeiro?
Elas são tão maduras...
E tão duras...
Têm uma cor e um cheiro...
#Imagens eróticas causam alegria,
Dando vida à minha fantasia;
Mulher sensual instiga a minha imaginação.
Tão bela,
A voluptuosa donzela,
Que me causa esta inexplicável sensação...
Canto!
Nem serei o primeiro,
Nem eu sou nenhum santo!
[Micaela (10.º 1.ª). O poema — sem a estrofe falsa — está em: Miguel Torga, Poesia Completa, I, 2007, p. 263]
Maldição
Quebrar a calma deste lago morto!
Fazê-lo rio, eterno caminhante!
Barco inquieto que não tenha porto,
Corpo com frio quando o sol levante!
Uma pedra, talvez... Uma ironia,
Um poema, uma prece...
Mas nem Deus poderia
Salvar o que é feliz porque apodrece.
#Assim é o corpo do defunto...
É não é como o mel!
Só com a vida pode estar junto,
Mas, no fim, sempre parece cruel!
[António (10.º 1.ª). O poema — sem a estrofe falsa — está em: Miguel Torga, Poesia Completa, I, 2007, p. 274]
Poesia
#A manhã é como a poesia,
O espaço é como o dia,
As sensações são perdidas no momento,
Os sons dão-me alento,
A inspiração arrepia.
É dia no outro mundo
Dos versos.
Abriu-se a noite num halo
De véu caído,
E uma mensagem de charco
Purificado
Entra, branca, no ouvido...
E há um ouvido acordado.
Pelos fios do luar
Etéreos sons, melodias,
Vão chegando.
E são as valas sombrias
E os juncos negros da lama
Que se iluminam na chama
Dessa fogueira secreta
Que queima os lençóis da cama
Do Poeta.
Sinais perdidos no espaço?
Mas é no morse de imagens,
Na espectral telegrafia,
Que são reais as paisagens
Da Poesia.
[João G. (10.º 1.ª). O poema — sem a estrofe falsa — está em: Miguel Torga, Poesia Completa, I, 2007, p. 285]
Magia
#Quando era pequenino,
O mundo para mim era só magia,
Do vinho já bebia o quinino,
De tudo saía uma doce melodia.
Às vezes parava o tempo
Como um levita esquecido
Na comunhão.
Parava-o, e ficava atento,
A ver a cor do milagre
A desmaiar-lhe na mão.
Era só erguer a pena
Dum verso já começado,
Dobrar a ponta da antena
No telhado.
Parava o tempo, e parava
O movimento de tudo;
O povo ficava mudo,
A beleza por cantar;
Era um mundo que lembrava
Um verso por acabar.
[Pedro C. (10.º 1.ª). O poema — sem a estrofe falsa — está em: Miguel Torga, Poesia Completa, I, 2007, p. 287]
Tormenta
Noite medonha, aquela!
O mar tanto engolia a caravela
Como a exibia à tona, desmaiada!
No abismo do céu nem uma estrela!
E a cruz de Cristo, a agonizar na vela,
Suava sangue sem poder mais nada!
A fúria cega dum tufão raivoso
Vinha das trevas desse Tenebroso
E varria a quimera do convés...
O mastro grande que Leiria deu
Era um homem de pinho, mas caiu
Quando um raio o abriu de lés a lés...
Novo guarda dos rumos da Nação,
O piloto guiava a perdição
Como um pai os destinos do seu lar...
Até que o lar inteiro se desfez.
Até que ao pai chegou também a vez
De fazer uma prece e descansar...
O gajeiro sem gávea, dessa altura
Que a alma atinge ao rés da sepultura,
Olhou ainda a bruma em desafio...
Mas a Sereia Negra, que cantava
No coração do mar, tanto chamava,
Que ele deu-lhe aquele olhar cansado e frio.
O naufrágio alargou-se ao mar inteiro.
E o corpo morto dum herói, primeiro
Cruzado da unidade deste mundo,
No dorso frio duma onda irada,
Mandou aos mortos, com a mão na espada,
Boiar o sonho, que não fosse ao fundo.
#Tudo se perde da vista,
Mas logo costa se avista:
É algo que o herói merece,
Depois de tanta tormenta,
Depois da noite sangrenta,
Ouvirem todos a sua prece.
[Tiago S. (10.º 1.ª). O poema — sem a estrofe falsa — está em: Miguel Torga, Poesia Completa, II, 2007, p. 261]
Lua Nova
Desenha-se no céu a lua nova,
Límpida, casta, tenra como um gomo
De um alto, doce e sumarento pomo
Que a gula adeja, violenta e prova.
Vem doutra lua velha, sonolenta,
Com versos gastos, poeirentos, frios;
Vem com os seus bicos doutros céus vazios
Onde a seiva cansada não fermenta.
Puro crescente branco da vontade,
Enquanto a noite, horizontal, ressona,
Mais se precisa, mais exibe à tona
A sua genuína mocidade.
#Diabos descem em voo picado,
Enquanto a lua continua a cintilar;
Seus mortos nos túmulos a despertar
Para anunciar o crime do pecado.
[Laura (10.º 1.ª). O poema — sem a estrofe falsa — está em: Miguel Torga, Poesia Completa, I, 2007, p. 176]
Voz
Era uma voz que doía,
Mas ensinava.
Descobria,
Mal o seu timbre se ouvia
No silêncio que escutava.
Paraísos, não havia.
Purgatórios não mostrava.
Limbos, sim, é que dizia
Que os sentia,
Pesados de covardia,
Lá na terra onde morava.
#Era uma voz afinada,
Que cantava
Na alegria da madrugada.
Mas quase não falava,
Quando estava desolada.
E morava neste mundo
Aquela voz.
Morava mesmo no fundo
Dum poço dentro de nós.
[Brigitta (10.º 1.ª). O poema — sem a estrofe falsa — está em: Miguel Torga, Poesia Completa, I, 2007, p. 178]
Termo
Pára, imaginação!
Não há mais aventura, nem poesia.
A hora é de finados,
Com versos apagados
Na lareira onde a fogueira ardia.
Pára, é da lei.
Agora é só cansaço desiludido
E memória teimosa que entristece
O nada que acontece
E o muito acontecido.
Pára, porque findou
O tempo intemporal
Do amor e da graça concedida
A quem nele, no seu barro original,
Modela a própria vida.
#Pára, se existes.
Oh! Universo infinito!
Desconhecido, bonito,
Quem te conhece é sortudo.
Pára! Tu que és nada em tudo!
[Mariza (10.º 1.ª). O poema — sem a estrofe falsa — está em: Miguel Torga, Poesia Completa, II, 2007, p. 477]
Ordem
Este relógio de sala
Que marca as horas passadas
Aqui ao lado,
Fala
Como um deus aos seus fiéis.
De silêncios abismais,
Coberto de majestade,
Sem dizer com que verdade,
Bate as seis.
#E verdadeiramente me acorda
Desta poltrona aconchegada!
A verdade é que sinto a chamada
Duma força que não sei qual é.
Acorda-me de infinita depressão,
Diz que sim,
Está a chamar-me a mim.
Vem, retira-me esta motivação.
E o que é certo é que desperta
A vida na sua cama!
O que é certo é que me chama
Para não sei que rigor
De infindável penitência.
E me faz
Mais algum tempo capaz
De suor e paciência.
[Ana (10.º 1.ª). O poema — sem a estrofe falsa — está em: Miguel Torga, Poesia Completa, I, 2007, p. 245]
Marão
Serra, seio de pedra
Onde mamei a infância.
Amor de mãe, que medra
Quando medra a distância.
Dura severidade
Tapetada de acenos
Às ilusões da idade
E aos deslizes pequenos.
#Momentos de alegria,
No balançar dos arvoredos.
Minha serra me oferecia
Entre os seus penedos.
Velha raiz segura
À universal certeza
De um gesto de ternura
E um pouco de beleza.
[Eliana (10.º 1.ª). O poema — sem a estrofe falsa — está em: Miguel Torga, Poesia Completa, I, 2007, p. 248]
Romance
Um cavaleiro e uma dama,
Cada qual na sua cama,
Lado a lado;
Mas voltados,
De modo que ele a não veja
E ela tenha de o ver.
Isto à sombra de uma igreja
Que os há-de absolver!
#Tanta crença num romance
Para depois o desfazer,
Para o amor,
Que parecia nascer;
Deu tanta dor e sofrimento
À bela dama sepultada,
Que não pôde deixar de ser ignorada
Pelo cavaleiro honrado e violento.
Traição dela?
Excesso dele?
Segredos que o tempo leva,
Mas deixam mágoas de pedra...
Até numa sepultura
A raiz duma amargura
Encontra o sol de que medra.
Dorme, dorme, cavaleiro,
Com tuas barbas honradas;
Dorme, também, linda dama,
Com tuas contas passadas
E teus véus medievais.
E o pecado
Deixai-o assim acordado
Para exemplo dos mortais.
[Luís (10.º 1.ª). O poema — sem a estrofe falsa — está em: Miguel Torga, Poesia Completa, I, 2007, p. 249]
Solidão
Só, como a fonte no areal sem vida.
Só, como o sol no céu deserto.
Só, de cabeça erguida,
Humanamente certo.
Só, a nascer, a ser e a morrer,
Recto como um pinheiro que brotou
E cresceu e caiu, sem se torcer
Ao tempo vário que por ele passou.
#Só, como um olhar sem emoção.
Só, como o assobio do vento.
Só, de mão no coração.
Já nem sei se tento.
[Carolina (10.º 1.ª). O poema — sem a estrofe falsa — está em: Miguel Torga, Poesia Completa, I, 2007, p. 250]
Embalo
Sono ao cantar das águas, ópio leve
A quem se empresta à vida...
Brando Deus que nos compra e que nos deve
À nossa Deusa mãe adormecida.
Frescos, os sonhos passam
Na tela etérea e branca das espumas...
Frescas mãos de ninguém os amordaçam
E apagam nos abismos e nas brumas.
#Embalados, já não pensamos,
Apenas fazemos movimentos:
De olhos fechados, dançamos,
Temos os nossos momentos.
Um pesadelo só de vez em quando:
E se o Deus adormece?
Mas o Deus acordado vai cantando
A música imortal que nos merece...
[Soraia (10.º 1.ª). O poema — sem a estrofe falsa — está em: Miguel Torga, Poesia Completa, I, 2007, p. 251]
Pergunta
#Duna que Deus criou, o grande criador,
Mas tudo o que existe é arenoso:
Versos aqui?, ou sinto o calor,
E sou apenas um ser sequioso?
