Saturday, August 26, 2017

Bibliofilmes do 10.º 4.ª


Seguem-se trabalhos inspirados em livros lidos. Quando à frente da classificação figurarem asteriscos (*), significa que os bibliofilmes me chegaram já depois do prazo estipulado e que, por isso, sofrerão uma penalização (cada asterisco corresponde a um dia de atraso e, portanto, a meio valor a retirar à nota que se registará para já). Quanto a $, assinala que o título do ficheiro não seguiu o exato modelo que dera nas «Instruções» («Bibliofilme de ... do 10.º ...»); e £ quer dizer que não vinha indicada no mail a obra que serviu de ponto de partida, como também se pedia nas citadas instruções.

Rodrigo
Edgar Allan Poe, Contos fantásticos | Rodrigo (19) $ Muito boa escrita (só dois exemplos da sofisticação de que esta se reveste: discurso indireto livre, catáforas), incluindo o argumento; também muito boa leitura em voz alta; e ainda muito boa realização (imagens, sua montagem e música escolhida). Naturalmente, num texto tão longo, há pequenos lapsos, mas o da legenda («tendo sida» por «tendo sido») era evitável; a corrigir: «*como se de um monstro a sua casa se tratasse» («como se a sua casa fosse um monstro» — verbo «tratar» não pode ter aquela sintaxe); «*a porta estava estancada» («era estanque», «estava trancada»? — «estancada» não me parece gramatical neste contexto); pronúncia de «somente» (é «s[ó]mente», não «s[u]mente»); pronúncias de «assustado» e «incómodo» pouco claras; certo abuso do determinante possessivo («sua», «seu» etc. são geralmente prescindíveis).

Gonçalo
Jorge Amado, Capitães da areia | Gonçalo (18) O ponto de ligação entre livro e filme é precisamente o título da obra de Jorge Amado, aplicado agora a memórias do autor do bibliofilme; trata-se de trabalho que vive sobretudo do texto, muito bem redigido e bem lido, e talvez mais até da música do que das imagens (que são, no entanto, também apropriadas); mesmo se não há «cinema» propriamente, o nível técnico é elevado, revelado nos cuidados com o acabamentos e no equilíbrio de tudo. A corrigir: «*e com uma melancolia que só agora eu entendo a razão» (e com uma melancolia de que só agora eu entendo a razão /ou/ e com uma melancolia cuja razão que só agora entendo); pronúncia de «[mn]au» ([n]au); um ou outro lugar comum desnecessário («os tempos de despreocupação»).

Emilly
Daniel Defoe, Aventuras de Robinson Crusoe | Emilly (10) Não foram lidas as minhas instruções para esta tarefa. Pedira aí que se evitassem as abordagems de apreciação das obras; pedira que não usassem slides googlados; chamara a atenção ainda para a necessidade de se cumprir o tempo mínimo (2.30) e até dissera não tencionar avaliar trabalhos que não chegassem a esta duração (o que aliás já não estou a cumprir). O facto de o trabalho se fundar em informações (pesquisadas na net?; lidas em alguma biografia; conhecidas em documentário?) também dificulta que se possa aferir a redação, que, no essencial, acaba por ser de transposição de dados. Enfim, houve precipitação, talvez devida a a autora ter querido entregar a tarefa rapidamente.

Inês O.
Peter Carey, O Japão é um lugar estranho | Inês (14,5) Fala-se de viagens a fazer, centrando-se a autora, por fim, no seu destino, Nova Iorque (talvez tivesse eu preferido que o foco fosse o Japão, o que permitiria mais ligação com o livro lido); o texto não tem erros de escrita, embora também não seja complexo (está organizado em lista do que se faria), e também não tem erros de leitura, embora haja ligeiro excesso de velocidade. As imagens escolhidas como filme são já um lugar comum (o gesto de se ir escrevendo) — aqui faltou imaginação; a corrigir: «*e que agora estou a transcrever essa resposta» (e agora estou a transcrever essa resposta); «*diria à pessoa que estava comigo» (diria à pessoa que estivesse comigo); na pronúncia, «culturalmente» parece «*culturamente».

Clara
Jorge Amado, Capitães da areia | Clara (18) O que me parece mais conseguido no bibliofilme é, por um lado, a conceção da narrativa, que deixa para o final a revelação do contexto, que permite então perceber a alusão ao livro de Jorge Amado (para quem estivesse muito atento também na «pipa» — o papagaio volante — que serve de foco); por outro lado, a poeticidade do conjunto de imagens e texto, sem lamechices; também bom domínio técnico, numa abordagem que parece simples (e, portanto, há de ter sido complicada e trabalhosa); leitura em voz alta sem erros. A corrigir: «*em jaulas, que nem espaço para voar temos» (em jaulas, em que nem espaço para voar temos); «?*sento-me na borda do colchão que encontrara na rua na semana passada» (sento-me na borda do colchão que encontrei na rua na semana passada [só seria «encontrara» se o primeiro verbo estivesse no passado: «sentei-me» — a não ser que consideremos este «sento-me» como um passado «histórico», usado em relatos]).

