Frei Luís de Sousa e canção pelo 11.º 2.ª
Santos
Quando ouvi a música “Lisboa”, do grupo
Tara Perdida, cantada pela primeira vez por Vítor Matos, João Ribas, Rui Costa
e Hélio Moreira, em 1995, no bairro de Alvalade, no Dia de Portugal, de Camões
e das Comunidades, reparei de imediato em semelhanças entre a canção e a peça Frei
Luís de Sousa. Quer na letra da música quer na sua estrutura, a canção
começa com um tom suave, como se da memória de alguém se tratasse, aumentado
progressivamente à medida que o refrão aparece pela primeira vez e por daí
adiante, num tom já mais desesperado e cheio de saudade.
Este momento, claramente marcado e já dito
anteriormente pela saudade, identifica-se precisamente no momento em que D. Madalena,
nobre portuguesa, casada com Manuel de Sousa Coutinho, do qual tem uma filha,
Maria, vê-se obrigada a abandonar a sua casa, devido à futura presença dos
castelhanos. Naquele ato da peça, Madalena olha triste para a sua casa (”Que
fazes, que fizestes? Que é isto, oh! Meu Deus!”), incendiada propositadamente
pelo segundo marido, Manuel de Sousa Coutinho, para evitar a presença dos
castelhanos naquele lugar.
Também na fuga da família de D. Madalena,
esta não para de pensar na casa anteriormente incendiada e na casa para onde
irão, que Madalena detesta devido ao facto de ser o palácio do seu primeiro
marido, D. João de Portugal, supostamente morto na batalha de Alcácer Quibir,
aumentando-lhe assim a saudade da sua casa incendiada (“A lembrança de quem
quer ficar”) e a angústia por saber que não voltará àquele lugar.
A obra inteira e, em particular, este ato
(quando Madalena não quer ir para casa do primeiro marido) desenvolvem-se tendo
por base a acreditada “sombra” da presença de D. João de Portugal, que Madalena
imagina pairar sobre a sua nova família, prestes a trazer grandes desgraças que
irão concretizar-se ao longo da peça.
Pode dizer-se que D. Madalena é uma
personagem caracteristicamente rica e complexa, com uma personalidade densa e
lúgubre, tal como a sua própria existência.
Tal como na peça, a canção mostra-nos que a
cidade de Lisboa afetou os sentimentos do autor, que outrora abandonou a cidade
(“Confrontando a saudade que sinto/na hora de te abandonar”), e esclarece que
Lisboa, sendo a sua terra natal, isto é, onde nasceu, teve um grande impacto na
vida e, especialmente, nas emoções do autor.
Afonso
Escolhi uma música com um contexto algo
intenso, dramático, quase como um grito de revolta e desespero que resulta de
uma relação entre dois seres, D. Madalena e D. João de Portugal, que, de algum
modo, estão presos um ao outro e se destroem por isso, não conseguindo alcançar
a “paz” e “felicidade” ao “libertarem-se”. Essa canção é “Chaga”, de Ornatos
Violeta, composta e interpretada por Manuel Cruz.
D. João, com quem D. Madalena havia casado,
era uma chaga na sua vida. Logo na primeira cena, esta afirma viver em
“contínuos terrores que ainda não me deixaram gozar um só momento de toda a
imensa felicidade (…) que desgraça a minha!”. Diria que a recordação dos laços
de casamento deste casal pode ser descrita pelos versos da música de Ornatos
Violeta “Foi como entrar / Foi como arder / Para ti nem foi viver / Foi mudar o
mundo / Sem pensar em mim”, uma vez que ele acabou por ir lutar para Alcácer-Quibir
e ela ficara só, sentindo-se abandonada, tendo acabado por casar com outro
homem, Manuel de Sousa Coutinho. Sim, durante sete anos, D. Madalena esperou
por D. João, mas o tempo acabou por passar — “Mas o tempo até passou / E és o
que ele me ensinou / Uma chaga pra lembrar / Que há um fim” — e ensinar-lhe que
há um fim, ou o início de uma grande paixão por Manuel de Sousa Coutinho.
