Aula cxxiii-cxxiv
Aula cxxiii-cxxiv (9 [1.ª], 11/jun [4.ª]) Este assunto é de gramática mas também
respeita ao estilo de Eça de Queirós, já que o discurso indireto livre
é uma sua característica muito notória. Para já, passa um trecho de Os Maias (cap. II) que está em discurso
direto para discurso indireto:
Discurso
direto
— Mas para onde fugiram,
Pedro? Que sabes tu, filho? Não é só chorar...
— Não sei nada — respondeu
Pedro num longo esforço. — Sei que fugiu. Eu saí de Lisboa na segunda-feira.
Nessa mesma noite, ela partiu de casa numa carruagem, com uma maleta, o cofre
de joias, uma criada italiana que tinha agora, e a pequena. Disse à governanta
e à ama do pequeno que ia ter comigo. Elas estranharam, mas que haviam de
dizer?... Quando voltei, achei esta carta.
Discurso indireto
Afonso perguntou ______
para onde ___________. Perguntou _____ que ______ e disse que não era só [ou não bastava] chorar.
Num longo esforço Pedro __________ e acrescentou que
______ que ela _______. Disse também que ele saíra de Lisboa na segunda-feira e
que, ____________ noite, ela partira de casa numa carruagem, com uma maleta, o
cofre de joias, uma criada italiana que tinha ___________________, e a pequena.
Pedro relatou depois que Maria __________ à governanta e à ama do filho que ia
ter _________ e que elas ____________. Exclamou que não poderiam ter dito outra
coisa e disse que, quando _______, tinha achado _______ carta.
Sintetizemos
as alterações (incluindo também as que não calhou serem necessárias) que
decorrem na passagem do discurso direto
a discurso indireto:
Travessão ou dois pontos (a delimitarem verbo de
elocução) dão lugar a conjunção subordinativa completiva |
Eg «— respondeu Pedro» >
«Pedro
respondeu _____ [...]» |
Vocativo
passa a Complemento indireto |
Eg «Pedro» > «_____» |
Trocas
de tempo (se o verbo introdutor estiver no Pretérito Perfeito) |
Presente
> ______; Perfeito
> _____; Futuro > Condicional;
Imperativo > Conjuntivo |
Trocas de pessoa (se o verbo introdutor estiver na 3.ª pessoa) |
1.ª,
2.ª > ____ |
Trocas
de deíticos |
ontem
> na véspera; hoje > naquele dia; amanhã > no dia seguinte; aqui
> ___; cá > lá; este/esse > aquele; isto/isso > ______ |
Acomodações
(mas só as imprescindíveis) de eventuais marcas de oralidade |
Eg «Não é só chorar...» talvez
pudesse ficar «não bastava chorar» |
Repara agora como ficaria
o mesmo passo em Discurso indireto livre:
Mas para
onde tinham fugido? Que sabia ele? Não era só chorar...
Pedro não sabia nada.
Sabia que ela fugira. Ele saíra de Lisboa na segunda-feira. Nessa mesma noite,
ela partira de casa numa carruagem, com uma maleta, o cofre de joias, uma criada
italiana que tinha agora, e a pequena. Dissera à governanta e à ama do pequeno
que ia ter com ele. Elas tinham estranhado, mas que haviam de dizer?... Quando
voltara, achara aquela carta.
No discurso indireto livre,
o narrador relata as falas das personagens quase que as reproduzindo literalmente
mas sem fronteira com a sua própria voz. Omite-se o verbo introdutor e conservam-se
marcas de oralidade (interjeições, pontuação expressiva). Relativamente ao
discurso direto, a diferença é que, tal como no discurso indireto comum, no indireto
livre os tempos verbais mudam.
(No manual, esta matéria está nas pp. 274-275 e 389-391.)
Seguem-se dois
passos de Os Maias que abordam diferentes
modelos de educação: a de Pedro (romântica) e a de Carlos. O segundo também
está em «A educação à inglesa» (manual, p. 257).
[cap. I]
Odiando
tudo o que fosse inglês, não consentira que seu filho, o Pedrinho, fosse
estudar ao colégio de Richmond. Debalde Afonso lhe provou que era um colégio
católico. Não queria: aquele catolicismo sem romarias, sem fogueiras pelo S.
