Sunday, September 16, 2007

Texto (6)

Copio carta escrita em 2005-2006, em que procurava explicar como a inexistência de «pontos» não prejudicaria os alunos quando fizesse exames nacionais no ano seguinte.
Lisboa, 4 de Novembro de 2005

Aos Encarregados de Educação dos alunos do 8.º 6.ª

Em reunião realizada há semanas, levantou-se a questão de a ausência de testes em Língua Portuguesa poder vir a prejudicar os alunos, tendo em conta que mais tarde, no final do nono ano, terão de prestar provas num exame a nível nacional.
Respondo só agora, por assim aproveitar para fazer uma primeira apreciação do aproveitamento dos alunos em 2005-2006 (cfr. folha que junto).

De duas maneiras procurarei esbater a preocupação subentendida nas alegações que me foram transmitidas. Primeiro, matizarei a premissa «não se fazem testes em Língua Portuguesa»; depois, negarei a correlação entre «fazer-se testes-pontos» e «ter bons resultados em exames».

1.
Embora eu próprio anuncie não fazer testes (leia-se 'não fazer «pontos»'), seríamos mais precisos se disséssemos que nas aulas de Língua Portuguesa só se fazem testes.
Na disciplina de Português, os momentos de ensino e de testagem podem coincidir, porque as tarefas de treino — redacções, respostas a fichas sobre textos — implicam também a produção de resultados avaliáveis. O curso habitual das nossas aulas inclui questionários sobre textos, para treino da leitura, pequenas redacções, para treino da escrita, o que equivale aos itens mais importantes de um teste de Português. Também as fichas através das quais se aprende cada conteúdo de gramática mimam bem a restante parte de um teste de Língua Portuguesa, a que se ocupa do funcionamento da língua.
Na maioria das disciplinas do currículo do 8.º ano, podemos dizer que há momentos de informação (em grande parte, em ambiente oral), a que se segue um espaço de testagem da recepção dessa informação (através da escrita, sobretudo). Em Português, como a leitura e a escrita são as próprias matérias a ensinar — e não suportes apenas da informação ou da testagem, como acontece nas restantes disciplinas —, podemos fazer coincidir esses dois modos, aprendizagem (treino) e testagem (avaliação).
Também o meio em que decorrem as aulas é sempre o mesmo, o meio escrito. Esta prevalência do escrito — em leitura ou na produção — distingue as nossas aulas das de outras disciplinas ou até das do modelo de aulas de Português que os Encarregados de Educação terão como comuns. Nesse modelo tradicional, as aulas eram fundamentalmente orais, de diálogo sobre textos, reservando-se a escrita para a testagem ou para esporádicas composições.
Retomando a tese com que iniciei este ponto: nas aulas de Língua Portuguesa do 8.º 6.ª, ainda que não haja nunca «o ponto», há mais momentos de testagem do que em aulas, digamos, convencionais. Os alunos responderão a mais itens idênticos aos de um teste do que se a sua avaliação cumprisse o ritmo dos testes periódicos. Se é certo que não praticam esses itens num enunciado compósito — prefiro que o treino se vá focando em cada uma das competências —, é verdade igualmente que os executam mais vezes, pelo que, em princípio, ganharão maior destreza mesmo na resposta a testes (o que aliás não penso deva ser objectivo crucial).
Sucede ainda que as provas de exame do 9.º ano nem se aproximam do perfil dos «pontos» de Português tradicionais (que se conformavam ao modelo de antigos exames nacionais). Os actuais exames de Português do 9.º ano estão bastante mais na linha do trabalho que faço habitualmente: a leitura é testada por itens fechados; a escrita é avaliada em produção escrita independente do resto da prova; as perguntas de gramática são menos mnemónicas do que costumavam ser (implicando agora mais juízos linguísticos). O formato da prova do 9.º ano de 2004-2005 não creio surpreendesse os nossos alunos. Estranhá-lo-ia mais um aluno de turma com avaliação por «testes-pontos» canónicos. (Não me reporto, é claro, aos conteúdos, que incluem matéria que só será abordada no 9.º ano — alusões aos Lusíadas, por exemplo.)
Dirão que subsiste uma habilidade para que os alunos não estão a ser treinados: a de reagir a situações formais, com o stress inerente. Para esse argumento não me ocorre resposta, a não ser a de que parece provável que essa capacidade de bem reagir em situações de exame não divirja de disciplina para disciplina e que, portanto, os alunos a desenvolverão suficientemente em outras disciplinas.

Depois de ter procurado demonstrar que fazemos muitos testes, tentarei agora provar que a prática de testes não influencia o rendimento nos exames.

