Aula 23-24
Aula 23-24 (14 [1.ª, 2.ª], 16/out [3.ª]) Correção de odes
futuristas.
«Lisbon
Revisited (1923)» — na p.
93 — foi publicado, na Contemporânea,
em 1923. Três anos mais tarde, no mesmo periódico e também assinado por Álvaro de Campos, saiu o poema em baixo,
com título idêntico mas datado, entre parênteses, de 1926.
Compara o tom e o tema dos dois textos. Inclui pelo
menos uma citação de cada um dos poemas. (Aproveita para procurar explicar também
o uso do inglês no título.)
Lisbon Revisited (1926)
Nada me prende a nada.
Quero cinquenta coisas ao mesmo
tempo.
Anseio com uma angústia de fome
de carne
O que não sei que seja —
Definidamente pelo indefinido…
Durmo irrequieto, e vivo num
sonhar irrequieto
De quem dorme irrequieto, metade
a sonhar.
Fecharam-me todas as portas
abstratas e necessárias.
Correram cortinas de todas as
hipóteses que eu poderia ver da rua.
Não há na travessa achada o
número de porta que me deram.
Acordei para a mesma vida para
que tinha adormecido.
Até os meus exércitos sonhados
sofreram derrota.
Até os meus sonhos se sentiram
falsos ao serem sonhados.
Até a vida só desejada me farta
— até essa vida…
Compreendo a intervalos desconexos;
Escrevo por lapsos de cansaço;
E um tédio que é até do tédio
arroja-me à praia.
Não sei que destino ou futuro
compete à minha angústia sem leme;
Não sei que ilhas do Sul impossível
aguardam-me náufrago;
Ou que palmares de literatura
me darão ao menos um verso.
Não, não sei isto, nem outra
cousa, nem cousa nenhuma…
E, no fundo do meu espírito,
onde sonho o que sonhei,
Nos campos últimos da alma,
onde memoro sem causa
(E o passado é uma névoa natural
de lágrimas falsas),
Nas estradas e atalhos das florestas
longínquas
Onde supus o meu ser,
Fogem desmantelados, últimos
restos
Da ilusão final,
Os meus exércitos sonhados,
derrotados sem ter sido,
As minhas coortes por existir,
esfaceladas em Deus.
Outra vez te revejo,
Cidade da minha infância pavorosamente
perdida…
Cidade triste e alegre, outra
vez sonho aqui…
Eu? Mas sou eu o mesmo que aqui
vivi, e aqui voltei,
E aqui tornei a voltar, e a
voltar,
E aqui de novo tornei a voltar?
Ou somos todos os Eu que estive
aqui ou estiveram,
Uma série de contas-entes ligadas
por um fio-memória,
Uma série de sonhos de mim de
alguém de fora de mim?
Outra vez te revejo,
Com o coração mais longínquo,
a alma menos minha.
Outra vez te revejo — Lisboa
e Tejo e tudo —,
Transeunte inútil de ti e de
mim,
Estrangeiro aqui como em toda
a parte,
Casual na vida como na alma,
Fantasma a errar em salas de
recordações,
Ao ruído dos ratos e das tábuas
que rangem
No castelo maldito de ter que
viver…
Outra vez te revejo,
Sombra que passa através de
sombras, e brilha
Um momento a uma luz fúnebre
desconhecida,
E entra na noite como um rastro
de barco se perde
Na água que deixa de se ouvir…
Outra vez te revejo,
Mas, ai, a mim não me revejo!
