Sunday, August 24, 2025

Aula 23-24

Aula 23-24 (14 [1.ª, 2.ª], 16/out [3.ª]) Correção de odes futuristas.

«Lisbon Revisited (1923)» — na p. 93 — foi publicado, na Contemporânea, em 1923. Três anos mais tarde, no mesmo periódico e também assinado por Álvaro de Campos, saiu o poema em baixo, com título idêntico mas datado, entre parênteses, de 1926.

Compara o tom e o tema dos dois textos. Inclui pelo menos uma citação de cada um dos poemas. (Aproveita para procurar explicar também o uso do inglês no título.)

Lisbon Revisited (1926)

 

Nada me prende a nada.

Quero cinquenta coisas ao mesmo tempo.

Anseio com uma angústia de fome de carne

O que não sei que seja —

Definidamente pelo indefinido…

Durmo irrequieto, e vivo num sonhar irrequieto

De quem dorme irrequieto, metade a sonhar.

 

Fecharam-me todas as portas abstratas e necessárias.

Correram cortinas de todas as hipóteses que eu poderia ver da rua.

Não há na travessa achada o número de porta que me deram.

 

Acordei para a mesma vida para que tinha adormecido.

Até os meus exércitos sonhados sofreram derrota.

Até os meus sonhos se sentiram falsos ao serem sonhados.

Até a vida só desejada me farta — até essa vida…

 

Compreendo a intervalos desconexos;

Escrevo por lapsos de cansaço;

E um tédio que é até do tédio arroja-me à praia.

 

Não sei que destino ou futuro compete à minha angústia sem leme;

Não sei que ilhas do Sul impossível aguardam-me náufrago;

Ou que palmares de literatura me darão ao menos um verso.

Não, não sei isto, nem outra cousa, nem cousa nenhuma…

E, no fundo do meu espírito, onde sonho o que sonhei,

Nos campos últimos da alma, onde memoro sem causa

(E o passado é uma névoa natural de lágrimas falsas),

Nas estradas e atalhos das florestas longínquas

Onde supus o meu ser,

Fogem desmantelados, últimos restos

Da ilusão final,

Os meus exércitos sonhados, derrotados sem ter sido,

As minhas coortes por existir, esfaceladas em Deus.

 

Outra vez te revejo,

Cidade da minha infância pavorosamente perdida…

Cidade triste e alegre, outra vez sonho aqui…

Eu? Mas sou eu o mesmo que aqui vivi, e aqui voltei,

E aqui tornei a voltar, e a voltar,

E aqui de novo tornei a voltar?

Ou somos todos os Eu que estive aqui ou estiveram,

Uma série de contas-entes ligadas por um fio-memória,

Uma série de sonhos de mim de alguém de fora de mim?

 

Outra vez te revejo,

Com o coração mais longínquo, a alma menos minha.

 

Outra vez te revejo — Lisboa e Tejo e tudo —,

Transeunte inútil de ti e de mim,

Estrangeiro aqui como em toda a parte,

Casual na vida como na alma,

Fantasma a errar em salas de recordações,

Ao ruído dos ratos e das tábuas que rangem

No castelo maldito de ter que viver…

 

Outra vez te revejo,

Sombra que passa através de sombras, e brilha

Um momento a uma luz fúnebre desconhecida,

E entra na noite como um rastro de barco se perde

Na água que deixa de se ouvir…

 

Outra vez te revejo,

Mas, ai, a mim não me revejo!

Partiu-se o espelho mágico em que me revia idêntico,

E em cada fragmento fatídico vejo só um bocado de mim —

Um bocado de ti e de mim!…

Álvaro de Campos

(Fernando Pessoa, Poesia dos Outros Eus, edição de Richard Zenith, Lisboa, Assírio & Alvim, 2007)

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Sobre o aspeto, tens as pp. 328-329 do manual. Indica o valor aspetual predominante em cada uma destas frases de Último a sair:

Ela estava a fazer jogo, esteve a fazer jogo desde o início.

 

muitas melgas nesta casa.

 

Já acabou o Fenistil.

 

A melga entrou lá dentro.

 

A melga vinha [a voar].

 

Procurei bué. Estive ali um quarto de hora à procura da melga.

 

Tu és meu amigo, Rui.

 

* Costumo sair do quarto dos homens e visitar o das mulheres.

 

* Tens procurado as melgas todas as noites.

 

* inventados para efeitos do exercício

Atribui às frases, de Último a sair — passo do «milagre» vivido por Bruno Nogueira —, um valor aspetual (genérico, imperfetivo, perfetivo, habitual, iterativo, [incoativo, cessativo]).

Frase

valor aspetual

É um iogurte de coco e de ananás muita bom.

 

Você está andando, Bruno.

 

Ainda ontem estava numa cadeira de rodas e hoje eu te vejo aqui de pé.

 

Começo a ouvir barulho.

incoativo   [tem-se descartado]

Veio uma luz lá do meio.

 

Ela [Nossa Senhora] conhece-me.

 

Os três pastorinhos já lerparam.

 

Você é a nova Irmã Lúcia!

 

O poema «Dobrada à moda do Porto», de Álvaro de Campos, tem bastantes marcas de narratividade. A situação relatada é sobretudo pretexto para o «eu» refletir sobre si mesmo. É este poema um novo exemplo do Campos intimista, agora talvez em clave mais irónica que desiludida.

O que te peço é que reescrevas o poema, verso a verso, criando outra situação (a tal parte mais narrativa, que deixará de ter a ver com um restaurante), mantendo entretanto tudo o que sublinhei (em geral, os fragmentos mais líricos ou mais introspetivos).

Além das partes sublinhadas, conserva, é claro, o número de versos, e procura não alterar muito a pontuação do original. Quanto ao título, deve ser trocado por outro, é claro.

Dobrada à moda do Porto

Um dia, num restaurante, fora do espaço e do tempo,

Serviram-me o amor como dobrada fria.

Disse delicadamente ao missionário da cozinha

Que a preferia quente,

Que a dobrada (e era à moda do Porto) nunca se come fria.

 

Impacientaram-se comigo.

Nunca se pode ter razão, nem num restaurante.

Não comi, não pedi outra coisa, paguei a conta,

E vim passear para toda a rua.

 

Quem sabe o que isto quer dizer?

Eu não sei, e foi comigo...

 

(Sei muito bem que na infância de toda a gente houve um jardim,

Particular ou público, ou do vizinho.

Sei muito bem que brincarmos era o dono dele.

E que a tristeza é de hoje).

 

Sei isso muitas vezes,

Mas, se eu pedi amor, porque é que me trouxeram

Dobrada à moda do Porto fria?

Não é prato que se possa comer frio,

Mas trouxeram-mo frio.

Não me queixei, mas estava frio,

Nunca se pode comer frio, mas veio frio.

Fernando Pessoa, Poemas de Álvaro de Campos, edição de Cleonice Berardinelli, Lisboa, INCM, 1990 (com modernização da grafia).

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TPC Vê em Gaveta de Nuvens o que sobre ‘Processos irregulares de formação de palavras’ retirei de boa gramática. Vai também lendo o escrevi sobre «Como vai ser o ‘projeto de leitura’».

 

 

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