Frei Luís de Sousa & canção pelo 11.º 5.ª
Alexandre
Escolher uma só música para descrever uma
peça inteira é difícil, mas, para mim, uma das que mais se adequam a Frei Luís
de Sousa é a do Elton John “I’m still standing”. Em primeiro lugar, o título da
música (que também é grande parte do refrão) “I’m still standing”, que
significa “Ainda estou de pé”, utilizá-lo-ia para descrever a situação do
romeiro, João de Portugal. “Ainda estou de pé” também poderia significar “ainda
estou vivo” pois João de Portugal, julgado morto por toda a gente, volta vivo.
A quantidade de vezes que esta frase é repetida na música pode também
representar a quantidade de anos durante os quais Madalena acreditou João de
Portugal estar vivo, a quantidade de mensageiros que ela enviou para o
encontrar: Sabeis como chorei a sua perda, como respeitei a sua memória, como
durante sete anos, incrédula a tantas provas e testemunhas da sua morte, o fiz
procurar por essas costas de Berberia, por todas as séjanas, de Fez a Marrocos,
por todos quantos aduares de alarves aí houve…”.
O verso “Well look at me, I’m coming back
again”, ou seja, “Bem, olha para mim, estou de volta outra vez”, relaciona-se
também, a meu ver, muitíssimo bem com a personagem do romeiro, porque ele é João
de Portugal, que regressa de Jerusalém.
Outro verso da canção que também se pode
associar a esta história é “Your blood like a winter freezes just like ice”,
cuja tradução é “O teu sangue como um inverno congela como o gelo”, que retrata
o choque que Madalena sentiu quando soube que João de Portugal estava mesmo
vivo. Quando ela exclama “Estou… estás… perdidas, desonradas… infames!”, de
certeza que o sangue se lhe congelou nas veias.
Mais uma frase do refrão que podia ser
utilizada é “I’m picking up the pieces of my life without you on my mind” que,
traduzido, significa “Estou a apanhar os pedaços da minha vida sem te ter na
minha mente”, poderiam ser os anos que Madalena passou sem João de Portugal, na
companhia de Manuel de Sousa Coutinho sem se lembrar dele.
O verso “Looking like a true survivor, feeling
like a little kid” (“Parecendo um verdadeiro sobrevivente, sentindo-me como uma
pequena criança”) representa claramente Maria que “não é uma criança… muito… muito
forte” e apesar de já ter treze anos, age como uma criança mais nova,
infantilmente.
“And there's a cold lonely light that
shines from you” ("E há uma luz fria e solitária vinda de ti que
brilha") relaciona-se com a cena em que o romeiro aparece pela primeira
vez e, depois de apontar para o retrato de João de Portugal, é reconhecido por
Frei Jorge.
O verso “The threats you made were meant to
cut me down” (“As ameaças que fizeste foram feitas para me derrubar”),
lembra-me quando Manuel de Sousa Coutinho incendiou o seu palacete, a sua
mansão, para que os governadores, que tinham decidido mudar de ares por causa
da peste, não o ocupassem.
Ana
Embora a banda Bring me the Horizon não
tenha, de certo, composto “True Friends” com a tragédia de Almeida Garrett em
mente, há um curioso paralelismo evidente em grande parte dos versos.
Logo no início da canção, o vocalista,
visivelmente agitado, canta “I wouldn’t hold my breath if I was you” (Eu não
conteria a minha respiração se fosse a ti) que, conotativamente, representa a
ânsia ou espera dum determinado desfecho de situação. Paralelamente, em Frei
Luís de Sousa, conhecemos a angústia e ânsia com que Madalena deseja
libertar-se do ciclo de terror e destruição, chegando até, por um curto período
de tempo, a considerar-se recuperada: “Estou boa já; não tenho nada”.
O eu da letra de Oliver Sykes continua
então: “’Cause I’ll forget but I’ll never forgive you” (Esquecerei mas nunca te
perdoarei). Podemos relacionar o verso previamente citado com o recuo do
Romeiro ao, posteriormente, solicitar a Telmo que mentisse sobre a sua
verdadeira identidade, protegendo assim o que Madalena tinha reconstruído até
então: “(...) diz-lhe que falaste com o Romeiro, (...) que o conheceste falso e
impostor, (...) salva-a”.
Recordando o primeiro encontro de Madalena
com o Romeiro, sente-se a amargura e desilusão de D. João no decurso do diálogo.
Correspondentemente, o sujeito lírico clama “It’s funny how / Things work out /
such a bitter irony” (É engraçado como / tudo aconteceu / que ironia amarga) e
prossegue “Like a kick right to the teeth” (Como uma pancada em cheio nos
dentes), induzindo a dor interior de D. João, agora, “Ninguém!”.
Em “It fell apart / right from the start”
(Desmoronou-se tudo / logo de início), refletimos que a suposta morte de D. João
implicou ao antes casal, D. Madalena e João de Portugal, um relativo curto
período de tempo, de novo, juntos.
Quando é cantado “(I’m afraid you asked for
this)” (Receio que tenhas desejado por isto), é-nos imediatamente recordado o
facto de Madalena se ter apaixonado por Manuel de Sousa Coutinho enquanto ainda
casada com o antigo marido, o que revelaria uma certa tendência à fantasia de
cenários em que viveria livremente a sua paixão.
“You made your bed / When you were worried
about mine” (Fizeste a tua cama / Ao estares preocupada com a minha) consegue
ironicamente sumariar grande parte desta peça, considerando que, se não fossem
os agouros de Madalena, a notícia da sobrevivência de D. João não seria, provavelmente,
dada como fiável ou verdadeira e não resultaria, portanto, na destruição
daquela família.
Encerrarei então esta simetria de
ocorrências e correspondência dos estados de espírito do vocalista e D. João,
com os versos que melhor se enquadram e descrevem genialmente o que sentiria
este tão temido personagem: “You can run / But you can’t hide / Time won’t help
you / ’Cause karma has no deadline” (Podes fugir / Mas não te conseguirás
esconder / O tempo não te ajudará / Porque o karma não tem prazo). Nos versos
desta canção, conseguimos ver escrito Frei Luís de Sousa, no entanto, os versos
mais marcantes de toda a composição musical são, indubitavelmente, os últimos
citados. Afinal, conseguem elegantemente transmitir o que D. João,
hipoteticamente, assistindo a todas as ocorrências antes do seu encontro com
Madalena, pensaria.
No final da tragédia, acredito que o
impacto das palavras proferidas pelo eu do poema acabe por ficar, ainda que
subconscientemente, implícita na nossa mente, reforçando assim, uma vez mais, a
minha escolha de canção.
Beatriz
Aproveito a canção “Ain’t no grave”,
originalmente de Johnny Cash, mas, porque já estou acostumada com algumas das
mudanças na letra em relação à original e porque confesso até gostar mais desta
versão, uso uma reinvenção da música pelos Crooked still. Cash viveu, durante
vários anos, uma vida de droga e bebida, até que decidiu entregar-se a Deus e
espalhar a Sua palavra através da música. Na altura em que esta canção foi
escrita, estava de má saúde e de luto pela mulher, mas, apesar de esta
música ser extremamente pessoal, eu não estou interessada em comparar a
situação de Cash com a de qualquer uma das personagens na peça, mas em extrair
a minha própria interpretação.
“There ain't no grave gonna hold my body
down” (“Nenhuma sepultura vai reter o meu corpo”) é a frase perfeita para
descrever toda a situação que rodeia Dom João. Apesar de este já ter sido declarado
morto, e apesar de quase todos tomarem este facto como verdadeiro, ele não o
está, tanto no sentido literal como no sentido figurado, pois, mesmo antes de
fazer a sua primeira aparição na peça, já há muito afetava a narrativa. A
sua memória vivia, atormentava Madalena, dava esperança a Telmo e intrigava
Maria. Os versos “When I hear that trumpet sound I'm gonna get up out of the
ground” (“Quando ouvir o som desse trompete vou levantar-me do chão”) e “Oh
gabriel don't you blow your trumpet until you hear from me” (“Oh Gabriel não
sopres esse trompete até ouvires de mim”) são referências ao trompete do
arcanjo Gabriel que foi utilizado na ressurreição dos mortos antes do juízo
final. De acordo com a interpretação cristã, após a ressurreição dos mortos aconteceu
a segunda vinda de Cristo e ,finalmente, Deus julgaria todos os seres humanos
que passaram pela terra e não aceitaram Jesus Cristo, "O Filho de
Deus", como o seu Salvador.
A meu ver, este evento pode ser comparado
de várias maneiras com a peça. Por um lado, ao refletirem sobre os seus
pecados, Manuel e Madalena decidem dedicar-se à vida religiosa, o que perturba
Maria, que se revolta completamente (“Que Deus é esse que está nesse altar e
quer roubar o pai e a mãe a sua filha?”). Momentos depois presenciamos a sua
morte, que pode ser interpretada como o julgamento de Deus, já que esta, ao
contrário do resto da sua família, não aceitou Deus como o seu salvador. Por
outro lado, vejo-me capaz de interpretar exatamente o contrário, numa
comparação mais rebuscada, porém concebível. Houve várias instâncias em que
Maria foi vista como anjo, tanto por Manuel (“Eu devia aceitar por Mercê de
Tuas misericórdias que chamasses aquele anjo para junto dos teus”) como por
Telmo (“Mas que pecado há de haver com aquele anjo?”). Este julgamento final,
que teria resultado na morte de Maria, pode ter sido verdadeiramente a sua
ascensão para o céu em vez da sua queda para o inferno. Talvez ela tivesse sido
reconhecida como a única pura e inocente dentro da família e, enquanto os
outros viveriam para sempre com a sua angústia, Maria viveria para sempre com
os outros anjos.
