Análise de Frei Luís de Sousa e Canções pelo 11.º 8.ª
Kristina [Suf+/Bom - {tal como as
notas seguintes, esta apreciação diz respeito sobretudo à primeira versão do
texto, embora tenha tentado também vigiar a revisão havida}]
No início pensei que a
pesquisa de uma música portuguesa para relacionar com a obra Frei Luís de Sousa
de Almeida Garrett seria tarefa simples, pois sobre o tema do amor sempre os
portugueses escreveram muito. Porém, não conheço muito a bem arte musical
portuguesa e por esse motivo optei por pesquisa de música estrangeira.
Pesquisei músicas de Rammstein, pois, por ser uma banda NDH ou rock,
presumi que, ao traduzir as letras, ia encontrar algo dentro do tema da
tristeza, desilusão, amor, sentimentos negativos. Deparei-me com várias letras
que podiam servir para explicar vários momentos ou ações dos personagens, porém
apenas “Wo Bist Du” consegue fazer uma análise psicológica aos comportamentos
da Madalena ao longo de quase toda a obra, fazendo entender o que sente e pensa
uma mulher com os seus problemas e na sua situação.
A tragédia tem o seu início
exatamente com Madalena só a refletir nas suas íntimas preocupações e com o
receio da ilegitimidade do seu segundo casamento com D. Manuel – “(…) que o não
saiba ele ao menos, que não suspeite o estado em que eu vivo… este medo, estes
contínuos terrores, que ainda me não deixaram gozar um só momento de toda a
imensa felicidade que me dava o seu amor (… )”. O motivo da inquietação
relativamente a saber se o casamento fora legítimo explica-se pela incerteza da
morte do primeiro marido de Madalena, D. João de Portugal, desaparecido na
batalha de Alcácer Quibir. Com a incerteza da sobrevivência de D. João, “vivo
ou morto”, vive agora Madalena, casada com D. Manuel, presa pelo pensamento do
possível regresso do primeiro marido.
Ainda casada, Madalena
apaixonou-se por D. Manuel, porém sempre fiel a D. João – “Ich liebe dich, ich
liebe dich nicht mehr [eu amo-te, eu não te amo mais]”. Apenas com o
desaparecimento de D. João, Madalena casou pela segunda vez e teve uma filha
Maria (na obra, com treze anos) que também causa terror na mãe com a hipótese
do regresso de D. João de Portugal e D. Sebastião inconscientemente. Para além
da única filha, o medo e peso na consciência de Madalena é causado pelo Telmo,
um velho criado, confidente privilegiado, que Madalena conheceu ao casar pela
primeira vez. Telmo também acreditava no regresso de D. João de Portugal e
partilhava histórias e opiniões com Maria. Apesar do segundo casamento ter sido
aceite pelas três famílias, de D. Manuel, de Madalena e de D. João, Madalena
continuara aterrorizada com a possibilidade da sua ilegitimidade, tal como
refere a canção (“Wo bist du? [Onde estás?]”, a dúvida de Madalena presente e
desenvolvida ao longo da tragédia).
Por Madalena viver com
medo e ser supersticiosa, procura sinais de poder superior a avisar da vida de
João de Portugal em vários momentos, por vezes até exagerando. Tal como refere
a canção, “such ich dich hinter dem lich, (…) ich such dich unter jedem stein /
eu olho para ti atrás da luz [eu procuro por ti por baixo de cada pedra]”.
Com isto, Madalena fica
presa ao passado e entra em stress (“ich schalf mit einem messer ein [eu
golpeio com uma faca]”).
Filipa [Bom -]
A canção dos Xutos & Pontapés, “Homem do
leme”, aplica-se sobretudo às cenas V e VI do terceiro ato de Frei Luís de Sousa, com destaque às
personagens Telmo, Romeiro e Madalena.
Os versos «Tentaram prendê-lo / impor-lhe uma fé
/ mas vogando a bondade / rompendo a saudade» remetem para a crença de Telmo,
que nunca duvidou da sobrevivência do seu amo na batalha de Alcácer Quibir, D.
João de Portugal. A sua suspeita é confirmada na cena V do terceiro ato,
quando, em conversa com o Romeiro, acaba por descobrir que diante si se
encontra o seu amo («Meu amo, meu senhor… sois vós? Sois. D. João de Portugal,
oh, sois vós, senhor?»). Durante o diálogo com D. João de Portugal, Telmo
repara no seu aspeto descuidado, que D. João justifica com a experiência cruel
vivida nos últimos vinte anos: «São vinte anos de cativeiro e miséria, de
saudades, de ânsias que por aqui passaram». Esta citação pode relacionar-se com
os versos «Vai quem já nada teme / vai o homem do leme», presentes na canção.
D. João, ao regressar a casa, é informado por
Telmo do novo esposo de Madalena, Manuel Coutinho, com quem Madalena tem uma
filha, chamada Maria («E têm um filho?»). Fica incrédulo e surpreendido com as
notícias, tomando assim a decisão de ir embora arrependido de ter voltado e
indignado com a atitude de Madalena («D. João de Portugal morreu no dia em que
sua mulher disse que ele morrera. Sua mulher honrada e virtuosa, sua mulher que
ele amava…»), apesar do esforço de Telmo para o impedir. Esta atitude por parte
de D. João poderia associar-se aos versos «No fundo do tempo / foge o futuro /
é tarde demais», onde também o autor da canção descreve um sentimento de
impotência perante a situação vivida, compreendendo que é tarde demais para
mudar seja o que for.
Na cena VI do terceiro ato, é apresentada a cena
em que uma confusão de Madalena, por momentos, faz D. João de Portugal voltar a
sonhar com o seu casamento, pensando que Madalena o reconhecera e o chamara em
tremendo pranto: «Pois por quem?... Não lhe ouves gritar: “esposo, esposo?».
Madalena acaba por desfazer o engano («Meu marido, meu amo, meu Manuel!»),
deixando assim D. João mais decidido a ir embora. Os versos «E uma vontade de
ir / correr o mundo e partir / a vida é sempre a perder», são relacionáveis
relacionam-se com a parte final da cena, onde D. João demonstra um sentimento
de raiva por si próprio em ter acreditado que as palavras de Madalena pudessem
ser dirigidas a si, o que é comprovado na fala «Ah! E eu tão cego que já tomava
para mim! Céu e inferno! Abra-se esta porta… Não: o que é dito, é dito».
Stefanie [Muito Bom -]
A frase declarativa «Eu esperei», que serve de
título à canção de Tiago Bettencourt, poderia constar ao longo do drama de
Garrett, sobretudo na cena II do ato I, constituindo uma espécie de
justificação e, talvez até, uma desculpa, proferida por D. Madalena de Vilhena.
Embora perseguida por um sentimento de culpa, a verdade é que a esposa de D.
João de Portugal esperou efetivamente sete anos antes de ter desposado D.
Manuel de Sousa Coutinho.
A faixa do álbum Acústico (2012), que conta com a colaboração dos Mantha (banda
composta por Pedro Gonçalves e João Lencastre), embora retratando uma realidade
diferente da que se encontra presente em Frei
Luís de Sousa – a do vazio interior dos portugueses, que têm encarado a
vida como um fardo demasiado pesado, sentindo-a como um «mundo inteiro a ser
demais» relembra o sofrimento de Madalena, após D. João ter sido dado como
perdido na batalha de Alcácer Quibir («D. João ficou naquela batalha […] com a
flor da nossa gente»). Apesar das buscas infrutíferas, a dúvida em torno da
efetividade da sua morte permaneceu e é devido à sua determinação e esperança
(«Sabeis […] como durante sete anos, incrédula a tantas provas e testemunhos da
sua morte, o fiz procurar […]») que Madalena pede a Telmo que não a faça «mais
desgraçada». De facto, o «fiel servidor», frequentemente de caráter agoirento,
será porventura o único a poder afirmar o seu orgulho, a sua superioridade e o
seu destino. Na verdade, o destino constitui o principal motivo da quase
ausência de enredo de Frei Luís de Sousa.
Logo de início, o espetador sabe o que sucederá, uma vez que o desfecho se
torna frequentemente evidente. Conjurá-lo, como o fazem aliás D. Madalena e
Manuel de Sousa, revela-se, desse modo, inútil.
Esta conceção de destino é própria da
individualidade literária de Garrett e denota a herança do teatro clássico. O
mesmo se poderá afirmar acerca do conflito psicológico que é desencadeado pelos
dilemas com os quais as personagens do drama se deparam. Este aspeto é
particularmente visível no momento em que Telmo Pais se vê obrigado a escolher
entre Maria e D. João. O conflito psicológico é igualmente evidenciado de
imediato na cena I do ato I, aquando da reflexão/meditação de Madalena, que
poderia ser fundamentada com os prenúncios presentes na canção de Tiago
Bettencourt: “E a tristeza é forma de sinal / Liberdade pode ser prisão…”.
Com efeito, a vida de D. Madalena de Vilhena é
marcada pela prisão em que a ansiedade a confina, uma vez que o medo causado
pela possibilidade de regresso de D. João não lhe possibilita “gozar um só
momento” da felicidade e do amor proporcionados por D. Manuel de Sousa.
Existe, por isso, um problema moral imposto às
consciências católicas, na peça de Garrett, devido ao duplo casamento de D.
Madalena. A sua gravidade é determinada não apenas pela indissolubilidade do
vínculo matrimonial, mas, principalmente, pela presença da filha ilegítima,
Maria. A sua morte, no final do drama, representa uma forma de expiação da
culpa que não é de ninguém.
