Sunday, September 16, 2012

Instruções


O objeto final a entregar em torno do(s) livro(s) lido(s) (cfr. tepecê da aula 19-20) é uma apreciação crítica gravada (escrita e lida por cada um). Este texto deverá ter mais de três minutos e menos de cinco (atenção, Sal, Tomi, Miguel M., etc.). Deve ser-me entregue logo que possível (e, desejavelmente, antes da última semana de aulas).

O ficheiro — a dar-me em aula ou a enviar por mail (mas evitando alojamentos em sites) — deverá ser de sufixo WMV ou equivalente (MP4, por exemplo). Embora em formato vídeo, será, no fundo, um registo áudio. O que haverá de imagem será uma única foto fixa, que incluirá a capa do(s) livro(s) ou aludirá ao momento de receção, da leitura, do livro. Se a passagem aos formatos vídeo puser problemas, creio que saberia eu colar uma digitalização da capa a um ficheiro WMA ou equivalente (imagino que os ficheiros de telemóvel sejam variadíssimos); mas era mais interessante que fossem também vocês a caprichar na imagem fixa que servirá de capa permanente.

Repetindo: não será um filme (embora o ficheiro final seja de filme), mas gravação de som com uma única imagem fixa. Esta fotografia pode ser inventiva e incluir outros elementos, mas tem de inserir a capa do livro. Não são aceitáveis imagens não originais (tiradas da net, por exemplo). Também o texto tem de ser rigorosamente vosso: é absolutamente proibido recorrer a trechos na net e também não aconselho pesquisas wikipédicas ou semelhantes.

A seguir, pus exemplo meu, tentado ontem. Sejam piedosos na sua avaliação, porém. Eu nunca falara para uma câmara de computador, estava a chover ruidosamente atrás de mim, tinha mordido a língua ou comido uma maçã verdíssima e, sobretudo, antecipava as críticas minuciosíssimas, e ironicíssimas, de quem eu sei muito bem.

O próprio texto não está exemplar. Creio que os vossos tenderão a ser menos memorialísticos, ainda que possam, ou devam até, fazer alusão aos contextos que enquadraram a leitura ou leituras. No entanto, como não têm tanto passado, não poderão ser tão evasivos — as minhas apreciações são demasiadas e demasiado genéricas — e acabarão decerto por se centrar mais na obra lida.

 

 

 

[Ponho a seguir o texto lido no clip em cima, mas apenas por curiosidade. No vosso caso, não me devem dar a versão escrita da apreciação crítica/experiência de livro(s) lido(s) que tiverem gravado.]

 

Primeiro, pensei escrever sobre um dos policiais que lera nos últimos tempos. Há uns meses tive uma fase Rubem Fonseca, em que li o que fui encontrando deste autor brasileiro. Já conhecia alguns dos livros só publicados no Brasil, também os saídos na Campo das Letras, do Porto, mas pus-me a ler os policiais editados agora pela Sextante, já com capas chamativas, talvez demasiado douradas.

O herói costuma ser Mandrake, um advogado femeeiro (digo «femeeiro» em vez de «mulherengo», porque a palavra soa mais ao estilo de Fonseca). Nada convencional, Mandrake conhece, e pratica, todas as técnicas dos malfeitores (que vai perseguindo mas com quem vai quase convivendo). Como são textos em português do Brasil, num registo contemporâneo e hiperrealista, pode parecer que estamos a lidar com uma língua que já não é nossa.

A última obra que li de Rubem Fonseca nem foi um policial, mas umas memórias de infância e juventude, José. Só que nenhum destes livros me convinha, porque os emprestara. Haverá aliás quem se vá ocupar deste escritor brasileiro, Prémio Camões em 2003, homenageado no último Correntes d’Escrita, o congresso que inclui o concurso para que os tenho procurado mobilizar.

Portanto, tinha de me socorrer de outro livro. O romance policial de que logo me lembrei foi O labirinto das azeitonas, de Eduardo Mendoza, um catalão que também lhes recomendo muito.

A cidade dos prodígios, que estará para Barcelona como Os Maias para Lisboa, é talvez a obra mais conhecida de Mendoza. Quanto aos seus policiais, são sobretudo uma paródia do género policial. O protagonista é um louco, temporariamente escapado do manicómio, que resolve os casos acrescentando-lhes outros crimes pelo meio. De novo, me faltava ter o livro comigo, pelo que havia que escolher ainda outro escritor.

De imediato pensei em Manuel Vázquez Montalbán, por ser também catalão. O herói dos policiais de Montalbán é Pepe Carvalho, detetive privado e, salvo erro, gastrónomo requintado. Já recordo mal a série de Carvalho, que li quando teria uns vinte anos. Lembro-me que por essa altura o Expresso publicou, em folhetim, o romance Nos Mares do Sul. Depois é que passei ao resto da obra de Vázquez Montalbán. Em todo o caso o exemplar de Nos Mares do Sul também o levara para a escola.

Enfim, faltando-me já cerca de um minuto e para me confinar a policiais, decido-me a escolher um Maigret. O Comissário Maigret é a personagem de boa parte dos livros de Georges Simenon, um escritor belga prolífico. Pelos catorze ou quinze anos li tudo o que podia encontrar da coleção de Maigret.

Nos anos setenta, uma série de televisão francesa adaptou muitas desses romances. Já não sei se foi a televisão que levou a que as minhas leituras de férias passassem a ser os policiais de Simenon, à razão de um por dia ou pouco mais. Como não havia assim tantos traduzidos em português — havia os da coleção Vampiro e os de uma coleção própria da Bertrand —, fui lendo os Maigret também em francês. É provável que o conhecimento de algum episódio da televisão fosse anterior à primeira leitura em papel, porque o retrato que me ficou da personagem está muito influenciado pelo ator (Jean Richard ou coisa que o valha). E, no entanto, nos livros a personagem do comissário é bem mais interessante.

O Maigret de Simenon é pacato, vagamente bonacheirão, doméstico, um parisiense comum, uma personagem mais redonda do que a ficou na televisão. No filme — ou numa das séries, porque houve várias —, acentuaram-se-lhe os traços ligados à capacidade de descobrir o criminoso, tornando-se o comissário mais proficiente, mais racional, mais formal, do que Simenon quisera que fosse. A personagem ficou plana, previsível.

Na televisão, Maigret é mais herói, embora de temperamento reservado. Desde o início de cada episódio, inferimos que já estará a chegar à solução do crime, por ser mais inteligente do que nós. Ao contrário, nos livros, o comissário é tão cinzento como qualquer um.

Na verdade, os policiais de Simenon focam-se em lugares (um bairro de Paris, uma aldeola da Normandia ou um porto sempre sob nevoeiro). Não encontramos neles grandes artifícios de intriga nem brilhantes deduções de detetive. O que interessa é a paisagem e o retrato social.

Pensando bem, para mim, os policiais de Simenon eram livros de viagem. O que neles atraía eram os ambientes. Poder fingir que passava por uma das comportas dos canais franceses, que estava por um dia numa cidade da Alsácia ou que entrava num bistrô de Paris para petiscar antes do almoço. Era isso que eu queria.