Friday, August 28, 2020

Frei Luís de Sousa e canção pelo 11.º 2.ª

Santos

Quando ouvi a música “Lisboa”, do grupo Tara Perdida, cantada pela primeira vez por Vítor Matos, João Ribas, Rui Costa e Hélio Moreira, em 1995, no bairro de Alvalade, no Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades, reparei de imediato em semelhanças entre a canção e a peça Frei Luís de Sousa. Quer na letra da música quer na sua estrutura, a canção começa com um tom suave, como se da memória de alguém se tratasse, aumentado progressivamente à medida que o refrão aparece pela primeira vez e por daí adiante, num tom já mais desesperado e cheio de saudade.

Este momento, claramente marcado e já dito anteriormente pela saudade, identifica-se precisamente no momento em que D. Madalena, nobre portuguesa, casada com Manuel de Sousa Coutinho, do qual tem uma filha, Maria, vê-se obrigada a abandonar a sua casa, devido à futura presença dos castelhanos. Naquele ato da peça, Madalena olha triste para a sua casa (”Que fazes, que fizestes? Que é isto, oh! Meu Deus!”), incendiada propositadamente pelo segundo marido, Manuel de Sousa Coutinho, para evitar a presença dos castelhanos naquele lugar.

Também na fuga da família de D. Madalena, esta não para de pensar na casa anteriormente incendiada e na casa para onde irão, que Madalena detesta devido ao facto de ser o palácio do seu primeiro marido, D. João de Portugal, supostamente morto na batalha de Alcácer Quibir, aumentando-lhe assim a saudade da sua casa incendiada (“A lembrança de quem quer ficar”) e a angústia por saber que não voltará àquele lugar.

A obra inteira e, em particular, este ato (quando Madalena não quer ir para casa do primeiro marido) desenvolvem-se tendo por base a acreditada “sombra” da presença de D. João de Portugal, que Madalena imagina pairar sobre a sua nova família, prestes a trazer grandes desgraças que irão concretizar-se ao longo da peça.

Pode dizer-se que D. Madalena é uma personagem caracteristicamente rica e complexa, com uma personalidade densa e lúgubre, tal como a sua própria existência.

Tal como na peça, a canção mostra-nos que a cidade de Lisboa afetou os sentimentos do autor, que outrora abandonou a cidade (“Confrontando a saudade que sinto/na hora de te abandonar”), e esclarece que Lisboa, sendo a sua terra natal, isto é, onde nasceu, teve um grande impacto na vida e, especialmente, nas emoções do autor.

 

Afonso

Escolhi uma música com um contexto algo intenso, dramático, quase como um grito de revolta e desespero que resulta de uma relação entre dois seres, D. Madalena e D. João de Portugal, que, de algum modo, estão presos um ao outro e se destroem por isso, não conseguindo alcançar a “paz” e “felicidade” ao “libertarem-se”. Essa canção é “Chaga”, de Ornatos Violeta, composta e interpretada por Manuel Cruz.

D. João, com quem D. Madalena havia casado, era uma chaga na sua vida. Logo na primeira cena, esta afirma viver em “contínuos terrores que ainda não me deixaram gozar um só momento de toda a imensa felicidade (…) que desgraça a minha!”. Diria que a recordação dos laços de casamento deste casal pode ser descrita pelos versos da música de Ornatos Violeta “Foi como entrar / Foi como arder / Para ti nem foi viver / Foi mudar o mundo / Sem pensar em mim”, uma vez que ele acabou por ir lutar para Alcácer-Quibir e ela ficara só, sentindo-se abandonada, tendo acabado por casar com outro homem, Manuel de Sousa Coutinho. Sim, durante sete anos, D. Madalena esperou por D. João, mas o tempo acabou por passar — “Mas o tempo até passou / E és o que ele me ensinou / Uma chaga pra lembrar / Que há um fim” — e ensinar-lhe que há um fim, ou o início de uma grande paixão por Manuel de Sousa Coutinho.

D. Madalena acaba por viver “em pecado” este seu novo amor, de que até nasce uma filha, Maria. A letra da canção faz-me imaginar uma situação em que, hipoteticamente, D. João a interrogasse (“Diz sem querer poupar meu corpo / Eu já não sei quem te abraçou / Diz que eu não senti / Teu corpo sobre o meu”), depois de a ouvir chamar “Meu marido, meu amor, meu Manuel!” (ato III, cena VI).