Bea
Penso que a canção “My heart will go on” (O meu coração seguirá em frente), de Céline Dion, se enquadra bem com esta peça
de Almeida Garrett.
A meu ver, esta composição começa a
relacionar-se mais com a peça na segunda estrofe. “Near, far, wherever you are
/ I believe that the heart does go on” (Perto, longe onde quer que estejas /
acredito que o coração segue em frente) são dois versos que de certa maneira
ilustram os pensamentos e sentimentos de Madalena após sete anos do
desaparecimento do primeiro marido, D. João de Portugal, na batalha de Alcácer Quibir,
deixando para trás o seu passado ao casar com Manuel de Sousa Coutinho.
Ainda na segunda estrofe — ” Once more you
open the door / and you’re here in my heart / And my heart will go on and on” (
uma vez mais tu abres a porta / e estás aqui no meu coração / e o meu coração
continuará e continuará) — os dois primeiros versos os dois primeiros versos de
certa forma mostram que D. João ainda guarda Madalena no seu coração
mesmo depois de vinte anos afastados. Já o terceiro verso consegue ilustrar bem
como Madalena segue com a sua vida e coração em frente.
Os versos “Love can touch us one time and
last for a lifetime / And never let go till we’re gone” (O amor pode tocar-nos
uma vez e durar uma vida e nunca nos abandonar até partirmos) adequam-se bem a
D. João pois Madalena foi a única mulher que ele amou apesar de esse sentimento
não ter sido recíproco por parte de Madalena pois, mesmo enquanto fora casada
com D. João, ela já amava o homem com quem acabara por casar.
A estrofe “Love was when I loved you, one
true time I hold to” ( Amor nasceu quando eu te amei, um momento seguro ao qual
me seguro) relaciona-se muito com Manuel de Sousa Coutinho. Este amava muito
Madalena e, depois de descobrir que D. João tinha voltado na forma de Romeiro,
decidiu que ambos iriam para ordens religiosas, deixando para trás o amor que
tinham vivido, sendo agora esse apenas um momento a que se podiam agarrar para
seguir em frente.
A última estrofe é talvez a mais dramática,
não tanto pela letra mas talvez mais pela forma com a intérprete, Céline Dion,
canta e por isso penso que acaba por se enquadrar na última cena. O verso
You’re where there’s nothing I fear” (Estás aqui, não há nada que eu tema)
acaba por se adequar mais a Madalena e Manuel pois separam-se, visto que o
casamento não era legítimo, e ainda sofrem com a morte da filha, que morre de
vergonha ao saber que o Romeiro era D. João. Os últimos quatro versos
relacionam-se com as três personagens principais: “And I know that my heart
will go on / We’ll stay forever this way / You are safe in my heart / And
my heart will go on and on” (e eu sei que o meu coração seguirá em frente /
ficaremos sempre desta maneira / tu estás seguro no meu coração / e o meu
coração continuará e continuará). Estes quatro versos, de maneiras diferentes,
adequam-se a D. João, Madalena e Manuel. Após a trágica morte da filha, Madalena
e Manuel têm de esquecer os sentimentos que tinham um pelo outro e terão de
ficar separados para sempre. O terceiro e quatro verso transmitem que Madalena
e Manuel nunca se vão esquecer um do outro, tal como D. João nunca irá esquecer
o amor que sente por Madalena. Isto ficará guardado nos seus corações , mas
todos terão de deixar o coração seguir em frente.
Daniel
‘’Prey [Presa]’’, título da canção dos The
Neighbourhood integrante do álbum Wiped Out! [Apagado!] (2015), é talvez a
imagem do estado predominante em que se encontra Madalena ao longo de Frei Luís
de Sousa. A constante angústia sentida por esta personagem, dados os pesadelos
respeitantes ao possível regresso do primeiro marido que tanto a atormentam e a
impedem de ser feliz, acaba por torná-la numa presa do seu passado.
A meu ver, Jesse Rutherford aborda a paixão
que um sujeito ainda sente por alguém com quem esteve, desejando, de
alguma forma, ainda ser lembrado e, por mais doloroso que fosse, gostaria de
falar com essa pessoa. De um modo geral, esta faixa poderia adequar-se aos
sentimentos quer de D. João de Portugal, quer de Madalena.
Após a sua longa ausência, o Romeiro, ao
regressar a casa, possui um fundo de esperança de que a sua esposa de
antigamente ainda o ame (‘’É ela que me chama, Santo Deus! Madalena que chama
por mim...’’), o que se assemelha ao tema geral da música, sobretudo aos dois
primeiros versos iniciais: ‘’As long as you notice /I’m hoping that you’ll keep
your heart open [Enquanto notares / Espero que mantenhas o teu coração
aberto]’’). No entanto, de forma mais restrita, há vários versos que, quando
vistos numa outra perspetiva, se poderiam enquadrar no discurso de Madalena em
diversos momentos da obra. É o caso de ‘’you’ll just keep it inside / Probably
tell me that you’re alright [tu apenas manténs para ti / Provavelmente vais me dizer
que estás bem]’’, que se adequaria ao monólogo de Madalena, logo na primeira
cena, quando ela diz ‘’Oh! que o não saiba ele ao menos, que não suspeite o
estado em que eu vivo...’’, momento em que nos é dada a entender a sua
infelicidade. Também a referência ‘’Everything changed when the birds came
[Tudo mudou quando os pássaros vieram]’’ poderia traduzir a chegada de D. João,
que, estando já Madalena novamente casada, desta vez com o homem que realmente
amava, e com uma filha, veio destruir por completo aquela família. Desde cedo
que Madalena acreditava que esse hipotético regresso, que acabou mesmo por
acontecer, tornaria o seu amor com Manuel impossível (‘’entre mim e ti e a
nossa filha, que nos vai separar para sempre…’’). Partindo de outro ponto de
vista, talvez esses pássaros pudessem ainda simbolizar as palavras da carta
trazida por Frei Jorge, após a batalha de Alcácer, uma vez que foi a partir
desse momento que Madalena ficou ''assombrada'' pela ideia de o antigo marido
poder estar vivo e regressar. O verso ‘’We need to fly ourselves before someone
else tells us how [nós temos de voar sozinhos antes que alguém nos diga como]’’
calharia bem a Madalena, quando esta defende que o casal deveria continuar a
viver o seu amor, desacreditada das palavras do romeiro que não os deveriam
influenciar (‘’mas não daríamos nós [...] uma crença tão implícita a essas
misteriosas palavras de um romeiro, um vagabundo...’’).
Por último, o excerto ‘’I feel like praying
[Sinto que quero rezar]’’ adequa-se a praticamente toda a obra, pois naquela
época a religião tinha uma grande importância na sociedade, sendo inclusive
colocada à frente da própria família. A oração é um ato muito praticado ao
longo de toda a história, desde as invocações a Deus nas falas das personagens,
à atividade a que o casal se iria dedicar para o resto da vida no encerramento
da obra.
Débora
Frei Luís de Sousa é uma das peças de
Almeida Garrett, sendo um texto dramático e tendo características de tragédia.
Contém uma forte e emocionante história vivida por diversos personagens. Esta
peça ocupa-se com a vida de D. Madalena de Vilhena, que perdeu o seu primeiro
marido em Alcácer Quibir, tendo mais tarde casado com o seu verdadeiro amor,
com quem teve uma filha. Uma das personagens, de nome Telmo, que trabalhava com
a família, mas que nunca se esquecera do seu primeiro amo, D. João de Portugal,
referia constantemente que este estaria ainda vivo e que regressaria um dia.
Tem razão: um dia, D. João de Portugal regressa, omitindo a sua real
identidade, e a maioria não o reconhece a princípio.
Quando penso numa canção que se relacione
com esta peça, lembro-me imediatamente de várias, pois o amor e a perda são dos
principais temas em músicas. Mas, tentando diferenciar um pouco, encolhi uma música
composta por cinco membros de um grupo musical de nome 5 Seconds of Summer
(5SOS). Luke Hemmings, Ashton Irwin, Calum Hood, Andrew Watt, juntamente com os
compositores Louis Bell e Ali Tamposi, compuseram a cancão que escolhi,
“Youngblood”.
As personagens que mais se relacionam com a
composição são D. Madalena e D. João de Portugal. A letra inicia-se com “Remember
the words you told me, love me 'til the day I die / Surrender my everything
'cause you made me believe you're mine” (Lembro-me das palavras que me disseste
ama-me até o dia que eu morrer / Entreguei meu tudo porque me fizeste acreditar
que eras minha) e “Nobody could take my place” (Ninguém poderia tomar o meu
lugar), podendo associar-se ao sentimento de D. João de Portugal, que amava
Madalena e que, ao regressar, apercebeu-se de que esta já se encontrava em
outra relação (“Marido da minha alma… pelas memórias da nossa felicidade
antiga…”).