Duna que o vento ergueu, monte de vento,
Onde tudo que nasce é movediço:
Versos aqui?, ou sigo o movimento,
E sou mais uma areia ao teu serviço?
Duna em que sou arado
À procura da terra da firmeza:
Versos aqui?, ou vou melhor calado,
Cheio de desespero e de certeza?
[Cláudia (10.º 1.ª). O poema — sem a estrofe falsa — está em: Miguel Torga, Poesia Completa, I, 2007, p. 256]
Douro
Cai o sol nas ramadas.
O sol, esse Van Gogh desumano...
E telas amarelas, calcinadas,
Fremem nos olhos como um desengano.
#As árvores ganham outra cor;
As caras reflectem alegria imensa,
Na companhia daquele senhor
E da visão que hoje compensa.
A cor da vida foi além de mais!
Lume e poeira, sem que o verde possa
Refrescar os craveiros e os tendais
De uma paisagem mais secreta e nossa.
Apenas uma fímbria namorada,
Vermelha e roxa, se desenha ao fundo...
O mosto de uma eterna madrugada
Que vem do incêndio refrescar o mundo.
[Joana (10.º 1.ª). O poema — sem a estrofe falsa — está em: Miguel Torga, Poesia Completa, I, 2007, p. 258]
Conquista
De que abismos irrompe a madrugada
E, feliz, amanhece!
Favorita velada
Do loiro sol que a aquece
Do seu alto passeio,
Vem da noite orvalhada
E rasga o manto onde escondia o seio.
#Inunda a terra de felicidade,
Enche os animais de alegria
E, com muita amabilidade,
Acorda quem nos sonhos se refugia,
Quem o sossego aprecia.
E o seu corpo presente
Brota como as ervilhas nos canteiros.
Alvo de amor, contente,
Dá flores, dá frutos, sente,
E cantam-lhe aves nos pendões cimeiros.
Alegria é o seu nome verdadeiro.
Frescura a sua imagem natural.
Lutou pelo caminho traiçoeiro,
Quase um sapo a comeu num lodaçal.
Mas o dia rompeu,
E o mundo, agora, é luminoso e seu!
[João Af. D. (10.º 1.ª). O poema — sem a estrofe falsa — está em: Miguel Torga, Poesia Completa, I, 2007, p. 260]
Fantasia
Canto ou não canto o limoeiro
Aqui ao lado?
Ele é tão delicado!
Tem um jeito tão puro
De se encostar ao muro
Onde vive encostado...
Canto ou não canto as tetas de donzela
Que daqui da janela
Vejo no limoeiro?
Elas são tão maduras...
E tão duras...
Têm uma cor e um cheiro...
#Imagens eróticas causam alegria,
Dando vida à minha fantasia;
Mulher sensual instiga a minha imaginação.
Tão bela,
A voluptuosa donzela,
Que me causa esta inexplicável sensação...
Canto!
Nem serei o primeiro,
Nem eu sou nenhum santo!
[Micaela (10.º 1.ª). O poema — sem a estrofe falsa — está em: Miguel Torga, Poesia Completa, I, 2007, p. 263]
Maldição
Quebrar a calma deste lago morto!
Fazê-lo rio, eterno caminhante!
Barco inquieto que não tenha porto,
Corpo com frio quando o sol levante!
Uma pedra, talvez... Uma ironia,
Um poema, uma prece...
Mas nem Deus poderia
Salvar o que é feliz porque apodrece.
#Assim é o corpo do defunto...
É não é como o mel!
Só com a vida pode estar junto,
Mas, no fim, sempre parece cruel!
[António (10.º 1.ª). O poema — sem a estrofe falsa — está em: Miguel Torga, Poesia Completa, I, 2007, p. 274]
Poesia
#A manhã é como a poesia,
O espaço é como o dia,
As sensações são perdidas no momento,
Os sons dão-me alento,
A inspiração arrepia.
É dia no outro mundo
Dos versos.
Abriu-se a noite num halo
De véu caído,
E uma mensagem de charco
Purificado
Entra, branca, no ouvido...
E há um ouvido acordado.
Pelos fios do luar
Etéreos sons, melodias,
Vão chegando.
E são as valas sombrias
E os juncos negros da lama
Que se iluminam na chama
Dessa fogueira secreta
Que queima os lençóis da cama
Do Poeta.
Sinais perdidos no espaço?
Mas é no morse de imagens,
Na espectral telegrafia,
Que são reais as paisagens
Da Poesia.
[João G. (10.º 1.ª). O poema — sem a estrofe falsa — está em: Miguel Torga, Poesia Completa, I, 2007, p. 285]
Magia
#Quando era pequenino,
O mundo para mim era só magia,
Do vinho já bebia o quinino,
De tudo saía uma doce melodia.
Às vezes parava o tempo
Como um levita esquecido
Na comunhão.
Parava-o, e ficava atento,
A ver a cor do milagre
A desmaiar-lhe na mão.
Era só erguer a pena
Dum verso já começado,
Dobrar a ponta da antena
No telhado.
Parava o tempo, e parava
O movimento de tudo;
O povo ficava mudo,
A beleza por cantar;
Era um mundo que lembrava
Um verso por acabar.
[Pedro C. (10.º 1.ª). O poema — sem a estrofe falsa — está em: Miguel Torga, Poesia Completa, I, 2007, p. 287]
Juventude
Seu puro entusiasmo de criança
Durou-lhe enquanto teve coração.
Cada hora trazia a nova lança
Para a nova ilusão.
E a sua vida foi como um cinema
De façanhas perdidas.
Comoventes imagens coloridas
Dum Quixote de trágica figura.
Saltos vãos sobre o abismo,
De loucura
E lirismo.
#Desde pequeno,
Quando vivia num mundo de magia,
Conhecia bem o seu terreno,
Mas acabará por perder a fantasia.
[João A. (10.º 1.ª). O poema — sem a estrofe falsa — está em: Miguel Torga, Poesia Completa, I, 2007, p. 295]
À Vida
Às portas do silêncio, como um bicho
No limiar do fojo,
Pára!
Tira a máscara da cara
E olha novamente o teu arrojo.
A flor da vida que queres dar à morte,
Mesmo fanada, tem o seu perfume.
Não há desmaio que lhe apague o lume,
Nem secura da seiva que lhe importe.
É uma flor.
Uma presença pura.
Nenhuma concebida sepultura
A merece.
O que tem, ou já teve formosura,
Só fica bem ao sol onde se aquece.
#Assim, a tristeza desaparece,
Perante o coração aquecido,
Da pequena flor que se desvanece.
E o olhar, entristecido,
Acaba por fomentar o ardor constrangido,
Que a singela flor aquece.
[Alexandra (10.º 1.ª). O poema — sem a estrofe falsa — está em: Miguel Torga, Poesia Completa, I, 2007, p. 314]
Há Ratoeiras!
Quando vierem, como feiticeiros,
Tirar-te o espírito do corpo,
Obstina-te, irmão!
Não,
Não
E não,
Seja qual for a habilidade
E a humanidade
Da encantação.
#Luta contra o que te é oposto,
E não te deixes ir pelo infinito;
Não te fies na verdade de um rosto
Prefere o que nele está inscrito.
Lembra-te dum cortiço!
O que ferve lá dentro e dá favos de mel,
E que presta.
Mas se querem a festa
Da tua morte,
Então,
Que levem tudo no caixão:
A alma e o suporte!
[Pedro A. (10.º 1.ª). O poema — sem a estrofe falsa — está em: Miguel Torga, Poesia Completa, I, 2007, p. 377]
Tempo
Tempo — definição da angústia.
Pudesse ao menos eu agrilhoar-te
Ao coração pulsátil dum poema!
Era o devir eterno em harmonia.
Mas foges das vogais, como a frescura
Da tinta com que escrevo.
Fica apenas a tua negra sombra:
— O passado,
Amargura maior, fotografada.
Tempo...
E não haver nada,
Ninguém,
Uma alma penada
Que estrangule a ampulheta de uma vez!
#Passado...
E não lembrar nada.
Alguém,
Uma silhueta abençoada
Que atire fora o pêndulo de uma voz.
Que realize o crime e a perfeição
De cortar aquele fio movediço
De areia
Que nenhum tecelão
É capaz de tecer na sua teia!
[Tiago P. (10.º 1.ª). O poema — sem a estrofe falsa — está em: Miguel Torga, Poesia Completa, I, 2007, p. 391]
Luta
O que eu sonho!
A fé que ponho
Na imaginação!
Digo à razão
Que sim, que desvario
Nesta humana aventura,
E ergo mais a lança em desafio
E desço mais o elmo da loucura.
Nada conquisto, porque são moinhos
Os gigantes que encontro nos caminhos
Das minhas digressões.
Mas combato,
Combato
E desbarato
As próprias ilusões.
#Vou procurando,
Nada encontrando.
Tento não desistir,
Mas temo não conseguir.
Até que ganho coragem,
Para seguir em frente.
Não é esta a minha paragem,
Espero outra, ansiosamente.
[Catarina T. (10.º 2.ª). O poema — sem a estrofe falsa — está em: Miguel Torga, Poesia Completa, II, 2007, p. 400]
Natal
Natal divino ao rés-do-chão humano,
Sem um anjo a cantar a cada ouvido.
Encolhido
À lareira,
Ao que pergunto
Respondo
Com as achas que vou pondo
Na fogueira.
O mito apenas velado
Como um cadáver
Familiar...
E neve, neve, a caiar
De triste melancolia
Os caminhos onde um dia
Vi os Magos galopar...
#Observo a rua,
Os mendigos desalojados;
Penso, reflicto, admiro
A sorte que tenho em ter
Uma lareira para me aquecer.
Como e saboreio o momento,
Que faz esquecer meu tormento.
[Catarina F. (10.º 2.ª). O poema — sem a estrofe falsa — está em: Miguel Torga, Poesia Completa, II, 2007, p. 342]
Condição
A onda vem, lambe o areal e parte;
A mágoa vem, morde o meu corpo e fica;
A mágoa ateima, ateima, e quer ser arte,
A onda envergonhou-se de ser bica.
E nem a areia seca se revolta,
Nem o meu corpo pode protestar;
A onda anda no mar, à solta,
E a mágoa já tem casa onde morar.
#O corpo encontra-se e foge à frente da dor,
A areia deixa-se levar;
O corpo esconde-se no esplendor
Do azul e verde do mar.