D. Madalena acaba por viver “em pecado”
este seu novo amor, de que até nasce uma filha, Maria. A letra da canção faz-me
imaginar uma situação em que, hipoteticamente, D. João a interrogasse (“Diz sem
querer poupar meu corpo / Eu já não sei quem te abraçou / Diz que eu não senti /
Teu corpo sobre o meu”), depois de a ouvir chamar “Meu marido, meu amor, meu
Manuel!” (ato III, cena VI).
“Não vai haver um novo amor / Tão capaz e
tão maior / Para mim será melhor assim / Vê como eu quero / Eu vou tentar / Sem
matar o nosso amor / Não achar que o mundo feito para nós” podiam muito bem ser
as palavras que D. Madalena diria a Manuel de Sousa Coutinho, uma dissonância
entre um tão grande amor, que acaba por ser impossível. Ela sabe que o mundo
não foi feito para eles, uma vez que o seu marido há de voltar/voltou ou pelo
menos será sempre uma chaga que a corrói — “Uma chaga p’ra lembrar que há um
fim”, já que a chegada de D. João torna inválido o casamento de D. Madalena e
torna ilegítimo o nascimento de Maria.
Pessoalmente, gosto muito de Manuel Cruz e
penso que a atitude com que interpreta esta música, num tom de desespero
absoluto, se enquadra muito bem nesta obra dramática de Garrett.
Alice
Quando ouvi a música “Atlantis”, da dupla
britânica Seafret, pude logo notar semelhanças entre a canção e a peça de
Almeida Garrett, Frei Luís de Sousa, na estrutura da música e,
principalmente, no seu significado. “Atlantis” começa com uma calma sequência
de acordes, numa viola acústica, mas desenvolve-se rapidamente para uma música
forte, com emoção e com sofrimento que me fez lembrar a evolução da peça.
Apesar de todas as personagens de Frei Luís de Sousa sofrerem desde o
princípio, as tragédias vão-se acrescentando e o clima torna-se cada vez mais
tenso, o que nos vai preparando para o triste e angustiante final. Contudo, o
que me chamou à atenção no single principal do álbum Tell Me It’s Real
foram todas as metáforas presentes na letra. “I can't save us / My Atlantis, we
fall / We've built this town on shaky ground [Não nos posso salvar / Minha
Atlântida, nós caímos / Construímos esta cidade num terreno instável]” são os
primeiros versos do refrão, que descrevem perfeitamente o relacionamento de
Dona Madalena de Vilhena com Manuel de Sousa Coutinho, tal como o seu próprio
fim. A queda da Atlântida serve como metáfora para o fim do casamento dos dois
amantes, que não o conseguiram salvar. Desde o princípio da peça que se cria um
clima de agoiros e presságios de que D. João de Portugal, ex-marido de
Madalena, supostamente morto na batalha de Alcácer Quibir, irá regressar (“é um
cavaleiro da família do meu outro amo que Deus… que Deus tenha em bom lugar.”).