“Não vai haver um novo amor / Tão capaz e tão maior / Para mim será melhor assim / Vê como eu quero / Eu vou tentar / Sem matar o nosso amor / Não achar que o mundo feito para nós” podiam muito bem ser as palavras que D. Madalena diria a Manuel de Sousa Coutinho, uma dissonância entre um tão grande amor, que acaba por ser impossível. Ela sabe que o mundo não foi feito para eles, uma vez que o seu marido há de voltar/voltou ou pelo menos será sempre uma chaga que a corrói — “Uma chaga p’ra lembrar que há um fim”, já que a chegada de D. João torna inválido o casamento de D. Madalena e torna ilegítimo o nascimento de Maria.

Pessoalmente, gosto muito de Manuel Cruz e penso que a atitude com que interpreta esta música, num tom de desespero absoluto, se enquadra muito bem nesta obra dramática de Garrett.

 

Alice

Quando ouvi a música “Atlantis”, da dupla britânica Seafret, pude logo notar semelhanças entre a canção e a peça de Almeida Garrett, Frei Luís de Sousa, na estrutura da música e, principalmente, no seu significado. “Atlantis” começa com uma calma sequência de acordes, numa viola acústica, mas desenvolve-se rapidamente para uma música forte, com emoção e com sofrimento que me fez lembrar a evolução da peça. Apesar de todas as personagens de Frei Luís de Sousa sofrerem desde o princípio, as tragédias vão-se acrescentando e o clima torna-se cada vez mais tenso, o que nos vai preparando para o triste e angustiante final. Contudo, o que me chamou à atenção no single principal do álbum Tell Me It’s Real foram todas as metáforas presentes na letra. “I can't save us / My Atlantis, we fall / We've built this town on shaky ground [Não nos posso salvar / Minha Atlântida, nós caímos / Construímos esta cidade num terreno instável]” são os primeiros versos do refrão, que descrevem perfeitamente o relacionamento de Dona Madalena de Vilhena com Manuel de Sousa Coutinho, tal como o seu próprio fim. A queda da Atlântida serve como metáfora para o fim do casamento dos dois amantes, que não o conseguiram salvar. Desde o princípio da peça que se cria um clima de agoiros e presságios de que D. João de Portugal, ex-marido de Madalena, supostamente morto na batalha de Alcácer Quibir, irá regressar (“é um cavaleiro da família do meu outro amo que Deus… que Deus tenha em bom lugar.”). Esta dúvida é o “shaky ground [terreno instável]” a que a música se refere, já que a relação entre Manuel e Madalena nunca foi totalmente segura, deixando Madalena sempre receosa e angustiada com o possível regresso de D. João, que acabaria com a vida feliz que levava. O fim previsível da tragédia confirma-se, voltando D. João em forma de Romeiro, “derrubando” (“pull down”) a família Vilhena-Coutinho. A reação de Madalena ao ouvir o “Ninguém” é compreensível e revela uma certa inocência (“mas não daríamos nós, com demasiada precipitação, uma fé tão cega, uma crença tão implícita a essas misteriosas palavras de um romeiro, um vagabundo…”). Apesar de o Romeiro vir confirmar todos os seus presságios, Madalena prefere continuar a não acreditar no que tanto temia, quando a realidade finalmente lhe vem bater à porta. “Tell me why this has to end [Diz-me porque é que isto tem de acabar]” é o que Madalena perguntaria, pois queria salvar o casamento, não acreditando que estava a pecar e que teria de acabar com a vida feliz que tinha contruído com o único homem que alguma vez amara. Madalena e Manuel não conseguem fugir ao destino traçado pelo seu pecado. A história acaba de uma maneira angustiante e dolorosa: o casal é obrigado a separar-se e a deixar a vida secular para trás, e o fruto do seu amor, Maria, morre tragicamente (“Minha mãe, meu pai, cobri-me bem estas faces, que morro de vergonha…”). Tal como na música, também Madalena e Manuel perderam tudo, “Losing everything I've ever known [Perdendo tudo o que alguma vez conheci]”, perderam a filha que amavam, perderam-se um ao outro, acabando em angústia e sofrimento.

