Saturday, August 27, 2016

Instruções para comentário comparado de filme e Felizmente há luar!



Regras serão semelhantes às da tarefa de análise de canção/Memorial do Convento (ver de novo, se necessário, aqui). A diferença está apenas nos dois termos usados para contraste no comentário-análise: em vez de Memorial do Convento, teremos agora Felizmente há luar!; em vez de uma canção, teremos agora um filme.
Mantém-se quase tudo o resto. Limites de palavras: de 500 a 700; necessidade de fazer algumas (uma, duas ou três talvez) citações da peça, embora se dispensem, neste caso, citações de falas do filme. O link a enviar é o do trailer (oficial) do filme — ponham-no junto do comentário, dentro do documento em anexo portanto, e não no mail. O anexo pode intitular-se «Luar de Eleutério do 12.º 0.ª». O meu mail é luisprista@netcabo.pt (se não agradecer, é que nada recebi). 
Tentei exemplo meu, que ponho a seguir:

Exemplo
Terei visto Os Coristas (Les choristes) não muito depois da sua estreia, que é de 2004. Lembro-me de que me fora recomendado pela colega Maria Eugénia Cochofel — que, pouco depois, se aposentaria — e que o vi no Quarteto — que, entretanto, desapareceria. Foi um dos poucos filmes a que assisti numa sala de cinema nas últimas quatro décadas e meia (desde adolescente que fujo dos cinemas por ver mal ao longe). Devo ter comprado o DVD logo a seguir, porque em 2005-2006 já o passava em turmas do oitavo ano.
Tinha razão quem mo sugeriu, é um filme que emociona professores. Porém, não é essa face que recuperaria aqui, embora possamos dizer que a adesão à figura do supervisor Clément Mathieu é semelhante ao afeto que muitos sentirão pela figura de Matilde em Felizmente há luar!, num processo que implica revermo-nos em personagens — derrotadas, mas com a consolação de se não terem conformado, não terem pactuado com o que consideravam injusto — que admiramos por serem nossas homólogas (de professores; de outras mulheres) e lhes reconhecermos capacidades, comportamentos exemplares, que invejamos.
Com isto descubro já um ponto a discutir: se Clément Mathieu, protagonista dos Coristas, equivale a Matilde, a personagem que, na peça, vemos protagonizar a revolta, ou a Gomes Freire de Andrade, que, não surgindo nunca em cena, assumimos ser o herói de Felizmente há luar!. A ação de Gomes Freire chega-nos intermediada pelas informações de outras personagens, aliás nem sempre favoráveis, mas sobretudo através dos testemunhos da mulher, Matilde, que intervém só no ato II. No filme, a voz é mesmo a de Mathieu, mas só porque se trata de um segundo nível narrativo, um encaixe resultante de diário deixado pelo professor e agora, no primeiro nível narrativo, lido por um antigo aluno. Tanto em Felizmente há luar! como nos Coristas o herói é recordado por alguém a quem ele se dedicara. A solidão desesperada de Matilde nesse seu memorial ao marido, já preso, não tem equivalente no aluno de Clément Mathieu: o olhar de Pierre Morhange é de nostalgia e gratidão, enquanto vemos a mulher de Gomes Freire em plena luta. Morhange tornou-se maestro, por isso ficamos a saber que o esforço de Mathieu valeu a pena, o que é apaziguador. Ao contrário, o manifesto de Matilde mantém a atualidade que o dramaturgo queria que tivesse, percebendo-se que 1817 serve de alegoria da situação política à época da redação de Felizmente há luar!, o início dos anos sessenta do século XX.
Os dois enredos afastam-se, assim, mais no fecho (pós-catártico, o de Coristas; ainda em aberto, pedagogicamente duro, como convém ao teatro épico, o da peça de Sttau Monteiro) do que na ação em que se envolvem as personagens. Em ambas as intrigas o herói é alguém que vem de fora, um estrangeirado a afrontar um poder erigido sobre um preceituário tido como inquestionável. Os antagonistas de Gomes Freire de Andrade e de Mathieu — a tríade de governadores composta por Sousa, Beresford e Forjaz; o diretor do colégio Le Fond de l’Étang, Rachin — não se esquecem de alegar como indevida a novidade trazida por quem vem de fora — «Odeiam os Franceses e os Ingleses? Chamo estrangeirado ao Gomes Freire...» (p. 25) é o que, para desvalorizar Gomes Freire, diz Vicente, que começara por recordar ser Andrade general, logo um promotor das guerras de que todos deveriam estar fartos.
Em ambas as histórias a linha passional, não sendo o tópico fundamental, é útil ao eixo da luta contra o poder e a injustiça. No filme, há uma breve ilusão de namoro com a mãe de Morhange, que salienta o isolamento do pedagogo. Na peça, o isolamento e a impotência de Matilde tornam mais heroica e patética (isto é, geradora de piedade) a defesa apaixonada que faz do marido. Contudo, se, no início, como se diz numa das didascálias laterais (p. 120), «o amor intenso que unia Matilde a Gomes Freire explica[va] todas as suas reações», e «o mundo não passa[ri]a dum inimigo que os perseguia a ambos», à medida que se aproxima o final fica implícito que Matilde está mais consciente dos mecanismos perversos de que o exercício do poder se socorre.