João, sem imagens do Senhor dos Passos, sem frades nas ruas — não lhe parecia a
religião. A alma do seu Pedrinho não abandonaria
ela à heresia; — e para o educar mandou vir de Lisboa o padre Vasques, capelão
do conde de Runa.
O
Vasques ensinava-lhe as declinações latinas, sobretudo a
cartilha: e a face de Afonso da Maia cobria-se de
tristeza, quando, ao voltar de alguma caçada ou das ruas de Londres, de entre o
forte rumor da vida livre — ouvia no quarto dos estudos a voz dormente do
reverendo, perguntando como do fundo de uma treva:
— Quantos
são os inimigos da alma?
E
o pequeno, mais dormente, lá ia murmurando:
—
Três. Mundo, Diabo e Carne...
Pobre
Pedrinho! Inimigo da sua alma só havia ali o reverendo Vasques, obeso e sórdido,
arrotando do fundo da sua poltrona, com o lenço do rapé sobre o joelho...
Neste
primeiro trecho, relativo à educação de Pedro, há duas ou três linhas que podem
exemplificar o discurso indireto livre.
Sublinha-as.
No trecho seguinte, já do
cap. III, com a ida de Vilaça a Santa Olávia, que testemunha a educação de
Carlos (contrastada com a de Eusebiozinho, que, no fundo, replicava a que
seguira o pai de Carlos), temos todo um parágrafo em discurso indireto livre, o
{circunda a melhor opção} primeiro /
segundo / terceiro /nonagésimo segundo.
[cap. III]
Vilaça, sem óculos, um
pouco arrepiado, passava a ponta da toalha molhada pelo pescoço, por trás da
orelha, e ia dizendo:
—
Então o nosso Carlinhos não gosta de esperar, hem? Já se sabe, é ele quem
governa... Mimos e mais mimos, naturalmente...
Mas o Teixeira, muito
grave, muito sério, desiludiu o senhor administrador. Mimos e mais mimos, dizia
Sua Senhoria? Coitadinho dele, que tinha sido educado com uma vara de ferro! Se
ele fosse a contar ao sr. Vilaça! Não tinha a criança cinco anos já dormia num
quarto só, sem lamparina; e todas as manhãs, zás, para dentro de uma tina de
água fria, às vezes a gear lá fora... E outras barbaridades. Se não se soubesse
a grande paixão do avô pela criança, havia de se dizer que a queria morta. Deus
lhe perdoe, ele, Teixeira, chegara a pensá-lo... Mas não, parece que era
sistema inglês! Deixava-o correr, cair, trepar às
árvores, molhar-se, apanhar soalheiras, como um filho de caseiro. E
depois o rigor com as comidas! Só a certas horas e de certas coisas... E às
vezes a criancinha, com os olhos abertos, a aguar! Muita, muita dureza.
Para nos apercebermos das características desta maneira de reproduzir o
diálogo —em discurso indireto livre
—, completa com o que lhe corresponderia nos outros modos de reprodução do discurso
no discurso:
Discurso
direto
—
_____ Senhoria, ____ «mimos e mais mimos»? Coitadinho dele, que ________ com
uma vara de ferro! ___________! Não tinha a criança cinco anos já dormia num
quarto só, sem lamparina; e todas as manhãs, zás, para dentro de uma tina de
água fria, às vezes a gear lá fora... E outras barbaridades. Se não se soubesse
a grande paixão do avô pela criança, havia de se dizer que a queria morta. Deus
___________... Mas não, parece que ____ o sistema inglês. ________ correr, cair,
trepar às árvores, molhar-se, apanhar soalheiras, como um filho de caseiro. E
depois o rigor com as comidas! Só a certas horas e de certas coisas... E às
vezes a criancinha, com os olhos abertos, a aguar! Muita, muita dureza. —
desiludiu o Teixeira, muito grave, muito sério, __________.
Discurso indireto
Mas o Teixeira,
muito grave, muito sério, desiludiu Vilaça, retorquindo-lhe que Carlos não era
mimado e que o coitado _______ com uma vara de ferro. Disse ainda que se . . .