Zé [Bom +]
A obra Frei
Luís de Sousa é uma tragédia-drama romântico, comparável a uma
tragédia-grega, uma vez que é possível retirar dela a ideia de que é o destino
que tudo controla. É, na verdade, “o destino e a
sua irrevogabilidade que interessam à tragédia”.
Nesta
peça,
Almeida Garrett escreve sobre uma família, a família Vilhena-Coutinho, que
reside em Almada e tem uma filha. A sua vida aparenta ser feliz e calma, mas a
verdade é que este casal tem algo que os assombra: a possibilidade de o seu
casamento ser pecaminoso. D. Madalena de Vilhena, esposa de Manuel de Sousa
Coutinho (o futuro Frei Luís de Sousa), havia já sido casada, em tempos, com um
outro homem, um nobre guerreiro chamado D. João de Portugal, que tinha
desaparecido na batalha de Alcácer Quibir. D. João amava a esposa e, antes de
desaparecer, jurara em carta: “Vivo ou morto, Madalena, hei-de ver-vos pelo
menos ainda uma vez neste mundo”.
Após a derrota dos
portugueses na batalha, D. João de Portugal desapareceu e, com muito poucas
dúvidas da parte de Madalena sobre a sua morte, esta torna a casar, formando
uma família. Apenas o aio, Telmo, duvidava ainda da morte de seu amo.
Por azares da vida, esta
família vê-se obrigada a abandonar a residência e ir para a velha residência de
D. João. Tal acontece no fim do I ato e início do II ato. É aqui que Madalena
fica aterrorizada, pois recorda a vida que tivera naquele palacete. Também
neste palacete toma lugar o acontecimento trágico, nos atos II e III. Um
Romeiro aparece, afirmando vir de Jerusalém e trazer notícias a D. Madalena,
falando-lhe de um cativo (D. João de Portugal), dizendo-lhe que este vive com a
esperança de voltar a vê-la e de que esta se lembre de si e de seu amor. Traz-lhe
a notícia de que “um homem que muito bem lhe quis (…) está vivo… por seu mal
(…) há vinte anos que o trouxeram cativo.”
Este Romeiro é, na
verdade, D. João, que fala indiretamente de si. Ele é o “destinador” da
tragédia, porque vai destruir o lar. Quando lhe perguntam quem ele é, responde
que é “Ninguém”. Até ao seu aio ele diz: “Ninguém, Telmo; ninguém, se nem já tu
me conheces!”. O sentimento de D. João é semelhante ao do sujeito poético da
canção de António Mourão, “O meu nome é Ninguém”, que assume ser “o barco que
volta (…) Sou a esperança, a revolta (…) Um cativo caminho. Ando perdido no
espaço, à procura de ninho. O meu nome é ninguém”. D. João já não se considera
alguém. Afirma “D. João de Portugal morreu no dia em que a sua mulher disse que
ele morrera”. Ele, já de cabelos brancos e barbas longas e brancas (“São vinte
anos de cativeiro e miséria”), tem o mesmo sentimento descrito na canção (“Sou
o fato rasgado, sou a mão calejada. O meu sangue é encarnado, tem a cor
desbotada”).
No entanto, apesar de
não se revelar a Madalena, de modo a não aumentar o seu sofrimento, D. João
causa a tragédia. Destrói aquele lar nos atos II e III. Ele acaba por partir de
novo, não se revelando a ninguém a não ser ao seu aio. Como na canção, continua
sendo ninguém: “O meu nome é ninguém, o meu nome não sei”.
Sara G. [Bom -/Bom (-)]
A canção de Caetano Veloso «Leãozinho», do álbum
Bicho (1977), retrata um forte
sentimento de afeto de um ser – que, neste caso, seria o sujeito poético – por
um outro ser, a que se refere como “Leãozinho”. Considerei esta relação
ternurenta, de que trata a canção, semelhante à relação partilhada por Telmo e
Maria, que percorre todas as cenas – ou, pelo menos, as cenas em que ambas as
personagens referidas participam – da obra Frei
Luís de Sousa.
Telmo Pais – velho aio e confidente privilegiado
de D. Madalena –, por ter sido quase que um “amo de criação” para Maria, fora sempre
uma grande influência para a mesma. Partilhavam conversas que abrangiam assuntos
da mais diversa índole, desde assuntos políticos e sociais do país a assuntos
mais pessoais ou privados da vida de Maria e da sua família, nomeadamente a
débil saúde de Maria («É delgadinha, é»), que sofria de tuberculose – situação
que muito afligia Telmo («Que febre que ela tem hoje, meu Deus! Queimam-lhe as
mãos»). Maria e Telmo partilhavam o patriotismo,
a esperança de que um dia D. Sebastião voltasse da batalha de Alcácer Quibir, a
paixão pelos Lusíadas e o gosto pela
política, passando grande parte dos seus dias juntos a divagar por entre a
poesia de Camões, as batalhas de D. Sebastião e as novas descobertas literárias
de Maria («Gosto de ficar ao sol, leãozinho/ De estar perto de você») –, o que
não agradava muito a D. Madalena, que considerava estas conversas demasiado
fortes para a idade de Maria («já pensaste bem no mal que estás fazendo?»),
que tinha apenas treze anos (e que era,
portanto, apenas um «leãozinho»).
Este amor incondicional que
Telmo tinha por Maria («Gosto muito de você, leãozinho») – quase que paternal («vedes-me
aqui agora, que
lhe quero mais do que o seu pai») –, por vezes, faria
que o invadisse um sentimento de culpa, por estar a pôr em causa a sua lealdade
para com o seu desaparecido amo, D. João de Portugal, que outrora fora o seu
«leãozinho». Telmo havia também criado D. João de Portugal, era o seu
maior amigo, e ninguém havia sofrido tanto com o seu desaparecimento como ele:
opôs-se quanto pôde a que D. Madalena casasse pela segunda vez (com Manuel de
Sousa Coutinho), não lhe tendo nunca conseguido perdoar a infidelidade para com
o amo, cuja morte se recusou sempre a aceitar («Dúvida de fiel servidor,
esperança de leal amigo»).
Fora
nesta situação de profundo desgosto que uma nova alegria ocupara o coração de
Telmo, Maria, que de algum modo acabara por amenizar a dor do velho aio («Para
desentristecer, leãozinho / O meu coração tão só / Basta eu encontrar você no
caminho), após a perda de D. João de Portugal (primeiro «leãozinho» de Telmo) –
embora, inicialmente, Telmo não tivesse aceitado o nascimento de Maria («Pois
não se lembra, minha senhora, que ao princípio era uma criança que eu não
podia. — É verdade, não a podia ver: já sabereis porquê mas vê-la, era ver»). É
neste contexto que, quando Telmo é forçado a escolher entre Maria, que criara
como filha, e D. João, que também criara como filho, descobre que, no fundo da
alma, desejava que o seu antigo
«leãozinho» tivesse continuado morto, por temer o impacto que o seu regresso
poderia ter na vida de Maria, apercebendo-se por fim, de que ela, era o único
«leãozinho» no seu coração.
Ana [Bom (-)]
A música “Breakeven” faz parte do álbum
intitulado com o nome da banda (The
Script) de 2008. É complicado arranjar um significado literal para
“breakeven” mas, traduzido por alto no contexto da canção, é quando ninguém
ganha ou perde o mesmo. Esta música lembra-nos D. João de Portugal, em Frei Luís de Sousa, quando chega ao seu
palácio, passados vinte e um anos.
A chegada de D. João de Portugal é anunciada na
cena XI do Ato II, onde se identifica como Romeiro, o que é possível porque
passado tanto tempo, ninguém o reconhece. O primeiro contacto estabelecido é
entre as cenas XIII e XV do mesmo ato, quando descobre que Madalena, amor da
sua vida, tinha casado de novo por acreditar que ele se encontrava morto
(“Parentes!... Os mais chegados, os que eu me importava achar… contaram com a
minha morte, fizeram a sua felicidade com ela”). Nos momentos que se seguem, o
Romeiro relata que estivera cativo durante vinte anos e em sofrimento, enquanto
que Madalena vivia com o seu marido, Manuel de Sousa Coutinho («Her best days
were some of my worst [Os melhores dias dela foram uns dos meus piores]»).
Já na cena V do ato III, Telmo vai ao encontro
do Romeiro e descobre que este é, de facto, o seu amo, D. João de Portugal.
Durante este reencontro, o Romeiro fica a saber que Madalena e Manuel de Sousa
têm uma filha, o que o faz confessar a Telmo a sua dor por não poder voltar a
estar com Madalena, pois ela agora tem tanto o coração dele como de Manuel de
Sousa, e fez a sua decisão e parece estar bem com ela («you got his heart and
my heart and none of the pain [tens o coração dele e o meu e não sentes a dor]»).
Reafirma ainda que D. João de Portugal está morto, desde o dia em que ela
acreditou na morte dele (“D. João de Portugal morreu no dia em que sua mulher
disse que ele morrera”).
