Saturday, August 26, 2017

Bibliofilmes do 10.º 3.ª


Seguem-se trabalhos inspirados em livros lidos. Quando à frente da classificação figurarem asteriscos (*), significa que os bibliofilmes me chegaram já depois do prazo estipulado e que, por isso, sofrerão uma penalização (cada asterisco corresponde a um dia de atraso e, portanto, a meio valor a retirar à nota que se registará para já). Quanto a $, assinala que o título do ficheiro não seguiu o exato modelo que dera nas «Instruções» («Bibliofilme de ... do 10.º ...»); e £ quer dizer que não vinha indicada no mail a obra que serviu de ponto de partida, como também se pedia nas citadas instruções.

Mafalda
Richard Zimler, O último cabalista de Lisboa | Mafalda (19) $ Apurada noção do que é um filme, com vários planos, eixos de ação, estratégia para condensar em pouco tempo muito mais do que o discurso simples permitiria; pôr em prática esta noção exige trabalho (de planificação, de redação e ensaio; também no momento da recolha de imagens; e, depois ainda, na montagem), que houve efetivamente; consegue dar-se notícia do enredo do livro e fazê-lo de modo leve. Não vi erros de nenhuma espécie.

Carlota & Carolina
Edgar Allan Poe, Contos fantásticos & Peter Carey, O Japão é um lugar estranho | Carolina & Carlota (13) $ £ Ideia é interessante: percorrer várias culturas, fingindo-se ser um representante de cada um dos povos e reivindicando aspetos notórios do seu país; boa leitura em voz alta (hesitação só em «inferior»). Porém, não foram lidas com atenção as instruções: «se se tratar de tarefa por grupo, três minutos e meio será mesmo o mínimo aceitável»; «evitem as imagens googladas — a montagem de um filme fundado em slides com imagens apressadamente pesquisadas não é interessante» (é verdade que também há imagens originais, pelo menos três em que figuram as autoras); na escrita há algumas banalidades (só dois exemplos: o que se diz do Japão, ligado ao desporto e à gastronomia, pode ser dito de outros países indiferentemente; o Natal não pode ser considerado festa típica do Brasil); a corrigir: vários «onde» são agramaticais («relativamente à diversidade cultural onde possui variadas tribos»; «etnias onde resultou»; «valor da vida onde [...]»; «*um dos costumes  de Portugal mais genuíno e único é a comida» (não é um costume); «*amamos sair» (gostamos de sair).

Pedro
Daniel Defoe, Aventuras de Robinson Crusoe | Pedro (16,5+) $ £ Texto bem escrito, irónico, bem lido, embora, no final, permeável a lugares comuns. Pedira que evitassem tempo mínimo (2.32 é pouco mais que 2.30); a índole é talvez demasiado próxima da do filme autobiográfico (álbum); em termos de imagens parece haver zonas onde faltou arquivo ou em que poderia ter havido mais habilidade técnica para aplainar a aparente desproporção.

Bernardo, Edu, Miguel
Ondjaki, Os da minha rua | Miguel, Edu, Bernardo  (14 [em média, mas B, melhor do que isso, e E e M, piores]) $ £ Até gosto do dispositivo escolhido (amigos a conversarem, de tudo e de nada, sem que o assunto em foco seja levado muito a sério — cfr. a série Seinfeld); boa representação da parte de Bernardo; jeito mas pouco investimento na atuação de Edu; mais leve ainda o papel de Miguel. O uso de registo juvenil (ou juvenil-popular?) não é criticável, mas, aqui e ali, percebe-se que falta texto (uma redação mais estabelecida, mais elaborada); texto pareceu-me mais improvisado do que decorado (um texto mais preparado permitiria a inclusão de intervenções com mais substância, que acho que estão em falta).

Ana & Beatriz P.
Clarice Lispector, Contos; Amin Maalouf, As Cruzadas vistas pelos Árabes | Beatriz P. & Ana (14,5-14) $ £ Consegue-se uma alegoria, uma grande metáfora, que constituiria um engenhoso simétrico das cruzadas vistas pelo árabes (a Síria vista pelos europeus), comedidamente irónica; ideia é boa, bem executada em parte, mas com desleixos técnicos que a prejudicam. Há texto a menos (o silêncio também faz parte da caracterização, reconheço-o, mas era preciso compensá-lo, prolongando o exercício de oral, que era o objetivo escolar da tarefa); a escolha de um «direto», de um «vivo», é legítima, mas é preciso assegurar as condições de captação de som — tive alguma dificuldade em perceber algumas expressões.