Esta dúvida é o “shaky ground [terreno instável]” a que a música se refere, já
que a relação entre Manuel e Madalena nunca foi totalmente segura, deixando
Madalena sempre receosa e angustiada com o possível regresso de D. João, que
acabaria com a vida feliz que levava. O fim previsível da tragédia confirma-se,
voltando D. João em forma de Romeiro, “derrubando” (“pull down”) a família
Vilhena-Coutinho. A reação de Madalena ao ouvir o “Ninguém” é compreensível e
revela uma certa inocência (“mas não daríamos nós, com demasiada precipitação,
uma fé tão cega, uma crença tão implícita a essas misteriosas palavras de um
romeiro, um vagabundo…”). Apesar de o Romeiro vir confirmar todos os seus
presságios, Madalena prefere continuar a não acreditar no que tanto temia,
quando a realidade finalmente lhe vem bater à porta. “Tell me why this has to
end [Diz-me porque é que isto tem de acabar]” é o que Madalena perguntaria,
pois queria salvar o casamento, não acreditando que estava a pecar e que teria
de acabar com a vida feliz que tinha contruído com o único homem que alguma vez
amara. Madalena e Manuel não conseguem fugir ao destino traçado pelo seu
pecado. A história acaba de uma maneira angustiante e dolorosa: o casal é
obrigado a separar-se e a deixar a vida secular para trás, e o fruto do seu
amor, Maria, morre tragicamente (“Minha mãe, meu pai, cobri-me bem estas faces,
que morro de vergonha…”). Tal como na música, também Madalena e Manuel perderam
tudo, “Losing everything I've ever known [Perdendo tudo o que alguma vez
conheci]”, perderam a filha que amavam, perderam-se um ao outro, acabando em
angústia e sofrimento.
Rafa
Por entre tantas outras possíveis canções e
para caracterizar, em grande parte, a peça de Almeida Garrett, optei pela
canção “Não aprendi a dizer adeus”, de Leandro e Leonardo, para a relacionar
com este drama. Leandro e Leonardo, os cantores desta melodia, transformaram em
música a dor do adeus e ensinaram que não é fácil acostumar-se com a distância
que nos separa de quem amamos, o que, de certa forma, se relaciona com o drama,
mais rigorosamente com a cena I do ato III, quando Manuel de Sousa se apercebe
de que sua filha, Maria, de quem ele tem um grande afeto, está-se a debilitar
aos poucos e que a pode perder a dada altura.
Ao folhear as páginas já nas últimas cenas
da peça Frei Luís de Sousa, uma das personagens que mais se destaca,
Manuel de Sousa, mostra sentir-se tremendamente infeliz, inquieto e abalado
devido à ilegitimidade da filha, pela qual se sente responsável. Manuel foca a
sua preocupação nas consequências que os novos desenvolvimentos terão na frágil
saúde de sua filha, Maria, e nas reflexões sociais da sua ilegitimidade. Ele
está certo de que a sua filha acabará por morrer com toda esta «afronta» que
lhe é feita, pois a doença vai-a enfraquecendo, não conseguindo lidar com todo
aquele embaraço.
“Não aprendi a dizer adeus / Não sei se vou
me acostumar / Olhando assim nos olhos seus/ Sei que vai ficar nos meus / A
marca desse olhar” são versos da canção entoada pelos irmãos que, de certa
forma, fazem referência ao desânimo de Manuel de Sousa, pois este, mesmo tendo
certezas de que a morte de Maria está certa (“Oh, minha filha, minha filha! (silêncio
longo.) Desgraçada filha, que ficas órfã! Órfã de pai e de mãe. (pausa) e de
família e de nome, que tudo perdeste hoje”), não se consegue conformar com a
morte da filha, sentindo-se responsável pela mesma.
“Não tenho nada para dizer / Só o silêncio
vai falar por mim / Eu sei guardar a minha dor”, corresponde ao estado de
espírito de Manuel, que se apresenta agora emotivo e atormentado, sobretudo em
relação ao destino de Maria. No entanto, ele mostra ter um carácter forte e não
deixa os seus sentimentos apagarem a clareza do espírito, agindo sempre de
forma equilibrada, em oposição a Madalena.
Todavia, perante a situação de Maria,
enquanto sujeito da letra da canção encoraja-se para a perda “apesar de tanto
amor vai ser melhor assim”, Manuel, por um lado, deseja que Maria viva, pois no
meio de todo este enredo é uma vítima inocente (“Peço-te vida, meu Deus,
peço-te vida, vida… vida para ela,”), e, por outro lado, chega a afirmar que
prefere vê-la morta pela doença que a consome (“meu Deus! eu queria pedir-te
que a levasses já”), do que por vergonha pela situação de ilegitimidade em que
agora se encontra, pois tem consciência de que Maria poderá ser vista com desigualdade
pela sociedade, o que poderá abalá-la (“vai cair toda essa desonra, toda a
ignomínia, todo o opróbrio.”).