Instantes a seguir, ouve-se bater à porta e é
Madalena. Madalena chama por seu esposo e apela para que este abra a porta
pelas memórias que têm juntos (“Marido da minha alma, pelo nosso amor te peço,
pelos doces nomes que me deste, pelas memórias da nossa felicidade antiga,
pelas saudades de tanto amor e tanta ventura”). O Romeiro reage de imediato,
iludido com a ideia de que aquele discurso poderia ser dirigido a ele, mas,
rapidamente, volta à realidade, quando Madalena chama por Manuel, no lado de
fora da porta (“Meu marido, meu amor, meu Manuel”). O Romeiro fica indeciso com
o que fazer a seguir devido ao que ainda sente por Madalena («What am I gonna
do when the best part of me was always you? [O que é que eu vou fazer quando a
melhor parte de mim foste sempre tu?]»), pensando em abrir a porta, mas,
rapidamente, decide ir embora pois, mais uma vez, ela tomara a sua decisão
(“Não: o que é dito, é dito”).
Madalena S. [Bom]
Na cena V do III ato,
Telmo, que, ao contrário de D. Madalena de Vilhena, nunca acreditara na morte
do seu amo, D. João de Portugal, na Batalha de Alcácer Quibir, vem a descobrir,
passados vinte e um anos, que o seu pressentimento estava correto e o seu amo
estava vivo. Teve a certeza disso quando o Romeiro apareceu (“Esta voz… esta
voz!… Romeiro, quem és tu?”/ “Meu amo, meu senhor… sois vós? Sois, sois […]”).
Nunca acreditara na sua morte e, apesar da sua ausência, fora-lhe sempre
intimamente fiel (“Ninguém Telmo; ninguém se nem já tu me conheces!”).
Tal como a letra da
canção ‘’Hide in your shell”, da banda Supertramp (aqui, infelizmente,
reproduzida numa versão recente, pelo autor, com orquestra), o Romeiro
pretendia esconder-se ‘’na sua concha’’, para evitar o mundo e o sofrimento que
a sua presença poderia causar (‘’Hide in your shell 'cause the world is out to
bleed you for a ride’’).
O seu aparecimento
súbito provocaria manchas na honra da mulher, D. Madalena. Como homem honrado
que era, para que ela não fosse acusada de viver em pecado ao descobrir-se que
afinal não enviuvara, nem Maria, filha de D.Madalena e de seu actual marido,
Manuel de Sousa Coutinho, ficasse por consequência com o epíteto de filha
ilegítima, pretende que Telmo minta por ele, ao dizer ‘’que o peregrino era um
impostor, que desapareceu, que ninguém mais houve novas dele’’.
No entanto, apesar do
seu propósito firme de ‘’não desonrar a sua viúva’’, ilude-se quando a
determinada altura escuta a voz de Madalena a chamar por ele (‘’Esposo, esposo,
abri-me, por quem sois! Bem sei que aqui estais! Abri!’’), exclamando ‘’É ela
que me chama! Santo Deus! Madalena que chama por mim…’’ / ‘’ Não lhe ouves
gritar: ‘’esposo, esposo?’’;‘’/Que encanto, que sedução! Como lhe hei de
resistir!?’’. Eis, porém, que Madalena responde ‘’Meu marido, meu amor, meu
Manuel!’’ e, então, tal como na canção da banda de rock Supertramp, ''You're
looking for someone to give an answer. But what you see is just an illusion’’.
D. João de Portugal, por momentos, iludira-se, imaginara que o impossível, e
menos conveniente, acontecera e sua mulher o tivesse reconhecido, mas logo se
apercebeu da realidade. Estava a chamar por seu marido, Manuel de Sousa (‘’Ah!
E eu tão cego que já tomava para mim! Céu e Inferno!‘’), tal como na canção, ‘’Heaven or Hell, was the journey
cold that gave your eyes of steel?’’.
Catarina
S. [Suf
+/Bom -]
Frei Luís
de Sousa,
de Almeida Garrett, enquadra-se, quase na perfeição, na tragédia clássica, por
um lado. Por outro, é um autêntico hino ao mito sebastianista.
A peça, que se situa temporalmente no pós-batalha
de Alcácer Quibir e consequente morte do Rei D. Sebastião, reflete a vertente
clássica da Tragédia, composta por hybris (o desafio à ordem, que acontece
quando D. Madalena não guarda fidelidade a D. João de Portugal); ágon (conflito
que culmina com o regresso de D. João); peripécia (incêndio no palácio de
Manuel de Sousa Coutinho); anagnórise (reconhecimento de D. João); catástrofe
(morte física e psicológica das personagens); pathos (sofrimento); o coro (os
presságios de Telmo); clímax (ponto máximo de conflito); catarse (sentimento de
terror e piedade); anankê (destino sempre presente). Noutra perspetiva, o mito
sebastianista. Por um lado o pessimismo, o fado, o destino; por outro lado, a
esperança, o regresso do desejado.
Garrett, tal como Dulce Pontes na canção “O Amor
a Portugal”, evoca, precisamente, o mito sebastianista. O autor serve-se das
suas personagens para o fazer. O pânico e desassossego de D. Madalena (“este
medo, estes contínuos terrores… que desgraça a minha”). D. João de Portugal,
apresentado como um fantasma do passado, do presente e do futuro, tal como D.
Sebastião regressará numa manhã de nevoeiro. Simbolizam a condenação de um povo
que tem de enfrentar o passado.
Telmo e Maria são as personagens que melhor
encarnam o sebastianismo. Maria é sofredora, a única que tem morte física, é o
modelo da mulher romântica (“e sentada a olhar para o rio”; “ilha encoberta
onde está el-rei D. Sebastião, que não morreu e que há de vir, num dia de névoa
cerrada”). Telmo, o puro sebastianista, supersticioso e pessimista, personifica
os presságios (“Que febre ela tem hoje, meu Deus!”; “vivo ou morto… não me
esqueceu na letra daquelas palavras, e eu sei que homem era meu amo”; “vivo não
veio… e morto… a sua alma… a sua figura”).
O mito do sebastianismo é o reflexo do amor a Portugal,
e do orgulho em ser português. A canção de Dulce Pontes menciona que “o dia há
de nascer, rasgar a escuridão e fazer o sonho amanhecer”. O amor e o
patriotismo libertarão as gentes, as vozes e as almas, “o amor há de vencer, a
alma libertar” e “um dia há de se ouvir o cântico final”.
Esse dia surgirá; tal como cantou Fernando
Pessoa “Falta cumprir Portugal”. Falta ultrapassar as superstições e os medos,
falta coragem e acreditar que D. Sebastião não é apenas um mito e que Portugal
não desiste nem morre. O Amor a Portugal é um hino de esperança e o verdadeiro
Portugal está na alma dos portugueses.
Vitória [Bom -]
Ao analisarmos a letra da canção «Você não me
ensinou a te esquecer», de Caetano Veloso, encontramos algumas semelhanças com
a peça de Frei Luís de Sousa,
sobretudo nas cenas V e VI, do ato terceiro.
D. Madalena, que acredita ter perdido o seu
primeiro marido, D. João de Portugal, na batalha de Alcácer Quibir, acaba por
se casar novamente, com D. Manuel de Sousa Coutinho. Apesar de não cometer um
crime propriamente na ação, por D. João de Portugal já ter falecido, D.
Madalena sabe que nunca conseguirá fugir do crime que sempre existiu no seu
coração e na sua mente, e que acaba por confessar a Frei Jorge («Este amor, que
hoje está santificado e bendito no céu, porque Manuel é meu marido, começou com
um crime»). Ainda em vida de D. João de Portugal, D. Madalena tinha consciência
desse crime porque já amava Manuel de Sousa, apesar de guardar fidelidade ao
primeiro marido («porque eu amei-o assim que o vi… e quando o vi, hoje, hoje…
foi em tal dia como hoje, D. João de Portugal ainda era vivo!»).
Quando Manuel de Sousa Coutinho incendeia a sua
própria casa, com o objetivo de não alojar os governadores, provoca a hybris. Em consequência deste ato,
Madalena percebe que, além do fogo destruir a sua casa, destrói também o quadro
com o retrato de D. Manuel. D. Madalena toma esta situação como um presságio,
pressentindo que irá perder Manuel tal como perdeu a sua casa e o quadro de seu
marido.
Desta forma, D. Manuel vê-se obrigado a morar no
palácio do antigo marido de sua esposa. D. Madalena reage de forma dramática
por sentir que será ainda mais ameaçada pela presença do fantasma de D. João de
Portugal, pressentindo um futuro de infelicidade, tragédia e morte.
Pouco tempo depois, D. João acaba por regressar
da Palestina, onde viveu vinte anos de cativeiro em grande sofrimento, com o
desejo de voltar para os braços da sua esposa, D. Madalena («Não vejo mais você
faz tanto tempo / Que vontade que eu sinto / De olhar em seus olhos, ganhar
seus abraços»). Porém, percebe que a mesma se sente atormentada, à medida que
ele, enquanto Romeiro, vai revelando informação sobre si próprio. Deste modo,
D. João de Portugal, conclui que a sua presença não é positiva para a antiga
esposa, («Parentes!... Os mais chegados, os que eu me importava achar contaram
com a minha morte, fizeram a sua felicidade com ela; hão de jurar que me não
conhecem»).
D. Manuel, completamente atormentado pela volta
de D. João de Portugal, de quem só ele e Frei Jorge, até ao momento (ato
terceiro, cena I), conhecem a verdadeira identidade, decide seguir a vida
religiosa.
Posteriormente, na cena V, do mesmo ato, é que
Telmo reconhece o seu amo, quando têm uma conversa, em consequência da qual D.
João de Portugal decide desaparecer para tentar salvar a nova família de D.
