Tuesday, September 13, 2011

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Lembro-me que

            A tradição de reunir em lista recordações fragmentárias introduzidas por «Lembro-me» não começou com Georges Perec, o autor de Je me souviens (Paris, Hachette, 1978), mas foi sobretudo divulgada com esse livro. Também em português têm surgido exercícios do mesmo género — por exemplo, do jornalista Ferreira Fernandes, Lembro-me que... (Lisboa, Oficina do livro, 2004). Recentemente, numa crónica no suplemento do Público ‘Fugas’, Luís Maio assinava «Lembro-me de fazer as malas», o texto de que damos um pormenor. Sem preocupações de seleção, aqui ficam também alguns «lembro-me que» de alunos do 10.º ano (foi a lista que saiu no Voz Activa; pus também, no final, algumas das «A minha recordação mais antiga».

Lembro-me de fechar os olhos nos filmes quando apareciam monstros ou bruxas. (Miguel Teles, 10.º 6)

Lembro-me que houve um dia em que todos se riram de mim na escola, quando fui contra uma árvore. (Pedro Saraiva, 10.º 6)

Lembro-me que gostava de chocolate com maionese. (Inês Pires, 10.º 1)

Lembro que, num dia normal de escola, a minha professora desenhou um retrato de uma boneca e deu-mo, o que me fez sentir especial. (Mariana Costa, 10.º 6)

Lembro-me que dizia que nunca iria fazer certas coisas, próprias de jovens, e agora dou comigo a fazer essas exatas coisas. (Carolina Carrêlo, 10.º 6)

Lembro-me que o meu irmão era o meu maior protetor: eu era, verdadeiramente, a menina dos seus olhos. (Rita Gaspar, 10.º 6.ª)

Lembro-me que a minha bisavó tinha dezenas de gatos. (Miguel Pinto, 10.º 1)

Lembro-me que perguntei a um senhor se podia fazer uma festa à sua filha, pensando que era um cão. (Paulo Machado, 10.º 9)

Lembro-me que, aos seis anos, tentava parecer adulto. (Afonso Coelho, 10.º 9)

Lembro-me que, ao jogar futebol com um colega meu, do 1.º ano, em vez de pontapear a bola dei-lhe uma canelada. (Marta Vassalo, 10.º 3)

Lembro-me de pegar nas minhas irmãs quando ainda tinham apenas dias de vida e de pensar na sua inocência, fragilidade e calor. (Leonor Marques, 10.º 3)

Lembro-me que estava num parque, onde o meu irmão andava de baloiço, e que me pus atrás dele e o baloiço bateu-me na testa. (Joana Oliveira, 10.º 3)

Lembro-me que, nas férias de verão, numa casa alugada no Algarve, todas as manhãs saía de casa e assobiava para um cão, que se chamava Tigre, vir ao meu encontro. (Filipa Ladislau, 10.º 3)

Lembro-me que costumava apanhar o comboio com a minha avó para ir para Sintra. (Miguel Gaio, 10.º 3)

Lembro-me que, assim que comecei a ler. devorava os anúncios das ruas, lia-os de fio a pavio, sempre que passava de carro. (Catarina Nunes, 10.º 4)

Lembro-me que, numa tarde fria de inverno, quando estava a comer cereais e a pôr-me em cima do banco para alcançar os guardanapos, desequilibrei-me, caí e parti um dente. (Rita Sampaio, 10.º 4)

Lembro-me que, num dia de muita chuva, trouxe a Rita, uma cabrita, para a sala de estar da casa da minha avó. (Margarida Graça, 10.º 4)

Lembro-me que, estava eu a chegar de uma viagem a Tomar, a minha mãe me ligou a dizer que a minha irmã tinha nascido. (Mariana Soares, 10.º 4)

Lembro-me que, na inocência dos três anos, em pleno restaurante, atirei o meu sapato para uma mesa de desconhecidos, acertando num prato com comida. (Alexandre Costa, 10.º 4)

Lembro-me que, numa noite de verão, estava a andar de triciclo à volta da piscina, onde acabei por cair com o triciclo e tudo. (Rodrigo Almeida, 10.º 4)

Lembro-me que, no quarto dos meus pais, lia livros com contos de fadas. (Rafaela Matos, 10.º 4)