Os versos “Não aprendi a dizer adeus / Mas
tenho que aceitar / Que amores vem e vão, são aves de verão / Se tens que me
deixar / Que seja então feliz”, diriam então que Manuel terá de se conformar
com o final de Maria e que o seu sofrimento não o impede de aceitar com
resignação a solução de ingressar numa ordem religiosa.
Gabriela
O tema “Easy” [Fácil], de Troye Sivan,
retrata o término de uma relação e o misto de emoções que provoca. Pode ser
interpretado por personagens de Frei Luís de Sousa, obra de Almeida
Garrett, se assim se aplicar o contexto dramático.
«I went astray to make it okay / And he
made it easy, darlin’» [Eu desviei-me para poder fazer com que tudo ficasse bem
/ E ele fez com que fosse fácil, querida] contemplam os versos iniciais, onde
se obtém essencialmente João de Portugal, pelo desvio que teve que tomar no seu
relacionamento com Madalena de Vilhena, a «funesta jornada de África», e pela
facilidade com que Madalena lidou com essa ausência, pois abriu-lhe portas para
um relacionamento com Manuel de Sousa Coutinho, por quem se tinha apaixonado
ainda casada com João («(...) começou com um crime, porque eu amei-o assim que
o vi... (...) foi em tal dia como hoje! — D. João de Portugal ainda era vivo!
(...)»).
Em «I’m still in love, and i say that
because / I know how it seems, between you and me / It hasn’t been easy,
darlin’» [Eu ainda estou apaixonado, e digo isso porque / Eu sei o que parece,
entre nós os dois / Não tem sido fácil, querida] ainda abundam os sentimentos
de João, que, no seu regresso, que tinha como objetivo reencontrar Madalena após
os vintes anos em que estivera desaparecido, «nem parar estes pés dia nem
noite, para chegar aqui hoje», anunciou anonimamente que ainda estava vivo («um
homem que muito bem lhe quis aqui está vivo por seu mal»). Não era fácil para
ambos lidar com o desaparecimento de João e o seu regresso ainda piorou a
situação, confirmando como pecado o casamento de Madalena com Manuel.
A segunda parte do refrão desta canção
pode-se aplicar à perspetiva de Madalena, simbolizando a angústia e o medo que
sente constantemente: «This house is on fire, woo! / Burning the tears right
out my face / What the hell did we do?» [Esta casa está a arder, woo! /
Queimando as lágrimas da minha cara / O que raio fizemos nós?] traduzem os
pensamentos de Madalena perante a mudança à qual a sua família se sujeitou
depois de Manuel incendiar o palácio onde viviam «(Arrebata duas tochas das
mãos dos criados (...) atira com uma para dentro (...) Vai ao fundo, atira a
outra tocha)» e, consequentemente, o seu próprio retrato, que era muito importante
para Madalena, representando o início da recaída da família («Ai, é o retrato
do meu marido!... Salvem-me aquele retrato!»).
O facto de João estar vivo confirma as
previsões e as ameaças irreais presentes na sua cabeça sobre o futuro da
família. Madalena fica devastada e entra em desespero emocional, pois quer
acreditar que o seu casamento ainda pode ser salvo: «Tell me we’ll make it
through / (...) / Please, don’t leave me» [Diz-me que vamos ultrapassar isto /
(...) / Por favor, não me deixes].