Madalena da tragédia que provocou com o seu regresso. Rede a Telmo que vá dizer
que («o peregrino era um impostor, que desapareceu, que ninguém mais houve
novas dele; que tudo isto foi vil e grosseiro embuste de inimigos»).
No entanto, ao ouvir D. Madalena a chamar
«Esposo, esposo, abri-me, por quem sois! Bem sei que aqui estais! Abri!», D.
João ilude-se julgando ser ele o esposo que ela chama («E nesse desespero em
que me vejo / Já cheguei a tal ponto / De me trocar diversas vezes por você / Só
pra ver se te encontro»). Mas, rapidamente, a ilusão é desfeita quando a ouve
dizer «Meu marido, meu amor, meu Manuel» e percebe que «D. João de Portugal
morreu no dia em que sua mulher disse que ele morrera. Sua mulher que ele
amava… – oh Telmo, Telmo, com que amor a amava eu!»
Perdido («Agora, que faço eu da vida sem você? /
Você não me ensinou a te esquecer / Você só me ensinou a te querer»), D. João
de Portugal decide manter a resolução tomada e desaparecer da vida de D.
Madalena.
#
Vasco Af. [Suf +/Bom -]
A canção dos Avenged Sevenfold, “Gunslinger”,
pode ilustrar a cena V do ato terceiro. Esta canção retrata a ida de um homem
do exército para a guerra, não tendo o regresso a casa como algo certo. Em Frei Luís de Sousa, existe uma situação
semelhante com D. João de Portugal, que partiu para a batalha de Alcácer Quibir
e que se pensou ter morrido nessa mesma batalha, vindo-se mais tarde a
confirmar que tal não acontecera. Ainda no que toca à canção, esta é dirigida a
uma mulher, defendendo o sujeito poético que, apesar de todo o tempo que
passou, nunca a esqueceu e que vai voltar para ela. A cena V não fala
propriamente sobre o amor (relacionamento) que o romeiro tem por Telmo, que é o
fiel aio de D. João de Portugal, e nunca acreditou que o seu amo tinha morrido,
mas uma grande amizade.
Os versos «You’ve been alone / I´ve been gone
for far to long [Tens estado sozinha/o / eu tenho estado ausente há muito
tempo]» remetem um pouco para o facto de o romeiro (D. João) ter estado ausente
durante vinte e um anos, sendo que Telmo, não estando sozinho, como se diz na
canção, apesar de tudo, tem sentido bastante a sua falta. Na obra Frei Luís de Sousa, na cena V, o romeiro
relata um pouco do que passou enquanto esteve desaparecido — «São vinte anos de
cativeiro e miséria, de ânsias que por aqui passaram» —, tal como na canção, em
que o sujeito poético também diz o sofrimento por que tem passado: «Never let
it show / The pain I´ve grown to know [Nunca demonstrei / a dor com que passei
a ter de lidar]».
Na peça, Telmo fica impressionado com o local
onde o romeiro estivera todos aqueles anos. O
romeiro responde: «E por tão longe eu morrera! Mas não quis Deus
assim.», em semelhança com dois versos da canção onde o militar diz que: «Não
vou questionar, tantos morreram / as minhas preces levaram-me até aqui» («I
won’t question why so many have die / My prayers have made it through»). O
militar revela que, se não fossem as suas preces, nunca teria regressado, tal
como o romeiro, que, no seu caso, agradece a Deus por não ter morrido na
batalha de Alcácer Quibir.
Na canção, M. Shadows, vocalista e autor da
música, diz-nos como tem sido verdadeiro, quando diz que tem esperado tanto
tempo só para voltar e poder estar com o seu amor («I’ve always been true /
I’ve waited so long just to come hold you»). Em Frei Luís de Sousa, como já referi, não se trata de um
relacionamento mas de um amor pela amizade que o romeiro tem por Telmo e que
Telmo tem por D. João. Na obra está isso mesmo representado: «És, bem sei. E
contudo, vinte anos de ausência e de conversação de novos amigos fazem esquecer
tanto os velhos! Mas tu és meu amigo. E se tu o não foras quem o seria?».
A cena V é representativa de uma amizade de
longa data e que supera todos os obstáculos da vida. A música “Gunslinger”
representa bem esta cena pois contém muitos sentimentos semelhantes ao da obra
e que nos fazem perceber que Telmo e o romeiro são bastante unidos, apesar do
tempo que já passou.
Madalena F. [Bom +]
Após a tarefa proposta pelo professor de
português, passei horas agarrada ao meu Ipod,
numa busca exaustiva pela música ideal. Contrariamente ao que seria expectável,
visto que tenho uma tendência para optar por músicas inglesas, acabei por
escolher uma canção portuguesa. Escrita e interpretada por Pedro Abrunhosa,
«Quem me leva os meus fantasmas» consta do álbum Luz, lançado em 2007. Este tema é relacionável com a realidade
vivida por D. Madalena, cujo constante sofrimento se devia ao receio de se
reencontrar com o seu fantasma, o primeiro marido, D. João de Portugal.
D. Madalena de Vilhena é uma personagem
romântica, sendo maioritariamente dominada pelos seus sentimentos, que
impossibilitam qualquer demonstração da sua capacidade lógica. A sua relevância
na história deve-se ao momento em que casou com D. João de Portugal, um nobre
descendente da família dos Vimioso, “um valente cavaleiro, o espelho de
cavalaria e gentileza, aquela flor dos bons”, cujo aio fiel era Telmo.
Ainda que se encontre sob constante tortura pelo
remorso do passado e pelo complexo de culpa, à primeira vista D. Madalena aparenta
ser “como quem descaiu da leitura na meditação”. A sua postura dá a impressão
de que se trata de uma pessoa equilibrada e tranquila. Mas a rutura da
tranquilidade surge imediatamente, com o primeiro monólogo desta personagem: “Este
medo, estes contínuos terrores, que ainda me não deixaram gozar um só momento
de toda a imensa felicidade que me dava o seu amor. Oh! Que amor, que
felicidade. Que desgraça a minha!”. Assim, Madalena vivia «o tempo / Em que as
sombras se abriam».
Ao longo do desenrolar da ação, através do
diálogo entre D. Madalena e Telmo, que entretanto entra em cena, torna-se
possível identificar os acontecimentos precedentes da vida de ambos, que
esclarecem a situação actualmente vivada por Madalena, tornando-se clara a
tensão entre os dois.
Lendo o diálogo, é possível tomar conhecimento de
que D. João desapareceu na batalha de Alcácer Quibir. D. Madalena tentou encontrar
o seu primeiro marido, através de diligências que duraram sete longos anos. Após
estes sete anos, Madalena, sem qualquer confirmação da morte do primeiro
esposo, casou-se em segundas núpcias com Manuel de Sousa Coutinho e desta união
nasceu uma filha, Maria.
Por outro lado, Telmo, um fiel servidor de D.
João, ainda depois de vinte e um anos duvida da morte do seu primeiro amo, por
causa de uma carta escrita por D. João tinha recebido “na própria madrugada do
dia da batalha”. Assim, porque o seu senhor não apareceu nem vivo nem morto,
recusa a sua morte, consagrando, durante o resto dos seus dias, o culto do
desaparecido por acreditar que tanto João de Portugal como D. Sebastião não
passam de «Marinheiros perdidos em portos distantes / Em bares escondidos, em
sonhos gigantes».
Estas constantes incertezas lançadas por Telmo
causam não só uma certa tensão entre D. Madalena e Telmo, mas também alimentam
os terrores de Madalena, que teme a possibilidade do regresso de D. João de
Portugal, o seu fantasma («Quem me leva os meus fantasmas? / Quem me salva
desta espada?»).
Apesar de ter consciência que «De costas
voltadas não se vê o futuro / Nem o rumo da bala nem a falha do muro», Madalena
não se liberta dos agouros de Telmo.
Com o desenrolar da ação surge a possibilidade,
lançada por Manuel, de a família se mudar para a casa de D. João de Portugal, o
que aprofunda marcadamente os terrores de Madalena.
A casa, onde viveu com o primeiro marido, é para
ela um símbolo do passado que começa a regressar de novo à sua vida e, assim, a
concretização dos seus receios, pois acredita cegamente que esta mudança irá
trazer inúmeras desgraças à sua família («De que serve ter o mapa / Se o fim
está traçado / De que serve a terra vista / Se o barco está parado»). Pede ao
seu marido para optar por outra casa, mas este recusa o seu pedido. A submissão
de Madalena é a prova do seu amor extremo por ele, visto que só a ideia de
perdê-lo lhe causa os maiores terrores, estando a origem dos mesmos relacionada
não só com o medo do regresso de D. João de Portugal, mas também com a
consciência de que o seu amor se baseia no pecado, pois Madalena apaixonou-se
por Manuel enquanto o primeiro marido ainda era vivo.
João A. [Suf (-)]
A canção “Far
away” pertence à banda canadiana Nickelback
e está incluída no álbum All the Right
Reasons (2005). Eu decidi escolher este tema, porque se adequa
perfeitamente a D. João de Portugal, durante os vinte e um anos em que esteve
desaparecido.