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . {basta até aqui}
Malèna
(Giuseppe Tornatore) |
Os Maias
(Eça de Queirós) |
A Ilustre Casa de Ramires
(Eça de Queirós) |
|
Tempo — tempo
da história vs. tempo do discurso |
|
O tempo da diegese (isto é, o tempo da história, o tempo das
acontecimentos narrados) está bem ______. O narrador-protagonista refere que
se lembra bem da data por que vai começar, o dia em que estreou uma
bicicleta, na Primavera de 1940, aos doze anos e meio. E é um acontecimento
histórico que permite situar o exato começo da ação: nessa mesma data, o Duce (Mussolini) anunciava a entrada
da Itália na guerra (a Segunda Grande Guerra). Com efeito, em Malena o contexto histórico tem uma função enquadradora importante. O tempo da história corresponde aos
anos que dura a guerra, cuja evolução vai aliás influenciar os acontecimentos
que nos são «narrados». O fim do filme coincide com o recomeço da vida
normal, uma vez terminada a guerra. Esses cinco anos encerram a paixão de que
trata o filme. (Além das incidências da guerra, também as fitas de cinema que
o adolescente revê em sonhos constituem uma moldura contextualizadora.)
Sabemos que o tempo do discurso
vai até mais longe, já que o narrador compara aquele seu amor com todos os
outros que depois teve, pelo que percebemos que o tempo da enunciação é o de um adulto com vida longa, que virá até
próximo do nosso ______. |
Nos Maias, quando o cap. I começa, estamos
em 1875 e, durante umas páginas, descreve-se-nos o Ramalhete. Ainda durante o
cap. I e até ao IV, vamos ter uma _______ que nos dá a história da família
entre 1820 a 1875 (juventude, exílio e casamento de Afonso; infância de Pedro
em Inglaterra, regresso a Benfica, suicídio de Pedro; infância e educação de
Carlos — um dia de abril em Santa Olávia ocupa quase todo o capítulo III —,
estudos em Coimbra; viagem pela Europa). Os capítulos IV a XVII são o miolo
da narrativa, incluindo a ação da _____ principal, 1875-1876. No início do
capítulo XVIII, vários anos são-nos dados em sumário, de umas três páginas (Carlos e Ega a viajarem, em1877, e
o regresso de Ega a Lisboa); e, depois de uma elipse que nos coloca em 1886-1887, temos algumas horas apenas de
Carlos regressado a Lisboa dadas em todo o resto do capítulo. Em suma, o discurso não cumpre a ordem temporal da história (dada a analepse nos três primeiros capítulos) e também
não é proporcional, em termos de duração
(há resumos, elipses, resumos-elipses
— «Mas esse ano passou, outros anos passaram» (início do cap. III); «E esse
ano passou. [...] Outros anos passaram» (cap. XVIII) — decerto muitos
momentos de pausa, em que o tempo
da história é «menor» do que o do discurso, como sucede na _____ inicial do
Ramalhete), embora também haja isocronias
(as várias cenas dialogadas). O tempo
da história corresponde a cerca de setenta anos (o tempo do discurso, se quisermos, ao total de páginas de cada
edição). |
Na Ilustre Casa de Ramires, se não
considerarmos o tempo da novela ____ encaixada, tudo se passa quase segundo a
ordem da diegese (se também
descartarmos, ainda no capítulo I, a analepse
em que se nos dá, em relativo resumo,
o passado de Gonçalo e da família). Quanto à relação discurso/história em
termos de duração, temos de
assinalar, no início do cap. XII, uma elipse
de quatro anos («Quatro anos passaram ligeiros e leves sobre a velha Torre,
como voos de ave»), que antecede o ______ que constitui todo esse último
capítulo. Entretanto, a novela histórica e todas as alusões aos ascendentes
de Gonçalo implicam recuos diversos, pontuais, sobretudo ao século XII. |
TPC
— No Caderno de atividades, as pp.
34-35 trazem uma ficha sobre ‘Reprodução do discurso no discurso’ (incluindo, é
claro, o discurso indireto livre). No manual, as pp. 389-391 são ainda melhores.
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