Partiu-se o espelho mágico em
que me revia idêntico,
E em cada fragmento fatídico
vejo só um bocado de mim —
Um bocado de ti e de mim!…
Álvaro de Campos
(Fernando
Pessoa, Poesia dos Outros Eus, edição
de Richard Zenith, Lisboa, Assírio & Alvim, 2007)
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Sobre o aspeto, tens as pp. 328-329 do manual. Indica o valor aspetual predominante em cada uma destas frases de Último a sair:
|
Ela estava a fazer jogo, esteve a fazer jogo desde
o início. |
|
|
Há muitas melgas nesta
casa. |
|
|
Já acabou o Fenistil. |
|
|
A melga entrou lá dentro. |
|
|
A melga vinha [a voar]. |
|
|
Procurei bué. Estive ali um quarto de hora à procura da melga. |
|
|
Tu és meu amigo, Rui. |
|
|
* Costumo sair do quarto dos homens e visitar
o das mulheres. |
|
|
* Tens procurado as melgas todas as noites. |
|
*
inventados para efeitos do exercício
Atribui às frases, de Último a sair — passo do «milagre» vivido por Bruno Nogueira —, um valor
aspetual (genérico, imperfetivo, perfetivo,
habitual, iterativo, [incoativo, cessativo]).
|
Frase |
valor aspetual |
|
É um iogurte de coco e de ananás muita bom. |
|
|
Você está andando, Bruno. |
|
|
Ainda ontem estava numa cadeira de
rodas e hoje eu te vejo aqui de pé. |
|
|
Começo a ouvir barulho. |
incoativo [tem-se
descartado] |
|
Veio uma luz lá do meio. |
|
|
Ela [Nossa Senhora] conhece-me. |
|
|
Os três pastorinhos já lerparam. |
|
|
Você é a nova Irmã Lúcia! |
|
O poema «Dobrada à moda do
Porto», de Álvaro de Campos, tem bastantes marcas de narratividade.
A situação relatada é sobretudo pretexto para o «eu» refletir sobre si mesmo. É
este poema um novo exemplo do Campos intimista, agora talvez em clave mais irónica
que desiludida.
O que te peço é que reescrevas
o poema, verso a verso, criando outra situação (a tal parte mais narrativa, que
deixará de ter a ver com um restaurante), mantendo entretanto tudo o que
sublinhei (em geral, os fragmentos mais líricos ou mais introspetivos).
Além das partes sublinhadas,
conserva, é claro, o número de versos, e procura não alterar muito a pontuação
do original. Quanto ao título, deve ser trocado por outro, é claro.
Dobrada à moda do Porto
Um dia, num restaurante, fora do
espaço e do tempo,
Serviram-me o amor como
dobrada fria.
Disse delicadamente ao
missionário da cozinha
Que a preferia quente,
Que a dobrada (e era à moda
do Porto) nunca se come fria.
Impacientaram-se comigo.
Nunca se pode ter razão, nem num restaurante.
Não comi, não pedi outra
coisa, paguei a conta,
E vim passear para toda a
rua.
Quem sabe o que isto quer
dizer?
Eu não sei, e foi comigo...
(Sei muito bem que na
infância de toda a gente houve um jardim,
Particular ou público, ou
do vizinho.
Sei muito bem que
brincarmos era o dono dele.
E que a tristeza é de hoje).
Sei isso muitas vezes,
Mas, se eu pedi amor,
porque é que me trouxeram
Dobrada à moda do Porto
fria?
Não é prato que se possa
comer frio,
Mas trouxeram-mo frio.
Não me queixei, mas estava
frio,
Nunca se pode comer frio,
mas veio frio.
Fernando
Pessoa, Poemas de Álvaro de Campos, edição de Cleonice Berardinelli,
Lisboa, INCM, 1990 (com modernização da grafia).
. . . .
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
TPC — Vê em Gaveta de Nuvens o que sobre ‘Processos irregulares de formação de palavras’ retirei de boa gramática. Vai também lendo o escrevi sobre «Como vai ser o ‘projeto de leitura’».
#
Português / 12.º 1.ª; 12.º 2.ª; 12.º 3.ª / Escola Secundária José Gomes Ferreira / 2025-2026
(O nome do blogue aproveita título de um livro do patrono da escola.)
<< Home