Sunday, September 08, 2024

Aula 49

Aula 49 (3 [1.ª], 4 [3.ª], 5/dez [4.ª]) Vamos ver as partes B e C do Grupo I da prova de exame de 2023 (1.ª fase). A parte A apresentava três itens (1, 2, 3) todos com escrita e sobre dois textos de José Saramago (um de O ano da morte de Ricardo Reis; e outro de Memorial do Convento); esses três itens, de interpretação dos textos, eram para responder por todos os alunos, independentemente de terem estudado nas suas escolas O ano da morte ou o Memorial.

Parte B

Leia o poema e as notas.

                              Quem vê, Senhora, claro e manifesto1

               o lindo ser de vossos olhos belos,

               se não perder a vista só em vê-los,

               já não paga o que deve a vosso gesto2.

 

5                            Este me parecia preço honesto;

               mas eu, por de vantagem merecê-los,

               dei mais a vida e alma por querê-los,

               donde já me não fica mais de resto.

 

                              Assi que a vida e alma e esperança

10           e tudo quanto tenho, tudo é vosso,

               e o proveito disso eu só o levo.

 

                              Porque é tamanha bem-aventurança3

               o dar-vos quanto tenho e quanto posso

               que, quanto mais vos pago, mais vos devo.

Luís de Camões, Rimas, edição de A. J. da Costa Pimpão, Coimbra, Almedina, 1994, p. 125.

Notas

1 claro e manifesto – de forma clara e incontestável. | 2 gesto – rosto. | 3 bem-aventurança – grande felicidade.

* 4. Explicite, com base em dois aspetos significativos, o modo como o sujeito poético reage à figura feminina evocada no poema. Fundamente a sua resposta com transcrições pertinentes.

. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

[Solução possível:

O sujeito poético mostra fascínio pela beleza da Senhora, refletida nos seus olhos, ideia patente em «o lindo ser de vossos olhos belos, / se não perder a vista só em vê-los» (vv. 2 e 3).

A veneração pela amada leva o poeta a explicitar submeter-se-lhe, como fica evidente na entrega total do sujeito poético («tudo quanto tenho, tudo é vosso» – v. 10).

Note-se ainda a felicidade do sujeito poético, que deriva da sua entrega plena à amada («é tamanha bem-aventurança / o dar-vos quanto tenho e quanto posso» – vv. 12 e 13).]

* 5. Considere as afirmações seguintes sobre o soneto.

(A) O sujeito poético dirige-se à Senhora através de uma apóstrofe.

(B) A expressão «perder a vista» (verso 3) é usada com sentido metafórico.

(C) O sujeito poético arrepende-se de desejar algo cujo preço elevado o impede de saldar a                dívida.

(D) O poema ilustra o estilo engenhoso do poeta, nomeadamente no último terceto, quando recorre à antítese e ao paralelismo alcançado através do jogo de palavras.

(E) Entre a Senhora e o sujeito poético existe uma relação de igualdade.

Identifique as duas afirmações falsas.

6. Selecione a opção que completa corretamente a frase seguinte.

               Na segunda quadra, o sujeito poético pretende enfatizar

(A) a sua entrega incondicional, a fim de ser merecedor de admirar a beleza singular dos olhos da Senhora.

(B) o seu descontentamento por ter de pagar o «preço honesto» exigido a quem contempla a Senhora.

(C) o contraste entre o preço a pagar para contemplar a Senhora e a bem-aventurança que alcança.

(D) a ideia de que, ao dar a vida e a alma para ser merecedor da beleza da Senhora, se iguala aos outros.

PARTE C

Leia a cantiga de amor a seguir transcrita, tendo em vista o estabelecimento de uma comparação com o soneto camoniano apresentado na Parte B desta prova.

               A dona que eu am’e tenho por senhor

               amostrade-mi-a, Deus, se vos en prazer for1,

                              senom dade-mi2 a morte.

 

               A que tenh’eu por lume3 destes olhos meus

5             e por que choram sempr’, amostrade-mi-a, Deus,

                              senom dade-mi a morte.

 

               Essa que vós fezestes melhor parecer

               de quantas sei, ai, Deus!, fazede-mi-a veer4,

                              senom dade-mi a morte.

 

10           Ai Deus! que mi a fezestes mais ca mim amar5,

               mostrade-mi-a, u6 possa com ela falar,

                              senom dade-mi a morte.

Cantigas Medievais Galego-Portuguesas, Vol. I, edição de Graça Videira Lopes, Lisboa, Biblioteca Nacional de Portugal, 2016, pp. 151-152.

Notas

1 amostrade-mi-a, Deus, se vos en prazer for – mostrai-ma, Deus, se vos agradar. | 2 dade-mi – dai-me. | 3 lume – luz. | 4 fazede-mi-a veer – fazei-me vê-la. | 5 mi a fezestes mais ca mim amar – fizeste com que eu a amasse mais do que a mim próprio. | 6 u – onde.

* 7.        Escreva uma breve exposição na qual compare os poemas das partes B e C quanto às ideias expressas.

A sua exposição deve incluir:

uma introdução;

um desenvolvimento no qual explicite um aspeto em que os poemas se aproximam e um aspeto em que os poemas se distinguem;

uma conclusão adequada ao desenvolvimento do texto

[ Indicações do IAVE para os classificadores:

Relativamente a cada aspeto, deve ser abordado um dos tópicos seguintes, ou outro igualmente relevante.

