Thursday, September 09, 2021

Aula 33R-33

Aula 33R-33 (3 [1.ª], 4/out [3.ª]) No exame nacional deste ano (2.ª fase), o grupo I incluía uma parte A com Camões lírico, as três perguntas que reproduzo em baixo. (A parte B deste grupo I usava um texto de prosa, não do «programa». A parte C era a pergunta sobre a dor humana dos que trabalham em «O Sentimento dum Ocidental», de Cesário Verde, que fizemos há dias.)

Parte A

Leia o soneto e as notas.

Correm turvas as águas deste rio,

que as do Céu e as do monte as enturbaram1;

os campos florecidos se secaram,

intratável2 se fez o vale, e frio.

 

Passou o verão, passou o ardente estio3,

ũas cousas por outras se trocaram;

os fementidos4 Fados já deixaram

do mundo o regimento5, ou desvario6.

 

Tem o tempo sua ordem já sabida;

o mundo, não; mas anda tão confuso,

que parece que dele Deus se esquece.

 

Casos, opiniões, natura7 e uso

fazem que nos pareça desta vida

que não há nela mais que o que parece.

Luís de Camões, Rimas, edição de Álvaro J. da Costa Pimpão, Coimbra, Almedina, 1994, p. 168.

NOTAS

1 enturbaram – tornaram turvas. || 2 intratável – inacessível; intransitável. || 3 estio – tempo quente e seco. || 4 fementidos – enganosos. || 5 regimento – governo. || 6 desvario – loucura; inquietação; excesso. || 7 natura – natureza humana.

1. Explique o modo como a passagem do tempo é representada nas duas primeiras estrofes.

[ Dos critérios de correção:

Para que a resposta seja considerada adequada, devem ser abordados dois dos tópicos seguintes, ou outros igualmente relevantes:

  a referência à sequência das estações do ano através da caracterização de elementos da natureza (em «Correm turvas as águas deste rio, / que as do Céu e as do monte as enturbaram» – vv. 1-2, remete‑se para o inverno; em «os campos florecidos» – v. 3, aponta-se para a primavera; em «os campos [...] se secaram» – v. 3, indicia-se o verão; em «intratável se fez o vale, e frio» – v. 4, sugere-se o outono);

  a referência aos efeitos que a passagem do tempo provoca na natureza/a referência às transformações ocorridas na natureza resultantes da passagem inevitável do tempo (como o turvar das águas do rio ou o secar dos campos florescidos);

  a associação entre a passagem do tempo e a ideia de mudança, evidente no recurso aos verbos «passar» e «trocar» (vv. 5-6). ]

[Lineariza a resposta, aproveitando os tópicos dados no cenário de resposta (bastam dois).]

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2. «Tem o tempo sua ordem já sabida; / o mundo, não» (versos 9 e 10). Explicite a oposição presente nestes versos, tendo em conta a globalidade do poema.

[ Devem ser abordados os tópicos seguintes, ou outros igualmente relevantes:

  a previsibilidade/a constância natural da passagem do tempo, evidenciada pelo ritmo cíclico das estações do ano;

  a imprevisibilidade da natureza humana/dos comportamentos humanos, provocando tal desconcerto no mundo que «parece que dele Deus se esquece» (v. 11). ]

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3. Selecione a opção de resposta adequada para completar as afirmações abaixo apresentadas.

Neste soneto, além do tema da mudança, também se destaca o tema ......................... . Perante a realidade que perceciona, o sujeito poético evidencia um sentimento de .......................... .

(A) da reflexão sobre a vida pessoal … indiferença

(B) da reflexão sobre a vida pessoal … descrença

(C) do desconcerto … indiferença

(D) do desconcerto … descrença

Finalmente, o soneto «Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades».

 

Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,

muda-se o ser, muda-se a confiança;

todo o mundo é composto de mudança,

tomando sempre novas qualidades.

 

Continuamente vemos novidades,

diferentes em tudo da esperança;

do mal ficam as mágoas na lembrança,

e do bem (se algum houve), as saudades.

 

O tempo cobre o chão de verde manto,

que já coberto foi de neve fria,

e, em mim, converte em choro o doce canto.

 

E, afora este mudar-se cada dia,

outra mudança faz de mor espanto:

que não se muda já como soía.

Luís de Camões

Resolve este item (que copio do manual Mensagens, 10.º ano).

Classifica as informações como verdadeiras (V) ou falsas (F). Despreza as falsas, olhando para elas com olhar altivo e arrogante.

a) A mudança opera-se no mundo, nos sentimentos, na natureza e no eu e só na natureza é que ela se realiza de forma positiva.

b) O sujeito poético tem uma visão positiva da mudança.

c) A mudança regular recai sobre tudo (boa ou má), mas a mudança excecional é mudança da própria mudança.

d) Este poema reflete a influência dos autores medievais, tanto na temática abordada (a mudança) como na forma (soneto).

Comenta o filme Dia triunfal, salientando como ele reelabora o que sabemos acerca do «verdadeiro» dia triunfal da criação dos heterónimos.

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Poemas de Último a sair

Roberto Leal

A vida é como um rio que desagua para o mar, que é a poesia.