Manuel Coutinho encaixa na segunda estrofe
da canção («What’s left on the dance? / The smell on my hands / The rock in my
throat, a hair in my coat» [O que resta da dança? / O cheiro nas minhas mãos /
O aperto na minha garganta, um cabelo no meu casaco]) traduzindo,
metaforicamente, que a essência do casamento tinha-se desvanecido,
questionando-se então sobre o que lhes restava. «The stranger at home, my
darlin’ / Like some kind of freak, my darling» [O estranho em casa, minha
querida / Como um tipo de aberração, minha querida] transpõe o que realmente
lhes resta, a confusão e o desassossego causado pelo regresso do Romeiro,
referindo-se a ele como «kind of freak» [um tipo de aberração]. Nada de bom
parecia restar-lhes, tendo em conta que até a sua filha Maria morrera de
vergonha do pecado confirmado no casamento.
João
Apesar de na peça Frei Luís de Sousa
o enredo se desenvolver em Almada e a canção decorrer no Norte, os dois textos
têm algumas parecenças como sejam os locais de que se fala, Almada e Serra do
Pilar, que são fronteiriços às duas cidades mais importantes de Portugal em
termos de comércio e emprego, Lisboa e Porto, sendo destas apenas separados por
um rio, sendo o Tejo o de maior largura. O “eu” desta canção fala de uma mulher
linda, porém triste e a chorar, talvez pela falta de companhia (“Quem te vê ao
vir da ponte/ És cascata, são-joanina/ Dirigida pelo monte / No meio da
neblina… / Ver-te assim abandonada/ Nesse timbre pardacento / Nesse teu jeito fechado
de quem mói um sentimento”). Nesta parte da letra cantada por Rui Veloso é
possível encontrar certas equivalências com o texto de Almeida Garrett pois há semelhanças
desta menina nos dois documentos.
Madalena também vivia cabisbaixa e no medo
de algo que a impedia de ser feliz, quando esta saí do palácio de Manuel de
Sousa (“velho casario que se estende até ao mar”) e vai para o antigo palácio
de D.João de Portugal seu ex-marido, sente-se triste e isolada: Manuel está
fora, Maria e Telmo também, Madalena fica triste e desanimada não só por estar
sozinha mas também pelo receio e pelo pressentimento que tem de que João de
Portugal ainda não morreu, devido a Telmo que não crê que o seu amo morreu (“Terá
…”, cena II). Em “Porto Sentido”, o sujeito poético é uma luz entre a escuridão
que Madalena, à semelhança do sujeito poético, também sente, uma possibilidade
de uma vida feliz com Manel de Sousa, assombrada pela hipótese de D. João de
Portugal ainda ser vivo. Madalena, tal como diz na quinta estrofe, sempre que
volta a casa, palácio do seu ex-marido, e o revê na sua altivez, sente remorsos,
por um sentimento de culpa, de ter traído o seu marido.
Concluindo, o sujeito lírico da canção de Rui
Veloso, através das últimas duas estrofes, numa melodia triste, incentiva a
triste da mulher que vive para lá da ponte, que tem um sentimento que não pode
exprimir livremente, porque não é correto. Madalena, da mesma maneira, ama
Manuel de Sousa Coutinho, mas não pode exprimir esse sentimento devido ao seu
sentido de culpa e ao seu triste passado, ficando dessa forma abandonada nesse
seu sentimento.
Zé D.
A canção que melhor interpreta Frei Luís
de Sousa é, na minha opinião, “Tightrope”, escrita por Xxxtentacion. O
instrumental desta música é feito por Scott James e intitula-se “Ropes”.
“Don’t leave this town my dear” (“Não
saias desta lugar, meu/minha querido/a”) é representativo de algumas partes da
história em que Madalena pede desesperadamente para não a deixarem: quando
Manuel está a incendiar o seu palácio, Madalena implora para não voltar para a
casa onde tinha vivido com D. João de Portugal (“Mas oh! esposo da minha alma…
para aquela casa não, não me leves para aquela casa!”); ou quando Manuel
Coutinho e Maria estão de saída para Lisboa e a vão deixar sozinha (“E tua mãe,
filha, deixa-la aqui só, a morrer de tristeza?”).