Francisco
Jorge Amado, Capitães da areia | Francisco (16) $ Estilo, gráfico e musical, alude a Charlot (no fundo, a uma personagem que também foi «vagabundo», como as crianças do livro de Jorge Amado); toda a parte de «cinema» está muito perfeita (representação, montagem, música, caracterização, adereços, lettering). Leitura em voz alta merecia mais ensaios (parece que o texto, sobretudo no final, foi lido quase à primeira, o que contrasta com o nível de acabamento de todos os outros aspetos que citei); redação adota um registo entre sociológico e filantrópico que não favorece a própria leitura (sugeriria abordagem menos expositiva, menos constrangida pela necessidade de tratar um assunto seriamente).

Diana
Jorge Amado, Capitães da areia | Diana (17-(17,5)) Ideia simples mas que revela bom gosto e foi levada a efeito com competência: via Professor, carta de Bala ao pai, já morto, é pretexto para a autora do bibliofilme revelar conhecimento da obra, sem estar a fazer explícito resumo da intriga; texto sem erros (a não ser os dois que cito a seguir) e boa leitura em voz alta; crianças (irmãos de Diana?) desempenham com brilhantismo os seus papéis. A corrigir: «*talvez hoje não estaria» (talvez hoje não estivesse); «*retrata a história» (conta a história / retrata a vida de um grupo de crianças).

João G.
Edgar Allan Poe, «O gato preto» | João G. (14,5) $ Tratamento fílmico interessante, entre o poético e o fantástico, coerente com uma história à Poe; boa realização técnica (talvez falte mais claridade a certa altura). Texto é um condensado de «O gato preto», usando-se frases do original de Poe (mas esta abordagem de resumo tinha-lhes sido desaconselhada). Leitura em voz alta tem bons momentos, até de alguma expressividade, mas também há zonas em que a interpretação não respeita a pontuação.

Inês P.
Peter Carey, O Japão é um lugar estranho | Inês P. (12) Leitura em voz alta é correta e clara, houve a preocupação de tratar de um assunto específico (bom exemplo das reflexões no livro sobre a viagem de Carey e do filho ao Japão), o que pode ser uma boa solução. No entanto, usou-se demasiado as palavras do próprio autor, só no final havendo algum texto original (e um tanto escudado nas informaçõees recolhidas em dicionário); também as imagens são sobretudo de slides, googlados decerto, e repetem-se um tanto; tempo mínimo não foi atingido (2.24); a corrigir: «*parecida ao do livro» (parecida com o do livro).

Madalena
Mathias Énard, Fala-lhes de batalhas, de reis e de elefantes | Madalena (16,5) Percebe-se que a ligação com o livro lido tem que ver com o gosto pela arte (arquitetura ou bailado), o texto é por isso uma defesa da dança e a expressão do gosto de dançar; leitura em voz alta correta, tal como a escrita do texto; imagens resultam porque são o testemunho em filme do que vai sendo dito (creio que será o grupo em que se integra a autora do filme). A corrigir: «*ser considerado um bom bailarino é preciso muito trabalho» (para ser considerado um bom bailarino é preciso muito trabalho); «*para que se faça parecer assim» (para que pareça assim); «*veem como (a) arte» (creio que seria «veem-na como arte»); estranho «na euforia do mundo real» (será «na disforia do mundo real»?); pronúncia «espe[k]tadores» será rara (vai-se dizendo sobretudo «espetadores»); prefiro «ligam» a «conectam» (mas aceita-se, é claro).

André
Marco Polo, Viagens | André (14) $ £ Ligação com livro lido podia estar mais explícita, mas percebe-se (trata-se de biografia, também de um «italiano», como Marco); há ironias e criatividade no texto, que está bem escrito. Falham aspetos de acabamento, de cuidados finais (som tem volume baixo; tempo mínimo não foi cumprido — tinham de ser 2.30, pelo menos —; se se repetisse a gravação do áudio, evitavam-se hesitações), o que revela certa precipitação (valia a pena demorar-se um pouco mais); a corrigir: «*isso não o agradava» (não lhe agradava); «*havia muito corrupção» (havia muita corrupção); «*chamar-lhe-ia de Liga Camões» (chamar-lhe-ia Liga dos Camões); «competições mais competitivas» (competições mais disputadas).