Nicole
Edgar Allan Poe, «O escaravelho de ouro» | Nicole (16,5-17) Muito cuidado acabamento técnico; bom gosto em termos de imagem e de som; leitura em voz alta sem erros (apenas uma hesitação em «sanidade») e em ritmo adequado; escrita sintética (talvez demasiado simples). Abordagem é, no fundo, de resumo da intriga, o que eu desaconselhara; a corrigir: dois «determinada» (para «árvore» e para «altura») num espaço de poucos segundos.

Inês C & Teresa
Jonathan Swift, Viagens de Gulliver & Daniel Defoe, Aventuras de Robinson Crusoe | Teresa & Inês C. (19-18,5) £ Sublinho a capacidade de estruturar a narrativa da maneira mais apropriada a que, em termos de filme, se nos conte a história pretendida — momento da enunciação fictícia aos trinta anos é o golpe de asa que evita que se adote o estilo de memórias ilustradas (álbum de recordações, a aproveitar extenso arquivo), risco de trabalhos semelhantes, e se chegue a uma abordagem que permite a excelente analogia final com Gulliver e com Robinson; boa expressão oral, num compromisso entre leitura perfeita e dramatização tímida. Legendas nos slides a assinalar os lugares a que respeitam são discutíveis; há, embora raramente, alguma cedência a lugares comuns.

Beatriz B., Beatriz E. & Margarida T.
Homero, Odisseia | Margarida T., Beatriz E. & Beatriz B. (17,5) £ Formato é de narrativa, apoiada, em termos visuais, em desenhos que se vão construindo e no texto da correspondência entre personagens, mostrando-se bom gosto, competência técnica, trabalho; redação é boa (talvez excessivamente narrativa, com as ações muito concentradas, quase sem a descrição que costuma deixar respirar os textos com enredo; uso do presente, muito misturado com os vários passados, não é incorreto — é o presnte de relato — mas mostra pouca elaboração literária); leitura em voz alta, também boa (no início, de 0 a 40’, ligeirissimamente rápida). No texto da correspondência que nos é mostrado há lapsos: «*e, já de início» (tem de haver vírgula a seguir a «início»); «*quero te dizer» (quero-te dizer ou quero dizer-te); «*a fazer refém seis crianças» (a fazer reféns seis crianças); «*um dos momentos que mais me marcou» (um dos momentos que mais me marcaram); «se calhar», «por vezes», as orações subordinadas intercaladas deviam estar entre vírgulas; a corrigir ainda: «*arquiteto de grande envergadura» (creio que era «de grande nomeada», «de grande fama»; ou era mesmo um arquiteto de um metro e noventa e tal?); «*não agradou de todo o seu pai» (não agradou de todo ao seu pai [e o «de todo» também era escusado]); na pronúncia: «*m’mais marcou» (mais me marcou).

Eduardo & Francisco

Walter Scott, Ivanhoe | Francisco & Eduardo (15-15,5) $ Género escolhido é o de crónica (podia ser uma crónica à Miguel Esteves Cardoso, por exemplo), começando-se por referir a tradição histórica, correspondente ao ambiente de Ivanhoe, e aproveitando-se depois para caricatura, mais ou menos sociológica, do correspondente nos dias de hoje; texto escrito consegue o tal estilo de crónica crítica e ligeira, mas sem a subtileza de um MEC ou de RAP; leitura em voz alta é, na primeira parte, boa, mas, na segunda parte, merecia ser repetida (na parte final do texto dito por Eduardo há hesitações e trapalhices inaceitáveis num texto gravado, repetível, portanto); parte visual económica ou mesmo pobre (dou exemplo: em vez de tanto tempo com slide fixo, era assim tão díficiel ter destacado, à medida que se descreviam os subtipos dos intervenientes em rixas de rua — «raxas» ou «rachas» existe? —, as imagens das suas ações, porventura em câmara lenta?). A corrigir: «*chamamos de torneio medieval» (chamamos torneio medieval); «*há imensos séculos atrás» (há imensos séculos); «*em certa parte» (de certo modo); «*não sabemos o que deu origem à lenda mas, normalmente, é por causa» (não sabemos o que deu origem à lenda mas, normalmente, estas rixas devem-se a / na origem destas situações está); «*andar à porrada» (teria de se usar entoação especial ou acrescentar um «digamos» ou um «por assim dizer», para que se percebesse que era assumido, para efeitos paródicos, aquele registo popular); «*o rapaz mais sensato [...] pensamos que este é» (quanto ao rapaz mais sensato, pensamos que ele é).