“The boy with the broken heart, his goal is
to rip everything apart” (“O rapaz com o coração partido quer estragar tudo”) é
o que Jorge e talvez Madalena achem que João quer fazer. Na realidade, não era
essa a intenção do romeiro, como diz a Telmo: “Basta: vai dizer-lhe que o
peregrino era um impostor”.
"Cannot heal all the hearts I’ve
broke” (“não consigo curar os corações que já parti”) para mim, representa o
que D. João de Portugal sente quando diz a Telmo para se dirigir a Manuel e
dizer-lhe que o romeiro era um impostor.
“I could not sleep at all, I’m clinging on
for hope, I need you as I’m close” (“Não consegui dormir, estou a aguentar-me
com esperança, preciso de ti”) poderia ser uma das últimas falas de Maria,
quando diz que não conseguia dormir porque um anjo a vinha arrancar dos braços
da mãe e a fazia chorar quando seu pai a ia beijar.
Larissa
A canção que escolhi foi «Telling Myself»,
de Joshua Bassett. À primeira, não achei essa letra muito boa para o trabalho,
mas, quando ouvi pela segunda vez, percebi que talvez estivesse errada.
Imaginamos que quem está cantando é
Madalena. No começo diz-se: «Started out, started out so simple /
We were running ‘round, running ‘round like children / How did we allow, we
allow this story / To fall so south?» (Começou
tão simples / Estávamos correndo por aí como crianças / Como deixámos essa
história? / Ficar tão trágica?). Essa parte pode representar o quanto Madalena,
possivelmente, está arrependida de ter casado com Manuel. Em «What
were we, what were we both thinking? / We were so naive, so naive believing /
We were still happy / still happy/ How could I ignore my doubts?» ( O que estávamos pensando / Éramos tão
inocentes achando / Éramos felizes / Como eu ignorei as minhas dúvidas), na
minha opinião, está a parte que fazia mais sentido com a peça: «Madalena» diz
que não deveria ter começado nada com Manuel, por mais que fosse feliz, pois
ela ainda tinha dúvidas acerca do paradeiro de D. João de Portugal.
Vejamos o refrão,
«I keep on telling myself, we have something good/ But did we stay together
longer than we should?» (Continuo
me dizendo que tivemos uma coisa boa/ Mas talvez ficamos juntos por mais tempo
que deveríamos?): Madalena já estava apaixonada por Manuel antes da batalha de
Alcácer Quibir, e ela não acha não gostar de Manuel, mas, por ela, talvez tudo
o que aconteceu se devessem a terem ficado juntos, quanto não deveriam. No
trecho «Were we just playing pretend because we could / Was it really that
good?» (Isso tudo só era um
ato, por que nós podíamos / Foi realmente bom?), vejo Madalena numa crise,
tentando convencer-se de que não amava Manuel, mas, na verdade, ela não podia
sair da realidade. Nesta próxima parte veremos ela ainda tentando se convencer
do contrário para diminuir a dor e se perguntar se tudo realmente valeu a pena,
a morte de Maria e como os dois agora tiveram que abdicar da vida secular: «I
keep on telling myself, it's not what it was / Did we just want to believe that
this was love? / Was it really worth the trouble that it caused? / Look where
we ended up» (Continuo me dizendo que não foi o que acho / Será que apenas
queremos acreditar que foi amor / Será que todo esse problema valeu a pena? / Olha
para onde estamos agora).
Nos versos «Don't
pretend, don't pretend you're all of sudden / Innocent, innocent, my darling /
How could you forget, you forget / The first half of the story now?» (Não finja que de repente você é
completamente inocente, querido / Como poderia esquecer a primeira parte de
história?), eu não diria que é a Madalena «discutindo» com Manuel, mas acho que
ela está tentando colocar culpa nele para se sentir melhor na situação. Até
porque foi Manuel que tomou a primeira decisão de largar a vida secular; então,
penso que Madalena quer dizer que não é para apenas ele ser visto como o bom da
história, mas também temos de lembrar que ele a fez se apaixonar no
começo.