 

Rafa

Por entre tantas outras possíveis canções e para caracterizar, em grande parte, a peça de Almeida Garrett, optei pela canção “Não aprendi a dizer adeus”, de Leandro e Leonardo, para a relacionar com este drama. Leandro e Leonardo, os cantores desta melodia, transformaram em música a dor do adeus e ensinaram que não é fácil acostumar-se com a distância que nos separa de quem amamos, o que, de certa forma, se relaciona com o drama, mais rigorosamente com a cena I do ato III, quando Manuel de Sousa se apercebe de que sua filha, Maria, de quem ele tem um grande afeto, está-se a debilitar aos poucos e que a pode perder a dada altura.

Ao folhear as páginas já nas últimas cenas da peça Frei Luís de Sousa, uma das personagens que mais se destaca, Manuel de Sousa, mostra sentir-se tremendamente infeliz, inquieto e abalado devido à ilegitimidade da filha, pela qual se sente responsável. Manuel foca a sua preocupação nas consequências que os novos desenvolvimentos terão na frágil saúde de sua filha, Maria, e nas reflexões sociais da sua ilegitimidade. Ele está certo de que a sua filha acabará por morrer com toda esta «afronta» que lhe é feita, pois a doença vai-a enfraquecendo, não conseguindo lidar com todo aquele embaraço.

“Não aprendi a dizer adeus / Não sei se vou me acostumar / Olhando assim nos olhos seus/ Sei que vai ficar nos meus / A marca desse olhar” são versos da canção entoada pelos irmãos que, de certa forma, fazem referência ao desânimo de Manuel de Sousa, pois este, mesmo tendo certezas de que a morte de Maria está certa (“Oh, minha filha, minha filha! (silêncio longo.) Desgraçada filha, que ficas órfã! Órfã de pai e de mãe. (pausa) e de família e de nome, que tudo perdeste hoje”), não se consegue conformar com a morte da filha, sentindo-se responsável pela mesma.

“Não tenho nada para dizer / Só o silêncio vai falar por mim / Eu sei guardar a minha dor”, corresponde ao estado de espírito de Manuel, que se apresenta agora emotivo e atormentado, sobretudo em relação ao destino de Maria. No entanto, ele mostra ter um carácter forte e não deixa os seus sentimentos apagarem a clareza do espírito, agindo sempre de forma equilibrada, em oposição a Madalena. 

Todavia, perante a situação de Maria, enquanto sujeito da letra da canção encoraja-se para a perda “apesar de tanto amor vai ser melhor assim”, Manuel, por um lado, deseja que Maria viva, pois no meio de todo este enredo é uma vítima inocente (“Peço-te vida, meu Deus, peço-te vida, vida… vida para ela,”), e, por outro lado, chega a afirmar que prefere vê-la morta pela doença que a consome (“meu Deus! eu queria pedir-te que a levasses já”), do que por vergonha pela situação de ilegitimidade em que agora se encontra, pois tem consciência de que Maria poderá ser vista com desigualdade pela sociedade, o que poderá abalá-la (“vai cair toda essa desonra, toda a ignomínia, todo o opróbrio.”). 

Os versos “Não aprendi a dizer adeus / Mas tenho que aceitar / Que amores vem e vão, são aves de verão / Se tens que me deixar / Que seja então feliz”, diriam então que Manuel terá de se conformar com o final de Maria e que o seu sofrimento não o impede de aceitar com resignação a solução de ingressar numa ordem religiosa.

 

Gabriela

O tema “Easy” [Fácil], de Troye Sivan, retrata o término de uma relação e o misto de emoções que provoca. Pode ser interpretado por personagens de Frei Luís de Sousa, obra de Almeida Garrett, se assim se aplicar o contexto dramático. 

«I went astray to make it okay / And he made it easy, darlin’» [Eu desviei-me para poder fazer com que tudo ficasse bem / E ele fez com que fosse fácil, querida] contemplam os versos iniciais, onde se obtém essencialmente João de Portugal, pelo desvio que teve que tomar no seu relacionamento com Madalena de Vilhena, a «funesta jornada de África», e pela facilidade com que Madalena lidou com essa ausência, pois abriu-lhe portas para um relacionamento com Manuel de Sousa Coutinho, por quem se tinha apaixonado ainda casada com João («(...) começou com um crime, porque eu amei-o assim que o vi... (...) foi em tal dia como hoje! — D. João de Portugal ainda era vivo! (...)»).