Um dos versos seguintes, “Takes one to know
one, yeah” (Um reconhece o outro, sim), refere-se ao momento em que Madalena
reencontra D. João (Romero), ainda que sem o reconhecer.
No refrão “Say you want me / say you want
me / out of your life” (Diga que me quer / diga que me quer / fora da sua
vida), as palavras remetem para o momento em que D. João regressa e causa o
caos na família e Madalena apenas o quer longe dela. “And I'm just a dead man
walking tonight” (E eu sou apenas um homem morto andando pela noite),
descreve-nos D. João, considerado por muito tempo um homem morto (“D. João de
Portugal morreu no dia em que sua mulher disse que ele morrera.”).
O final da peça é muito marcante, apesar de
deixar algumas situações em aberto. Esta música, apesar de não estar
diretamente relacionada com a peça, tem diversas semelhanças com o drama, e
diversas frases lembram-nos momentos ou situações semelhantes às da peça.
Diogo
A canção “Ouvi Dizer”, dos Ornatos Violeta,
é provavelmente, a música mais conhecida de todo o reportório desta banda.
Entre as restantes músicas do álbum de que faz parte (O Monstro Precisa de
Amigos), é uma das que mais se destacam não só pela sua musicalidade mas também
pela sua lírica. Realça-se o sentimento nostálgico e amoroso de um sujeito
aquando do fim do seu relacionamento. Desta forma, observo, maioritariamente,
uma relação entre a letra desta canção e o relacionamento de Madalena com D.
João.
Os primeiros versos – “Ouvi dizer que
o nosso amor acabou / Pois eu não tive a noção do seu fim” – são facilmente
associados aos pensamentos de D. João no que toca ao efeito da sua “morte” na
vida da sua ex-mulher, que aparentava não ter sido afetada por esta (“Os mais
chegados (...) contaram com a minha morte, fizeram a sua felicidade com ela”).
Da mesma forma, este sentimento é observado em versos seguintes: “E ao que eu
vejo / Tudo foi para ti / Uma estúpida canção que só eu ouvi”. Assim,
conseguimos relacionar o sentimento de arrependimento e tristeza que o sujeito
tem quanto à sua ex-amada, algo que é também notado no Romeiro.
Antes do refrão, ouvimos dois versos (“E
agora não vais achar nada bem / Que eu pague a conta em raiva”). Na canção,
estão associados a reações de raiva pela parte do sujeito que estaria furioso
por descobrir que a relação nada teria significado para a sua ex-amada, optando
por não agir desta maneira por ser algo que ela não aprovaria. Igualmente, num
sentido mais literal das palavras, conseguimos entrever o comportamento de D.
João que, por instantes, num frenesim, planeia agir “em raiva” contra a família
de Madalena.
O refrão – “E pudesse eu pagar
de outra forma” – pode ser relacionado com Madalena. Afinal, esta é enfrentada
ao longo deste drama com as consequências das suas ações, procurando poder,
então, pagar pelo seu pecado sem danificar a vida que construiu; e com D. João,
por não saber exprimir os seus sentimentos sem ser pela vingança que decide
tomar.
Depois do refrão, temos os versos: “Ouvi
dizer que o mundo acaba amanhã / E eu tinha tantos planos p’ra depois”, aos
quais consigo associar a personagem que regressara da guerra, que viu a sua
vida destruída quando a sua mulher o esqueceu; e até mesmo Maria, nos momentos
finais desta obra, não só pela sua morte, mas pela sua reação à mudança da vida
dos pais.
A canção é associada, claramente, ao
sentimento de desgosto de relações falhadas, fenómeno pertinente no Frei Luís
de Sousa. Acabam ambas, peça e canção, por ser também formas de exprimir uma
história trágico-romântica: o drama de Garrett, sendo um relato de uma, difere
desta canção pelo seu criticismo, onde somos lembrados de “que o amor é uma
doença / Quando nele julgamos ver a nossa cura”.
Duarte
D. João de Portugal é uma das personagens
mais importantes da peça Frei Luís de Sousa e, através dele, é possível traçar
paralelos entre a canção “Keep on loving you” (2015), da banda Cigarettes After
Sex, e esta tragédia.
“You should have seen by the look in my
eyes / You should've known by the tone of my voice / But you didn't listen” (“Devias
ter reparado pelo meu olhar / Devias ter sabido pelo tom da minha voz / Mas não
ouviste”) seriam, provavelmente, os exatos pensamentos de D. João depois de se
reunir, passados vinte e um anos, com Madalena e esta não o reconhecer. O
antigo fidalgo mostra-se dececionado (“Tiraram-me tudo.”), desolado até (“Oh!
Telmo, Telmo, com que amor a amava eu!”), com o desenlace deste reencontro, no
entanto, rapidamente se resigna à realidade da situação, afirmando “Deus [...] lhes perdoe como eu perdoei já.”; à semelhança do sujeito poético de Kevin
Cronin, que também aceita o facto de a sua amada ter seguido em frente, nos
versos “And I know all about those men / Still I don’t remember” (“Sei sobre os
outros homens / Mesmo assim não os recordo”).
O romeiro tem ainda um momento de ilusão
quando ouve Madalena a chamar pelo marido, mudando de imediato para um tom
vivaz ‒ “É ela que me chama, Santo Deus!”‒ e, de seguida, ao escutar as suas súplicas, é cativado por
completo: "Que encanto, que sedução!”. Contudo, este engano é breve, pois
Madalena quebra a miragem ao especificar o nome do marido ‒ Manuel. Assim, D. João foi subitamente expulso do seu estado
de negação, ao contrário do sujeito da canção, que, ao recordar o seu amor,
permanece nesta condição, como justifica nos versos “When I said that I love
you I meant that I love you forever” (“Quando disse que te amava, quis dizer
que te amava para sempre”).
“I don't wanna sleep / I just wanna keep on
loving you” (“Não quero dormir / Só quero continuar a amar-te”) remete-nos para
a conversa entre o romeiro e Madalena, onde este afirma: “Há três dias que não
durmo nem descanso, nem pousei esta cabeça, nem pararam estes pés [...], para
chegar aqui hoje”. Este traço comum entre os dois protagonistas demonstra a
dimensão do amor que tinham pelas respetivas parceiras, pois ambos estavam
dispostos, talvez obrigados, a sacrificar o seu descanso e sanidade por elas.
Enquanto na canção o final é aberto,
deixando-nos sem saber o resultado da paixão, na peça temos uma conclusão (ou
algo próximo disso), quando Madalena e Manuel de Sousa tomam a decisão de
ingressar na ordem dos dominicanos. Daqui podemos inferir que ela e D. João
nunca mais estarão juntos, adicionando assim mais uma camada trágica a este
drama.
Guilherme
A canção “A Vida Toda”, incluída no álbum Casa,
escrita por Carolina Deslandes, em 2018, pode ser relacionada com a obra Frei
Luís de Sousa, nomeadamente com D. Madalena de Vilhena e Manuel de Sousa
Coutinho.
Ainda casada com D. João de Portugal, logo
que ela viu, pela primeira vez, D. Manuel (“e faz também anos que… vi pela
primeira vez a Manuel de Sousa”), apaixonou-se de imediato e percebeu “que era
amor para a vida toda”, “Ali”. Graças ao desaparecimento do seu primeiro marido
(“D. João ficou naquela batalha com o seu pai, com a flor da nossa gente.”), a
heroína romântica decide casar com “Frei Luís de Sousa” (“— Eu resolvi-me por
fim a casar com Manuel de Sousa”), “que era o [seu] desejo profundo”.
Desta união (“Ficaste com o meu coração”),
resultou “esta filha, esta querida Maria”, que se revelou um “anjo”, apesar da
sua frágil saúde. Quando o pai soube da “boa nova”, “tinha[s] os olhos em água”
devido à felicidade resultante do amor entre o casal (“Não sois feliz na
companhia do homem que amais, nos brações do homem a quem sempre quisestes mais
sobre todos?”).
Entretanto, vão “/poder vê-l[a] crescer”
física e psicologicamente, mas sempre com grande cuidado (“—Oh, Maria…”), pois
receiam a sua perspicácia, que a pode levar a descobrir o “pecado” cometido por
Madalena (“Parece-me… eu sei… não fales com ela desse modo, nessas coisas”).
Isto, porque “sonh[ou] ao pormenor” ter este rebento, como forma de eternizar o
amor arrebatador entre si e Manuel. De facto, o “amor é fogo que arde sem se
ver” e não escolhe idades nem pessoas.
Deste modo, Maria sempre pensou “Que os
pais [estariam] sempre casados” e que seriam “Eternos namorados”, uma vez que
se preocupam muito um com o outro (“Aquele caráter inflexível de Manuel de
Sousa traz-me num susto contínuo” e “Não te inquietes, Madalena”). Assim, ela
crê, piamente, que “Um dia já velhinhos cansados” os pais estarão “Sempre lado
a lado” e poderão usufruir em pleno da sua companhia. Mal ela sabia a
“vergonha” e a “desonra” pelas quais iria passar!