A peça Frei
Luís de Sousa retrata a história de um casal (D. João de Portugal e
Madalena de Vilhena) que se viu separado, quando D. João partiu para Alcácer
Quibir para combater pela pátria e honrar o seu nome, na mesma batalha em que
D. Sebastião perdeu a sua vida. A família de D. João julgava que D. João teria
perdido a vida conjuntamente com o rei D. Sebastião. Mas o seu aio, Telmo,
sempre acreditou e teve esperança de que o seu verdadeiro amo tivesse
sobrevivido. Verdadeiro amo, pois Telmo sempre considerou D. João como o seu
senhor, embora D. Madalena tenha casado mais tarde com Manuel. Vinte e um anos
depois de Alcácer Quibir, D. João voltou a Portugal e ficou chocado por ver a
sua amada com uma nova vida, isto é, com marido e uma filha. Ao ver isto, D.
João sentiu-se revoltado e queria separar esta família, mas acabou por se
arrepender e, no fim, pediu a Telmo que não contasse que sabia quem na verdade
era o romeiro, voltando a desaparecer.
Foco-me no segundo ato na cena XIV, onde se dá o
regresso de D. João, e Madalena de Vilhena afirma que nunca amou D. João,
enquanto este sempre a amara. Estes vinte e um anos de tortura e de afastamento
da mulher que amava podem-se relacionar com os versos “Too Long, Too Late [Muito
tempo, Muito tarde]”. E até mesmo com o
próprio refrão da música, “That I love you I've
loved you all along / And I miss you
been far away for far too long (…) Stop breathing if I don't see you anymore [Que eu te amo / Eu
amei-te o tempo todo / E eu sinto a tua falta Estive tão longe por muito tempo (…) Paro de respirar se eu não te vir mais]”.
Pode concluir-se que D. João sempre amara D. Madalena, pois, ao
partir, diz: «um
homem que muito bem lhe quis… aqui está vivo, por seu mal… e daqui não pode
sair nem mandar-lhe novas suas». Logo, pode afirmar-se que esta música ilustra
muito bem como D. João de Portugal se sentiu nos seus vinte e um anos em
cativeiro, provavelmente a ser torturado fisicamente, pois, mentalmente, era
“assombrado” pelo amor que sentia por D. Madalena.
Miguel [Suf +/Bom -]
A canção “Hello”, de
Adele, pode ser comparada com a situação de D. João de Portugal na peça, de
Almeida Garrett, Frei Luís de Sousa.
A situação em questão
é o regresso de D. João a Almada, na cena XIV do ato segundo, ele que tinha combatido
e sido dado como morto na batalha de Alcácer Quibir.
A partir do segundo
verso da canção de Adele, “I was wondering if after all these years you would
like to meet [estava a perguntar-me se depois de todos estes anos gostarias de
encontrar-te comigo]” consegue fazer-se uma analogia com D. João de Portugal,
que, apesar de ter regressado a casa, disfarçara-se de romeiro, pois não sabia
se a sua chegada seria ou não bem aceite nem sabia o impacto que esta teria na
nova vida de Madalena.
Esta canção também
pode ilustrar os tempos em que D. João de Portugal ainda era cativo em
Jerusalém (“I’m in California dreaming about who we used to be / When we were
younger and free / There is such a difference between us/ And a million miles [Estou
na Califórnia a sonhar sobre quem nós éramos / Quando éramos jovens e livres /
Há uma grande diferença entre nós / E um milhão de milhas]”), podendo nós interpretar
esta parte da letra com um possível sentimento de saudade em relação a Madalena
(como, aliás, se percebe com o seu discurso ao longo da cena XVI), quando
estava em cativeiro, principalmente com o verso “I’m in California dreaming
about who we used to be” (que, neste caso, estaria a substituir “California”
por Jerusalém) e os versos “There is such a difference between us / And a million
miles”, discriminando a distância entre as duas personagens.
Os versos “At least I
can say I have tried to tell you Im sorry for breaking your heart / But it
doesnt matter / It clearly doesnt tear you apart anymore [Ao menos posso dizer
que tentei pedir-te desculpa por partir o teu coração / Mas não interessa /
Claramente já não te magoa mais]” podem ser comparados com a cena VI do ato
terceiro, quando D. João de Portugal, enquanto conversa com Telmo, ouve
Madalena a chamar por Manuel de Sousa Coutinho, percebendo que a mesma já não o
quer na sua vida, fazendo assim todo o sentido a comparação com os últimos
versos já citados: “But it doesnt matter / It clearly doesnt tear you apart
anymore”.
Assim, posso concluir
que esta canção é comparável com toda a participação de uma personagem da peça,
D. João de Portugal, e até com peripécias que não fazem parte da obra de
Almeida Garrett mas que o leitor/espetador consegue imaginar com o desenrolar
da história, como é o caso dos sentimentos de D. João quando estava longe da
sua mulher e família em Jerusalém.
Filipe [Suf]
Escolhi a canção, de Wiz Khalifa, "See You Again", com a participação do cantor, seu compatriota,
Charlie Puth.
Foi lançada a 17 de março de 2015 como banda sonora
do filme Velocidade furiosa 7. Esta canção foi escrita em
homenagem ao ator Paul Walker, que faleceu a novembro de
2013. A canção foi escrita por DJ Frank E, Charlie Puth, Wiz Khalifa, Yaseen
Zuberi e Andrew Cedar. Relacionei esta música com a cena V do terceiro ato.
Esta cena tem como personagens Telmo e o Romeiro (D. João de Portugal).
Começa
com Telmo a reconhecer o seu antigo amo, D. João de Portugal, que, inicialmente,
não se apresenta como tal, pois pensa ser um homem diferente, perdera tudo o que
outrora tinha, todas as coisas boas que lhe tinham acontecido, e agora não tem
ninguém.(”Damn, who knew? / All the planes we flew / Good things we've been
through / That I'll be standing right here talking to you”). Wiz recorda todas
as coisas pelas quais já passara e que agora estão frente a frente outra vez,
tal e qual como aconteceu com Telmo e o Romeiro.
Telmo diz
que agora tem outra filha que também foi ele que criou, que já não é só fiel a
D. João. Explica-lhe o quanto a ama e o afeto que tem por Maria. “Que há aqui
um anjo…uma outra filha minha, senhor, que eu também criei…”, diz Telmo a seu
amo. Wiz diz que a família é dos bens mais preciosos que temos e que temos de
aproveitar ao máximo o seu amor.
D. João
de Portugal não veio para ficar, não tem muitos dias de vida, apenas queria
entregar a sua mensagem a Madalena. Telmo, inicialmente, não entende o motivo de
D. João se ir embora, pede-lhe que conte
coisas, pede-lhe justificações e pergunta-lhe o que fazer. D. João pede ao Romeiro
para dizer que ele não passava de um ultraje, diz que, se são verdadeiramente
amigos, é tudo o que importa. Wiz diz algo semelhante: “First you both go out your way / And the vibe
is feeling strong / And what's small turn to a friendship / A friendship turn
to a bond And that bond will never be broken / The love will never get lost
(and the love will never get lost) / And when brotherhood come first / Then the
line will never be crossed / Established it on our own / When that line had to
be drawn / And that line is what we reach / So remember me when I'm gone”. O Romeiro pede a Telmo para salvar Madalena e o seu nome, para o recordar
como o bom senhor que foi.
Telmo
pergunta a seu amo quando o voltaria a ver e este responde-lhe “que no dia do
juízo final”. O sujeito poético
da canção de Wiz diz que também voltará a ver o seu amigo, não sabe onde, mas
que isso vai acontecer:”It's been a long day without you, my friend / And I'll
tell you all about it when I see you again / We've come a long way from where
we began / Oh, I'll tell you all about it when / I see you again / When I see
you again.”
Eles têm
tanta coisa para contar um ao outro, mas só falarão disso tudo quando se virem
outra vez. E assim se despedem um do outro…
Bárbara [Suf (-)]
Esta
canção de João Pedro País, "Até nunca mais", pode caracterizar o que
vai na cabeça e alma de Madalena.
Madalena,
presente companheira de Manuel de Sousa Coutinho e viúva de D. João de
Portugal, leva-nos, cada vez que aparece na obra, para o lado mais triste da
mesma. Desde o incêndio ocorrido na casa de Manuel de Sousa e,
consequentemente, desde a ida da família para a casa que em tempos pertencera a
D. João de Portugal, que se instalou em Madalena um grande sentimento de culpa
que a tem deixado cada vez mais desanimada. Esse sentimento de culpa vem do
facto de sentir que está a cometer um pecado por não saber se D. João de
Portugal morreu ou não e, mesmo assim, ter criado família com outro homem.
Apesar de não estar errada, Madalena, infelizmente, não consegue perceber isso.
É o facto de a sua família se ter mudado para a casa onde, em tempos, vivera
com D. João de Portugal, só veio agravar esta tristeza que lhe vai na alma.
Quando
na música é dito "Trocas as voltas dos tempos / recordas futuros ausentes
/ apagas os rastos que deixei / ficas farta, não me afasto / se me enganei, nem
sei", ilustram-se todos os "filmes" que neste momento da obra
estão a ser criados por Madalena nos seus próprios pensamentos. Este trecho da
letra da canção dir-se-ia que põe Madalena a imaginar tudo o que D. João lhe
transmitiria se estivesse ali com ela, perante a mesma situação.
Ao
longo da peça, cada um de nós vai tirando as suas próprias conclusões. Neste
caso, as conclusões que eu tiro é que a culpa de Madalena estar a piorar dia
para dia é de Manuel de Sousa. O que ele fez foi uma ação egoísta, ter mudado a
família para a casa do ex-marido da sua própria companheira, quando sabia
perfeitamente que a incomodava voltar àquela casa.