Forças sem coração e sem governo
Jogam no pano que lhes apetece;
Pobre de quem padece
O seu capricho eterno...
[Ricardo (aka Paulo) (10.º 2.ª). O poema — sem a estrofe falsa — está em: Miguel Torga, Poesia Completa, I, 2007, 274]
Magnificat
Ai, a vida!
Quanto mais me magoa, mais a canto.
Mais exalto este espanto
De viver.
Este absurdo humano,
Quotidiano,
Dum poeta cansado
De sofrer,
E a fazer versos como um namorado,
Sem namorada que lhos queira ler.
Cego de luz, e sempre a olhar o sol
Num aturdido
Deslumbramento.
Cada breve momento
Recebido
Como um dom concedido
Que se não merece.
Ai, a vida!
Como dói ser vivida,
E como a própria dor a quer e agradece.
#Ai a vida!
Quando estou perto, mais me afasto,
Até que me desgasto
E fico sem fôlego:
Um caminho pesaroso,
O futuro tumultuoso.
Porquê continuar?
Valerá a pena?
Sei que me cansar,
Quero a vida serena.
[Pedro S. (10.º 2.ª). O poema — sem a estrofe falsa — está em: Miguel Torga, Poesia Completa, II, 2007, p. 403]
Sina
Avivo na memória
A longa trajectória
Da minha vida,
Curva dum penitente
Impenitente
Que renega à chegada
Inconformada
A hora involuntária da partida.
#Qual o sentido da vida?
Não sei o porquê da partida:
Uma vida de sofrimento,
Sem saborear um momento;
Vens ao mundo sem pedir
Mas há um dia em que havemos de ir
Tristes, abandonados, sozinhos
E sem subir os caminhos.
O que pode um mortal!
Desafiar anos a fio o natural,
Por teimosia,
Rebeldia
E brio,
A saber
Que o destino é morrer
No fim do desafio...
[Alexis (10.º 2.ª). O poema — sem a estrofe falsa — está em: Miguel Torga, Poesia Completa, II, 2007, p. 411]
Vela
Rondo.
Mas nem sei o que guardo, nem conheço
Quem me manda ficar de sentinela...
Sei apenas que é um crime se adormeço
E deixo de espreitar pela janela.
Rondo,
Como soldado lírico que sou.
Se é manhã,
Se é poema,
Se é luar, o que vem,
— Sabe-o quem me acordou,
Se foi alguém...
#Rondo,
À toa.
Vejo algo que não sei,
Mas não desisto.
E não renego a convicção que sinto.
[João Miguel (10.º 2.ª). O poema — sem a estrofe falsa — está em: Miguel Torga, Poesia Completa, I, 2007, p. 151]
Convalescença
Hora a hora,
Nasce outra vez em mim a vida.
Devagar,
Como um gomo de vide a rebentar,
Cobre de verde a cepa ressequida.
#Segundo a segundo,
Vão as forças a mim voltando.
O vagar passa devagar,
Como o desgaste das rochas pelo mar,
à medida que o tempo vai passando.
É um fruto que acena?
É uma flor que há-de ser?
— Fui eu que disse que valia a pena
Viver!
[Pedro G. (10.º 2.ª). O poema — sem a estrofe falsa — está em: Miguel Torga, Poesia Completa, I, 2007, p. 152]
Condição
É de pedra esta triste melodia
Onde rasgo o volume do meu canto;
E dum granito negro que vigia
A pureza maciça do meu pranto.
#E é negra a bruma de meu coração,
Cheio agora de melancolia;
Que o meu canto não seja em vão,
Ou será em vão minha vigia.
Dura,
Solitária e cerrada,
Tem beleza e ternura,
Mas é fraga pisada...
Fraga velha e batida
Pela dor de almocreves e carreiros,
Só nela eu posso eternizar a vida,
Minha e dos companheiros...
[Jorge (10.º 2.ª). O poema — sem a estrofe falsa — está em: Miguel Torga, Poesia Completa, I, 2007, p. 154]
Por Uma Papoila
Não a façam sofrer.
Não olhem a nudez da sua cor.
Se a quiserem ver
Adivinhem de longe o seu pudor.
#Se se quiserem mesmo aproximar,
Vão lentamente,
Pois ela vai tremer ou chorar,
Se alguém a assustar bruscamente
Olhos nos olhos, não:
Cora, descora, agita-se de medo,
E é toda o desespero e a solidão
De ter na própria vida o seu degredo.
É uma donzela que não quer casar.
Veio ao mundo viver
A beleza gratuita de passar
Sem nenhuma paixão a conhecer.
[Rita (10.º 2.ª). O poema — sem a estrofe falsa — está em: Miguel Torga, Poesia Completa, I, 2007, p. 155]
Luar
É de puro luar este poema.
É deste irmão quimérico dos sóis,
Branco e fechado como um teorema,
E a ter corpo na voz dos rouxinóis.
É deste alado raio x do céu,
Onde fica de nós o que é divino.
É deste leite que se não bebeu
Quando se foi menino.
É deste aceno íntimo do alto
Que aligeira o tormento que em mim há
De conceber o salto
Que me suba até lá.
#É esta a minha crença na evolução,
Que me faz sonhar e acreditar
Que um dia alguém me estenderá a mão
Para eu subir ao luar.
[Carlota (10.º 2.ª). O poema — sem a estrofe falsa — está em: Miguel Torga, Poesia Completa, I, 2007, p. 158]
Intimidade
Meu coração tem quantos versos quer;
Ë só pulsá-los com medida e rumo.
E só erguer-se a pino a um céu qualquer,
E desse alado azul cair a prumo.
#É viver o mundo na palma da mão
E sentir um olhar no âmago do ser,
Deixando que tão nobre sensação
Se eleve das entranhas do querer.
Logo se desvanece o negro encanto
Que os tinha ocultos no condão da bruma;
Logo o seu corpo esguio rasga o manto,
E mostra a humanidade que ressuma.
Mas quanto ele sangra para os orvalhar
De ternura, de sonho e de ilusão,
São outros versos... para segredar
A quem é seu irmão.
[Marta (10.º 2.ª). O poema — sem a estrofe falsa — está em: Miguel Torga, Poesia Completa, I, 2007, p. 159]
Eleição
Sou eu e ela, aqui no bairro. Sós,
Quando o luar me acorda e lhe prateia o lombo,
Cantamos nós,
Eu um poema agudo, e ela um rombo.
#Aos saltos no lago,
Eu a caminhar na estrada;
Um momento vago,
Uma história parada.
Rã, como a gerou a natureza,
Homem, porque eu assim o quis,
Somos os dois poetas da tristeza
Que há na gente infeliz.
Não era terra que a poesia olhasse
O lodo de que é feita e de que sou;
Mas a semente nasce
Onde o vento a deixou...
[Joana O. (10.º 2.ª). O poema — sem a estrofe falsa — está em: Miguel Torga, Poesia Completa, I, 2007, p. 160]
Meditação
Para que o corpo lhe não suba ao Céu,
O santo põe cilícios sob as asas.
Não pode o homem apagar as brasas
Da fogueira em que ardeu.
Pode menos ainda, se é poeta,
Libertar-se da terra onde vegeta,
Mudar o tempo e a forma dos seus frutos.
Arbusto de dois pés, é condenado
A ver escarnecido pelos brutos
O seu pudor corado.
#A sofrer, vendo a morte a seu lado
E o céu cada vez mais longe,
Enclausura-se como um monge,
Entre muros de silêncio desolado.
[Mariana (10.º 2.ª). O poema — sem a estrofe falsa — está em: Miguel Torga, Poesia Completa, I, 2007, p. 165]
Dilema
É uma voz que me chama e me defende:
— Vem... mas não venhas...; cada sonho é
Tanto mais vivo quanto mais se estende
A dura rota que nos leva ao pé.
#Peço-lhe que volte e desespero,
Enquanto não voltar;
Sinto-me só, mas espero
Pela voz que oiço a sonhar.
E eu ouço a voz que prega no deserto,
E não paro nem volto; apenas sinto
Que se chego, desperto,
E se não chego, minto.
[Sara C. (10.º 2.ª). O poema — sem a estrofe falsa — está em: Miguel Torga, Poesia Completa, I, 2007, p. 166]
Vindima
Mosto, descantes e um rumor de passos
Na terra recalcada dos vinhedos.
Um fermentar de forças e cansaços
Em altas confidências e segredos.
Laivos de sangue nos poentes baços.
Doçura quente em corações azedos.
E, sobretudo, pés, olhos e braços
Alegres como peças de brinquedos.
#Homens cansados, longos traços,
Homens vividos, sem medos,
Trazendo sempre, nos regaços,
O vinho e o sangue dos seus degredos.
Fim de parto ou de vida, ninguém sabe
A medida precisa que lhe cabe
No tempo, na alegria e na tristeza.
Rasgam-se os véus do sonho e da desgraça.
Ergue-se em cheio a taça
À própria confusão da natureza.
[Cláudia (10.º 2.ª). O poema — sem a estrofe falsa — está em: Miguel Torga, Poesia Completa, I, 2007, p. 168]
Renovo
#Numa primeira vida sem folhagem,
Em que tudo é imposto,
Talvez os sonhos viajem,
Por um caminho suposto.
Outra vida começa, e outra imagem
O poeta descobre no seu rosto.
A cada novo olhar, nova paisagem,
A cada novo fruto, novo gosto.
Se outra porta infernal nos dá passagem,
Se é outro vinho, feito de outro mosto
O que nos embriaga de coragem,
Troquemos por sol-nado o que é sol-posto!
Condição deste mundo é ser do mundo.
É ser do tempo, e ser no tempo fundo
Como um poço que rega na janela
O cravo roxo que perfuma o céu.
É ter nos braços novos a donzela
Filha doutra donzela que morreu.
[Pedro M. (10.º 2.ª). O poema — sem a estrofe falsa — está em: Miguel Torga, Poesia Completa, I, 2007, p. 169]
Exaltação
Venha!
Venha uma pura alegria
Que não tenha
Nem a senha
Nem o dia!
Abra-se a porta da vida
Sem se perguntar quem é!
E cada qual que decida
Se quer a alma aquecida
No lume da nova fé.
Venha!
Venha um sol que ninguém tenha
No seu coração gelado!
Venha
Uma fogueira da lenha
De todo o tempo passado!
#Fecha-se a porta da vida:
Com a tristeza reprimida,
Volta a vontade de viver
E, como floresta ardida,
Cura-se a terrível ferida,
Que há-de desaparecer.