Como “não há bela sem senão”, “virou-se o
feitiço contra o feiticeiro” e a vida da família deu uma grande reviravolta.
Contra todas as expectativas, D. João de Portugal regressou do mundo dos mortos
para que o tinham relegado, vindo empecilhar a relação familiar. Desta forma, o
herói romântico constata que “Para [eles] já não há senão estas mortalhas e a
sepultura de um claustro”, o que deixa antever que “[Aquela] filha é a filha do
crime e do pecado!”. Facilmente se percebe que o casamento se desmantelou e que
Maria se tornou filha ilegítima.
Ao ter consciência desta situação, a jovem
“soube de caras” que era um erro da sociedade, morrendo de facto (“o que já era
bom ganhou asas”), enquanto os pais vestiram o hábito, tendo tido uma morte
social.
Inês
Penso que a música “Everlasting Love”
(“Amor Eterno”), de Jammie Cullum, descreve o pensamento de D. João de Portugal
enquanto ainda estava afastado de Madalena e também quando, vinte e um anos
depois da sua alegada morte, volta.
“Hearts gone astray / Deep in hurt when
they go / I went away / Just when you needed me so” (Corações desencaminhados /
Igualando-me com eles quando se vão / Eu fui embora/ Exatamente quando tu
precisaste tanto de mim) são os primeiros versos desta canção e, de certa
forma, relatam os pensamentos de D. João de Portugal quando voltou e através de
Telmo, se apercebeu de que Madalena estivera sete anos à sua procura,
culpando-se por ter deixado esta a viver uma vida infeliz e cheia de angústia.
Os versos “You won't regret / I’ll come
back beggin you / Won’t you forget / Welcome love we once knew” (Tu não te vais
arrepender / Eu voltarei implorando-te / Não te esqueças / Dá boas vindas ao
amor que uma vez conhecemos) adequam-se ao momento em que D. João de Portugal
escreveu uma carta a Madalena, referindo que ia voltar. Para D. João, aquele
amor era o verdadeiro e o correto, era o que tinha que ser e existir e era o
que, apesar de todos os obstáculos, iria persistir e vencer. Logo, quer que
Madalena não o esqueça, quer que tudo volte ao que uma vez foi, sabendo ,no
fundo, que seria inevitável devido à sua ausência.
Os versos “Open up your eyes / Then you’ll
realize / Here I stand with my / Everlasting love” (Abre os teus olhos / Então
vais perceber / Aqui estou eu com o meu / Eterno amor) descrevem o sentimento
de Romeiro, que continua a amar Madalena e que está mesmo diante dos seus
olhos. O seu amor verdadeiro é ele e ele está ali, apercebendo-se depois de que
já vai tarde demais. João acaba por descobrir que Madalena se refere ao marido
atual. Posteriormente, acaba por se aperceber do mal que ele fez, preferindo
afastar-se e deixar que Madalena seja feliz, pedindo a Telmo (que reconhece a
sua identidade) que invente que a sobrevivência do antigo amo era uma
impostora: “vai dizer-lhe que o peregrino era um impostor, que desapareceu, que
ninguém mais houve novas dele (...)”
Os versos “From the very start / Open up
your heart / Feeling you forever” (Desde o início / Abre o teu coração / Sente
para sempre) acabam por refletir o que o Romeiro sente ao ir-se embora e a
desaparecer da vida de Madalena: apesar de tudo quer que ela seja feliz e se
entregue ao seu novo amor. Acaba por querer para ela o que este não conseguiu
ter para si.
Esta canção de Rui Veloso, “A Paixão
(segundo Nicolau da Viola)”, que todos conhecem como “O anel de rubi”, é uma
história de drama romântico tal como a obra de Garrett. A voz tão
característica de Rui Veloso poderia ser em certas partes da canção substituída
pela voz do próprio João de Portugal.
Tal como o sujeito da estudada canção João
de Portugal também estava apaixonado por uma mulher, neste caso, Madalena de
Vilhena, apesar de este amor não ser propriamente recíproco em nenhum dos
casos, como se observa nos versos “Ai o que eu passei só por te amar, / A
saliva que eu gastei para te mudar.” os dois apaixonados tentavam fazer
tudo para agradar as suas amadas (na música, o sujeito leva a sua amada a um
concerto; já na obra de Almeida Garrett João de Portugal suporta anos de prisão
para voltar a casa mas, com o seu desaparecimento por mais de vinte anos, a
mulher tinha descoberto um novo amor e quando João regressou, Madalena já não
se queria lembrar dele).
Depois de se aperceber de como Madalena
estava feliz com a sua nova paixão, João desiste de tentar reconquistar a sua
antiga mulher tal como o sujeito da Melodia de Rui Veloso desiste dizendo:
“Nada mais por nós havia a fazer / A minha paixão por ti, era um lume / Que Não
tinha mais lenha por onde arder”.
Conseguimos ver que ambos os personagens se
encontram numa estranha relação, têm uma grande teimosia em si, pois na canção
o sujeito como é enunciado na música, “Mesmo sabendo que não gostavas, /
Empenhei o meu Anel de Rubi, / P’ra te levar ao concerto que havia no Rivoli.”.
Já na peça de Garrett, João, mesmo sabendo que Madalena estava mais feliz com o
seu novo amor, ainda a quer ter como sua amada, o que leva a num momento de
vacilação tenta voltar a querer ter Madalena na sua vida.
Em síntese, João de Portugal assim como o
sujeito da música, apercebem-se dos seus erros e deixam as suas amadas viver a
sua vida livremente, ou, pelo menos, tentam-no. Como é dito em Frei Luís de
Sousa: “Basta. Vai dizer-lhe que o peregrino era um impostor, que
desapareceu, que ninguém mais houve novas dele, que tudo isto foi vil e
grosseiro embuste de inimigos de... dos inimigos desse homem que ela ama. E que
sossegue que seja feliz. Telmo, adeus!”.
Mafalda
D. Manuel de Sousa Coutinho incendeia a sua
própria casa para impedir que os governadores de Lisboa se instalem na mesma,
quando o fogo alastra, D. Madalena tenta salvar o quadro de D. João, o seu
primeiro marido, mas infelizmente sem o conseguir. Ela sente-se ansiosa com o
regresso de D. João da batalha, pois ela amou e casou com outro homem, D.
Manuel, sem ter a certeza de que o seu marido estivesse morto. A possibilidade
de ele se encontrar vivo assusta-a. Eu comparo os sentimentos de D. Madalena
com a canção “In Love With Another Man”, que significa “Apaixonada por Outro Homem”, de Jazmine Sullivan.
“If I could... could forget him / I
would... please believe me”, (“Se eu pudesse... pudesse esquecê-lo / Eu
teria... por favor, acredita em mim”): D. Madalena é consumida pela culpa e
pelo medo, culpa por ter casado com outro homem quando o seu marido fora lutar
pelo país, e medo do regresso de D. João. Ela não quer continuar a viver com
medo, pois assim, nunca conseguirá ser feliz. Estes dois versos possuem o mesmo
significado, o mesmo desabafo de quem ama, neste caso D. Madalena e o sujeito
lírico. (“Oh! que o não saiba ele ao menos, que não suspeite o estado em que eu
vivo… este medo, estes contínuos terrores que ainda me não deixaram gozar um só
momento de toda a felicidade que me dava o seu amor” é o que diz D. Madalena).
“I'm in love with another man / And I know
it ain't right”, (“Eu estou apaixonada por outro homem / E eu sei que isso não
é certo”), D. Madalena acaba por se apaixonar por D. Manuel ainda estando
casada com D. João de Portugal, sentindo-se desgostosa porque sabe que não está
a ser leal ao seu marido; porém o seu amor por D. Manuel é demasiado intenso
para abdicar dele.
“Peço desculpa, mas eu tenho que te fazer
isso / Eu não posso fingir… / Pois eu amo-o, eu amo-o / Peço imensa desculpa...
ouves-me?”, D. Madalena sente que a vida nunca irá melhorar, está amaldiçoada
pela “sombra” de D. João, que a mesma irá assombrar a família. D. Madalena
apesar de se sentir culpada por amar outro homem, por se casar com ele, e por
D. João ter ido lutar e não saber se ele está vivo. D. Madalena sabe que não se
poderá privar do amor dela por D. Manuel, por causa de medo e receio,
pois assim ela nunca conseguirá ser feliz e livre.
Margarida R.
A canção “A Máquina”, do álbum Cai o Carmo
e a Trindade, do grupo português Amor Electro, faz referências a ações, emoções
e falas que poderiam ser as das personagens da peça Frei Luís de Sousa, de
Almeida Garrett. Podemos relacionar o nome do álbum com o drama romântico
vivido nesta obra.
Madalena diria “Saber o que fazer / Com
isto a acontecer / Num caso como o meu” uma vez que não sabe que ações tomar em
algumas situações.
“É de pedir aos céus / A mim, a ti e a Deus
/ Que eu quero ser feliz / É de pedir aos céus”, nesta súplica podemos imaginar
Madalena, que só deseja ser feliz com Manuel de Sousa Coutinho.