Elly [Suf +/Bom -]
Esta canção, “Dava
Tudo”, do álbum Amantes e Mortais
(que até por coincidência ou mesmo destino, combinam muito bem com o drama de
Almeida Garrett), cantada por Adelaide Ferreira, poderia servir para explicar
muito do que Madalena sentiu enquanto esperava ansiosamente que seu amado e
atual esposo Manuel de Sousa Coutinho voltasse de Lisboa, e também para
demonstrar o grande amor que Madalena sentia por Manuel, apesar de toda a
angústia causada pela dúvida acerca da morte do seu anterior marido.
No final da Cena II,
Madalena demonstra uma enorme preocupação pela demora do marido («E dizei a meu
cunhado Frei Jorge Coutinho, que me está dando cuidado a demora de meu marido
em Lisboa; que me prometeu de vir antes da véspera e não veio; que é quase
noite, e que já não estou contente com a tardança.»). Mesmo vivendo com o
terror de, um dia, o seu primeiro marido voltar («Está bom; não entremos com os
teus agouros e profecias do costume: são sempre de aterrar... Deixemo-nos de
futuros...»), Madalena não conseguia, de forma alguma, esconder o seu lindo
amor por Manuel Coutinho («Sim, é por amor / Que eu me dou sempre mais / Quando
me olhas nos olhos / Como quem chama por mim»). De certa forma, os dois se
conheciam bem, e o seu amor não crescera do nada: ainda D. João de Portugal era
vivo e a chama do amor entre Madalena e Manuel já estava presente («quase que
não há vento, é uma viração que afaga... Oh! e quantas faluas navegando tão
garridas por esse Tejo! Talvez nalguma delas — naquela tão bonita — venha
Manuel de Sousa»).
Os versos «Mas tu nem
sempre vens / Outra paixão talvez / Eu sei esperar e entender / Mas dói demais»
e o refrão cantado por Adelaide Ferreira, representam bem as grandes emoções
que Madalena sentira, o amor, a saudade, a angústia e o desespero, tudo aquilo
que se apoderava do seu coração: «Eu dava tudo para te ter aqui / Ao pé de mim
outra vez / Eu dava tudo para te ter aqui / Ao pé de mim outra vez».
Normalmente, são mais
as mulheres que revelam a imensidão do amor que sentem, mas, em várias cenas,
Manuel também o demonstra («Eu não tenho ciúmes de um passado que não me
pertencia. E o presente, esse é meu, meu só, todo meu, querida Madalena...»). De
novo, se nos recorda «Eu dava tudo para te ter aqui / Ao pé de mim outra vez /
Eu dava tudo para te ter aqui / Ao pé de mim outra vez». Sem dúvida, somos
presenteados com um típica tragédia romântica, relatando muito daquilo que, por
vezes, nos parece tão distante, como estar apaixonado por alguém, errado aos
olhos dos outros, mas, se pensarmos bem, haverá vários exemplos próximos que o
podem comprovar.
Catarina F. [Bom -]
A expressão incluída
no título da canção de José Cid, «Um grande, grande amor», que é a décima
primeira faixa do seu álbum De Par Em Par,
de 2007, pode ser utilizada em vários momentos e passagens do drama Frei Luís de Sousa, de Almeida Garrett,
embora, algumas vezes, possa ter um sentido negativo.
O Frei Luís de Sousa é uma obra literária
do género tragédia-drama romântico, que se assemelha a uma tragédia-grega,
visto que se confirma [no final da obra] a presença forte da Anankê («destino
ou necessidade, elemento fundamental da tragédia»), o fatum, fado, com a inevitável morte de Maria, por ficar anulado o
casamento de seus pais. O fado significa também que ninguém daquela casa
(Madalena, Manuel de Sousa Coutinho, Telmo Pais, Frei Jorge, D. João de
Portugal [Romeiro]) tinha a culpa do sucedido, estava tudo assim fixado já.
Na Cena I do Ato
Primeiro parece-nos que o estado de espírito da família Vilhena-Coutinho seria
de paz e felicidade, ou seja, o ambiente era leve. No entanto, confirma-se
totalmente o contrário com a fala de D. Madalena de Vilhena, esposa de Manuel
de Sousa Coutinho, ao ler um pequeno excerto d’Os Lusíadas, que, na verdade, é o do episódia de Inês de Castro, em
que se afirma que o amor cega e que condena a alma ao sofrimento eterno
(«Naquele engano d’alma ledo e cego, / que a fortuna não deixa durar muito…»).
Já na Cena II desse
mesmo Ato, os constantes medos que Madalena tem, relativamente ao regresso do
seu primeiro marido, D. João de Portugal, manifestam-se, sobretudo, na vontade
de proteger a sua única filha, D. Maria de Noronha, dos pensamentos em torno do
Sebastianismo. O verso da canção de José Cid «É um mar, é um rio, / É uma fonte
que nasce dentro de mim.» representa muito bem a situação que aqui está
presente.
E na Cena I do Ato
Terceiro, o verso «É um mar, é um rio, / É uma fonte que nasce dentro de mim.»
também se enquadra no contexto em que Manuel afirma a Jorge que o seu amor
[proibido] por Madalena é como se fosse uma «coroa de espinhos de toda esta
paixão que estou passando…», afirmando este que Maria era o fruto da sua
transgressão e que esta provavelmente não iria sobreviver a essa vergonha
(«Maria… a filha do meu amor, a filho do meu pecado, se Deus quer que seja
pecado, não vive, não resiste, não sobrevive a esta afronta»).
Vasco G. [Suf +/Bom -]
A canção “Isolation Years”, da banda sueca Opeth, do álbum Ghost
Reveries (2005), aplica-se principalmente ao personagem de Frei Luís de
Sousa Romeiro, que, na verdade, era D. João de Portugal.
O quarto verso da canção, “Can’t forget the years she’s lost [Não posso
esquecer os anos que ela perdeu]”, alude ao facto de D. Madalena ter esperado
por, e quase obsessivamente procurado, D. João durante os sete anos posteriores
à Batalha de Alcácer Quibir, como é evidenciado pelo diálogo da Cena V do Ato
Terceiro, entre o Romeiro e Telmo: “Bem sei o que queres dizer. E é verdade
isso? É verdade que por toda a parte me procuraram, que por toda a parte…. ela
mandou mensageiros, dinheiro? / Como é certo estar Deus no céu, como é certo
ser aquela a mais honrada e virtuosa dama que tem Portugal”.
Novamente, o quinto e sexto versos da canção — “In isolation / She talks
about her love [Em isolação / Ela fala do seu amor]” — relaciona-se com a
súplica de D. Madalena na Cena VI do Ato Terceiro (“Marido da minha alma, pelo
nosso amor te peço, pelos doces nomes que me deste, pelas memórias da nossa
felicidade antiga, pelas saudades de tanto amor e tanta ventura, oh! não me
negues este último favor!”), estando ela também isolada do marido e da filha. O
Romeiro, reagindo à súplica desesperada de D. Madalena, pensou que se dirigia a
si, mas, na verdade, dirigia-se a Manuel de Sousa Coutinho (com quem veio a
casar passados os referidos sete anos). A canção faz alguma alusão a esta
tristeza que assaltou o Romeiro após perceber que a dita súplica não se dirigia
a si: “And isolation / Is all that would remain [E isolamento / Seria tudo o
que restava]”. E no texto: “Ah! E eu tão cego que já tomava para mim! Céu e
inferno! Abra-se esta porta…”. É do entendimento do leitor que D. João ainda
amava D. Madalena, mesmo após o seu longo cativeiro. No entanto, havia mais
tarde de se arrepender de ter revelado que estava vivo e até tentou reverter a
situação, urgindo Telmo para ‘desmentir’ o que havia dito, como se refere na
Cena XII: “Vai, vai, vê se ainda é tempo; salva-os, salva-os, salva-os, que
ainda podes” porém, Maria acabou por morrer e o desejo de D. João não chegou a
ser cumprido, talvez até agravando o sentimento de culpa e arrependimento do
mesmo bem como a mágoa sentida por D. Madalena e Manuel de Sousa, a que a
canção, quase se diria fazer referência: “And left a stain [E deixou uma nódoa
— uma mágoa]”.
Afonso Puga [Suf +/Bom -]
A canção «Ghosts», de
Higher Self (DJ) e Lauren Mason (cantora), foi publicada a 20 de outubro de
2014 num famoso canal de música eletrónica cujo nome é «Spinnin' Records» e
fez-me lembrar bastante a Cena VIII do Ato Primeiro da tragédia romântica Frei Luís de Sousa. Adapta-se muito bem
à personagem de Madalena.
«I don´t need no ghost»
(Eu não preciso de nenhum fantasma) era o que Madalena devia estar a pensar
quando soube que iria para o palácio do suposto falecido marido. Deitando os
braços ao pescoço de Manuel («para aquela casa não, não me leves para aquela
casa!»), implora que não volte ao palácio de D. João de Portugal. Manuel estava
decidido em ir para lá por não perceber o que se passava com Madalena («I don’t
feel your ghost around me [Eu não sinto o teu fantasma]»), era também o que ele
não via, o fantasma que Madalena via. Manuel de Sousa chegou a perceber que era
por causa do primeiro marido de Madalena mas não percebia que o que a
incomodava era o facto de ter de passar pela «violência, o constrangimento de
alma, o terror […] em ter de entrar naquela casa» e Madalena viu-se obrigada a
explicá-lo.