Os poemas aproximam-se, na medida em que:

− ambos os sujeitos poéticos revelam uma profunda devoção pelas suas senhoras, o que se evidencia no facto de o sujeito poético do soneto de Camões descrever a amada como aquela a quem deu «a vida e alma e esperança / e tudo quanto tenho, tudo é vosso» (vv. 9 e 10), enquanto o sujeito poético da cantiga de amor descreve a amada como a luz dos seus olhos (v. 4) / aquela que ama mais do que a si mesmo (v. 10) / aquela a quem serve / presta vassalagem (v. 1);

− ambos os sujeitos poéticos enaltecem as damas por quem estão apaixonados, destacando a sua beleza, o que está patente no facto de o sujeito poético do soneto de Camões descrever a «Senhora» como alguém cujos olhos belos fascinam quem a vê («o lindo ser de vossos olhos belos, / se não perder a vista só em vê-los» – vv. 2 e 3), enquanto o sujeito poético da cantiga de amor descreve a amada como um ser criado por Deus, que a fez a mais bela de todas as mulheres (vv. 7 e 8).

Os poemas distinguem-se, na medida em que:

− no soneto, o sujeito poético exprime comprazimento na entrega total de si à dama, o que se evidencia, por exemplo, nos versos 7 e 8 («dei mais a vida e alma por querê-los, / donde já me não fica mais de resto.») e nos versos 12 e 13 («é tamanha bem-aventurança / o dar-vos quanto tenho e quanto posso»), enquanto, na cantiga de amor, o sujeito poético expressa o seu sofrimento amoroso (coita d’amor), pedindo a Deus que lhe dê a morte, se não puder ver a amada (vv. 2 e 3, 5 e 6, 8 e 9) ou com ela falar (vv. 11 e 12);

− no soneto, o sujeito poético faz referência aos olhos femininos para enfatizar a beleza da «Senhora», como se constata em «Quem vê, Senhora, claro e manifesto / o lindo ser de vossos olhos belos» (vv. 1 e 2), enquanto, na cantiga de amor, o sujeito poético se refere aos seus próprios olhos para evidenciar o seu sofrimento devido à ausência da amada, como se verifica em «destes olhos meus / e por que choram sempr’» (vv. 4 e 5) ]

Escreve a introdução:

. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

[cópia de um modelo de solução:]

A lírica camoniana de escola clássica, em que se incluem os sonetos, revela uma atitude de adoração do sujeito poético pela mulher amada que nos recorda a que, talvez ainda mais hiperbolicamente, exibiam  os trovadores medievais nas suas cantigas de amor. (Ao contrário, muitas composições do Camões mais tradicional parecem pertencer à linhagem das cantigas de amigo, com o seu ambiente de maior proximidade entre apaixonados.)

Depois de vermos o trecho de Último a sair, em que as ações de Bruno Nogueira ficam nos antípodas do código do amor cortês na lírica medieval, completa a tabela com as seguintes palavras (aqui desordenadas):

ator / trovador / sussurrar / Bruno / desejo / religiosa / proximidade / voyeurismo / regra / elogia / assediar / honestidade / intervêm / intervém / nobres / inacessível

Cantigas de amor

Último a sair, episódio Bruno-Sónia

O sujeito poético é um trovador, que se dirige à sua «senhor», que não ______ e é um ser sobretudo idealizado, incorpóreo.

Bruno Nogueira é quem inicia o diálogo, mas tanto o homem (Bruno) como a mulher (Sónia Balacó) ______.

Ambiente é palaciano, o «eu» (trovador) e a dama são _____. Origem das cantigas de amor é provençal (lembre-se que a primeira dinastia portuguesa tinha ascendentes franceses), ao contrário das cantigas de amigo, provavelmente autóctones.

Contexto imita o de um reality show, supondo-se que as personagens em causa se comportam como jovens ______ e modelo-atriz.

Amor é mais aspiração do que experiência sentimental; tudo está sujeito a convenções; ______ respeita a senhor[a] a quem presta vassalagem amorosa, à maneira cavaleiresca.

______ não se coíbe de fazer propostas bastantes explícitas, mais físicas do que espirituais, e trata a sua colega sem qualquer reserva ou delicadeza.

Pretende-se prolongar o estado de tensão, sem chegar ao fim do ______.

Bruno não resiste a seduzir Sónia sob os lençóis, mesmo quando se supunha ficarem apenas a ______.

_______ da senhor[a] não poderia ser posta em causa, não havendo quaisquer alusões impróprias, sem se sair nunca da esfera espiritual; a «mesura» implicava que não se poderia suspeitar da identificação da amada.

Bruno não se preocupa em preservar a imagem de Sónia, o seu estratagema passa mesmo por aproveitar o ______ do público, o que implicava expor ao máximo a sua relação com a amada.

O sujeito poético, o trovador, superlativa a senhor[a], que elogia com devoção quase _______.

Sem grande sentido do charme, Bruno é várias vezes desagradável com Sónia, que deprecia mais do que _______.

distância entre trovador e a senhor[a], que lhe é _______.

Haveria ________ máxima entre amante e amada, se dependesse apenas de Bruno.

Fidelidade é outra ______ imposta ao trovador.

Bruno, assim que Sónia se lhe esquiva, vai _______ Luciana e Débora.

 

 

#