O amor de Madalena pertenceria a Manuel de
Sousa Coutinho, no entanto vive perseguida pelo remorso de ter começado a amar
Manuel ainda casada com D. João e pelo medo de que o seu primeiro marido, cuja
morte nunca fora confirmada, regressasse. Pelas falas e ações percebemos que Madalena
é dominada pelas emoções que impedem a possibilidade de ser feliz, vive em
permanente infelicidade e angústia por não ter a certeza da morte de D. João de
Portugal. A quadra “Porque Este amor é teu / E cedo vou saber / Que triste é
viver / Que sina, ai que amor” é adequada para esta situação visto que a
própria Madalena diz “Oh! que amor, que felicidade... que desgraça a minha!”.
Madalena é uma personagem muito dramática e
emotiva, que chora bastantes vezes durante a peça. Depois da mudança da sua
família para o palácio de D. João de Portugal, Madalena permanece num estado de
angústia e ansiedade. No entanto melhora depois de Jorge falar com ela e acaba
por se acalmar e por isso o verso “Já nem vou mais chorar / Gritar” se adequar
a este comportamento da nossa protagonista.
D. João de Portugal no início da obra é nos
apresentado como um bom fidalgo e cavaleiro. Depois da batalha de Alcácer Quibir,
fica prisioneiro em Jerusalém. Passados vinte e um anos da sua ida para a batalha,
quando regressa, é-nos apresentado como um romeiro, com um aspeto cansado e, de
algum modo desleixado, que já passou por muitas adversidades. Podemos associar
o verso “que pena é ver-te assim…” à caracterização desta personagem ao longo
da peça.
“Quis ser o que já fui” poderia ser uma
frase dita por D. João de Portugal visto que quando volta tem a esperança de
que tudo pudesse voltar a ser como era antes do Norte de África. Durante a
conversa de D. João e Telmo, ouve-se Madalena a chamar pelo marido e D. João pensa
que esta o chama. No entanto, depois de perceber que Madalena se referia a
Manuel, desfaz a sua ilusão e percebe que a sua volta nada mudará nos
sentimentos da sua mulher.
Os versos “A máquina parou / Deixou de
tocar” podem ser associados à morte de Maria por vergonha de ser fruto do amor
proibido entre Madalena e Manuel de Sousa Coutinho.
Margarida B.
A canção “Little Bit yours” de JP Saxe,
transmite algumas das emoções sentidas por D. João de Portugal quando se voltou
a encontrar com Madalena (sua antiga mulher) e a viu com Manuel Coutinho.
Primeiramente, a canção expressa vários
sentimentos, como a saudade, a tristeza e a insegurança. Este tema fala da
perspetiva de alguém que perdeu um grande amor e de todos os pensamentos que
derivam desta ausência. Enquadrando com a peça, a composição musical retrata o
ponto de vista de D. João de Portugal, que partiu para a batalha e que, quando
voltou, encontrou a sua amada nos braços de outra pessoa. Alguns versos da
música que representam o lado de D. João são “You found someone new before me”
(Tradução: “Encontraste alguém novo antes de mim”), que clarifica que D.
Madalena encontrou um novo companheiro antes de D. João, e o verso “You're not
mine anymore” (“Já não és minha”), que especifica o amor e Madalena já ser de
Manuel. Este último verso, em enologia com a fala do Romeiro, “Sua mulher
honrada e virtuosa, sua mulher que ele amava... (...) sua mulher que ele já não
pode amar sem desonra e vergonha! ",dizia que, que apesar de o Romeiro
ainda a amar, já não tem esse direito pois ela pertence a outra pessoa e isso
seria pecado como o final da frase indica. Em seguida, numa conversa com Telmo,
o seu antigo criado, o Romeiro ouve um chamamento de Madalena (“— Esposo,
esposo, abri-me, por quem sois!”) que para sua infelicidade, não se dirigia a
ele. João pensava que, apesar do passar dos anos, Madalena não o iria esquecer
e, contrastando com a música, o verso “let myself feel things I know that you
don't” (Eu deixei-me sentir, emoções não correspondidas) mostra que
Madalena, passados tantos anos, já não correspondia aos amores do seu antigo
marido. Posteriormente, D. João de
Portugal confessa que tem saudades da paixão que antes tinha com a sua antiga
amada (“oh, Telmo, Telmo, com que amor a
amava eu!”). Em contraposição, os versos “We outgrew the love we knew /But I
still wish I had it” (Crescemos do amor que tínhamos /, mas mesmo assim eu
ainda gostava de o ter) ilustram este interesse e o facto de já ser demasiado
tarde para recuperar o amor.
Mariana Caramês
“Por morrer uma andorinha” é um dos êxitos
de Carlos do Carmo. Esta canção fez-me lembrar sobretudo de D. João de Portugal
e do seu papel importante em Frei Luís de Sousa, de Almeida Garrett.
Logo nos primeiros versos da letra da
canção, “Se deixaste de ser minha / Não deixei de ser quem era”, o sujeito
lírico apresenta-se como alguém coerente com os seus princípios, perante a
adversidade, neste caso, a perda da mulher amada. Esta ideia vai sendo repetida
ao longo do poema. Esta postura também é mostrada por D. João de Portugal
perante o facto de Madalena já não ser sua.
Após vinte anos cativo em Jerusalém, D João
perdeu tudo e, embora permaneça o mesmo, todos aqueles que amava estão mudados:
a sua esposa, Madalena, está casada com outro homem e tem uma filha; o seu fiel
aio tem um enorme afeto por Maria, que admite ser maior do que por D. João (“o
amor desta outra filha é maior / venceu apagou o outro”, Ato III, cena IV). D.
João depara-se com um mundo completamente novo, onde se encontra sozinho e sem
qualquer laço emocional. Nem Madalena o reconhece quando ele chega a sua
própria casa disfarçado de Romeiro, pois, se interiormente continua igual,
fisicamente está muito diferente (“Estou tão velho e mudado do que fui!” (Ato
II, cena XIV).
O passado para D. João é a sua vida, como
se ouve na canção ”Guardo o mesmo passado”. Deseja voltar atrás no tempo e
desfrutar da sua felicidade anterior. Após tanto tempo de separação, não
consegue esquecer a sua paixão por Madalena. (“Vivo ou morto, Madalena, hei de
ver-vos pelo menos ainda uma vez neste mundo”, Ato I, cena II).
Apesar de não sabermos se D. João
descobrira, antes de ir para a guerra, a paixão de Madalena, com certeza que
estranhara a sua falta de afeto, tal como se diz na canção: “Já estava
habituado / que não fosses sincera”.
Mas, ao contrário do que se diz na canção
(“Por isso eu não fico à espera/de uma emoção que eu não tinha”), D. João ainda
se ilude, pensa por breves instantes que poderá recuperar a felicidade perdida
quando Madalena chama pelo seu marido (“É ela que me chama, Santo Deus!'', Ato
III, cena VI).
Percebendo que já não é “Ninguém” para os
que ama, D. João pede a Telmo que vá dizer a todos que é um impostor; porém,
esta decisão chega tarde de mais, pois a tragédia já acontecera.
“Por morrer uma andorinha / não acaba a
primavera” significa simplesmente que não nos podemos deixar derrotar quando
algo de mau acontece, pois, apesar de as andorinhas ficarem de luto, as flores
continuam a desabrochar, o sol a nascer; e a primavera a acontecer.
D. João não segue o conselho dado pelos
versos finais da canção: “Ninguém se agarre à quimera / do que o destino
encaminha”. Por isso, fica só, esquecido e desamparado de todos. Para ele “os
dias passam iguais / aos dias que vão distantes”.
Mariana D.
“At home” (Em casa), da banda inglesa
Crystal Fighters, é uma canção que tira as palavras da boca a D. João de
Portugal, a trágica personagem do Frei Luís de Sousa, por Almeida Garrett.
É uma peça que se desenrola num ambiente
dramático, que retrata a intriga causada pelos amores do passado e presente,
que causam a desgraça da família Vilhena-Coutinho. Tudo começa quando D.
Madalena se casa com D. João de Portugal, mas não partilha o mesmo sentimento
de amor que ele sente por ela. Quando se fecha o episódio aventuresco de
Alcácer Quibir, D. João é dado por morto e, com isso, D. Madalena julga-se
viúva.
A primeira cena, do primeiro ato
decorre em Almada, vinte e um anos depois da batalha, menos uma semana.
D. Madalena encontrava-se casada com Manuel de Sousa Coutinho, um nobre
patriota, e com uma filha, Maria. Manuel ama verdadeiramente a sua filha e
mulher e não se deixa diminuir pela sombra de D. João, pois afirma que “Eu não
tenho ciúmes de um passado que não me pertencia”, mantendo esta posição mesmo
quando se veem obrigados a mudar-se para a residência de D. João.
A desgraça cai sobre esta família, quando
D. João de Portugal vem à luz do dia. Cumpre com a sua palavra — “Remember how
I said I'd come someday baby,” (lembras-te de como eu disse que voltaria um dia
amor) — e, realmente, “vivo ou morto”, ou um pouco mais morto que vivo,
conseguiu regressar.