[Francisco F. (10.º 2.ª). O poema — sem a estrofe falsa — está em: Miguel Torga, Poesia Completa, I, 2007, p. 170]
Fascinação
Canta-lhe o vento as árias que conhece,
E nenhuma perturba aquele olhar.
Nenhuma o transfigura ou adormece
E o tira de sentir e de fitar.
Terra de consciência iluminada,
Limpa na sua luz pensada e fria,
A celeste canção enluarada
Nenhuma paz humana lhe daria.
Não, porque o vento só conduz aladas
Forças que oscilam a raiz;
E aquele olhar quer descobrir paradas
Seivas da vida que a razão lhe diz.
#Luz forçosa e penetrante
Cega a fundura, escura e gelada;
À iluminada canção dançante
Nem a tristeza é poupada.
[Francisco C. (10.º 2.ª). O poema — sem a estrofe falsa — está em: Miguel Torga, Poesia Completa, I, 2007, p. 172]
Drama
#Quem procuro
Se algo acontecer?
O drama é um lugar escuro
Onde nos podemos perder.
A quem falo no mundo? Por quem foi
Esta bandeira branca de poeta?
A quem descubro a chaga que me rói
Por não ser seu artista e seu profeta?
A quem arranco com beleza a seta
Do calcanhar humano que lhe dói?
A quem vejo chegado à sua meta,
Novo senhor da terra e novo herói?
A nenhum homem, que a nenhum conheço.
Água de um rio que não tem começo,
Nas duas margens sinto o mesmo não.
Mas na direita a vida é gasta e velha...
Só na outra uma chama se avermelha
Capaz de me aquecer o coração.
[Sara M. (10.º 2.ª). O poema — sem a estrofe falsa — está em: Miguel Torga, Poesia Completa, I, 2007, p. 167]
Rumo
Rasga o pano da noite um grito agudo.
É o apelo de alguém.
Mas um aceno amargo não é tudo,
Demais a mais na bruma de onde vem.
Pode ser consciente, ou ser de quem
Sabe de gritos o que sabe um mudo.
Pode ser justo, e pode ser também
Vestido de injustiças de veludo.
Por isso ninguém corre àquela voz.
A sua imprecisão passa veloz
Pelo caminho vago da ilusão.
#É agreste, não é tão simples assim,
É um grito sem fim,
Um caminho para a frustração.
Fogo que queima é fogo que se exprime.
O sentido do sangue é que redime
A angústia pendular do coração.
[Inês (10.º 2.ª). O poema — sem a estrofe falsa — está em: Miguel Torga, Poesia Completa, I, 2007, p. 173]
Lei
Nascer e ficar aqui
Onde os pés sentem firmeza.
Subir ao céu em beleza,
Mas em sonhos, em mentira,
Não vá deixar-nos a lira
De mal com a natureza.
Ser homem como outros homens
Na terra onde se alimenta
O sangue que nos sustenta
A pele e o coração.
Lutar por todo aquele pão
Que corre da placenta.
Dar a alma a um deus dos nossos
Por uma religião
Com bases na condição
E na dureza dos ossos.
E não rezar padre-nossos
Qualquer que seja a razão.
Trabalhar quanto é preciso
Com alegria e justiça.
Ter um pouco de preguiça
Quando o sol se descobrir.
E dar o sexo à mulher
Que mais fundo nos pedir
E mais fundo nos souber.
#Adormecer numa noite,
Fria e de lua cheia;
Acordar numa teia
De luz, a ofuscar
O caminho para chegar
Ao fogo da tua ceia.
[Carla (10.º 2.ª). O poema — sem a estrofe falsa — está em: Miguel Torga, Poesia Completa, I, 2007, p. 184]
À Música
Melodia, melodia...
Como é simples e tu vens!
Como nasces da harmonia
Das formas que nunca tens!
Como vive a eternidade
Na fugidia presença
Da tua realidade
Irreal logo à nascença!
Não se vê quem te levanta
Nem quem tece o teu destino;
Mas alguém te desencanta,
Te revela e te faz hino
Do nosso amor, melodia!
#Não se ouve quem te canta
Nem quem alerte o teu pensar,
Mas alguém te encanta
Te esconde e faz lembrar
O nosso sofrimento, melodia.
Vai cantando!
Vai passando e vai durando,
Asa branca deste dia!
[Tomás (10.º 2.ª). O poema — sem a estrofe falsa — está em: Miguel Torga, Poesia Completa, I, 2007, p. 232]
Soluço
Meu coração de lágrimas redondas,
Mar salgado a bater:
Deixa que o vento endemoninhe as ondas,
O mal é nenhum sonho te beber!
#Tal como as ondas chegam à praia
E logo morrem nela,
Também eu sou cobaia
Do nosso amor sem cautela.
Secasses tu na boca de uma estrela,
Ou na concha da mão de uma sereia!
Mas a doçura de morrer vais tê-la
Sobre um corpo de areia...
[Tiago (10.º 2.ª). O poema — sem a estrofe falsa — está em: Miguel Torga, Poesia Completa, I, 2007, p. 247]
Maceração
Breves dias da vida.
Aprendi neles apenas a morrer.
Desde a manhã brumosa da partida
A este anoitecer
Sombrio da chegada,
Foi sempre o pesadelo de antever
O desfecho fatal da caminhada.
E pergunto a que vim
Assim
Clarividente.
Perdido e consciente
Da minha perdição,
Contra o instinto de conservação
A durar no meu corpo eternamente.
#Pergunto ainda o porquê,
O que é a vida,
O que levo daqui.
Uma pequena recordação despida,
Uma felicidade ali,
Uma tristeza acolá.
Talvez nem para aproveitar dê,
Mas, ao partir, levo uma certeza: vivi.
[Bernardo (10.º 2.ª). O poema — sem a estrofe falsa — está em: Miguel Torga, Poesia Completa, II, 2007, p. 425]
Comunhão
#A vida e a morte,
Sempre em comunhão:
Vivo uma hora,
Morro sem demora,
É esta a minha inquietação.
Inquieto e perturbudo,
Digo no poema
Todo o sofrimento
Que me domina o coração.
Não paro, nem sossego.
Nasci assim, aflito.
Morro e ressuscito
Em cada hora.
A paz não mora
No meu coração.
Quando vem,
Traz também
Não sei que disfarçada inquietação.
E os versos o dizem.
Cada poema é sempre um desespero
Impaciente
Que de repente
Quebra o cadeado.
Um desespero tão desesperado
Que já nada limita.
Um grito de alma, que necessita
De ser ouvido e ser compartilhado.
[Miguel (10.º 2.ª). O poema — sem a estrofe falsa — está em: Miguel Torga, Poesia Completa, II, 2007, p. 442]
Inocência
#Sempre fui verdadeiro,
Prejudicar outros não faz parte de mim.
Injustamente,
Sou acusado de maldades sem fim.
Será de mim?
Será dos outros?
Desde cedo que ajudo os restantes,
Numa amizade real.
Isto prova que a justiça não é leal.
Vou aqui como um anjo, e carregado
De crimes!
Com asas de poeta voa-se no céu...
De tudo me redimes,
Penitência
De ser artista!
Nada sei,
Nada valho,
Nada faço,
E abre-se em mim a força deste abraço
Que abarca o mundo!
Tudo amo, admiro e compreendo.
Sou como um sol fecundo
Que adoça e doira, tendo
Calor apenas.
Puro,
Divino
E humano como os outros meus irmãos,
Caminho nesta ingénua confiança
De criança
Que faz milagres a bater as mãos.
[José (10.º 4.ª). O poema — sem a estrofe falsa — está em: Miguel Torga, Poesia Completa, II, 2007, p. 31]
Doutrina
Abro o livro da vida, o catecismo
Onde qualquer analfabeto lê.
Abro, soletro e cismo:
Um outro céu, porquê?
Tudo aqui tão visível e concreto!
Tudo florido em letras de verdade!
Um rio passa, e passa a majestade
De um Júpiter discreto
Que liquefez a própria eternidade.
#Experiências por praticar,
nem todas espero ter,
A vida vai continuar
E há alegria para a viver.
Deixar o certo pelo duvidoso!
Trocar a amada por um querubim!
E este corpo terroso?
E este viril amor que existe em mim?
Perguntas e respostas que eu entenda!
E nada de mistérios de encomenda
Onde uma cobra sorna se enroscou...
Pedir a alguém que sofra e se arrependa
Por causa da maçã que um outro mastigou!...
A bem-aventurança natural.
Um Paraíso onde se possa ir:
Árvores do bem e do mal,
E na porta este aviso paternal:
— É proibido proibir!
[André (10.º 4.ª). O poema — sem a estrofe falsa — está em: Miguel Torga, Poesia Completa, II, 2007, p. 41]
Aferição
Tão poético o dia,
E sem poesia!
Cheio de sol, também um cemitério
Parece palpitar...
Por detrás desta luz não há mistério.
Aquece-me a paixão, mas não me faz cantar.
Falta não sei o quê nos olhos de quem passa.
A pequenina graça
Das pequeninas coisas
Não vem à tona.
Entre o ser e a expressão
Há uma zona
De imprecisa e difusa maldição...
#Ninguém percebe a historicidade
Deste local;
Sente-se a enfermidade
Como claro sinal.
Mas só eu sei e sinto a gravidade
Do que acontece.
Eu, medidor de toda a claridade
Onde a vida profunda transparece.
[Tiago S. (10.º 4.ª). O poema — sem a estrofe falsa — está em: Miguel Torga, Poesia Completa, II, 2007, p. 48]
Canção da Noite
#Ao som do amor, permanecemos unidos.
Num nó de aço,
Agarramos desejos vividos.
Partilhamos o espaço.
As notas ecoam.
Suspiram baixinho,
Esperanças que voam.
Adormecem, por fim,
Os amantes.
Sonho o teu sonho, mas acordo antes.
Volto sozinho à minha solidão.
Duram breves instantes
As formas da paixão
E as ilusões de quem se não ilude.
Daqui te vejo, adormecida ainda
Na espessura da noite, que não pude
Atar à minha volta, como um cinto
De castidade.
Feliz quem dorme, e nessa eternidade
Permanece,
Quando, branco, amanhece
O desespero,
A triste madrugada dos poetas.
Feliz quem dorme, e só doiradas setas
De alegria
O despertam com brandas e discretas
Promessas de calor dum novo dia.