Eduardo
Homero, Odisseia | Eduardo (18* [> 17,5]) $ Em termos de género de texto optou-se por narrativa complexa, muito bem escrita, engenhosa, informada e bem lida em voz alta; há criatividade e sentido lúdico na escrita e na representação. Uma crítica que se pode fazer tem que ver com a extrema narratividade, que se impõe a todas as outras faces do filme (em cinema propriamente dito, alguns meios seriam repartidos — imagens fariam que se poupasse narração ou descrição, por exemplo —, mas, neste caso, o autor preferiu sobrevalorizar a redação, de tal modo que o filme, ainda que também muito trabalhado, nos surge como ilustração-comentário, sombra do que vai sendo relatado em «off»); a corrigir: «*iremos chamar-lhe de ‘o viajante’» (iremos chamar-lhe ‘o viajante’); «*onde Telémaco reúne-se» (onde Telémaco se reúne); «com um único requisito a Telémaco» (com um único pedido/exigência a); «*talvez Telémaco não não deveria ter morrido» (talvez Telémaco não devesse ter morrido); na legenda final, falta o acento de «Penélope». $

Hugo & Pedro
Jorge Amado, Capitães da areia; Homero, Odisseia | Pedro & Hugo (*17,5-18 [> 17-17,5]) $ £ É engenhosa a forma como se cruzaram as histórias de Jorge Amado e de Homero, transposta para os nossos tempos; o texto, embora talvez demasiado narrativo (com poucos momentos em que possa respirar) está escrito sem erros, o que, dada a sua extensão, já não é pouco; leitura em voz alta também segura, mas, inicialmente, talvez um pouco rápida; boas soluções de representação e filmagens na segunda metade do filme. Pode discutir-se certo desequilíbrio na parte visual do filme, no início, com imagens repetidas de calçada (com aliás cocós de cão, se vejo bem); também não gosto do final, demasiado cru e explícito; a corrigir: na legenda inicial, «marques» devia ter maiúscula; «assim que souberam se tratar de um» (assim que souberam tratar-se de um); quase no final, hesitação em «percorreu-lhe todo o corpo».

Tomás
Edgar Allan Poe, Contos | Tomás (17,5* [> 17]) $ Boa ideia: a propósito de «O escaravelho de ouro», criou-se peripécia com o mesmo tipo de decifração criptográfica; houve planificação muito detalhada das filmagens e domínio técnico depois na montagem. Leitura em voz alta nem sempre perfeita (tratando-se de gravação, valia a pena ter procurado chegar à melhor versão possível ou gravar fragmentos mais curtos — há uma parte com velocidade excessiva); a corrigir: «*o porquê dele ali» (o porquê de ele estar ali); pronúncia de «difícil» saiu quase «difíc[e]l»; «ao início» (no início); «*e, para a maior da minha admiração» (e, para minha maior admiração).

Joana, Laura, Mafalda
Jonathan Swift, As viagens de Gulliver; Peter Carey, O Japão é um lugar estranho; Walter Scott, Ivanhoe |Mafalda, Laura, Joana (*19,5 [> 19]) Em «os livros controlam o tempo» conseguiram as autoras encontrar o agregador ideal de três livros sobre épocas/espaços tão diferentes (em termos de autores, nem tanto, se considerarmos que Scott nasceu, em Edimburgo, vinte e tal anos depois da morte de Swift, natural de Dublin). Assumido este leitmotiv foi possível construir um filme com muito bom ritmo, que alude a cada época, espaço, ação, com grande seletividade (dar só a imagem ideal, escolher a frase sintética, descartar, portanto, decerto muito material na fase da montagem). É um trabalho que comprova requisitos do cinema, como são a planificação, o trabalho em equipa, o  depurar (e, antes disso, de tudo preparar bem, do texto à caracterização); o resultado é uma espécie de trailer longo (a última frase, publicitária, daria a entender que o género era mesmo esse). Torço o nariz, aliás pouco, a dois aspetos apenas: há alguns lugares comuns: «contra tudo e todos»; «turbilhão de emoções»; «perigos inimagináveis»; «continua eternamente»; «no presente semeamos o futuro»; e certas pronúncias são hipercorretas (demasiado influenciadas pela grafia, em prejuízo da maneira de dizer natural): «distante» deve ser dito «d’stante» (e não «d[i]stante); o ex de «inexplicável» e «inexplorado» não tem de soar «eis» mas «es».