Em «I’m still in love, and i say that because / I know how it seems, between you and me / It hasn’t been easy, darlin’» [Eu ainda estou apaixonado, e digo isso porque / Eu sei o que parece, entre nós os dois / Não tem sido fácil, querida] ainda abundam os sentimentos de João, que, no seu regresso, que tinha como objetivo reencontrar Madalena após os vintes anos em que estivera desaparecido, «nem parar estes pés dia nem noite, para chegar aqui hoje», anunciou anonimamente que ainda estava vivo («um homem que muito bem lhe quis aqui está vivo por seu mal»). Não era fácil para ambos lidar com o desaparecimento de João e o seu regresso ainda piorou a situação, confirmando como pecado o casamento de Madalena com Manuel.

A segunda parte do refrão desta canção pode-se aplicar à perspetiva de Madalena, simbolizando a angústia e o medo que sente constantemente: «This house is on fire, woo! / Burning the tears right out my face / What the hell did we do?» [Esta casa está a arder, woo! / Queimando as lágrimas da minha cara / O que raio fizemos nós?] traduzem os pensamentos de Madalena perante a mudança à qual a sua família se sujeitou depois de Manuel incendiar o palácio onde viviam «(Arrebata duas tochas das mãos dos criados (...) atira com uma para dentro (...) Vai ao fundo, atira a outra tocha)» e, consequentemente, o seu próprio retrato, que era muito importante para Madalena, representando o início da recaída da família («Ai, é o retrato do meu marido!... Salvem-me aquele retrato!»).

O facto de João estar vivo confirma as previsões e as ameaças irreais presentes na sua cabeça sobre o futuro da família. Madalena fica devastada e entra em desespero emocional, pois quer acreditar que o seu casamento ainda pode ser salvo: «Tell me we’ll make it through / (...) / Please, don’t leave me» [Diz-me que vamos ultrapassar isto / (...) / Por favor, não me deixes]. 

Manuel Coutinho encaixa na segunda estrofe da canção («What’s left on the dance? / The smell on my hands / The rock in my throat, a hair in my coat» [O que resta da dança? / O cheiro nas minhas mãos / O aperto na minha garganta, um cabelo no meu casaco]) traduzindo, metaforicamente, que a essência do casamento tinha-se desvanecido, questionando-se então sobre o que lhes restava. «The stranger at home, my darlin’ / Like some kind of freak, my darling» [O estranho em casa, minha querida / Como um tipo de aberração, minha querida] transpõe o que realmente lhes resta, a confusão e o desassossego causado pelo regresso do Romeiro, referindo-se a ele como «kind of freak» [um tipo de aberração]. Nada de bom parecia restar-lhes, tendo em conta que até a sua filha Maria morrera de vergonha do pecado confirmado no casamento.

 

João

Apesar de na peça Frei Luís de Sousa o enredo se desenvolver em Almada e a canção decorrer no Norte, os dois textos têm algumas parecenças como sejam os locais de que se fala, Almada e Serra do Pilar, que são fronteiriços às duas cidades mais importantes de Portugal em termos de comércio e emprego, Lisboa e Porto, sendo destas apenas separados por um rio, sendo o Tejo o de maior largura. O “eu” desta canção fala de uma mulher linda, porém triste e a chorar, talvez pela falta de companhia (“Quem te vê ao vir da ponte/ És cascata, são-joanina/ Dirigida pelo monte / No meio da neblina… / Ver-te assim abandonada/ Nesse timbre pardacento / Nesse teu jeito fechado de quem mói um sentimento”). Nesta parte da letra cantada por Rui Veloso é possível encontrar certas equivalências com o texto de Almeida Garrett pois há semelhanças desta menina nos dois documentos.

Madalena também vivia cabisbaixa e no medo de algo que a impedia de ser feliz, quando esta saí do palácio de Manuel de Sousa (“velho casario que se estende até ao mar”) e vai para o antigo palácio de D.João de Portugal seu ex-marido, sente-se triste e isolada: Manuel está fora, Maria e Telmo também, Madalena fica triste e desanimada não só por estar sozinha mas também pelo receio e pelo pressentimento que tem de que João de Portugal ainda não morreu, devido a Telmo que não crê que o seu amo morreu (“Terá …”, cena II). Em “Porto Sentido”, o sujeito poético é uma luz entre a escuridão que Madalena, à semelhança do sujeito poético, também sente, uma possibilidade de uma vida feliz com Manel de Sousa, assombrada pela hipótese de D. João de Portugal ainda ser vivo. Madalena, tal como diz na quinta estrofe, sempre que volta a casa, palácio do seu ex-marido, e o revê na sua altivez, sente remorsos, por um sentimento de culpa, de ter traído o seu marido.