[João Maria (10.º 4.ª). O poema — sem a estrofe falsa — está em: Miguel Torga, Poesia Completa, II, 2007, p. 53]
Monólogo
Feiticeiro da vida, que adivinhas?
Que descobres nas trevas do futuro?
Não digas que também serão mesquinhas
As paixões,
Ultrapassado ou derrubado o muro
Das nossas actuais lamentações!
Creio na perfeição, creio nos homens!
Um novo dia, que oportunidade!
O próprio tempo volta à mocidade
Em cada primavera...
Feiticeiro, pondera:
Não intervenhas com as tuas mágoas
Na limpidez das águas
Onde lês!
Conta, correctamente,
Como puro vidente,
O que vês.
#Feiticeiro da vida, que adivinhas?
Que descobres nos sonhos do futuro?
Não digas que também são as entrelinhas
As amoras
Colhidas agora pelo guerreiro
Das horas!
[Ana S. (10.º 4.ª). O poema — sem a estrofe falsa — está em: Miguel Torga, Poesia Completa, II, 2007, p. 54]
Identidade
Matei a lua e o luar difuso.
Quero os versos de ferro e de cimento.
E, em vez de rimas, uso
As consonâncias que há no sofrimento.
#É o que vai na alma,
Destemido e sofrido;
Faço as estrofes com calma,
Para não me sentir perdido.
Universal e aberto, o meu instinto acode
A todo o coração que se debate aflito.
E luta como sabe e como pode:
Dá beleza e sentido a cada grito.
Mas como as inscrições nas penedias
Têm maior duração,
Gasto as horas e os dias
A endurecer a forma da emoção.
[Xavier (10.º 4.ª). O poema — sem a estrofe falsa — está em: Miguel Torga, Poesia Completa, II, 2007, p. 55]
Mensagem
Não me posso render, haja o que houver.
Salvar a vida pouco me adianta.
O pendão que levanta
A minha decidida teimosia,
Transcende a noite e o dia
De uma breve e terrena duração.
Luto por todos e também por mim,
Mas assim:
Desprendido da própria perdição.
#Consigo ver para além da maldição:
É a terra que me deslumbra.
E, se de todos os espíritos
Nenhum escapar da penumbra,
Não se banhem na ilusão,
Pois nenhum os guarnirá.
É o espírito da terra que eu defendo,
Numa cega constância
De namorado:
Esta causa perdida em cada instância,
E sempre a transitar de tempo e de julgado.
[Rodrigo (10.º 4.ª). O poema — sem a estrofe falsa — está em: Miguel Torga, Poesia Completa, II, 2007, p. 63]
Versos de Amor
#Versos de amor são grandes inspirações
Que nos vêm do inconsciente,
Verdadeiras confissões.
Qual será a Musa que mereça tais devoções?
Tu, meu papel, serás meu confidente.
Versos de amor, búzios do coração.
Ressoam — mas a onda que passou.
Sons da recordação
Eternizam apenas a emoção
Que a Musa ciumenta estrangulou.
Ouvi-los nesta hora, que tristeza!
Como era o rosto astral da namorada?
Redondo, oval... Que bruma de incerteza!
Rimas, ditongos, e areia sem firmeza
Que o mar da vida torna mais salgada.
[Carlos (10.º 4.ª). O poema — sem a estrofe falsa — está em: Miguel Torga, Poesia Completa, II, 2007, p. 64]
Súplica
O que não pude erguer nunca se ergueu.
Rasas, as coisas são anãs, sem mim.
E quando as olho como agora, assim
Desiludido,
A vida não tem força, nem sentido,
E é um calvário vivê-la.
#Viver a vida como ninguém,
Pensando sempre no que depois dela vem,
Procurando encontrar a razão
Que nos chega num clarão
E a visão nos mantém.
Vê se brilhas no céu, ó minha estrela
De poeta!
Sem ti, como há-de ser?
Como darei, com esta luz de asceta,
Grandeza ao que é preciso engrandecer?
[Tiago G. (10.º 4.ª). O poema — sem a estrofe falsa — está em: Miguel Torga, Poesia Completa, II, 2007, p. 65]
Relâmpago
Rasguei-me como um raio rasga o céu.
Iluminei-me todo de repente.
Negrura permanente
De noite enfeitiçada,
Quis ver-me com pupilas de vidente,
E arrombei os portões à madrugada.
#Segui em frente, qual soldado,
Impondo a si a valentia.
Penetrando no claustro,
Continuei
Pelo silêncio que apenas
Um suspiro quebraria.
Mas nada vi. Caverna de pavores,
Só com tempo e vagar eu poderia
Encarar,
Castigar
E perdoar
Tanta abominação que em mim havia.
[Ana C. (10.º 4.ª). O poema — sem a estrofe falsa — está em: Miguel Torga, Poesia Completa, II, 2007, p. 107]
Emparedamento
Força cercada pela própria força,
O drama não tem portas de evasão.
Num só corpo cadeia e condenado,
Quis a vida que eu fosse outro Sansão,
Mas um Sansão contra si mesmo irado.
Preso na casca como um vegetal,
É o meu avesso que me desafia.
Mas nem o muro cede, nem eu cedo;
Nem ele deixa de ser o meu degredo,
Nem eu o degredado em rebeldia.
#Preso na parede, preso no muro,
Sem sair de mim mesmo
Percebo o caminho,
A saída do ninho,
A entrada a esmo.
Assim me desespero e me consumo,
E cumpro este destino tumular
De não sair de mim, por mais que faça.
A golpes de paixão, tento passar;
Mas rasgo a carne, e o lutador não passa.
[Filipa (10.º 4.ª). O poema — sem a estrofe falsa — está em: Miguel Torga, Poesia Completa, II, 2007, p. 110]
Folhinha
Murchou a flor aberta ao sol do tempo.
Assim tinha de ser, neste renovo
Quotidiano.
Outro ano,
Outra flor,
Outro perfume.
O gume
Do cansaço
Vai ceifando,
E o braço
Doutro sonho
Semeando.
#Passam as memórias pelos nossos olhos,
A travessia de experiências passadas.
Outro ano,
Outra flor,
Outro perfume.
O cume
Das esperanças inalcançadas,
De alegrias não vividas
Nas montanhas da vida.
É essa a eternidade:
A permanente rendição da vida.
Outro ano,
Outra flor,
Outro perfume,
E o lume
De não sei que ilusão a arder no cume
De não sei que expressão nunca atingida.
[Bruno (10.º 4.ª). O poema — sem a estrofe falsa — está em: Miguel Torga, Poesia Completa, II, 2007, p. 122]
Cordial
#Sinto a falta de alguém
Que me seque as lágrimas,
Como um sol que acalme as monções
E aqueça os corações.
Digo que não
Ao medo
Que me apavora;
E juro ao coração
Que virá cedo
A calma que demora.
O nevoeiro pousa, mas levanta.
E por baixo da manta
De tristeza,
Que redonda certeza
Num paraíso
Que foi criado porque foi preciso!
Não podem ser em vão estes meus versos,
Constantes como as flores na primavera.
Por alguma razão amadurece
O fruto que apetece...
E animo a confiança:
Há milagres...
Sempre a imaginação
Imaginou.
Sempre nasceram deuses nos desertos
E um galo cantou
Quando alguém os negou...
[Maria (10.º 4.ª). O poema — sem a estrofe falsa — está em: Miguel Torga, Poesia Completa, II, 2007, p. 124]
Biografia
Sonho, mas não parece.
Nem quero que pareça.
E por dentro que eu gosto que aconteça
A minha vida.
Intima, funda, como um sentimento
De que se tem pudor.
Vulcão de exterior
Tão apagado,
Que um pastor
Possa sobre ele apascentar o gado.
Mas os versos, depois,
Frutos do sonho e dessa mesma vida,
É quase à queima-roupa que os atiro
Contra a serenidade de quem passa.
Então, já não sou eu que testemunho
A graça
Da poesia:
É ela, prisioneira,
Que, vendo a porta da prisão aberta,
Como chispa que salta da fogueira,
Numa agressiva fúria se liberta.
#Liberta-se em forma de rima
Que voa na noite,
De volta ao sonho,
E adormece em berço tristonho.
O vulcão reacende,
O pastor recolhe o gado,
A poesia galopa pelo prado.
E eu aqui ta transmito,
Viajo pela imaginação.
[David (10.º 4.ª). O poema — sem a estrofe falsa — está em: Miguel Torga, Poesia Completa, II, 2007, p. 129]
Alvo
O arco, a corda e a seta...
Mas erraste,
Poeta!
Em vez de ser no coração do mundo
Que acertaste,
Foi o teu que rasgaste.
E tão frágil que ele era!
Rubra quimera
Aberta à desventura
Do eterno desdém,
Pedia aquele cuidado que se tem
Junto dum berço ou de uma sepultura.
#E tu, poeta,
Falhaste um alvo tão exuberante:
Era só estar atento atento à seta
E acertar nesse coração gigante.
Mas desferiste o golpe enraivecido,
Sem reparar
Que o agressor é sempre o agredido,
Quando agride a cantar.
[António (10.º 4.ª). O poema — sem a estrofe falsa — está em: Miguel Torga, Poesia Completa, II, 2007, p. 130]
Guerra Civil
E contra mim que luto.
Não tenho outro inimigo.
O que penso,
O que sinto,
O que digo
E o que faço,
É que pede castigo
E desespera a lança no meu braço.
Absurda aliança
De criança
E adulto,
O que sou é um insulto
Ao que não sou;
E combato esse vulto
Que à traição me invadiu e me ocupou.
Infeliz com loucura e sem loucura,
Peço à vida outra vida, outra aventura,
Outro incerto destino.
Não me dou por vencido,
Nem convencido,
E agrido em mim o homem e o menino.
#Apenas não quero outra como esta,
Que triste e ferido me deixou,
Arrependido do que fiz.
Mas a mim a guerra não largou.
Agora, incerto no outro destino,
Só espero ser feliz.
[Gonçalo (10.º 4.ª). O poema — sem a estrofe falsa — está em: Miguel Torga, Poesia Completa, II, 2007, p. 131]
Sondagem
Angústia marginal dos mares humanos...
É mais dentro e mais fundo que me dói.
Nem ondas, nem destroços
Dos meus ossos
Na mortalha passiva do areal.
O largo desespero inconformado,
Onde cada queixume enrodilhado
É um soluço abissal.
Progressiva adição do sofrimento,
É como se os ribeiros,
E as torrentes,
E os rios,
E os lagos que há no mundo
Se juntassem num trágico oceano Sem margens de sossego.