Daniel Botea
Daniel Defoe, As aventuras de Robinson Crusoe | Daniel Botea (17,5-18* [> 17-17,5]) Texto está muito bem escrito, com sofisticação que não vemos na maioria dos microfilmes, e foi lido com toda a correção; habilidoso o argumento, que leva a que nos vamos apercebendo estar perante um Robinson (a alusão à intriga do livro fica por conta das fragmentárias intervenções do idoso; aliás talvez pudesse haver mais dessas informações sobre a vida passada na ilha — resulta bem, por exemplo, o surgimento quase no fim da menção de Sexta-feira); não me parece justificar-se o genérico da Universal (seria apropriado se se estivesse perante uma paródia a um filme de ficção, mas o formato parece ser mais o de um documentário).

Margarida
Peter Carey, O Japão é um lugar estranho | Margarida (**17 [> 16]) $ £ Fiquei com a ideia de que o plano inicial do filme foi alterado ou abreviado (parece o final ser sobretudo discursivo, e menos trabalhado em termos de «cinema», enquanto que, no início, houve extremo cuidado com a realização, havendo verdadeira representação e bom sentido narrativo, aliás pontuado também por humor). Não há erros no texto, a leitura em voz alta também foi correta e tem a velocidade certa; foi tudo bem pensado em termos de filme (embora o final esteja menos conseguido do que o início). A corrigir: «e as restantes pessoas» (ficava melhor «e os outros»); «a menos que estejas» (este uso da 2.ª pessoa, num sentido genérico, ainda é muito da oralidade ou da linguagem mais juvenil); «ser mais intelectuais» (ser mais cultos).

Leonor
Peter Carey, O Japão é um lugar estranho | Leonor (12** [> 11]) $ A Leonor teria capacidade para fazer bem melhor. Tempo mínimo não foi cumprido, há slides certamente googlados (pedira que o evitassem). Teria também preferido que o texto não fosse informativo (porque acaba por ser pouco original, repetindo decerto o que foi pesquisado), mas criativo e original. Fico com a ideia que o bibliofilme foi feito à pressa e que não foram lidas as instruções. Mesmo a leitura em voz alta não está ao nível do que conseguiria a autora.

Francisca
Peter Carey, O Japão é um lugar estranho | Francisca (**18-18,5 [> 17-17,5]) £ O primeiro ponto forte é o argumento (paródia a um género, manga, exemplo da cultura japonesa de que trata o livro lido, mas também brincadeira em torno da figura do artista sem inspiração); são sempre interessantes as obras que tratam do processo de criação (obra sobre a obra). Também têm muito mérito a montagem (incluo aqui o truque da duplicação da personagem, ainda que não saiba exatamente como se procedeu), a conceção do filme. A representação está quase sempre bem (a exceção é o momento do acordar da protagonista, já perto do final, em que há hesitações no texto que era para ser dito); a corrigir: «*que os fez feliz» (que o fez felizes); «o quão bom será» (preferia «como será bom»).

Lourenço

Ondjaki, Os da minha rua | Lourenço (***17 [> 15,5]) £ O autor fala da sua rua (e um pouco também dos da sua rua — isto é de alguns dos que a habitam, mas não tanto como fazia Ondjaki); mostra-se muita capacidade técnica, bom sentido de como se organiza um filme (o cinema que implica planificação, como aliás fica implícito nas legendas finais, com o elenco da vasta equipa que foi mobilizada); o texto está bem escrito, nem sempre bem lido (velocidade é boa, mas há algumas hesitações — ensaiava-se mais vezes e repetia-se o áudio até não haver lapsos); a corrigir: «*jornaleiro» (vendedor de jornais, já que o «jornaleiro» é o que trabalha à jorna); «coreógrafo» (faltava o acento); e porquê «description» em inglês (será alguma técnica específica de montagem?); «relembro-me» (é preferível «recordo-me» ou «lembro-me»). Nota memorialística minha, de há mais de quarenta e cinco anos: umas duas ruas atrás ficava o estádio, «o relvado», onde os da minha rua, a minha praceta, iam perder contra os da Carolina Michaëlis e ruas em redor (mas hoje o «relvado» está em boa parte ocupado por um viaduto ou passagem área).

João S.

Daniel Defoe, Aventuras de Robinson Crusoe | João S. (***14 [> 12,5]) Boa capacidade técnica (visível na montagem), sentido de síntese (podia ser um clip de publicidade institucional), boa ideia para analogia com livro. Redação correta mas breve e leitura em voz alta sem erros, mas sem, aparentemente, ter sido muito ensaiada; imagens remontadas com inteligência, mas não originais; corrigir: «*semelhante a Robinson» (de forma semelhante a Robinson; semelhantemente a Robinson); «Crusoe não chega a falecer» (Crusoe não chega a morrer — num contexto de ficção, não se justifica uma forma que é sobretudo um uso cortês, apropriado a quando referimos pessoas do nosso contexto real).

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