Concluindo, o sujeito lírico da canção de Rui Veloso, através das últimas duas estrofes, numa melodia triste, incentiva a triste da mulher que vive para lá da ponte, que tem um sentimento que não pode exprimir livremente, porque não é correto. Madalena, da mesma maneira, ama Manuel de Sousa Coutinho, mas não pode exprimir esse sentimento devido ao seu sentido de culpa e ao seu triste passado, ficando dessa forma abandonada nesse seu sentimento.

 

Zé D.

A canção que melhor interpreta Frei Luís de Sousa é, na minha opinião, “Tightrope”, escrita por Xxxtentacion. O instrumental desta música é feito por Scott James e intitula-se “Ropes”.

“Don’t leave this town my dear”  (“Não saias desta lugar, meu/minha querido/a”) é representativo de algumas partes da história em que Madalena pede desesperadamente para não a deixarem: quando Manuel está a incendiar o seu palácio, Madalena implora para não voltar para a casa onde tinha vivido com D. João de Portugal (“Mas oh! esposo da minha alma… para aquela casa não, não me leves para aquela casa!”); ou quando Manuel Coutinho e Maria estão de saída para Lisboa e a vão deixar sozinha (“E tua mãe, filha, deixa-la aqui só, a morrer de tristeza?”).

“The boy with the broken heart, his goal is to rip everything apart” (“O rapaz com o coração partido quer estragar tudo”) é o que Jorge e talvez Madalena achem que João quer fazer. Na realidade, não era essa a intenção do romeiro, como diz a Telmo: “Basta: vai dizer-lhe que o peregrino era um impostor”.

"Cannot heal all the hearts I’ve broke” (“não consigo curar os corações que já parti”) para mim, representa o que D. João de Portugal sente quando diz a Telmo para se dirigir a Manuel e dizer-lhe que o romeiro era um impostor. 

“I could not sleep at all, I’m clinging on for hope, I need you as I’m close” (“Não consegui dormir, estou a aguentar-me com esperança, preciso de ti”) poderia ser uma das últimas falas de Maria, quando diz que não conseguia dormir porque um anjo a vinha arrancar dos braços da mãe e a fazia chorar quando seu pai a ia beijar.

 

Larissa

A canção que escolhi foi «Telling Myself», de Joshua Bassett. À primeira, não achei essa letra muito boa para o trabalho, mas, quando ouvi pela segunda vez, percebi que talvez estivesse errada.

Imaginamos que quem está cantando é Madalena. No começo diz-se: «Started out, started out so simple / We were running ‘round, running ‘round like children / How did we allow, we allow this story / To fall so south?» (Começou tão simples / Estávamos correndo por aí como crianças / Como deixámos essa história? / Ficar tão trágica?). Essa parte pode representar o quanto Madalena, possivelmente, está arrependida de ter casado com Manuel. Em «What were we, what were we both thinking? / We were so naive, so naive believing / We were still happy / still happy/ How could I ignore my doubts?» ( O que estávamos pensando / Éramos tão inocentes achando / Éramos felizes / Como eu ignorei as minhas dúvidas), na minha opinião, está a parte que fazia mais sentido com a peça: «Madalena» diz que não deveria ter começado nada com Manuel, por mais que fosse feliz, pois ela ainda tinha dúvidas acerca do paradeiro de D. João de Portugal.

Vejamos o refrão, «I keep on telling myself, we have something good/ But did we stay together longer than we should?» (Continuo me dizendo que tivemos uma coisa boa/ Mas talvez ficamos juntos por mais tempo que deveríamos?): Madalena já estava apaixonada por Manuel antes da batalha de Alcácer Quibir, e ela não acha não gostar de Manuel, mas, por ela, talvez tudo o que aconteceu se devessem a terem ficado juntos, quanto não deveriam. No trecho «Were we just playing pretend because we could / Was it really that good?» (Isso tudo só era um ato, por que nós podíamos / Foi realmente bom?), vejo Madalena numa crise, tentando convencer-se de que não amava Manuel, mas, na verdade, ela não podia sair da realidade. Nesta próxima parte veremos ela ainda tentando se convencer do contrário para diminuir a dor e se perguntar se tudo realmente valeu a pena, a morte de Maria e como os dois agora tiveram que abdicar da vida secular: «I keep on telling myself, it's not what it was / Did we just want to believe that this was love? / Was it really worth the trouble that it caused? / Look where we ended up» (Continuo me dizendo que não foi o que acho / Será que apenas queremos acreditar que foi amor / Será que todo esse problema valeu a pena? / Olha para onde estamos agora).