Matilde P.
Ondjaki, Os da minha rua | Matilde P. (15-15,5) [£] Neste bibliofilme, os recursos visuais e de som, sofisticados, acabam por ter o papel mais importante, mostrando-se que há noção de como se faz um filme de tipo publicitário; a leitura em voz alta também é boa. A escrita parece-me um tanto desaproveitada (há uma fase, de introdução, que nos deixa à espera de um desenvolvimento que não chega a concretizar-se — um pouco como naqueles textos que servem apenas para acompanhar imagens turísticas mas em que há pouca informação substantiva); a corrigir: «*sítios que nos dá gosto passar por lá» (sítios por onde nos dá gosto passar); «*sou daquelas pessoas que repara em coisas simples» (sou daquelas pessoas que reparam em coisas simples); «*sem saber o que lhes espera» (sem saber o que os espera); «fazem a mesma rotina» (seguem a mesma rotina). [Nota à margem: como a música usada tem direitos de autor, fui avisado de que o filme está sujeito à inserção de anúncios.]

Inês S.
Daniel Defoe, Aventuras de Robinson Crusoe | Inês S. (18) Salientarei a diversidade de imagens, o cuidadoso acabamento técnico, a planificação, a montagem, enfim todo o trabalho a que obriga a realização de um filme; boa leitura em voz alta; escrita segura, sem erros. O tópico são os sonhos e as conquistas e procura-se que o filme se concentre nesse lema; porém, é tão lato o assunto que não permite depois uma abordagem em três minutos que não sintamos como um pouco vaga, com cedência a lugares comuns (por exemplo, a citação de Gedeão, que aliás não escreveu «entre a mão de uma criança» mas «entre as mãos de uma criança» — não teria sido mais apropriado ir buscar alguma frase ao Robinson?); início e final são fortes, com muito sentido de cinema, o que levava a esperar um pouco mais no miolo (faltou tempo ou tema menos ambicioso).

Sofia
Homero, Odisseia | Sofia (*19-18,5 [>18,5-18]) Bom ritmo narrativo , concentrando-se ação em poucos momentos, filmados de modo a permitir inferir o resto da ação (essa capacidade de síntese, característica do cinema, aproxima-se aqui também da da estrutura de um filme de publicidade); leitura em voz alta sempre correta; tudo perfeitamente executado. A corrigir (duas situações no limite do gramatical): «*talvez ambos» (é discutível que «ambos» possa referir dois motivos que ainda não tinham sido explicitados como motivos, causas — só posso usar esta anáfora se ficar claro quais são os antecedentes, o que não é o caso); a legenda final, «Quem ama espera» não pode ter vírgula, que separaria sujeito e predicado.

Margarita
Daniel Defoe, Aventuras de Robinson Crusoe | Margarita (19,5* [> 19]) £ Boa história, variação da de Robinson, favorecida também pelo tratamento visual (desenho em processo, dado em modo acelerado) e pelos apontamentos de som — sem estes recursos, a história parecer-nos-ia engenhosa mas apenas uma sucessão de ações e, assim, ganha densidade, cariz poético, onírico; leitura em voz alta sempre no ritmo certo e sem erros (apenas uma hesitação em «vegetação); enfim, a boa conceção de tudo faz que vejamos o filme como simples, depurado, sabendo que é complexo e terá dado muito trabalho. A corrigir: «*chamar de Sexta-feira» (*chamar Sexta-feira); «*apercebeu que o mais provável» (apercebeu de que).

Margarida O.
Daniel Defoe, Aventuras de Robinson Crusoe | Margarida O. (*16,5-17 [> 16-16,5]) $ Apostou-se na escrita, de estilo cronístico, crítico, irónico, leve; o texto está bem redigido, ainda que se ressinta de um problema comum ao humor de comediantes de stand up ou às introduções em discurso oral a programas de sketches (são textos mais para serem lidos do que para sem ouvidos: é difícil transpô-los para a oralidade, parecendo então sempre um pouco artificiais); a parte visual do filme mostra aplicação e competência técnica, mas é relativamente acessória; leitura em voz alta do minuto final tem algumas hesitações (que, numa gravação, implicariam repetição). A corrigir: «*ao qual a experiência pode ser comparada» (releia-se a frase no seu contexto, para verificar que não é gramatical); pronúncia de «couvette» (o ou francês deve ser dito [u]); «*os panfletos turísticos demonstram» (julgo que se pretendia «mostram»); e hesito no «mundana» (seria mais «vulgar», creio). (#)* $

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