Thursday, September 12, 2013

Cruz na porta da tabacaria!


Cruz na porta da tabacaria!

Quem morreu? O próprio Alves? Dou

Ao diabo o bem-star que trazia.

Desde ontem a cidade mudou.

 

Quem era? Ora, era quem eu via.

Todos os dias o via. Estou

Agora sem essa monotonia.

Desde ontem a cidade mudou.

 

Ele era o dono da tabacaria.

Um ponto de referência de quem sou.

Eu passava ali de noite e de dia.

Desde ontem a cidade mudou.

 

Meu coração tem pouca alegria,

Vejo que a morte está onde estou.

Taipais jazigo — tabacaria!

Desde ontem a cidade mudou.

 

Mas ao menos a ele, alguém o via,

Ele era fixo. Eu, porque vou,

Não falto; por mim ninguém diria.

Desde ontem a cidade mudou.

 

Fernando Pessoa, Poemas de Álvaro de Campos, série menor, edição de Cleonice Berardinelli, Lisboa, INCM, 1992