«And now there you're gone / I see it all
clearly / And don't get me wrong / I wouldn't change a thing» (E agora que você
foi embora / Tudo está muito claro / Não me entenda mal / Eu não mudaria nada):
quando Madalena descobriu que D. João de Portugal não estava morto, ela tentou
se desviar da verdade, mas, agora, ela não o consegue mais. Mesmo que tudo
tenha acontecido e ela viva com remorsos da morte de Maria e dela mesma, a
antiga Madalena, ela iria fazer tudo de novo, pois, no fundo, sempre teve
certeza de que amou Manuel. Como diz o ditado, «é melhor amar e perder, do que
nunca amar».
Matilde F.
Não sei muitas letras de canções,
tornando-se um pouco difícil relacionar alguma(s) com a peça de Garrett, Frei
Luís de Sousa. No entanto, há uma ideia que desde logo me ocorreu: o fado,
como o conhecemos, é também uma canção tipicamente portuguesa de cunho
espiritual, ligado à saudade, à melancolia, ao sofrimento e ansiedade, ditados
pelo destino.
Esse espírito marca a peça Frei Luís de
Sousa desde o início. A tragédia anuncia-se logo na primeira fala de D.
Madalena, com a repetição dos versos de Camões: “Naquele engano d’alma ledo e
cego / que a fortuna não deixa durar muito…”, seguidos da exclamação “Oh! que
amor, que felicidade… que desgraça a minha!”, até ao último momento da peça, quando
Maria morre, “morro de vergonha”.
Quando ouvi “Embuçado”, um fado, conhecido
na voz de João Ferreira Rosa e composto por Gabriel de Oliveira, relacionei alguns
versos do poema cantado à obra de Garrett.
Por um lado, o “Encoberto”, o rei D.
Sebastião, que “havia de regressar numa manhã de nevoeiro”, e o qual D.
Madalena pressagia o regresso, com suprema angústia pois tal significaria a
destruição da família, associei-o eu ao “Embuçado”, do fado do mesmo nome, nos
versos “De ambiente nobre e sério / Para ouvir cantar o fado / Ia sempre um
embuçado / Personagem de mistério”.
“De ambiente nobre e sério”, será, também, na
peça, o ambiente propício à tragédia: nobre e num crescendo de seriedade – do I
para o II atos, passagem do luminoso palácio de Manuel de Sousa Coutinho para o
soturno palácio de D. João de Portugal; e do II para o III atos, parte baixa do
palácio de D. João de Portugal, “casarão vasto sem ornato algum”, onde ocorrerá
a tragédia.
Por outro lado, associei o “Embuçado”, ao
Romeiro, que tal como a ele, se descobre
a identidade, “E ante admiração geral / Descobriu-se o embuçado / Era el-rei de
Portugal”. O “embuçado / Personagem de mistério” do fado é o rei de Portugal,
D. Carlos I, que, sozinho, se entrega, por puro gozo, ao fascínio do fado.
Enquanto na obra, Romeiro, a “personagem mistério” é D. João de Portugal, que
se entrega a Frei Jorge, irmão de Manuel de Sousa Coutinho, no final do ato II,
na cena XV, “(Apontando com o bordão para o retrato de D. João de Portugal.)”,
designando-se como “Ninguém!”.
Os versos, “Mas certa noite houve alguém / Que
lhe disse erguendo a fala / Embuçado, nota bem, que hoje não fique ninguém / Embuçado
nesta sala!”, assemelham-se à peça, pois, apesar de o Romeiro, de Manuel de
Sousa Coutinho e de Frei Jorge desejarem que nem D. Madalena nem Maria
descobrissem a sua identidade, nas últimas cenas do último ato, todo o palácio
acaba por descobrir o “Embuçado”, a “Personagem mistério”.
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