D. João também poderia dizer “I've come a
long way to get here” (eu percorri um grande caminho para chegar aqui), para se
deparar com o amor da sua vida casado com outro homem e com um fruto desse
amor. Isso, simplesmente, deixou-o devastado, pois a razão que o fez suportar
estes vinte e um anos desaparecera… E, agora, sem nada, ele era
"Ninguém!", “the leaves they fall to my feet, at home, they mean
nothing to me.” (as folhas que caem a meus pés, em casa, não significam nada
para mim), já que aquele sítio, aquelas pessoas, não lhe diziam nada.
A angústia sentida pelo cavaleiro
indesejado, espalhou-se também para a família de Madalena, que sente que a sua
alma e a de seu marido só seriam salvas se passassem o resto dos seus dias a
servir humildemente Deus, mas Maria, ao deparar-se com este cenário, não
aguento, morrendo assim, literalmente, de desgosto.
Numa simples frase podemos dizer que desta
tragédia ninguém saiu ileso. Tudo porque D Manuel, que se tornou Frei Luís de
Sousa, tirou o lugar “Take a place ”(Tira o lugar) a D. João de Portugal,
acabando por ele próprio ficar sem nada.
Mariana Costa
Na peça Frei Luís de Sousa, e na canção “I
Will always Love You”, de Whitney Houston, o amor representa a disposição
emocional ao tomar a decisão dolorosa de deixar o amor seguir um caminho
diferente.
Na composição “I Will Always Love You”, o
sujeito poético está num constante sofrimento devido à pessoa que ama ter
seguido com a vida em frente, e ele ter ficado preso naquele amor.
Conseguimos encontrar inúmeros aspetos idênticos ao sentimento de D. João de
Portugal que, ao regressar da sua alegada morte vinte e um anos depois, encontra
D. Madalena casada com outro.
Também os versos “So goodbye / Please don't
cry / We both know I'm not what you, you need (Então adeus)/ (Por favor não
chores) / (Pois ambos sabemos que eu não sou o que tu, o que tu precisas).” Se
aplicam à peça, pois, apesar de Madalena ter sido sempre fiel, ela não tinha o
que precisava, pois nunca amara tão fortemente D. João como este a
Madalena.
Quando D. João chega e se faz passar pelo
Romeiro, fica a saber por Telmo que D. Madalena o mandara procurar por todos os
sítios (“É verdade que por toda a parte me procuraram, que por toda a parte ela
mandou mensageiros, dinheiro?”/ “Como é certo estar Deus no Céu, como é verdade
ser aquela a mais honrada e virtuosa dama que tem Portugal.”). Ao saber disso,
D. João pede a Telmo que minta e diga que o Romeiro não passava de uma farsa,
de um impostor enviado para desestabilizar aquela família, pois crendo ou não,
D. João ainda gostava de D. Madalena e o pensamento de a reaver e ela sofrer
por tudo o que perderia era tão grande que ele preferia que ela continuasse a
viver a sua vida: “And I will always love you / I will always love you (E eu
vou sempre amar-te / Eu sempre vou amar-te)”.
Enquanto isso, D. Madalena, ao ouvir vozes
vindas de onde eles estavam, começa a chamar pelo marido: “Marido da minha
alma, pelo nosso amor te peço, pelos doces nomes que me deste, pelas memórias
da nossa felicidade antiga, pelas saudades de tanto amor e tanta ventura, oh!
não me negues este último favor “. D. João, encantado por pensar que D. Madalena
ainda o ama, questiona-se como lhe poderia resistir! Mas quando D. Madalena
volta a chamar pelo marido, ela usa o nome “Manuel”. D. João fica magoado por
ter pensado que, ao fim de tantos anos, Madalena ainda o poderia amar: “Não o
que é dito é dito. (Vai precipitadamente à corda da sineta, toca com violência,
aparece o mesmo irmão converso, e, a um sinal do Romeiro, ambos desaparecem
pela porta da esquerda).
“If I should stay / I would only be in your
way (Se eu ficar/ Eu apenas estarei no teu caminho)." D. João, passados
tantos anos continua a amar Madalena, mesmo esta já tendo seguido com a sua
vida em frente, já se tendo casado e tendo uma filha. Corresponde a isso este
trecho da canção: “I Hope life treats you kind / And I hope you have / All
you've dreamed of / And I wish you joy and happiness / But above all this I
wish you love (Eu espero que a vida te trate bem / E eu espero que tenhas /
Tudo o que sonhaste/ E desejo para ti prazer e felicidade/ Mas, acima disso
tudo, eu desejo para ti amor).”
E esta canção que fala tanto sobre um amor
que se tem de deixar ir, enquadra-se perfeitamente no enredo desta peça.
Marta
Para este trabalho escolhi a música “Até Ao
Fim” de Agir ft. Diogo Piçarra. Escolhi-a pois, ao longo da sua letra, vejo uma
relação com o que se passou com Manuel de Sousa e D. João de Portugal. Estas
duas personagens (mais Madalena) fazem parte do texto dramático de Almeida
Garrett, Frei Luís de Sousa, lecionado em aula.
A canção começa com “Podia escolher outra
qualquer / E ainda assim escolhi-te a ti / E se tu quiseres é pro que der e
vier / Ficarei contigo até ao fim”. Esta primeira parte pode ser vista na
perspetiva dos sentimentos de Manuel de Sousa com Madalena. Em várias alturas
ao longo da peça, vemos que Manuel faria qualquer coisa por Madalena e que não
tinha os mesmos receios que a amada. Se, por alguma razão, D João estivesse
vivo e voltasse, eles iriam superar as consequências disso, juntos, e ficariam
como casal até ao fim.
Depois daquela introdução, que é usada
diversas vezes ao longo da canção (como refrão), vem a segunda parte:
”Promessas são promessas e eu vou cumprir / Em tempo de guerra é cada um por si
/ Mas eu conto primaveras pra chegar a ti.”
O primeiro verso corresponde ainda ao que
foi referido no parágrafo anterior, o que Manuel faria por Madalena, mas o
seguinte pode ter uma interpretação diferente. Como a peça se passa na altura
da peste, a palavra “guerra” pode ser vista como a posição que Manuel tinha com
os governadores. Apesar de que, enquanto estava com eles presencialmente, este
mostrava-se leal e apoiante, na realidade Manuel não gostava deles, nem os
apoiava. Isso é visto com clareza, quando Manuel incendeia a sua própria casa,
só para os governadores não irem para lá viver.
O último verso deste terceto pode ser visto
como algo que D. João fez durante os últimos vinte e um anos. Contar os dias,
os meses, os anos, até que pudesse estar novamente com a sua amada, Madalena.
Como uma última comparação entre a letra da
música e a peça, utilizo outra estrofe que é repetida duas vezes: “Porque mesmo
longe eu vou estar / Sabes onde me encontrar / Até ao dia em que eu voltar, pra
te dizer / Não importa o lugar, o tempo nunca vai mudar / Ao teu lado vou ficar
pro que der e vier”.
Esta estrofe pode ser vista do ponto de
vista de D. João de Portugal, uma vez que este está longe de Madalena; enquanto
ela estava em Lisboa e Almada, ele estava em cativeiro em Jerusalém. Mas, ao
contrário do que o segundo verso indica, Madalena não sabia onde o encontrar,
pois procurara por ele durante sete anos e não conseguira nenhuma pista de onde
ele pudesse estar, tendo ao fim desse tempo considerado João morto. O terceiro
verso está relacionado com o facto de D. João ter voltado para a sua casa e
para a sua amada, como ele pensava; mas, na realidade, estava só a
intrometer-se e a estragar a vida feliz que Madalena e a sua nova família
tinham conseguido construir depois da sua morte. Para finalizar, os últimos
dois versos indicam que os sentimentos de João por Madalena não mudaram mesmo
depois de tanto tempo, apesar de o contrário ter sucedido aos de Madalena por
João.
Matilde
A canção “Chicken Tendies”, de Clinton
Kane, pode ser facilmente enquadrada no drama de Almeida Garrett, Frei Luís de
Sousa, onde é, ainda, tratado e exposto um tema que é normalmente abordado em
canções, o amor não correspondido ou a saudade.
A canção interpretada pelo cantor e
guitarrista australiano descreve uma situação comum e relata uma história de
amor que tinha, estando agora a rapariga com outro parceiro. Toda esta situação
tem as suas semelhanças com a obra estudada, porque podemos com ela relacionar
a situação de D. João de Portugal e Madalena, que, após o desaparecimento do
marido, na “funesta jornada de África", se casou com Manuel de Sousa
Coutinho, com o qual constituiu uma família. Após vinte e um anos de cativeiro,
D. João decide aparecer de novo em Almada, incógnito, apercebendo-se de que a
mulher que sempre amara, D. Madalena de Vilhena tinha seguido em frente
com a sua vida. (“You’re full of love, and wild and free. Chasing' every dream and possibility.”[Tu estás
feliz e amada, livre. Aproveitando todas as oportunidades e sonhos.]).