 

Pelas mãos de minha mãezinha

Andei nos tempos então;

Hoje, como está velhinha,

É ela que anda p’la minha

E faz a minha obrigação.

 

Endoscopia da alma

O meu peito é feito de luz e brilho

E ontem encontrei um sinal nas costas.

Ninguém sabia se era maligno,

Começou tudo a fazer apostas.

 

A minha alma estava doente

E as minhas costas, não.

Ai que feliz de mim

E qualquer coisa que rime com ão.

 

Luciana Abreu

Havia uma velha na rua a correr

Com uma lata no cu a bater.

Quanto mais a velha corria,

Mais a lata no cu lhe batia.

 

Feijoada de ternura

Estava eu a apanhar sol,

Estavas tu no sol a apanhar.

Veio chuva e veio o sol

Estavas tua na chuva a apanhar

 

Se eu soubesse o que sei hoje,

Talvez tivesse vindo mais cedo.

Assim, não vim mais cedo,

E fiquei a fazer a feijoada de ternura.

 

Bruno Nogueira

Gosto da minha mãe.

 

Ganso daltónico

Ai, um ganso daltónico,

Ai, um ganso pateta,

Porque és daltónico,

Meu ganso pateta?

 

Se Albufeira é assim um bocado nhnhrhhihn,

Matei uma criança cheia de sarampo

E enterrei-a ao lado do primo Joel.

 

Este bife está mal passado, sr. Antunes,

E o robalo não está fresco, seu ganso daltónico.

Neste episódio de Último a sair, os poemas escritos pelas personagens (sim, são personagens: os atores estão a representar uma personagem que foi criada para fingir corresponder a eles mesmos mas que é obviamente fictícia) parodiam a má poesia. Porém, algumas das características escolhidas para construir esta caricatura da poesia são comuns a características encontráveis quer na boa poesia realista quer no modernismo. Num comentário breve, aproxima certas características de poemas (ou de algum dos poemas) de Último a sair da escrita de Álvaro de Campos.

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[Solução possível:

É sobretudo no poema de Bruno Nogueira que vemos características que nos recordam o estilo de Álvaro de Campos. Interjeições («Ai»), apóstrofes surpreendentes («seu ganso daltónico», «meu ganso pateta»), a sequência onomatopaica «nhnhrhhihn» a funcionar como adjetivo assemelham-se a recursos estilísticos encontráveis nas odes futuristas-sensacionistas.

A inclusão de trechos de diálogos soltos («Este bife está mal passado, sr. Antunes») e a inserção de topónimos («Albufeira») e antropónimos («Joel», «Antunes») servem para explicitar episódios do quotidiano que não se afastam muito dos incidentes, narrativos, que vemos no Campos intimista-abúlico (cfr. «Aniversário», «Datilografia», «Ao volante do Chevrolet pela estrada de Sintra»).

A menção realista de alimentos (o robalo pouco fresco, o bife mal passado) é um pormenor que nos pode remeter para «Dobrada à moda do Porto» — a que talvez aluda a «Feijoada de ternura», de Luciana Abreu.

Certa escatologia no dístico «Matei uma criança cheia de sarampo / E enterrei-a ao lado primo Joel» é aproximável de frases prosaicas e inesperadas que pontuam poemas de Campos — a mesma crueza e aproveitamento de léxico não poético surge aliás em «Endoscopia da alma», de Leal, ou na velha descrita por Luciana.]

Classifica quanto à função sintática os segmentos sublinhados

Antes Dela [aliás, porque não pode haver contração: de ela] Dizer Que Sim (Bárbara Tinoco)

Ele não sabe o nome dela

Tem medo de perguntar

Ela é como atriz de novela ________

Que ele gosta de ver sonhar

 

Ela não sabe o nome dele

Tem medo de perguntar

E, se as promessas coradas              ________

Foram bebida a falar,

 

E ele não contou

Mas ela não escondeu

Com quem a noite passou, _______

Jura ela o seu Romeu

 

Ele quer mais

Ela também

Talvez por isso nesse dia

Ele foi vê-la à luz do dia     _______

 

Ele gosta das formas dela  _______

E ela diz que ele tem bom ar

O mundo finge não saber  _______

Que ele não é rapaz de fiar

 

Ela tem um novo sorriso

Mas medo de o partilhar    _______

Ele gosta mais do que é preciso

De a desafiar

 

Ele, que sabia de cor          _______

As moças mais fáceis,

Engates mais rascas;

 

Ela, que ficava em casa fechada       ________

Com medo de ser

Só mais um rabo de saias;

 

Ele agora diz que a ama,    ________

Dormem juntos só a dormir

Gosta dela de pijama

E ela de o corrigir…

Ela agora diz que o ama,

Dormem juntos só a dormir,

Gosta dele desarmado,

E ele de a ver despir.

 

E as velhinhas, na cidade,

Sussuram no meu tempo não era assim,

Oh onde já se viu dois enamorados,

Com cara de parvos,

Antes de ela dizer que sim.

 

Mas ele ainda se lembra,

De descer aquelas escadas,

Ganhar coragem, perguntar,

E como raio tu te chamas.

Ela fingiu-se de irritada,

Ofendida pela trama,         _______

Reuniu coragem para o amar,         _______

Perguntou e tu como raio te chamas.

 

 

 

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