A verdade é que Madalena
tinha medo de «voltar ao poder dele (do primeiro marido)» e de «achar a sombra
despeitosa de D. João» no seu palácio. Para Madalena, voltar à primeira casa
era uma ameaça ao casamento com Manuel de Sousa e a sua filha Maria. Manuel
consegue finalmente acalmar Madalena, afirmando que «O teu coração e as tuas
mãos estão puras; para os que andam diante de Deus, a terra não tem sustos, nem
o inferno pavores que se lhes atrevam». Não fez nada de mal e lembrou-a de quem
era e de quem tinha vindo.
Na canção, o sujeito
poético nega ver e ouvir fantasmas, numa tentativa de os esquecer («I don't
hear, I don’t see / I don’t feel your ghost around me [Eu não oiço, eu não vejo
/ Eu não sinto o teu fantasma]»). Já usei essa segunda parte da letra acerca de
Manuel de Sousa mas, na canção, o seu significado é realmente o de negação.
Isto faz com que prossigamos com a Cena V do Ato Segundo, em que Madalena, já
no palácio de D. João, afirma que «Todo o meu mal era susto; era terror de te
perder», que afinal era tudo apenas ansiedade e medo de perder Manuel. Madalena
consegue assim superar os seus medos de voltar à casa do primeiro marido.
A canção serve bem para
ilustrarmos o fantasma da morte de D. João de Portugal, visto que a sua esposa voltaria
à sua casa e se sentiria atormentada e assombrada pelas memórias que lá teria
vivido.
Xana [Suf -]
A canção de Caetano Veloso, “Você
não me ensinou a te esquecer”, aplica-se essencialmente às cenas V e VI do
terceiro ato de Frei Luís de Sousa,
evidenciando as personagens D. Madalena, D. Manuel e Romeiro/D. João de
Portugal.
Ao analisar a canção e as cenas
V e VI do terceiro ato, verificamos que ela se aplica sobretudo a D. João de
Portugal e aos seus sentimentos para com Madalena, não sendo estes
correspondidos, por esta se ter casado novamente, com D. Manuel, de quem obteve
um amor incondicional. Este facto sucedeu devido à “morte” de D. João de
Portugal, na batalha de Alcácer Quibir, tendo D. Madalena acreditado que
tivesse, realmente, perdido o seu marido. Mais tarde, sete anos depois,
juntou-se com D. Manuel, o que sempre no seu coração funcionou como uma ação
penalizável, não o sendo na realidade, pois, para todos os efeitos, D. João de
Portugal estaria morto. Verificamos este pensamento de D. Madalena quando
confessa a Frei Jorge que “Este amor, que hoje está santificado e bendito no céu,
porque Manuel é meu marido, começou com um crime”.
D. João de Portugal, na realidade, permaneceu em
cativeiro na Palestina de onde regressou após vinte anos com uma saudade,
vontade e um desejo fulminante de voltar para os braços da sua esposa, D.
Madalena. Esta parte da cena podemos relacioná-la com a parte inicial da canção
(“Não vejo mais você faz tanto tempo / De olhar em seus olhos, ganhar seus
braços / Prometo agora vou fazer por onde nunca mais perdê-la”). João regressa
ao palácio, disfarçado de Romeiro, onde encontra D. Madalena e enfrenta uma
dolorosa desilusão ao descobrir que esta se encontra casada de novo, com D.
Manuel, com quem tem uma filha em comum, Maria. Afirma: “D. João de Portugal morreu no dia em que sua mulher
disse que ele morrera. Sua mulher honrada e virtuosa, sua mulher que ele
amava…”. Podemos, também, relacionar esta parte da cena com os seguintes versos
da canção: “Agora, que faço eu da vida sem você? / Você não me ensinou a te
esquecer / Você me ensinou a te querer”. À medida que a família descobre que o
Romeiro na realidade é D. João de Portugal, este conclui que a sua presença se
torna injustamente negativa, acabando por desestabilizar aquela nova família.
Consciencializado de que a sua presença já não tem razão de ser, decide partir.
Catarina
A.
[Bom]
A
canção que escolhi foi “O fugitivo”, de Sérgio Godinho, do seu álbum Escritor
de Canções (1990), que pode ser relacionada com as cenas XI, XII, XVI e XV
do segundo ato e com as cenas V e VI do terceiro ato de Frei Luís de Sousa,
de Almeida Garrett, especialmente com a personagem do romeiro (ou D. João de
Portugal) e com o impacto que este teve na família retratada na peça.
Durante
a peça, Almeida Garrett dá a conhecer a família Vilhena-Coutinho, composta por
Manuel de Sousa Coutinho, D. Madalena de Vilhena e a sua filha, Maria de
Noronha. No entanto, o que aparenta ser uma família equilibrada, com os seus
pontuais acontecimentos dramáticos, é lentamente consumido pelo “fantasma” de
D. João de Portugal e o consequente medo de viver em pecado.
D.
João de Portugal foi o primeiro marido de D. Madalena de Vilhena. Sendo
"um honrado fidalgo e um valente cavaleiro" (Cena II, Ato II)
participou na batalha de Alcácer Quibir, durante a qual desapareceu. Durante
anos D. Madalena procurou o marido árdua e exaustivamente com a ajuda de Telmo,
o antigo aio de D. João de Portugal, que lhe era muito leal
e também um bom amigo. Ao fim de muitas buscas, Madalena acreditou estar D. João
morto e, supostamente viúva, casou com Manuel de Sousa Coutinho, tendo depois a
filha Maria de Noronha. No entanto, passados alguns anos, D. João de Portugal
regressa na figura de romeiro, trazendo tragédia à vida da família.
O
romeiro é mencionado pela primeira vez por Miranda, criado da família, que
avisa Madalena e Frei Jorge da sua chegada: “É um pobre velho peregrino, um
destes romeiros que aqui estão sempre a passar…”. Nesta cena está presente a
curiosidade e a dúvida em relação a esta nova personagem devido ao pedido que fez
a Miranda (“Mas, senhora, diz ele que vem da Palestina e vos traz recado…”),
tal como é possível perceber através da fala de Frei Jorge na cena seguinte: “[…]
é precisa muita cautela com estes peregrinos! A vieira no chapéu e o bordão na
mão, às vezes não são mais do que negaças para armar à caridade dos fiéis. E
nestes tempos revoltos…”. Estas cenas podem ser relacionadas com os versos da
canção “De onde vem? […] / Será soldado? / Vagabundo? / Criminoso? / Ratoneiro?”.
Na
cena XIV do segundo ato, o romeiro tem o seu primeiro diálogo com Madalena e
Jorge, durante o qual pretende dar a sua mensagem a Madalena. Nestas cenas é explicado
o esforço feito pelo romeiro para chegar a Portugal e a ansiedade devida ao
facto de não saber o que esperar ao ver a sua mulher vinte e um anos depois e
qual a sua reação à mensagem que tem para lhe dar (“Há três dias que não durmo
nem descanso nem pousei esta cabeça nem pararam estes pés dia nem noite, para
chegar aqui hoje, para vos dar meu recado…”). O romeiro dá então a sua
mensagem, em que diz a Madalena que D. João de Portugal está vivo, apesar da
sua relutância em relação à reação de Madalena a estas notícias. É possível
relacionar a relutância e ansiedade do romeiro com os versos “O que espera? / O
que espera o homem fera se chegar a quem o espera? / Alguém o quer? / Alguém se
ascende? / Alguém o chora?”, na medida em que o Romeiro não sabe o que esperar
da pessoa que outrora fizera parte da sua vida e de que tanto gostava, do mesmo
modo que não sabe como ela viveu durante a sua ausência. Ao ouvir o recado de
D. João, Madalena chora, não por ele mas pelo pecado que cometeu e pelo
desespero e ansiedade que se apoderam dela no momento. Quando Jorge lhe
pergunta quem ele é, o Romeiro identifica-se como ninguém, visto que D.
Madalena não o reconheceu, mostrando-se assim desapontado com a sua reação à notícia
do seu primeiro marido estar vivo. Volta a identificar-se como ninguém durante
o seu diálogo com Telmo quando este não o reconheceu imediatamente; no entanto,
Telmo acaba por se aperceber da sua verdadeira identidade (“Meu amo, meu senhor…
Sois vós? Sois, sois. D. João de
Portugal, oh, sois vós, senhor?”). Mais tarde, durante o diálogo das duas
personagens, D. João mostra-se indignado e desiludido com o facto de Madalena não
ter duvidado de sua morte (“só lhe podia resistir o coração. E aqui… coração
que fosse meu… não havia outro”) mas Telmo faz com que o seu amo reconheça o
esforço que Madalena fez para o encontrar e este começa a sentir arrependimento
em relação às suas ações. Este arrependimento fica explícito quando D. João
pede a Telmo que minta a Madalena, estando disposto a sujar a sua imagem de
modo a que esta viva uma vida feliz e livre de preocupações (“Basta: vai
dizer-lhe que o peregrino era um impostor, que desapareceu, que ninguém mais
houve novas dele; que tudo isto foi vil e grosseiro embuste […] dos inimigos
desse homem que ela ama… E que sossegue, que seja feliz. Telmo, adeus!”). Nesta
cena da peça (cena V do ato terceiro), D. João começa a questionar a sua ação,
a pensar nos danos que poderia causar à família da mulher que tanto amou. Questiona-se,
então, se “Valeu a pena”, tal como diz o verso de “O fugitivo”.