2.
Por definição, um teste serve apenas para medir, para medir capacidades (e conteúdos aprendidos). Um teste não visa ensinar. Essa é aliás uma condição da sua boa construção. Se um teste, se um exame, pretender mais do que a simples medição do que antes foi aprendido ou treinado, estará a consentir que se introduza uma variável estranha (que anularia a sua fiabilidade). Portanto, ao contrário do que — admito eu — será ideia comum, os testes não melhoram nem pioram as capacidades dos alunos. Apenas as medem.
(Outra questão, que aqui não vou tratar — mas que de que me ocupei na carta do ano passado —, é saber se o teste-ponto é a melhor maneira de medir as capacidades em Português. Na carta mencionada, tentei mostrar que não é.)
Se um teste apenas mede, não se vê como fazer ou não fazer testes durante o ano possa influenciar o resultado de testes que se façam depois. Dir-se-á que experiências prévias de responder a testes de Português melhorarão performances em futuras testagens, na medida em que habituarão o aluno a aspectos formais das provas (estrutura, tipo de itens, indicações características). Concedo que talvez sim, embora residualmente e implicando reconhecer-se que nesse caso o exame estaria imperfeitamente concebido — compete a quem elabora uma prova evitar que o convívio com instrumentos de testagem semelhantes influencie os resultados (é uma variável estranha que teria de ser isolada). De qualquer modo, pelas razões que expus atrás — a coincidência entre algumas tarefas nossas e o novo formato das provas do 9.º ano —, os alunos do 8.º 6.ª até estarão razoavelmente equipados em termos de prática de itens típicos do exame que farão em 2006-2007.

Há talvez uns catorze anos, quando nesta e em todas as escolas começaram as provas globais no 10.º ano, procedendo eu então como agora, instalou-se idêntica preocupação de que a falta de hábitos de responder a testes de Português desfavorecesse as minhas turmas. Muitas energias então se consumiram em tais angústias. Na verdade, acabaram por ser as turmas a que eu ensinava que tiveram as melhores notas nessas provas de escola. Seria presunçoso dizê-lo, se eu não esclarecesse já que não houve nisso mérito nenhum da minha parte. Sei bem que em Português a capacidade revelada numa prova depende pouco do ensino havido. Por injusto que nos pareça, as capacidades de ler e de escrever não se alteram decisivamente em função do trabalho ao longo de um ou dois anos lectivos. As melhorias que se podem obter — e em que, note-se, nos devemos aplicar — não se traduzem de modo sensível: os alunos que já tinham facilidade na leitura e na escrita, tenham trabalhado ou não, terão sempre bons resultados; os que liam ou escreviam com mais dificuldade continuarão com os piores resultados, mesmo que se tenham esforçado muito ao longo do ano e ainda que tenham feito alguns progressos na redacção e na compreensão dos textos. É também o que faz que se torne quase desleal assentarmos a avaliação em Português nos «testes sumativos».
Com isto se liga um efeito pernicioso que reconheço na minha maneira de ensinar/avaliar. Haverá sempre alguns alunos que, perante a necessidade de cumprir tarefas permanentemente — obrigados a estarem sempre a fazer «testes» —, acabam por, mais ou menos conscientemente, assumirem atitude negligente (protelando o lançarem-se ao trabalho, focando-se nas tarefas só intermitentemente). Nestes casos — em número reduzido e que assinalarei nas informações individuais —, os alunos não estão a lucrar com as aulas e podemos dizer que o tipo de trabalho seguido em Português lhes é inconveniente. Presumivelmente, com outro género de aulas — em que não houvesse tantos «testes» — e se se estipulassem testes periódicos, notar-se-ia menos que não estavam a aproveitar o ensino. Pode também suceder que o aluno prefira investir numa disciplina que lhe permita estudar apenas para o teste e seja mais leve no trabalho em aula. Ou que, mesmo que não por táctica, havendo um teste sumativo, se mobilize pelo menos nas imediações da prova (ficando nos outros dias menos evidente a relutância a trabalhar).
Tenha-se entretanto em conta que o estímulo imediato que representa ter um teste marcado — com o consequente esforço de estudo ou de revisão — em Língua Portuguesa é despiciendo e ilusório. A escrita e a leitura não são «estudáveis», têm de se praticar continuamente. Quanto à gramática, assinalo que fazemos testes sobre os conteúdos ensinados em cada período, os quais, se não são datados com rigor, calham em momentos dos períodos que delimito razoavelmente (procedo assim porque mesmo relativamente aos conteúdos de funcionamento da língua pretendo evitar fomentar o estudo de curto prazo).

Como sempre, fico à disposição dos Encarregados de Educação que julguem conveniente prestar explicações mais detalhadas.


Luís Prista
(professor de Língua Portuguesa do 8.º 6.ª)