Ao longo da canção deparamos com frases que
descrevem o sentimento de alguém triste, revoltado, mas conformado com a
situação, neste caso, com que D. João se deparava. Assim, apercebemo-nos de que
tanto o nobre português, em Frei Luís de Sousa, como o sujeito poético desta
canção escolhida por mim são homens que se deparam com problemas bastante
semelhantes. Quando no início da canção é dito “And I wonder if your favorite color still blue” (E eu pergunto-me se a tua cor
preferida permanece azul), automaticamente podemos associar este tipo de
pensamento e questões ao que D. João, durante os extensos anos que estivera
fora, pudesse ter tido. No entanto, quando regressa a “casa”, depara-se com
algo extremamente impactante. A mulher que amara incondicionalmente encontrara
outro parceiro, o que deixou D. João indignado e, de certa forma, imensamente
desolado (“I hope he treats you better than I ever could
‘Cause you deserve the world times two.” [Eu
espero que ele te trate melhor do que eu jamais poderia, porque mereces o mundo
duas vezes].
A partir do momento em que D. João se depara
com a realidade nua e crua (“Na hora em que ela acreditou na minha morte, nessa
hora morri.”) decide aceitar que foi trocado e não interferir mais na vida de
Madalena, evitando todos os estragos que o seu regresso pudesse causar. Deste
modo, tal como o sujeito poético perante a sua amada, D. João amara Madalena com
todo o seu coração e, por essa mesma razão, opta por se afastar de todo aquele
enredo (“I hope he 's home for you even though I had to lose you. For you to
find who fills your heart. Even if I’m not the one you choose.” [Espero que ele
seja um abrigo para ti, embora eu tenha que te perder. Para tu encontrares
alguém que preencha o teu coração. Mesmo que eu não seja aquele que
escolhes]).
A canção termina com o afirmar por parte do
sujeito poético de que espera e deseja o bem da sua amada, o que, no fundo,
descreve parte do sentimento de D. João por Madalena, pois este, apesar de todo
o constrangimento e toda a tristeza que sentia, pensa que o melhor será deixar
tudo como está, Madalena com Manuel, e toda a família que construíram os dois.
Pedro
José Cid conta a lenda de D. Sebastião
nesta canção (originalmente, do Quarteto 1111, de que Cid era vocalista). Começa de uma forma curiosa, afirmando que o rei fugiu de Alcácer
Quibir (“Fugiu de Alcácer Quibir / El Rei D. Sebastião / Perdeu-se num
labirinto / Com seu cavalo real”), destacando o seu carácter fraco e o facto de
não ter morrido na batalha. A imagem do labirinto e do cavalo real ajudam a
criar a atmosfera fantástica propícia à invenção de lendas. A canção
representa, portanto, o sebastianismo, a crença de que D. Sebastião iria
regressar a Portugal e retomar o trono.
O sebastianismo está presente na peça Frei Luís de Sousa, de Almeida Garrett, sobretudo nas personagens Telmo e Maria. Maria ouve as histórias contadas por Telmo, que dizem que D. Sebastião irá voltar para Portugal (“…é o da ilha encoberta onde está el-rei D. Sebastião, que não morreu e que há de vir um dia de névoa muito cerrada…”, Ato I, cena III).
Eram muitos os crentes no
sebastianismo, como diz a canção, tanto “Bruxas e adivinhos” como “Pastores a
trovadores”, todo o povo acreditava que D. Sebastião iria voltar. Maria também
acredita nesses mitos e acha a confiança do povo de que esses mitos iriam
tornar-se realidade tão grande que atribui a voz do povo à voz de Deus (“–Voz
do povo, voz de Deus” (…) eles que andam tão crentes nisto, alguma coisa há de
ser.”, Ato I, cena III).
Madalena desaprova as conversas de Telmo
com Maria sobre D. Sebastião e diz que “o povo, coitado, imagina essas quimeras
para se consolar da desgraça” (Ato I, cena III), que é a perda da
independência. Mas a mãe de Maria tem uma razão bem menos patriótica para não
acreditar nesses mitos, já que associa a vinda de D. Sebastião ao regresso do
seu primeiro marido, o que lhe provoca verdadeiro terror (“hoje (…) faz anos
que se perdeu el-rei D. Sebastião”, Ato II, cena X).
Manuel de Sousa também não gosta que se
fale do regresso do rei, pois também sente nesse retorno uma ameaça, como diz
Maria: “…parece que o vinha afrontar, se voltasse, o pobre rei” (Ato I, cena
III).
Telmo, por seu lado, nunca perdeu a esperança
na volta do seu amo – “Mas não se ia sem aparecer também ao seu aio velho” (Ato
I, cena II) –, que acompanhou D. Sebastião na batalha de Alcácer-Quibir e, tal
como Madalena, associa a vinda do rei ao regresso de D. João.
Maria é a personagem que mais mantém viva a
crença no sebastianismo, como refere na sala dos retratos: ”aquele do meio (…)
é o do meu querido e amado rei D. Sebastião” (Ato II, cena I). Tal como a
canção diz, os que disseram ser o rei foram desmentidos, “falcatos”, “ciganos”,
“todos”. Assim tenta-se apagar a lenda, mostrando os “farrapos” e o “nevoeiro”
de que ela se compõe. É apenas uma lenda formada” Entre a bruma do passado”,
pois a realidade mostra “que nunca mais voltou / El Rei D. Sebastião”.
Ricardo N.
Se a peça Frei Luís de Sousa tivesse uma
banda sonora, seria, para mim, o Requiem de Mozart. Apesar de esta música ter
menos cinquenta e três anos que a peça de teatro e ser uma música clássica, e
não romântica, é impossível não ligar a sonoridade trágica da peça fúnebre do
compositor austríaco ao drama romântico de Almeida Garrett. Como tal,
diante das várias secções em que se divide o Requiem, escolhi a mais famosa: Lacrimosa.
“Lacrimosa dies illa / qua resurget ex
favilla / judicandus homo reus.” (“naquele dia de lágrimas e tristeza / No
qual, ressurgirá das cinzas, / Um homem para ser julgado”) pode ser logo uma
referência ao dia do retorno de D. João de Portugal ao seu palácio. Antes desta
cena, a peça já estaria a preparar um acontecimento trágico que iria acontecer
num futuro próximo, pois D. Madalena estaria a ficar cada vez mais ansiosa à
medida que o tempo passava, exprimindo esse comportamento perante
acontecimentos como a queima do retrato de Manuel de Sousa Coutinho (“Meu Deus,
meu Deus!... Ai, é o retrato do meu marido!... Salvem-me aquele retrato!”) e na
breve partida do seu marido e da sua filha, em que Madalena chora. Estes
acontecimentos irão culminar num dia de tristeza, culpa e medo, pois aquilo que
temeria desde o início da peça acontecerá: o regresso de D. João de Portugal, o
tal “dia de lágrimas e tristeza, / No qual, ressurgirá das cinzas, / Um homem
para ser julgado”.
Após saber que D. João vive, Manuel de
Sousa Coutinho e Madalena de Vilhena caem em si com uma culpa enorme e com o
desgosto de terem tido uma filha fruto do pecado. Ora os versos do Requiem “Huic
ergo parce, Deus, pie Jesu Domine, dona eis requiem.” (Portanto, poupe-o, ó
Deus. / Ó, misericordioso, Senhor Jesus, / dá-lhes repouso eterno.) exprimem a
culpa do casal e o desejo de serem perdoados. Visto que os versos estão
escritos na terceira pessoa, como se alguém estivesse a falar da família,
imagino que Jorge poderá ter dito isto, pois percebe-se que Jorge, para além de
ser a pessoa mais ligada à religião (e nesta secção, vê-se muito vocabulário
religioso), é o cunhado confidente e conselheiro de Madalena, tendo uma vez
dito a Manuel para pôr “nas suas mãos esse pobre coração, pões no resignado e
contrito, meu irmão, e Ele fará o que em Sua misericórdia sabe que é
melhor.”
Por fim, considero que esta peça fúnebre
que Mozart escreveu mesmo no final da sua vida resume perfeitamente a peça. O
início é melancólico, o meio é o pico da tragédia e o fim transmite um certo
sentimento de esperança e aceitação, como se fosse um ponto de viragem das
coisas, que foi o que aconteceu no final da peça de teatro: tudo o que sucedeu
com D. João até à morte de Maria culminou na mudança completa na vida do casal,
que se voltou para a igreja.
Vasco
A canção “E Depois do Adeus”, premiada com
o primeiro lugar no Festival da Canção em 1974, foi uma das senhas para o
arranque do golpe de estado militar na madrugada de 25 abril do mesmo ano. Esta
canção ficou para sempre associada à Revolução que mudaria o destino de
Portugal.
Escolhi esta canção, cantada por Paulo de
Carvalho, não só pela sua simbologia, mas também pelo facto de a palavra do
título do poema de José Nisa, “Adeus”, poder ser relacionada com a globalidade
da ação de Frei Luís de Sousa, de Almeida Garrett.
“Quis saber quem sou” é o primeiro verso do
poema que, desde logo, se relaciona com a obra, na medida em que, no final do Ato
II, Frei Jorge faz a derradeira pergunta: “Romeiro, Romeiro! Quem és tu?!”
obtendo a resposta “Ninguém!” “(Apontando com o bordão para o retrato de D.
João de Portugal)” indicando para o seu próprio retrato) da parte do Romeiro.
