Aula 33R-33
Aula 33R-33 (3 [1.ª], 4/out [3.ª]) No exame nacional deste ano (2.ª fase),
o grupo I incluía uma parte A com Camões
lírico, as três perguntas que reproduzo em baixo. (A parte B
deste grupo I usava um texto de prosa, não do «programa». A parte C era
a pergunta sobre a dor humana dos que trabalham em «O Sentimento dum
Ocidental», de Cesário Verde, que fizemos há dias.)
Parte A
Leia o
soneto e as notas.
Correm turvas as águas
deste rio,
que as
do Céu e as do monte as enturbaram1;
os
campos florecidos se secaram,
intratável2
se fez o vale, e frio.
Passou o
verão, passou o ardente estio3,
ũas
cousas por outras se trocaram;
os
fementidos4 Fados já deixaram
do mundo
o regimento5, ou desvario6.
Tem o
tempo sua ordem já sabida;
o mundo,
não; mas anda tão confuso,
que
parece que dele Deus se esquece.
Casos,
opiniões, natura7 e uso
fazem
que nos pareça desta vida
que não
há nela mais que o que parece.
Luís de Camões, Rimas,
edição de Álvaro J. da Costa Pimpão, Coimbra, Almedina, 1994, p. 168.
NOTAS
1 enturbaram
– tornaram turvas. || 2 intratável – inacessível; intransitável. || 3 estio
– tempo quente e seco. || 4 fementidos – enganosos. || 5 regimento
– governo. || 6 desvario – loucura; inquietação; excesso. || 7 natura
– natureza humana.
1. Explique o modo como a
passagem do tempo é representada nas duas primeiras estrofes.
[ Dos critérios de
correção:
Para que a resposta seja
considerada adequada, devem ser abordados dois dos tópicos seguintes, ou outros
igualmente relevantes:
‒ a referência à sequência
das estações do ano através da caracterização de elementos da natureza (em
«Correm turvas as águas deste rio, / que as do Céu e as do monte as enturbaram»
– vv. 1-2, remete‑se para o inverno; em «os campos florecidos» – v. 3,
aponta-se para a primavera; em «os campos [...] se secaram» – v. 3, indicia-se
o verão; em «intratável se fez o vale, e frio» – v. 4, sugere-se o outono);
‒ a referência aos efeitos
que a passagem do tempo provoca na natureza/a referência às transformações
ocorridas na natureza resultantes da passagem inevitável do tempo (como o
turvar das águas do rio ou o secar dos campos florescidos);
‒ a associação entre a
passagem do tempo e a ideia de mudança, evidente no recurso aos verbos «passar»
e «trocar» (vv. 5-6). ]
[Lineariza a resposta, aproveitando os tópicos dados no cenário de
resposta (bastam dois).]
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2. «Tem o tempo sua ordem já
sabida; / o mundo, não» (versos 9 e 10). Explicite a oposição presente nestes
versos, tendo em conta a globalidade do poema.
[ Devem ser abordados
os tópicos seguintes, ou outros igualmente relevantes:
‒ a previsibilidade/a constância
natural da passagem do tempo, evidenciada pelo ritmo cíclico das estações do
ano;
‒ a imprevisibilidade da
natureza humana/dos comportamentos humanos, provocando tal desconcerto no mundo
que «parece que dele Deus se esquece» (v. 11). ]
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3. Selecione a opção de
resposta adequada para completar as afirmações abaixo apresentadas.
Neste soneto, além do tema
da mudança, também se destaca o tema ......................... . Perante a
realidade que perceciona, o sujeito poético evidencia um sentimento de
.......................... .
(A) da reflexão sobre a
vida pessoal … indiferença
(B) da
reflexão sobre a vida pessoal … descrença
(C) do
desconcerto … indiferença
(D) do
desconcerto … descrença
Finalmente, o
soneto «Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades».
Mudam-se
os tempos, mudam-se as vontades,
muda-se o
ser, muda-se a confiança;
todo o
mundo é composto de mudança,
tomando
sempre novas qualidades.
Continuamente
vemos novidades,
diferentes
em tudo da esperança;
do mal
ficam as mágoas na lembrança,
e do bem
(se algum houve), as saudades.
O tempo
cobre o chão de verde manto,
que já
coberto foi de neve fria,
e, em
mim, converte em choro o doce canto.
E, afora
este mudar-se cada dia,
outra
mudança faz de mor espanto:
que não
se muda já como soía.
Luís de Camões
Resolve este
item (que copio do manual Mensagens, 10.º ano).
Classifica as
informações como verdadeiras (V) ou
falsas (F). Despreza as falsas,
olhando para elas com olhar altivo e arrogante.
a) A mudança opera-se no mundo, nos sentimentos,
na natureza e no eu e só na natureza é que ela se realiza de forma positiva.
b)
O sujeito poético tem uma
visão positiva da mudança.
c) A mudança regular recai sobre tudo (boa
ou má), mas a mudança excecional é mudança da própria mudança.
d) Este poema reflete a influência dos
autores medievais, tanto na temática abordada (a mudança) como na forma
(soneto).
Comenta o filme Dia triunfal,
salientando como ele reelabora o que sabemos acerca do «verdadeiro» dia
triunfal da criação dos heterónimos.
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Poemas de Último a sair
Roberto Leal
A vida é como um rio que
desagua para o mar, que é a poesia.
