Instruções para comentário comparado de filme e Felizmente há luar!
Regras
serão semelhantes às da tarefa de análise de canção/Memorial do Convento (ver de novo, se necessário, aqui). A
diferença está apenas nos dois termos usados para contraste no comentário-análise:
em vez de Memorial do Convento,
teremos agora Felizmente há luar!; em
vez de uma canção, teremos agora um filme.
Mantém-se
quase tudo o resto. Limites de palavras: de 500 a 700; necessidade de fazer algumas
(uma, duas ou três talvez) citações da peça, embora se dispensem, neste caso, citações
de falas do filme. O link a enviar é o do trailer (oficial) do filme — ponham-no
junto do comentário, dentro do documento em anexo portanto, e não no mail. O anexo pode intitular-se «Luar de Eleutério
do 12.º 0.ª». O meu mail é luisprista@netcabo.pt (se não agradecer, é que nada recebi).
Tentei
exemplo meu, que ponho a seguir:
Exemplo
Terei visto Os
Coristas (Les choristes) não
muito depois da sua estreia, que é de 2004. Lembro-me de que me fora
recomendado pela colega Maria Eugénia Cochofel — que, pouco depois, se
aposentaria — e que o vi no Quarteto — que, entretanto, desapareceria. Foi um
dos poucos filmes a que assisti numa sala de cinema nas últimas quatro décadas
e meia (desde adolescente que fujo dos cinemas por ver mal ao longe). Devo ter
comprado o DVD logo a seguir, porque em 2005-2006 já o passava em turmas do
oitavo ano.
Tinha razão quem mo sugeriu, é um filme que
emociona professores. Porém, não é essa face que recuperaria aqui, embora
possamos dizer que a adesão à figura do supervisor Clément Mathieu é semelhante
ao afeto que muitos sentirão pela figura de Matilde em Felizmente há luar!, num processo que implica revermo-nos em
personagens — derrotadas, mas com a consolação de se não terem conformado, não
terem pactuado com o que consideravam injusto — que admiramos por serem nossas
homólogas (de professores; de outras mulheres) e lhes reconhecermos capacidades,
comportamentos exemplares, que invejamos.
Com isto descubro já um ponto a discutir: se Clément
Mathieu, protagonista dos Coristas,
equivale a Matilde, a personagem que, na peça, vemos protagonizar a revolta, ou
a Gomes Freire de Andrade, que, não surgindo nunca em cena, assumimos ser o
herói de Felizmente há luar!. A ação
de Gomes Freire chega-nos intermediada pelas informações de outras personagens,
aliás nem sempre favoráveis, mas sobretudo através dos testemunhos da mulher,
Matilde, que intervém só no ato II. No filme, a voz é mesmo a de Mathieu, mas
só porque se trata de um segundo nível narrativo, um encaixe resultante de diário
deixado pelo professor e agora, no primeiro nível narrativo, lido por um antigo
aluno. Tanto em Felizmente há luar! como
nos Coristas o herói é recordado por alguém
a quem ele se dedicara. A solidão desesperada de Matilde nesse seu memorial ao
marido, já preso, não tem equivalente no aluno de Clément Mathieu: o olhar de Pierre
Morhange é de nostalgia e gratidão, enquanto vemos a mulher de Gomes Freire em
plena luta. Morhange tornou-se maestro, por isso ficamos a saber que o esforço
de Mathieu valeu a pena, o que é apaziguador. Ao contrário, o manifesto de
Matilde mantém a atualidade que o dramaturgo queria que tivesse, percebendo-se
que 1817 serve de alegoria da situação política à época da redação de Felizmente há luar!, o início dos anos
sessenta do século XX.
Os dois enredos afastam-se, assim, mais no fecho
(pós-catártico, o de Coristas; ainda em
aberto, pedagogicamente duro, como convém ao teatro épico, o da peça de Sttau
Monteiro) do que na ação em que se envolvem as personagens. Em ambas as
intrigas o herói é alguém que vem de fora, um estrangeirado a afrontar um poder
erigido sobre um preceituário tido como inquestionável. Os antagonistas de Gomes
Freire de Andrade e de Mathieu — a tríade de governadores composta por Sousa,
Beresford e Forjaz; o diretor do colégio Le Fond de l’Étang, Rachin — não se esquecem
de alegar como indevida a novidade trazida por quem vem de fora — «Odeiam os
Franceses e os Ingleses? Chamo estrangeirado ao Gomes Freire...» (p. 25) é o
que, para desvalorizar Gomes Freire, diz Vicente, que começara por recordar ser
Andrade general, logo um promotor das guerras de que todos deveriam estar
fartos.
Em ambas as histórias a linha passional, não
sendo o tópico fundamental, é útil ao eixo da luta contra o poder e a
injustiça. No filme, há uma breve ilusão de namoro com a mãe de Morhange, que salienta
o isolamento do pedagogo. Na peça, o isolamento e a impotência de Matilde tornam
mais heroica e patética (isto é, geradora de piedade) a defesa apaixonada que
faz do marido. Contudo, se, no início, como se diz numa das didascálias
laterais (p. 120), «o amor intenso que unia Matilde a Gomes Freire explica[va]
todas as suas reações», e «o mundo não passa[ri]a dum inimigo que os perseguia a
ambos», à medida que se aproxima o final fica implícito que Matilde está mais
consciente dos mecanismos perversos de que o exercício do poder se socorre.
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