Oceano maldito e penitente
Que o vento persistente
Da ilusão
Lavra e semeia
De versos e de acenos de sereia.
#Terra seca e mais que infértil,
De montes e montes sem um fim;
Neles já foram cultivadas,
E também muito amadas,
Planuras verdes pelo mundo fora.
Será mais um ponto no Universo?
Ou porque nem se viu o outro verso?
Este era o mundo de outrora.
[Bernardo (10.º 4.ª). O poema — sem a estrofe falsa — está em: Miguel Torga, Poesia Completa, II, 2007, p. 132]
Diálogo
Pergunto...
Mas quem me poderia responder?!
Tu não, rio sem asas,
Que permaneces
A passar...
Nem tu, planeta alado,
Que pareces
Parado
A caminhar...
Humano, só de humanos meus iguais
Entendo a fala,
Os gestos
E o destino.
E esses, como eu,
Olham a terra e o céu,
Os rios e os planetas,
E perguntam também...
Perguntam, mas a quem?
#A alguém,
Deste mundo
Ou do outro,
À espera de uma resposta,
Que tarda a aparecer.
Desespero,
Colapso,
Procuro refúgio,
No diálogo da morte.
[Daniel (10.º 4.ª). O poema — sem a estrofe falsa — está em: Miguel Torga, Poesia Completa, II, 2007, p. 135]
Depoimento
Foi na vida real como nos sonhos:
Nunca pisei um chão de segurança.
Procuro na lembrança
Um sólido caminho percorrido,
E vejo sempre um barco sacudido
Pelas ondas raivosas do destino.
Um barco inconsciente de menino,
Um barco temerário de rapaz,
E um barco de homem, que já não domino
Entre os rochedos onde se desfaz.
Mas o céu era belo
Quando à noite o seu dono o acendia;
E era belo o sorriso da poesia,
E belo o amor, dragão insatisfeito;
E era belo não ter dentro do peito
Nem medo, nem remorsos, nem vaidade.
Por isso digo que valeu a pena
A dura realidade
Desta viagem trágico-terrena
Sempre batida pela tempestade.
#Aí um barco rumava,
Por águas pouco profundas navegava;
E os tripulantes perguntavam
Se àquele pesadelo
Conseguiriam sobreviver.
Foi quando um raio de luz surgiu
E a esperança devolveu aos homens;
Assim se conseguiram salvar
E numa ilha se foram abrigar.
[Afonso (10.º 4.ª). O poema — sem a estrofe falsa — está em: Miguel Torga, Poesia Completa, II, 2007, p. 136]
Profissão
Brilha o poema como um novo astro
No céu da eternidade...
Tenacidade
Humana!
Tanto fiz
E desfiz,
Que ninguém diz
Que já foi minha a luz que dele emana.
#Escrevo,
Apago,
No pensamento vago.
É arte sem relevo.
Tanta magia,
Tanta alegria.
Que me guia,
Por estas linhas,
Sobre ideias minhas.
Amo
O duro ofício de criar beleza,
Sina igual à do ramo
Que desprende de si o gosto do seu fruto.
E lapido no torno da tristeza
As lágrimas em bruto
Que recolho dos olhos
Com secreta
Ironia.
Transfiguro o meu pranto, e sou poeta:
Começa a noite em mim quando amanhece o dia.
[Guilherme (10.º 4.ª). O poema — sem a estrofe falsa — está em: Miguel Torga, Poesia Completa, II, 2007, p. 137]
Harmonia
Feliz canto das aves,
Sem possível
Compreensão;
Feliz rumo dos astros,
Sem possível
Desvio;
Feliz fúria do vento,
Sem possível
Arrependimento.
#Triste guerra no mundo,
Sem possível
Paz alguma vez;
Triste fome no mundo,
Sem possível
Entendimento;
Triste fatalidade,
Sem possível
Contrariedadade.
E feliz o poeta
Que ninguém lê.
Que sozinho contempla
O nascimento e a morte
Dos seus versos.
Pai acabado que no próprio corpo
Gera os filhos
E lhes dá ternura
Do berço à sepultura.
[Duarte B. (10.º 4.ª).O poema — sem a estrofe falsa — está em: Miguel Torga, Poesia Completa, II, 2007, p. 138]
Barreira
Nem o puro silêncio te sepulta,
Nem a pura palavra te revela,
Culpa sem confissão, vergonha oculta,
Luz envolvida em crepes de cautela.
Cilício de não sei que penitência
De não sei que secreta covardia,
Moras dentro da própria consciência
Como num limbo de melancolia.
Quer a alma e não pode ir mais além
Do seu pobre limite
De humano resplendor que apenas tem
A pureza que o barro lhe permite.
#Na triste sentença triste,
Circundado pela sua própria barreira,
Nem o mais forte resiste
E resigna-se a vida inteira.
[Beatriz (10.º 5.ª). O poema — sem a estrofe falsa — está em: Miguel Torga, Poesia Completa, II, 2007, p. 141]
Limbo
É o pranto
Que ninguém chora
Que eu agora
Canto.
E aquele amor constante,
Desenganado,
Que nunca teve amante
Nem amado.
E o gesto cordial que se não fez,
Nem faz,
E fica por detrás
Da timidez.
E o imortal poema
Por acontecer,
Irmão do vento, seu rival sem asas:
Lume a fugir das brasas
Antes de a lenha arder.
#Será tarde demais
Para corrigir tais assuntos?
Faltam os sinais
De que estamos juntos.
[Catarina (10.º 5.ª). O poema — sem a estrofe falsa — está em: Miguel Torga, Poesia Completa, II, 2007, p. 142]
Jogo
Bem-me-quer,
Mal-me-quer...
Salta o abismo quem assim fizer
A temerária prova
Do seu amor.
Se, em vez de acrescentar,
Tirar pétalas à flor.
Apaixonado
Doutra maneira,
Também eu
Desafio o destino:
Bem-me-quer,
Mal-me-quer,
E desfolho o poema...
#Viciado
Pelo jogo,
Fingindo ser
O que me arrogo.
Bem-me-quer,
Mal-me-quer,
E no futuro me afogo.
Até que inteiramente nua de palavras,
A poesia
Ou de todo se entrega,
Ou de todo se nega,
Sem aquele meio-dia
Onde a alma sossega.
[Diogo (10.º 5.ª). O poema — sem a estrofe falsa — está em: Miguel Torga, Poesia Completa, II, 2007, p. 149]
Lago Turvo
Angústia marginada,
Meu canto é um lago turvo
Que devolve a paisagem, como um eco
Silencioso.
Um lago onde me afogo
Sem vontade,
Puramente impelido
Por não sei que fatal necessidade
De me sentir poeta e possuído.
Mar sem nascente e só do meu tamanho,
A doçura que tem é um sal sem gosto.
E a estranha inquietação de que se anima,
E o céu olha de cima,
São rugas que se agitam no meu rosto.
#Olho para o meu reflexo no lago
E vejo uma imagem diferente,
Desfocada e irreal;
Olhando para o reflexo, sinto-me incompleto:
Talvez seja aquela
A minha verdadeira imagem.
[Júlia (10.º 5.ª). O poema — sem a estrofe falsa — está em: Miguel Torga, Poesia Completa, II, 2007, p. 151]
Pastoreio
Uma cabra-montesa no pascigo;
Fiel ao seu balido,
Um fauno apaixonado;
Entre os dois, um açude adormecido,
Imagem do instinto represado.
Corcunda como a vida,
Uma ponte arqueada de suspiros
A ligar as arribas do desejo;
E um guarda ao passadiço, uma presença humana,
— O pastor, a moral quotidiana...
#Todos os dias, pela madrugada,
Olhava e via a escuridão;
Aquela noite era diferente e complexa,
À tua espera estava o meu coração.
[Joana B. (10.º 5.ª). O poema — sem a estrofe falsa — está em: Miguel Torga, Poesia Completa, II, 2007, p. 152]
Brasil
Pátria de emigração,
E num poema que te posso ter...
A terra — possessiva inspiração;
E os rios como versos a correr.
#Sobre ti nunca minto,
Pois, cheio de alegria,
Calorosamente te pressinto
Em poderosa magia.
Achada na longínqua meninice,
Perdida na perdida juventude,
Guardei-te como pude
Onde podia:
Na doce quietude
Da força represada da poesia.
E assim consigo ver-te
Como te sinto:
Na doirada moldura da lembrança,
O retrato da pura imensidade
A que dei a possível semelhança
Com palavras e rimas e saudade.
[Dulce (10.º 5.ª). O poema — sem a estrofe falsa — está em: Miguel Torga, Poesia Completa, II, 2007, p. 156]
Miniatura
#Quando sorriem para mim,
Não disfarço o meu ar sisudo.
São tantas, crianças sem fim,
Que me acham carrancudo;
Mas não é por ser mesmo assim.
Pois eu gosto de crianças!
Já fui criança, também...
Não me lembro de o ter sido;
Mas só ver reproduzido
O que fui, sabe-me bem.
É como se de repente
A minha imagem mudasse
No cristal duma nascente,
E tudo o que sou voltasse
À pureza da semente.
[Carolina (10.º 5.ª). O poema — sem a estrofe falsa — está em: Miguel Torga, Poesia Completa, II, 2007, p. 157]
Ficha
Poeta, sim, poeta...
É o meu nome.
Um nome de baptismo
Sem padrinhos...
O nome do meu próprio nascimento...
O nome que ouvi sempre nos caminhos
Por onde me levava o sofrimento...
Poeta, sem mais nada.
Sem nenhum apelido.
Um nome temerário,
Que enfrenta, solitário,
A solidão.
Uma estranha mistura
De praga e de gemido à mesma altura
O eco de uma surda vibração.
Poeta, como santo, ou assassino, ou rei
Condição,
Profissão,
Identidade,
Numa palavra só, velha e sagrada,
Pela mão do destino, sem piedade,
Na minha própria carne tatuada.
#Tenho vivido com ele
E continuarei a viver,
Tenho orgulho em ler
O poeta que em mim
Nasceu e irá morrer.
[Tiago (10.º 5.ª). O poema — sem a estrofe falsa — está em: Miguel Torga, Poesia Completa, II, 2007, p. 178]
Fogo Preso
Céu alto da integral levitação!
Céu largo da infinita liberdade!
Ali, pairam seguras
As loucuras
Que triunfam das leis da gravidade...
#Lá sobem e descem sonhos
E chamas de perdição;
Lá param olhares
Que, nos seus lugares,
Deixaram as almas em inacção.