Marco [Suf (+)]
A canção que escolhi foi “Jura”, de Rui Veloso,
que está no álbum Avenidas. A música
trata de um apaixonado a pedir juramento à amada para que esta não o traia na
sua ausência.
Irei relacionar um verso desta música com um momento bastante particular no texto de Frei Luís de Sousa. Durante a peça são introduzidas as personagens D.Madalena, mulher de D. João de Portugal, que se julgava morto na batalha de Alcácer Quibir, Manuel de Sousa Coutinho, o atual marido de D Madalena (cuja relação, no desfecho da peça, se revela pecaminosa, com a aparição de uma personagem que irei referir mais à frente), Maria, fruto do casamento entre Manuel de Sousa Coutinho e D. Madalena, que passava graves problemas de saúde, e Telmo, o velho aio da família, que não descarta a hipótese do seu senhor, D. João de Portugal, ainda estar vivo e com um regresso possível. Por fim, o Romeiro, uma personagem inicialmente misteriosa, que acaba por se revelar ser D. João de Portugal, marido do primeiro casamento de D. Madalena.
Irei relacionar um verso desta música com um momento bastante particular no texto de Frei Luís de Sousa. Durante a peça são introduzidas as personagens D.Madalena, mulher de D. João de Portugal, que se julgava morto na batalha de Alcácer Quibir, Manuel de Sousa Coutinho, o atual marido de D Madalena (cuja relação, no desfecho da peça, se revela pecaminosa, com a aparição de uma personagem que irei referir mais à frente), Maria, fruto do casamento entre Manuel de Sousa Coutinho e D. Madalena, que passava graves problemas de saúde, e Telmo, o velho aio da família, que não descarta a hipótese do seu senhor, D. João de Portugal, ainda estar vivo e com um regresso possível. Por fim, o Romeiro, uma personagem inicialmente misteriosa, que acaba por se revelar ser D. João de Portugal, marido do primeiro casamento de D. Madalena.
O momento da peça que escolhi foi a confusão que
o Romeiro fez ao ouvir D. Madalena chamar pelo seu amor. Este momento passa-se
no Ato Terceiro, na Cena VI, em que Madalena exclama “Esposo, esposo, abri-me,
por quem sois! Bem sei que aqui estais! Abri!”. Ao ouvir a sua amada a exclamar
o vocativo “esposo”, o Romeiro pensou que fosse dele que se tratasse e sente-se
atraído por isso: “Que encanto, que sedução! Como lhe hei de resistir!?!”.
Madalena, na fala seguinte, refere Manuel, o que desfaz quaisquer enganos para
o Romeiro. Esta confirmação de infidelidade da sua mulher desperta um
sentimento de raiva e ciúme que está explícito na didascália “Investe para a
porta com ímpeto”. A sua ação é travada por uma promessa que ele próprio fizera
a si mesmo de não interferir na nova relação da sua então pressuposta viúva. A
cena VI do terceiro ato deixa no ar um clima de ciúme e descontentamento por parte
do Romeiro, bastante relacionável com o verso “Que o ciúme é queimadura, que
faz o coração sofrer” da canção de Rui Veloso. O ciúme é o principal sentimento
retratado no papel do Romeiro. O desejo de estar com a sua amada após tantos
anos em cativeiro não é concedido pois esta já se encontra numa nova relação em
que até o próprio D.João de Portugal prometeu não interferir, mesmo contra a
sua vontade.
Cláudia [Suf (+)]
A canção “Xico”, de Luísa Sobral, é uma canção
que podemos comparar com a história de D. Madalena de Vilhena, de D. João de
Portugal, o seu primeiro marido que desapareceu na Batalha de Alcácer Quibir,
Manuel de Sousa Coutinho, segundo marido de D. Madalena, e Telmo Pais, aio de
D. João de Portugal e, mais tarde, de Manuel de Sousa Coutinho.
Os dois primeiros versos da canção, «Já passaram
dois anos e tal / E do Xico nem sinal», remetem-nos para a história de Madalena
e João de Portugal, pois Madalena ficou durante sete anos sem notícias do
marido que achava morto em batalha, acabando mesmo por casar uma segunda vez
com Manuel de Sousa Coutinho, com quem teve uma filha, Maria. Os versos
seguintes, «Há quem diga que emigrou / Há quem diga que encontrou / Uma
brasileira que não está nada mal», podemos associá-los a Telmo Pais, sempre com
as suas crenças de que D. João estaria vivo e que um dia iria regressar.
Os versos que se seguem — «E a Dolores todos os
dias o espera / Com a sopa ao lume e o prato do costume» — podem recordar-nos o
facto de Madalena não estar totalmente convencida da morte do primeiro marido
e, tal como Dolores, esperar pelo seu regresso. Enquanto Dolores espera, de
braços abertos, que o marido, Xico, volte, D. Madalena de Vilhena tem receio de
que isso aconteça devido ao seu casamento com Manuel de Sousa Coutinho.
O refrão desta canção («Ó Xico, ó Xico / Onde te
foste meter? / Ó Xico, ó Xico / Não me faças mais sofrer») recorda-nos o desejo
que D. Madalena tem de saber o que realmente aconteceu ao seu primeiro marido,
para poder deixar o estado de angústia que a acompanhou durante toda a peça,
devido ao receio de que o seu casamento com Manuel seja um caso de traição
("Este medo, estes contínuos terrores, que ainda me não deixaram gozar um
só momento de toda a imensa felicidade que me dava o seu amor").
Os versos «Desde pequena Dolores sonha encontrar
/ Um português com olhos cor de mar / Ninguém entendia o porquê da maluqueira /
Que tinha pelo outro lado da fronteira» servem-nos para comparar Dolores a
Maria, que, desde pequena, ouve as histórias de Telmo sobre D. Sebastião, e
espera que este um dia regresse, acabando por desistir dessa ideia por ninguém
a entender (“ninguém nesta casa gosta de ouvir falar em que escapasse o nosso
bravo rei, o nosso santo rei D. Sebastião”, ato I, cena III).
Os versos seguintes — «Viveram dez anos sem
igual / Ninguém previa tal final / Agora diz Dolores com lamento» — podem
associar-se aos anos em que D. Madalena e Manuel de Sousa Coutinho viveram
felizes, apesar dos medos de D. Madalena. Tal como o casamento de Dolores e de
Xico, o casamento de Madalena e de Manuel acabou mal, devido ao aparecimento do
romeiro (D. João de Portugal) e à morte de Maria, filha do casal.
Dolores não recebia boas notícias de Espanha
(«de Espanha nem bom vento / Nem bom casamento») e D. Madalena não as recebia
de Lisboa. De Lisboa recebeu a notícia de que os governadores iriam morar para
sua casa, o que acabou por ser a causa do incêndio no palácio de Manuel de
Sousa Coutinho. O final da música remete-nos de novo para o estado de angústia de
Madalena por não saber o que aconteceu ao seu primeiro marido e para o estado
de tristeza pela doença de sua filha, Maria.
Carolina [Suficiente -]
Com o regresso de D. João de Portugal, o
casal em sofrimento, Madalena de Vilhena e Manuel de Sousa Coutinho, decide
recolher à vida religiosa,
adotando os nomes de Frei Luís
de Sousa e Soror Madalena.
A canção que escolhi foi a canção
interpretada por Luís Represas,"Perdidamente”, cuja letra adota um poema da poetisa
Florbela Espanca. Florbela
Espanca foi uma mulher que podemos, de alguma forma, comparar a D. Madalena, já
que também
viveu atormentada toda a sua vida numa inquietude constante e dramática, numa
incessante busca de amor de um modo quase neurótico (e com tentativas de suicídio, acabando
por uma delas ser fatal). Refiro-a não só pelo paralelismo com Madalena mas pela
poetisa que foi, quebrando todos os preconceitos da época. A letra reza: “Ser poeta é ser mais alto, é ser maior / Do que os homens! Morder como
quem beija!”/ “É ter de mil desejos o esplendor”/ “É ter cá dentro um astro que
flameja” / “É condensar o mundo num só grito!” / “E é amar-te,
assim, perdidamente...” / “É seres alma, e sangue, e vida em mim”.
A canção refere-se ao que é o amor e ao que é amar. A peça de Almeida Garrett, Frei Luís de Sousa,
também se refere ao amor e
ao que é amar através do drama romântico entre D.Madalena e
Manuel de Sousa Coutinho. Refere a letra o que é amar e diz-nos que se ama uma pessoa
acima de todas as outras coisas, tal como sucedia com D.Madalena e Manuel
Coutinho. O mundo condensa-se, todo ele, em volta desse amor, estando eles
muito apaixonados, querendo paz e felicidade. Eram uma só alma, amando-se perdidamente, embora,
pelos ditames de fé, tivessem tido de resignar a esse amor e ao mundo secular,
trocando-o pela vida religiosa. Tudo porque se amavam perdidamente.
Mesmo se D. Madalena, como confessara a
Telmo, quando estava casada com D. João de Portugal não amava o marido, não
deixou de, após o desaparecimento ou suposta morte deste, em Alcácer-Quibir, mostrar
sofrimento e apego à relação enquanto não teve como certo o destino do primeiro
marido. Acabou por se conformar com a perda de D. João de Portugal e, após sete
anos do desaparecimento deste, reencontrou a sua capacidade de amar na pessoa
de Manuel de Sousa Coutinho. Em ambas as relações demonstrou o seu amor até ao
fim, fê-lo “perdidamente”.
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