Lembro-me que eu e a minha irmã, a apanharmos pedras na margem de um rio nos Açores, encontrámos uma que se assemelhava a uma taça. (Miguel Dias, 10.º 4)

Lembro-me que, de noite, chorava, porque queria conhecer o «João Pestana» de que todos me falavam. (Catarina Santos, 10.º 4)

Lembro-me que, todas as manhãs, ia a casa dos meus avós comer uma torrada com manteiga que me deixava felicíssima. (Inês Miranda, 10.º 4)


A recordação mais antiga

            Tratava-se de descrever a recordação mais antiga que cada um guardava. Eis oito desses trechos.

Foi um dia feliz, um dia com sabor a descoberta. Estava deitada no meu tapete, quando descobri um pequeno espelho. Estava rodeada pelos meus brinquedos favoritos, mas aquele pedaço de espelho atraía todas as atenções. Pelo espelho, fixei a minha cara durante um longo momento. Passei todos os brinquedos à frente do espelho, vendo-os a duplicarem-se, maravilhada. (Inês Cruz, 10.º 1)
Estava sentado à beira da cama, batendo com os pés um no outro, a pensar no que haveria de fazer. Lá fora fazia frio e chovia. Sentia-me sozinho. E lembro-me que lá entrou ela pelo quarto, com os seus cabelos soltos e um livro debaixo do braço: preparava mais uma história para eu adormecer... (Rui Passinhas, 10.º 1)
Uma sala ampla mas cheia. Cheia de brinquedos e móveis, mesas e cadeiras pequenas. Com desenhos, pinturas e quadros de tarefas pendurados nas paredes. Contemplava a minha sala do infantário. Lembro-me de ficar entusiasmada: lá só poderia ser tudo fácil e divertido. Lembro-me de ver as panelas com que mais tarde fiz canja de galinha (usando papel despedaçado). A alegria e vida daquela sala são a minha primeira memória. (Luísa Morgado, 10.º 3)
Devia ter uns três anos, no máximo, e, nessa altura, ainda ia brincar pra a escola da minha mãe. Naquele dia seria feita a homenagem ao meu falecido avô, que, por sinal, fundara a escola onde a minha mãe trabalhava. Lembro-me de a minha mãe me pegar ao colo e irmos para uma pequena divisão onde se encontravam já algumas pessoas (umas conhecidas, outras nem por isso). Ao fundo estava uma placa com a bandeira portuguesa a tapá-la. Foi então que, após o sinal dado pela minha mãe, eu puxei a bandeira: ali estava a placa de homenagem ao meu avô. (Marta Brito, 10.º 3)
Estava ao colo da minha mãe e o meu pai estava a fazer a brincadeira do «Cu-cu!». Lembro-me que havia calor e que me ria às gargalhadas. Estavam todos contentes. (Leonor Marques, 10.º 3)
Estava no recreio dos meninos crescidos. Tinha visto uma porta aberta, que ligava os dois recreios, e resolvera atravessá-la à procura do meu irmão. Chamei por ele, mas não veio e, quando tentei voltar para trás, a porta já estava fechada. Senti grande medo por não saber que fazer, até que alguém lá me abriu a porta. (Gi, 10.º 3)
Estava sentada na cama da minha irmã, no nosso quarto — ainda dormia num berço e as grades dificultavam-me a vista. Entre as palavras entoadas com excitação do meu pai e máquina de filmar na mão, ds antigas, com cassetes VCR, a minha irmã lá entrava no quarto. Preparava-se para representar, com fantoches, peças como a Branca de Neve, e de me fazer rir às gargalhadas com apenas bonecos de trapo cuja voz já me era conhecida, até demasiado bem. (Maria Inês, 10.º 4)
Estava sentado no chão, na sala de jantar, que tinha grandes janelas que substituíam as paredes e uma grande mesa no meio. Brincava com dois berlindes acabados de tirar do saco de berlindes (o saco teria uns dez), quando decidi voltar a metê-los no saco. Resolvi atirar o saco, que, ao terceiro arrremesso, embateu na janela e rachou-a. Assustado com as consequências, escondi-me debaixo da grande mesa e aí permaneci durante três horas. (Francisco Hipólito, 10.º 4)