Ali, cintilam vidas
Abrasadas de luz universal...
Ali, voam as aves
E as naves
Que sobem do real ao irreal...
Cega e sem asas, roda a inspiração
À volta do seu térreo pelourinho...
Ah! céu distante, olímpica ambição
De quem no próprio chão
Não tem caminho!
[João G. (10.º 5.ª). O poema — sem a estrofe falsa — está em: Miguel Torga, Poesia Completa, II, 2007, p. 182]
Plateia
Não sei quantos seremos, mas que importa?!
Um só que fosse, e já valia a pena.
Aqui, no mundo, alguém que se condena
A não ser conivente
Na farsa do presente
Posta em cena!
#Nas palmas e nas almas,
Indiferente é a sua honestidade,
E nos olhos põe a simplicidade
Do mundo em frente,
No coração, o fulgor do espectáculo,
Cujo obstáculo
Está sempre presente.
Não podemos mudar a hora da chegada,
Nem talvez a mais certa,
A da partida.
Mas podemos fazer a descoberta
Do que presta
E não presta
Nesta vida.
E o que não presta é isto, esta mentira
Quotidiana.
Esta comédia desumana
E triste,
Que cobre de soturna maldição
A própria indignação
Que lhe resiste.
[Patrícia (10.º 5.ª). O poema — sem a estrofe falsa — está em: Miguel Torga, Poesia Completa, II, 2007, p. 186]
Sondagem
Preso à corda da vida, vou descendo
À fundura do poço.
Num crescente alvoroço,
Verifico
Que por dentro de mim é que sou rico.
Rico desta fortuna dos poetas
Sésamos naturais
Eternamente
E generosamente
Abertos à pobreza dos mortais.
Rico da graça
Dessa condição,
Que povoa de imagens
E miragens
O deserto da humana solidão...
#Rico de simples palavreado poético
Que me dá os sorrisos
Cheios
E alheios
A tudo o que nos deixe indecisos.
[Filipa A. (10. 5.ª). O poema — sem a estrofe falsa — está em: Miguel Torga, Poesia Completa, II, 2007, p. 198]
Lastro
Depois da noite, o dia, a claridade!
A bênção de acordar
E de ter vida!
Olhar
E descobrir a eternidade
Em cada contingência renascida.
#Não sei por que penso assim!
Talvez porque já muito vivi:
Sei que um dia morrerei!
Do som da minha vida me esqueci,
Talvez por saber que não penso em mim.
Mas, em outra vida, ouvirei...
A música concreta dos ruídos...
A frescura dos frutos orvalhados...
O perfume da brisa que perpassa...
E os sentidos
Felizes, excitados
Como podengos que farejam caça.
Assim dentro de nós o soi nascesse
E apagasse,
Nessa madrugada,
A teimosa e penosa consciência
Da existência
Passada!
[Susana (10.º 5.ª). O poema — sem a estrofe falsa — está em: Miguel Torga, Poesia Completa, II, 2007, p. 208]
Prova
Não me queiras, abismo!
Repele a tentação...
Obriga-me à normal aceitação
Do negro pesadelo de viver.
Cega, mina a toupeira o chão
À procura dos olhos que perdeu.
Assim amaldiçoa a maldição...
Assim se justifica o que nasceu.
#O que é a vida?
É um mar de espinhos ou uma rosa?
A vida, para muitos, não é sentida;
Outros a gozam, preguiçosa,
Outros vencem a lida,
De forma quase gulosa.
Nega-me o teu abraço
Caridoso.
Mesmo odioso,
O mundo vale a pena.
E uma arena
Sem esperança
Onde o corpo exercita
A confiança
Que lhe merece a alma que o habita.
[João M. (10.º 5.ª). O poema — sem a estrofe falsa — está em: Miguel Torga, Poesia Completa, II, 2007, p. 212]
Serão
Frios versos de inverno...
Que Musa me regela
O coração?
Ah, quem me dera aquela
Ida e primaveril inspiração!
#É frio, é noite,
É mais Inverno ou um não-Verão.
Que Musa gela
O meu coração?
Triste e mortiça,
A minha voz fumega
Como lenha molhada.
A fogueira não pega...
Arde assim, apagada.
[Ion (10.º 5.ª). O poema — sem a estrofe falsa — está em: Miguel Torga, Poesia Completa, II, 2007, p. 224]
Instrução Primária
Não saibas: imagina...
Deixa falar o mestre, e devaneia...
A velhice é que sabe, e apenas sabe
Que o mar não cabe
Na poça que a inocência abre na areia.
Sonha!
Inventa um alfabeto
De ilusões...
Um á-bê-cê secreto
Que soletres à margem das lições...
Voa pela janela
De encontro a qualquer soi que te sorria!
Asas? Não são precisas:
Vais ao colo das brisas,
Aias da fantasia...
#Chama um amigo
E ensina-o a voar;
Passarão o tempo assim,
Procurando encontrar
O que não tem nenhum fim.
[Marta M. (10.º 5.ª). O poema — sem a estrofe falsa — está em: Miguel Torga, Poesia Completa, II, 2007, p. 232]
Comunicado
#Sempre com coragem no peito,
Em nome da pátria continuarei
E, jamais deitado no leito,
Luto e lutarei.
Falta um combate ainda, o decisivo.
Ganhei quantos perdi, porque resisto.
Mesmo cansado e mutilado, existo,
Num vitalismo cósmico ostensivo.
Filho da Terra, minha mãe amada,
É ela que levanta o lutador caído.
Anteu anão,
Toco-lhe o coração,
E ergo-me do chão
Fortalecido.
Mas há fúrias hercúleas contra mim:
O tempo, a morte, e o próprio desencanto
De viver...
Pode, porém, ainda acontecer
Que, mesmo nessa hora, a consciência
Negue, de frente, a própria violência
Que me vencer...
[Joana C. (10.º 6.ª). O poema — sem a estrofe falsa — está em: Miguel Torga, Poesia Completa, II, 2007, p. 213]
Procura
Perdi-me tanto, que já não me encontro.
Agulha humana que se foi sumindo
No palheiro do tempo,
Hoje, amanhã, depois
— Aqui a meninice,
Ali a mocidade —,
Não houve sombra que me não cobrisse,
Nem sol que me trouxesse a claridade.
Mas não posso, nem quero conformar-me.
E como um cão fiel que escava a sepultura
Do dono,
Assim, desesperado,
Eu tento
Desenterrar
A imagem do que sou, de não sei que momento
Ou que lugar...
#Procuro-me,
Ando a vaguear.
Por fim, encontro-me
Longe do meu lugar.
Já sei de onde vim
E sei para onde caminhar.
[Ricardo (10.º 6.ª). O poema — sem a estrofe falsa — está em: Miguel Torga, Poesia Completa, II, 2007, p. 155]
Danação
#Neste mundo de contrários
Há justiça de modos vários,
E todos queremos prevalecer no fim.
Nunca a lei me poderá punir;
Nasci deste modo, nasci assim,
De fazer o que quero
Nenhum código me vai impedir.
Morro sem contrição.
Confessar-me a que deus, a que juiz?
O que fiz,
O que faço
E o que farei
Não pode ser punido pelo braço
De nenhuma lei.
Singular de nascença, apenas cumpro
A dura condição
De ser assim.
Vim,
Como vem, por vital condenação,
Qualquer erva ruim.
Inocente, portanto,
Vive em mim,
No entanto,
Um desespero penitente,
Que uma voz cordial talvez pudesse
Tornar menos pungente
Se, límpida, me desse
O perdão fraternal
Que, em pecado mortal,
Todo o homem merece.
[Inês (10.º 6.ª). O poema — sem a estrofe falsa — está em: Miguel Torga, Poesia Completa, II, 2007, p. 214]
A Largada
#Quase como nos Descobrimentos,
Todos os seus entes queridos
Passaram por gigantescos sofrimentos,
Decerto que os marujos iam ficar perdidos.
Foram então as ânsias e os pinhais
Transformados em frágeis caravelas
Que partiam guiadas por sinais
Duma agulha inquieta como elas...
Foram então abraços repetidos
À Pátria-Mãe-Viúva que ficava
Na areia fria aos gritos e aos gemidos
Pela morte dos filhos que beijava.
Foram então as velas enfunadas
Por um sopro viril de reacção
Às palavras cansadas
Que se ouviram no cais dessa ilusão.
Foram então as horas no convés
Do grande sonho que mandava ser
Cada homem tão firme nos seus pés
Que a nau tremesse sem ninguém tremer.
[Joana O. (10.º 6.ª). O poema — sem a estrofe falsa — está em: Miguel Torga, Poesia Completa, II, 2007, p. 256]
Pedagogia
#Brinca, enquanto puderes.
Enquanto não tens problemas,
E tudo é mais fácil.
Aproveita, vive a infância,
Sorri e, acima de tudo,
Diverte-te, sem ânsia.
Faz amizades, sobretudo.
Brinca enquanto souberes!
Tudo o que é bom e belo
Se desaprende...
A vida compra e vende
A perdição.
Alheado e feliz,
Brinca no mundo da imaginação,
Que nenhum outro mundo contradiz!
Brinca instintivamente
Como um bicho!
Fura os olhos do tempo,
E à volta do seu pasmo alvar
De cabra-cega tonta,
A saltar e a correr,
Desafronta
O adulto que hás-de ser!
[João Carlos (10.º 6.ª). O poema — sem a estrofe falsa — está em: Miguel Torga, Poesia Completa, II, 2007, p. 220]
Recreio
Chilreio de crianças numa escola.
Brincam no intervalo.
Largam da mão
O Pássaro da Ilusão,
E vão depois, felizes, agarrá-lo.
O mestre aquece os pés ao sol do inverno.
Já foi também menino...
Mas cresceu,
Aprendeu,
E descobriu as manhas do destino...
Sabe que ele nos engana,
Seja qual for o oiro que nos dê.
O Pássaro da Ilusão
E uma ilusão:
Só a inocência o vê, porque não vê...
#E tem um poder que o mal não imagina;
A canalha continua nos seus afazeres,
O mestre observa qualquer devaneio
E termina o recreio!
Lá se acabam os prazeres...
[Pedro (10.º 6.ª). O poema — sem a estrofe falsa — está em: Miguel Torga, Poesia Completa, II, 2007, p. 237]
O Achado
Traziam nova terra e nova luz
Nos românticos olhos lusitanos;
E uma cruz
Que depois carregaram largos anos.