Pelas mãos de minha
mãezinha
Andei nos tempos então;
Hoje, como está velhinha,
É ela que anda p’la minha
E faz a minha obrigação.
Endoscopia
da alma
O meu peito é feito de luz
e brilho
E ontem encontrei um sinal
nas costas.
Ninguém sabia se era
maligno,
Começou tudo a fazer
apostas.
A minha alma estava doente
E as minhas costas, não.
Ai que feliz de mim
E qualquer coisa que rime
com ão.
Luciana Abreu
Havia uma velha na rua a
correr
Com uma lata no cu a bater.
Quanto mais a velha corria,
Mais a lata no cu lhe batia.
Feijoada
de ternura
Estava eu a apanhar sol,
Estavas tu no sol a
apanhar.
Veio chuva e veio o sol
Estavas tua na chuva a
apanhar
Se eu soubesse o que sei
hoje,
Talvez tivesse vindo mais
cedo.
Assim, não vim mais cedo,
E fiquei a fazer a feijoada
de ternura.
Bruno Nogueira
Gosto da minha mãe.
Ganso daltónico
Ai, um ganso daltónico,
Ai, um ganso pateta,
Porque és daltónico,
Meu ganso pateta?
Se Albufeira é assim um bocado nhnhrhhihn,
Matei uma criança cheia de sarampo
E enterrei-a ao lado do primo Joel.
Este bife está mal passado, sr. Antunes,
E o robalo não está fresco, seu ganso daltónico.
Neste episódio de Último a sair, os poemas escritos pelas personagens (sim, são
personagens: os atores estão a representar uma personagem que foi criada para
fingir corresponder a eles mesmos mas que é obviamente fictícia) parodiam a má
poesia. Porém, algumas das características escolhidas para construir esta
caricatura da poesia são comuns a características encontráveis quer na boa
poesia realista quer no modernismo. Num comentário breve, aproxima certas
características de poemas (ou de algum dos poemas) de Último a sair da
escrita de Álvaro de Campos.
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[Solução possível:
É sobretudo no poema de Bruno Nogueira que
vemos características que nos recordam o estilo de Álvaro de Campos.
Interjeições («Ai»), apóstrofes surpreendentes («seu ganso daltónico», «meu
ganso pateta»), a sequência onomatopaica «nhnhrhhihn» a funcionar como adjetivo
assemelham-se a recursos estilísticos encontráveis nas odes
futuristas-sensacionistas.
A inclusão de trechos de diálogos soltos
(«Este bife está mal passado, sr. Antunes») e a inserção de topónimos
(«Albufeira») e antropónimos («Joel», «Antunes») servem para explicitar
episódios do quotidiano que não se afastam muito dos incidentes, narrativos,
que vemos no Campos intimista-abúlico (cfr. «Aniversário», «Datilografia»,
«Ao volante do Chevrolet pela estrada de Sintra»).
A menção realista de alimentos (o robalo
pouco fresco, o bife mal passado) é um pormenor que nos pode remeter para
«Dobrada à moda do Porto» — a que talvez aluda a «Feijoada de ternura», de Luciana
Abreu.
Certa escatologia no dístico «Matei uma
criança cheia de sarampo / E enterrei-a ao lado primo Joel» é aproximável de
frases prosaicas e inesperadas que pontuam poemas de Campos — a mesma crueza e
aproveitamento de léxico não poético surge aliás em «Endoscopia da alma», de
Leal, ou na velha descrita por Luciana.]
Classifica quanto à função sintática os
segmentos sublinhados
Antes Dela [aliás, porque não pode haver contração: de
ela] Dizer Que Sim (Bárbara Tinoco)
Ele não sabe o nome
dela
Tem medo de perguntar
Ela é como atriz de
novela ________
Que ele gosta de ver
sonhar
Ela não sabe o nome
dele
Tem medo de perguntar
E, se as promessas
coradas ________
Foram bebida a falar,
E ele não contou
Mas ela não escondeu
Com quem a noite passou, _______
Jura ela o seu Romeu
Ele quer mais
Ela também
Talvez por isso nesse
dia
Ele foi vê-la à luz
do dia _______
Ele gosta das formas
dela _______
E ela diz que ele tem
bom ar
O mundo finge não
saber _______
Que ele não é rapaz de
fiar
Ela tem um novo sorriso
Mas medo de o
partilhar _______
Ele gosta mais do que é
preciso
De a desafiar
Ele, que sabia
de cor _______
As moças mais fáceis,
Engates mais rascas;
Ela, que ficava em
casa fechada ________
Com medo de ser
Só mais um rabo de
saias;
Ele agora diz que a
ama, ________
Dormem juntos só a
dormir
Gosta dela de pijama
E ela de o corrigir…
Ela agora diz que o ama,
Dormem juntos só a dormir,
Gosta dele desarmado,
E ele de a ver despir.
E as velhinhas, na cidade,
Sussuram no meu tempo não era
assim,
Oh onde já se viu dois enamorados,
Com cara de parvos,
Antes de ela dizer que sim.
Mas ele ainda se lembra,
De descer aquelas escadas,
Ganhar coragem, perguntar,
E como raio tu te chamas.
Ela fingiu-se de irritada,
Ofendida pela trama, _______
Reuniu coragem para o amar, _______
Perguntou e tu como raio te chamas.
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