O terceiro verso, “Quem me abandonou”,
remete-nos, de imediato, para D. João, que se sente abandonado por todos,
principalmente por D. Madalena, que o abandonou desde o momento em que aceitara
casar com Manuel de Sousa Coutinho. D. João tomou consciência de que perdera o
seu lugar num mundo que já fora o seu, pois D. Madalena voltara a casar. O seu
próprio palácio estava habitado pelo novo casal. De facto, o seu regresso não
lhe traria a família de volta, mas destruiria a atual.
D. João, ao contrário do que a canção diz (“De
quem me esqueci”) e apesar de ter estado longe, nunca se esqueceu da família,
nem da pátria, vivendo na esperança de que também ele não tivesse sido
esquecido.
O verso “Perguntei por nós” sugere as
dúvidas que D. João teve ao regressar a Portugal, a Lisboa, a Almada. Será que
a sua família ainda desejava o seu regresso? Será que tal como D. Sebastião, o Desejado,
pelo povo português, também o seu regresso seria desejado? Será que, ao
regressar à sua casa, D. Madalena ainda o receberia com um “Nós”, enquanto
casal, ou seja, marido e mulher?
A segunda estrofe remete-nos para o
passado, para os vinte e um anos em que D. João, separado pelo “mar”, nunca
deixara de amar D. Madalena, pois apesar da distância, da tristeza e do sofrimento,
“Em silêncio” continuara a lembrar-se dela.
Esta ideia é continuada, paralelamente, na
terceira estrofe, através da metáfora do primeiro verso, “Partir é morrer”, na
medida em que se subentende que o ato de partir, implica sempre um “Adeus”,
isto é, uma separação, podendo esta ter, ou não, regresso. Para D. Madalena, a
partida de D. João para Alcácer-Quibir poderia ser um último “Adeus”, caso D.
João tivesse morrido na batalha, patrioticamente. Também D. João, ao dizer
“Adeus” a D. Madalena, poderia ser o último, se ele morresse. Apesar de ambos
pensarem num último “Adeus”, o amor e, consequentemente, a saudade não seriam
recíprocas.
A quarta e quinta estrofe remetem-nos para
o conflito interior de D. João ao lembrar o início da sua relação, apaixonando-se
por D. Madalena: “Tu vieste em flor; Eu te desfolhei, Em teu corpo, amor; Eu
adormeci”. Porém, ao contrário da letra do poema de José Nisa, foi D. Madalena
que não deu amor a D. João, uma vez que o casamento de ambos terá sido imposto
pela família, razão pela qual ela nunca amou D. João da mesma forma que ele a
amou. Esta é a razão de, ainda casada, se apaixonar por Manuel de Sousa
Coutinho.
Assim, apesar do que sofreu, apesar de tudo
a que tem direito, o Romeiro abdica do seu regresso à vida para não desonrar a
mulher que tanto ama. Reconhece que foi tudo uma fatalidade: (“Minha dor que
aprendi”) e o seu regresso já não fará a felicidade de ninguém, nem mesmo a sua:
(“Tua paz que perdi”), revelando uma enorme grandeza de caráter.
O Romeiro decide desaparecer, dizendo
“Adeus”, para poder deixar que os outros prossigam a sua vida.
Parece-me ser possível relacionar o título
da canção “E depois do Adeus” com a globalidade da obra de Garrett: após D.
João ter dito “Adeus”, D. Madalena e Manuel de Sousa Coutinho disseram “Adeus”
às suas vidas, afastando-se da vida secular, enquanto marido e mulher, para ir
viver num convento. Também Telmo e Frei Jorge dizem “Adeus” despedindo-se,
respetivamente, dos seus amos e dos seus familiares, aceitando a sua decisão.
Maria, a única que morre fisicamente, despede-se da vida depois de testemunhar,
o “Depois do Adeus” dos seus pais, morrendo “de vergonha”.
Vicente
Ao ouvir o fado “As duas faces do amor”,
cantado por Celeste Rodrigues, uma artista falecida recentemente, já
muito idosa, e que, há poucos anos, chegou a cantar e a fazer um disco com
Madona, lembrei-me de Frei Luís de Sousa. Penso que o ritmo melancólico e a
letra claramente romântica deste fado se adequam perfeitamente à obra escrita
por Almeida Garrett. O título do fado faz-me pensar na vida de D. Madalena,
casada muito nova com um homem mais velho que, a acreditar em Telmo, seu aio,
muito a amava, sendo isso que D. Madalena pensava ser o amor (“Antes de amar eu
julgava / Que o amor que alguém me desse / Jamais morresse…”). Mas D. Madalena
não amava realmente esse homem, tinha por ele “respeito, devoção, lealdade”,
como “tão nobre e honrada senhora” que era, como lhe diz Telmo, na cena 2 do I
ato.
“Mas um dia tu chegaste / E depressa me
provaste / Como eu andava iludida”, canta a fadista, e é isso que acontece
quando D. Madalena vê “pela primeira vez a Manuel de Sousa”. A paixão é
imediata, mas é proibida, pois D. João de Portugal está vivo. Madalena guardará
sempre a seu marido “a grosseira fidelidade que uma mulher bem nascida quase
que mais deve a si do que ao esposo”, confessa ela a Frei Jorge, na cena 10 do
II ato. Conhece, então, “as duas faces do amor”: ao marido, guardará sempre
respeito e fidelidade, mas nunca lhe terá amor, deixando esse sentimento para o
amante, não no sentido exato do termo, mas querendo dizer aquele que ela ama em
segredo, segredo esse de que D. João não se apercebe, mas que Telmo descobre e,
por isso, o leva a sentir os ciúmes que o seu amo não tinha.
A batalha de Alcácer Quibir mudará a
situação de D. Madalena. D. João não regressa, sua mulher procura-o durante
sete anos, gastando muito dinheiro para tentar encontrá-lo entre os que ficaram
prisioneiros dos mouros. Ao fim desse tempo, e segundo ela diz a Telmo, resolveu-se
“por fim a casar com Manuel de Sousa, foi do aprazimento geral das famílias, da
própria família do primeiro marido”. Para Telmo, D. Madalena deveria ter
esperado pelo regresso de D. João que, “vivo ou morto”, ainda a quereria ver
mais um dia na vida. Mas ela não fez isso e casou “com o homem a quem sempre
(quisera) mais sobre todos”. Essa escolha levou D. Madalena a “trocar
pela verdade / a felicidade” visto que, no fundo do seu coração, ela tem a
certeza de que o primeiro marido não morreu e, por isso, vive continuamente em “tormento”
— “As duas faces do amor/ Uma canta, a outra chora / Uma é riso, a outra é dor”,
como se pode verificar na cena 1, do I ato: “Oh! que amor, que felicidade...
que desgraça a minha!”.
Se a relação de D. Madalena com D. João, a
partir do momento em que ela conhece Manuel de Sousa, passa a ser uma “mentira”,
também o é o casamento com Manuel de Sousa, como se descobre com a chegada do
Romeiro, que mostra que D. João está bem vivo. Assim, ao verificar a identidade
do Romeiro, Manuel de Sousa “troca pela verdade a felicidade”. Decide que ele e
sua mulher entrarão num convento, para sempre separados, sem viverem mais o
amor humano que os tinha unido. D. Madalena não mais cantará, viverá num “tormento”
terrível porque a “verdade” implica o fim da “felicidade”.
Por um lado, sente-se feliz com Manuel de
Sousa, por outro, tem a completa noção de que existe uma possibilidade de D.
João estar vivo pois é muitas vezes relembrada desse facto por Telmo como
podemos constatar na cena dois do primeiro ato: “É verdade que sim! A morte era
certa. E não há de morrer: não, não, não, três vezes não”. Durante toda a obra
Madalena vive com o tormento do regresso do seu antigo marido, não conseguindo
desfrutar do seu segundo casamento. O primeiro verso deste fado — “Antes de
amar eu julgava que o amor que alguém me desse jamais morresse e que todo o
juramento um ao outro repetido fosse cumprido” — pode ser relacionado com D.
João porque este nunca pensou que, depois do seu casamento e do juramento em
plena cerimónia por parte de ambos de que iam ficar juntos para sempre, fosse
acabar desta forma tão trágica. A outra parte do verso (“Mas um dia tu chegaste
e depressa me provaste como eu andavas iludida”) remete para a cena catorze do
terceiro ato, quando o romeiro, que era D. João disfarçado, revela a Madalena a
sua identidade e esta cai na realidade de que o seu ex-marido estava realmente
vivo contra todas as suas expectativas e, a partir daí, toda a vida de ilusão
que esta levava, de um momento para o outro, desapareceu. No refrão, a fadista
volta a fazer referência às duas faces do amor, que nesta obra pode ser
interpretada como os dois casamentos de D. Madalena, um feliz e outro triste. A
penúltima estrofe do refrão — “Se alguma vez, te deixarem circunstâncias iguais
sem mais, nem mais e sofreres este tormento de trocar pela verdade a
felicidade” — pode-se aplicar à situação que a própria Madalena criou, ou seja,
esta declarou o seu marido como morto na batalha e foi ter uma nova família com
outro homem, mas apesar de toda a felicidade no novo casamento, sempre viveu
com o tormento da possibilidade de o seu marido estar vivo e ao voltar da
batalha lhe ir bater à porta. No fundo, como se diz nessa estrofe, Madalena
decidiu trocar a verdade pela felicidade.
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