Nos versos «Don't pretend, don't pretend you're all of sudden / Innocent, innocent, my darling / How could you forget, you forget / The first half of the story now?» (Não finja que de repente você é completamente inocente, querido / Como poderia esquecer a primeira parte de história?), eu não diria que é a Madalena «discutindo» com Manuel, mas acho que ela está tentando colocar culpa nele para se sentir melhor na situação. Até porque foi Manuel que tomou a primeira decisão de largar a vida secular; então, penso que Madalena quer dizer que não é para apenas ele ser visto como o bom da história, mas também temos de lembrar que ele a fez se apaixonar no começo. 

«And now there you're gone / I see it all clearly / And don't get me wrong / I wouldn't change a thing» (E agora que você foi embora / Tudo está muito claro / Não me entenda mal / Eu não mudaria nada): quando Madalena descobriu que D. João de Portugal não estava morto, ela tentou se desviar da verdade, mas, agora, ela não o consegue mais. Mesmo que tudo tenha acontecido e ela viva com remorsos da morte de Maria e dela mesma, a antiga Madalena, ela iria fazer tudo de novo, pois, no fundo, sempre teve certeza de que amou Manuel. Como diz o ditado, «é melhor amar e perder, do que nunca amar».

 

Matilde F.

Não sei muitas letras de canções, tornando-se um pouco difícil relacionar alguma(s) com a peça de Garrett, Frei Luís de Sousa. No entanto, há uma ideia que desde logo me ocorreu: o fado, como o conhecemos, é também uma canção tipicamente portuguesa de cunho espiritual, ligado à saudade, à melancolia, ao sofrimento e ansiedade, ditados pelo destino.

Esse espírito marca a peça Frei Luís de Sousa desde o início. A tragédia anuncia-se logo na primeira fala de D. Madalena, com a repetição dos versos de Camões: “Naquele engano d’alma ledo e cego / que a fortuna não deixa durar muito…”, seguidos da exclamação “Oh! que amor, que felicidade… que desgraça a minha!”, até ao último momento da peça, quando Maria morre, “morro de vergonha”.

Quando ouvi “Embuçado”, um fado, conhecido na voz de João Ferreira Rosa e composto por Gabriel de Oliveira, relacionei alguns versos do poema cantado à obra de Garrett.

Por um lado, o “Encoberto”, o rei D. Sebastião, que “havia de regressar numa manhã de nevoeiro”, e o qual D. Madalena pressagia o regresso, com suprema angústia pois tal significaria a destruição da família, associei-o eu ao “Embuçado”, do fado do mesmo nome, nos versos “De ambiente nobre e sério / Para ouvir cantar o fado / Ia sempre um embuçado / Personagem de mistério”.

“De ambiente nobre e sério”, será, também, na peça, o ambiente propício à tragédia: nobre e num crescendo de seriedade – do I para o II atos, passagem do luminoso palácio de Manuel de Sousa Coutinho para o soturno palácio de D. João de Portugal; e do II para o III atos, parte baixa do palácio de D. João de Portugal, “casarão vasto sem ornato algum”, onde ocorrerá a tragédia.

Por outro lado, associei o “Embuçado”, ao Romeiro, que tal como a  ele, se descobre a identidade, “E ante admiração geral / Descobriu-se o embuçado / Era el-rei de Portugal”. O “embuçado / Personagem de mistério” do fado é o rei de Portugal, D. Carlos I, que, sozinho, se entrega, por puro gozo, ao fascínio do fado. Enquanto na obra, Romeiro, a “personagem mistério” é D. João de Portugal, que se entrega a Frei Jorge, irmão de Manuel de Sousa Coutinho, no final do ato II, na cena XV, “(Apontando com o bordão para o retrato de D. João de Portugal.)”, designando-se como “Ninguém!”.

Os versos, “Mas certa noite houve alguém / Que lhe disse erguendo a fala / Embuçado, nota bem, que hoje não fique ninguém / Embuçado nesta sala!”, assemelham-se à peça, pois, apesar de o Romeiro, de Manuel de Sousa Coutinho e de Frei Jorge desejarem que nem D. Madalena nem Maria descobrissem a sua identidade, nas últimas cenas do último ato, todo o palácio acaba por descobrir o “Embuçado”, a “Personagem mistério”.

 

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