Traziam todo o anseio que os levou,
E que nenhuma Índia satisfez.
E traziam a fé que lhes sobrou
Da fé sem fim dessa primeira vez.
#Traziam o sonho de mergulhar,
Para os peixes poder ver
E mais tarde recordar
Uma aventura a não esquecer.
Traziam a promessa de voltar
A ver se a cor do sonho se mantinha:
O puro azul de que se veste o mar
Quando o fim da aventura se avizinha...
[Vanessa C. (10.º 6.ª). O poema — sem a estrofe falsa — está em: Miguel Torga, Poesia Completa, II, 2007, p. 260]
Mar
Mar!
Tinhas um nome que ninguém temia:
Era um campo macio de lavrar
Ou qualquer sugestão que apetecia...
Mar!
Tinhas um choro de quem sofre tanto
Que não pode calar-se, nem gritar,
Nem aumentar nem sufocar o pranto...
Mar!
Fomos então a ti cheios de amor!
E o fingido lameiro, a soluçar,
Afogava o arado e o lavrador!
#Mar!
Na luta e na glória
Com o verbo amar
Sempre na memória.
Mar!
Enganosa sereia rouca e triste!
Foste tu quem nos veio namorar,
E foste tu depois que nos traíste!
Mar!
E quando terá fim o sofrimento!
E quando deixará de nos tentar
O teu encantamento!
[André (10.º 6.ª). O poema — sem a estrofe falsa — está em: Miguel Torga, Poesia Completa, II, 2007, p. 262]
Inês de Castro
Antes do fim do mundo, despertar,
Sem D. Pedro sentir,
E dizer às donzelas que o luar
É o aceno do amado que há-de vir...
E mostrar-lhes que o amor contrariado
Triunfa até da própria sepultura:
O amante, mais terno e apaixonado,
Ergue a noiva caída à sua altura.
#Seu nome bem alto berra,
A saudade perdurará, omnipresente.
Acabou a apaixonada guerra,
Mas sempre o terá na mente.
E pedir-lhes, depois, fidelidade humana
Ao mito do poeta, à linda Inês...
À eterna Julieta castelhana
Do Romeu português.
[Sofia (10.º 6.ª). O poema — sem a estrofe falsa — está em: Miguel Torga, Poesia Completa, II, 2007, p. 266]
O Infante
#No mundo dos que gritam
Há uma alma mais poderosa
Mais chorada pelo povo
E saudosa.
A sua arte é a busca do mundo novo.
Na bandeira das almas há uma alma
Que pesa mais no prato da balança;
Irradia vontade e confiança,
E os seus olhos videntes
Iluminam os outros penitentes.
O além do mundo, embora mundo
É tenebroso.
E só o génio animoso
Dum inspirado
Tem a coragem nova de enfrentar
O medo acomodado
Que não deixa passar.
Segue ele à frente, pois, o espírito audaz,
Que só ele é capaz
De ir à frente e de ser o derradeiro.
Guia de todos os descobrimentos,
E sempre eie o gajeiro,
Com nomes vários nos vários momentos.
[Sara (10.º 6.ª). O poema — sem a estrofe falsa — está em: Miguel Torga, Poesia Completa, II, 2007, p. 268]
Portugal
Avivo no teu rosto o rosto que me deste,
E torno mais real o rosto que te dou.
Mostro aos olhos que não te desfigura
Quem te desfigurou.
Criatura da tua criatura,
Serás sempre o que sou.
E eu sou a liberdade dum perfil
Desenhado no mar.
Ondulo e permaneço.
Cavo, remo, imagino,
E descubro na bruma o meu destino
Que de antemão conheço:
Teimoso aventureiro da ilusão,
Surdo às razões do tempo e da fortuna,
Achar sem nunca achar o que procuro,
Exilado
Na gávea do futuro,
Mais alta ainda do que no passado.
#Sou incapaz de espelhar
O que neste futuro vejo.
Agarrado a teus grandiosos feitos.
Não gosto de mudanças,
Porque ainda tenho esperanças
Que voltemos a ser perfeitos.
[Tiago (10.º 6.ª). O poema — sem a estrofe falsa — está em: Miguel Torga, Poesia Completa, II, 2007, p. 302]
Ambição
Meu canto, bafo da terra,
Não pára, não tem sossego.
Nestes campos do Mondego,
Nas serras de Trás-os-Montes,
Cada vez quer mais pureza
E largueza
De horizontes.
Cada vez vem de mais fundo
E quer chegar mais além;
Cada vez quer mais alguém
A ouvi-lo
E a repeti-lo,
E a enriquecê-lo, também.
Cada vez deseja ter
Mais força de inspiração,
Mais poder de encantação,
Mais livre sinceridade.
E ser, nessa liberdade,
Hálito de comunhão
Do mundo, da humanidade.
#Meu canto, bafo da terra,
Terá todo o protagonismo.
Jamais esquecido, cairá no abismo.
Alcançará o pico
E, cada vez mais rico,
Voará pelo tempo escuro,
Voará livre pelo futuro.
[Joana L. (10.º 6.ª). O poema — sem a estrofe falsa — está em: Miguel Torga, Poesia Completa, II, 2007, p. 306]
Longo Vai o Meu Canto
Longo vai o meu canto,
Sem eco na paisagem que atravesso.
Nele me despeço
Lentamente da vida.
De todas as riquezas que ela tem,
E ninguém
Possui senão de vista e de fugida.
#Longo vai o meu canto
Sem eco, feito de fios
Que tecem a ementa de Cupido,
De tempos já vazios,
No templo já destruído.
Longo vai o meu canto,
Sem eco, porque nunca foi ouvido.
Nele, humano e dorido.
Protesto contra a minha condição
De mortal sem nenhuma garantia...
Longo vai o meu canto
E o desencanto
Desta longa porfia...
[Cátia (10.º 6.ª). O poema — sem a estrofe falsa — está em: Miguel Torga, Poesia Completa, II, 2007, p. 324]
Cantilena da Pedra
Sem musa que me inspire,
Canto como um pedreiro
Que, de forma singela,
Embala a sua pedra pela serra fora...
Upa! que lá vai ela!
Upa! que vai agora!
A pedra penitente que eu arrasto
Tem o tamanho duma vida humana.
E só nesta toada a movimento,
Embora o salmo já me saia rouco.
Upa! meu sofrimento!
Upa! que falta pouco...
#Pedra, como te admiro,
Acompanhas-me desde que respiro,
Sem ti não imagino a minha vida,
Quero-te sempre a meu lado.
Upa! lá vai ela distraída,
Upa! não me deixes isolado.
[Vranda (10.º 6.ª). O poema — sem a estrofe falsa — está em: Miguel Torga, Poesia Completa, II, 2007, p. 326]
Brasil
Brasil onde vivi, Brasil onde penei,
Brasil dos meus assombros de menino:
Há quanto tempo já que te deixei,
Cais do lado de lá do meu destino!
#Águas passadas, terras vividas,
Pessoas marcantes na passagem do destino,
Guardadas no coração e nunca esquecidas,
Brasil onde vivi o meu tempo de menino.
Que milhas de angústia no mar da saudade!
Que salgado pranto no convés da ausência!
Chegar. Perderte mais. Outra orfandade,
Agora sem o amparo da inocência.
Dois pólos de atracção no pensamento!
Duas ânsias opostas nos sentidos!
Um purgatório em que o sofrimento
Nunca avista um dos céus apetecidos.
Ah, desterro do rosto em cada face,
Tristeza dum regaço repartido!
Antes o desespero naufragasse
Entre o chão encontrado e o chão perdido.
[Tânia (10.º 6.ª). O poema — sem a estrofe falsa — está em: Miguel Torga, Poesia Completa, II, 2007, p. 337]
Estertor
Meu jeito de cantar, minha fortuna!
A única que tive...
Vai-me roubar a morte, qualquer dia,
Esta imensa riqueza que aumentava
Quanto mais a gastava
E repartia...
#No meu leito final,
Na minha sepultura,
Um poema banal.
Abençoada criatividade:
Contra minha vontade,
A perco afinal.
Meu condão de poeta!
Meu carisma!
Minha chama divina!
E terei de perder
Este dom de criar a claridade
Na densa opacidade
Do meu ser!
[Raquel (10.º 6.ª). O poema — sem a estrofe falsa — está em: Miguel Torga, Poesia Completa, II, 2007, p. 376]
Exorcismo
Canto
O meu desencanto.
Este cansaço
Lasso
De tudo quanto.
Esta melancolia
Penitente
De quem sente
Que luta e que porfia
Inutilmente.
Esta baça impressão
De que nada vale nada.
Esta tristeza triste
Que resiste
As razões da razão inconformada.
#Entram espíritos, saem espíritos;
No meu ser o pânico está instalado:
Medo, receio, conflitos;
Nos meus sonhos, sinto-me encurralado.
E acordei, surdo, no meio de gritos.
[Zé Diogo (10.º 6.ª). O poema — sem a estrofe falsa — está em: Miguel Torga, Poesia Completa, II, 2007, p. 385]
Solidão
Não aprendo a lição.
A vida bem me ensina
Mas a minha atenção
Perde-se em cada esquina
Do caminho.
Adivinho
O que sei.
E nunca sei senão que me enganei
E que vou mais sozinho.
Por isso canto a dar sinal de mim
E a exorcizar o medo.
Este medo
Em segredo
Que me atormenta.
Medo animal,
Primordial,
Carnal,
Que quanto mais avanço mais aumenta.
#Perdi-me do mundo
E o mundo perdeu-se de mim;
Tento sorrir de tudo,
Tento chegar a ti.
Mas não te alcanço
E sinto medo.
Fugiste do meu abraço,
Sinto que não te perdi.
[Mónica (10.º 6.ª). O poema — sem a estrofe falsa — está em: Miguel Torga, Poesia Completa, II, 2007, p. 389]
Noite
Noite, manto do nada
Onde se acolhe tudo,
Melodia parada
Nos ouvidos dum mudo.
Mãe do regresso, paz
Da batalha perdida;
Leiva morta onde jaz
A renúncia da vida.
Pecado sem perdão.
Aceno sem ternura;
Noite, o meu coração
Anda à tua procura.
#É em ti que resguardo
Todo o meu sentimento;
És tu que conheces o fardo
Que é parte do meu sofrimento.
[Ana M. (10.º 6.ª). O poema — sem a estrofe falsa — está em: Miguel Torga, Poesia Completa, I, 2007, p. 244]
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