Sunday, August 24, 2025

Aula 30-31

Aula 30-31 (27 [1.ª], 28 [2.ª], 30/out [3.ª]) Correção de comentário sobre «filósofo matarruano» e Caeiro. [Exemplo de comentário comparativo entre Alberto Caeiro e filósofo matarruano:]

Ainda antes de nos centrarmos nos aspetos discursivos ou ideológicos, podemos dizer que as alegadas simplicidade e pouca instrução de Alberto Caeiro têm réplica no perfil de Horácio Lopes da Silva, que, ao primeiro relance, nos surge como ingénuo, de estrato popular, embora — o que já extravasa do retrato do pastor — marcadamente boçal e com laivos de idiotia.

A recusa do pensamento é característica comum, mas esse traço é voluntário em Caeiro, para quem o sentir imediato é que é pensar, e somos nós que o inferimos no caso do filósofo matarruano (que até considera ter «inúmeros pensamentos — chego a ter dois ou três pensamentos por mês»). A aproximação aos elementos da natureza (que ao «guardador de rebanhos» servem como exemplos cuja espontaneidade deve ser imitada, e a Horácio, como fontes de embevecimento) também é semelhante.

A importância dada aos sentidos por parte de Caeiro reveste-se no matarruano sonhador de matizes sensuais ausentes no poeta bucólico; diríamos aliás que as sensações visuais são determinantes em ambos, só que no sketch são associadas a um objetivo diferente — «observar as moças» —, que seria incoerente em Caeiro: o epicurismo aconselha à fruição do que nos seja dado (cfr. «carpe diem») mas supõe uma lhaneza incompatível com a excitação gulosa de Lopes da Silva.

 

Critérios para distinguir funções sintáticas

funções ao nível da frase

O sujeito concorda com o verbo. Se experimentarmos alterar o número ou pessoa do sujeito, isso refletir-se-á no verbo que é núcleo do predicado:

Caiu a cadeira. Caíram as cadeiras (Para se confirmar que «a cadeira» não é aqui o complemento direto: *Caiu-a.)

O predicado pode ser identificado se se acrescentar «e» + grupo nominal + «também» (ou «também não») à oração:

O Egas partiu para o Dubai. O Egas partiu para o Dubai e o Ivo também (também partiu para o Dubai).

O vocativo distingue-se do sujeito porque fica isolado por vírgulas e não é com ele que o verbo concorda. Antepor-lhe um «ó» pode confirmar que se trata de vocativo.

Tu, Evelina, não percebes nada disto! Tu, ó Evelina, não percebes nada disto!

Para distinguir o modificador de frase do modificador do grupo verbal, pode ver-se que as construções que ponho à direita (a interrogar ou a negar) são possíveis com o modificador do grupo verbal mas não com o advérbio que incide sobre toda a frase.

Evidentemente, o povo tem razão. *É evidentemente que o povo tem razão?

Talvez Portugal ganhe. *Não talvez Portugal ganhe.

Com um modificador de grupo verbal o resultado seria gramatical:

Ele come alarvemente. É alarvemente que ele come?

 

funções internas ao grupo verbal

O complemento direto é substituível pelo pronome «o» («a», «os», «as»):

Dei mil doces ao diabético. Dei-os ao diabético.

O complemento indireto, introduzido pela preposição «a», é substituível por «lhe»:

Ofereci uma sopa de nabiças ao arrumador. Ofereci-lhe uma sopa de nabiças.

O complemento oblíquo, e mesmo quando usa a preposição «a» (uma das várias que o podem acompanhar), nunca é substituível por «lhe»:

Assistiu ao jogo contra as Ilhas Faroé. *Assistiu-lhe.

Para identificarmos um modificador do grupo verbal, podemos fazer a pergunta «O que fez [sujeito] + [modificador]?» e tudo soará gramatical:

Marcelo fez um discurso na segunda-feira.

Que fez Marcelo na segunda-feira? Fez um discurso.

Se se tratar de um complemento oblíquo, o resultado já será agramatical:

Dona Dolores foi à Madeira.

*Que fez Dona Dolores à Madeira? Foi.

O complemento agente da passiva começa com a preposição «por», precedida por verbo na passiva, e podemos adotá-lo como sujeito da mesma frase na voz ativa:

A casa foi comprada por Monica Bellucci. Monica Bellucci comprou a casa.

As joias de Kim foram roubadas pelos ladrões. Os ladrões roubaram as joias de Kim.

O predicativo do sujeito é uma função sintática associada a verbos copulativos (como «ser», «estar», «parecer», «ficar», «permanecer», «continuar», mas também «tornar-se», «revelar-se», «manter-se», etc.). Atribui uma qualidade ao sujeito ou localiza-o no tempo ou no espaço.

Os taxistas andam revoltados.

A Violeta está em casa.

O predicativo do complemento direto é uma função sintática associada a verbos transitivos-predicativos (como «achar», «considerar», «eleger», «nomear», «designar» e poucos mais), os que selecionam um complemento direto e, ao mesmo tempo, lhe atribuem uma qualidade/característica.

A ONU elegeu Guterres secretário-geral. (Para confirmar que «Guterres» é o complemento direto e «secretário-geral», o predicativo do complemento direto: A ONU elegeu-o secretário-geral.)

Eles deixaram a porta aberta. ( Eles deixaram-na aberta.)

Cfr., porém, «Comprei o bolo podre», que pode ter duas interpretações: uma em que todo o segmento «o bolo podre» é o complemento direto (‘Comprei-o’); e outra em que «o bolo» é o complemento direto e «podre» é o predicativo do complemento direto (‘Comprei-o podre’).

 

funções internas ao grupo nominal

O complemento do nome, quando tem a forma de grupo preposicional, é selecionado pelo nome (ou seja, é obrigatório, mesmo se, em alguns casos, possa ficar apenas implícito). Os nomes que selecionam complemento são muitas vezes derivados de verbos.

A absolvição do réu desagradou-me. (Seria aceitável «A absolvição desagradou-me» num contexto em que a referência ao absolvido ficasse implícita.)

A necessidade de estudar gramática é uma balela. (*A necessidade é uma balela.)

Quando tem a forma de grupo adjetival, o complemento do nome constitui uma unidade com o nome, ficando tão intimamente ligado a ele, que, na sua ausência, aquele parece ter já outro sentido. (Reconheça-se que estes casos não são fáceis de distinguir de certos modificadores restritivos do nome.)

A previsão meteorológica falhou.

Os conhecimentos informáticos são úteis.

O modificador restritivo do nome restringe a realidade que refere, mas não é selecionado pelo nome (não é «obrigatório»).

Comprei o casaco azul.

Cão que ladra não morde.

O modificador apositivo do nome, sempre isolado por vírgulas, travessões ou parênteses, não restringe a realidade a que se refere nem é selecionado pelo nome (a sua falta não prejudicaria o sentido da frase).

O filme de que te falei, Cinema Paraíso, já foi objeto de paródias.

O Renato Alexandre, que é amigo do seu amigo, conhece o Busto.

 

função interna ao grupo adjetival

O complemento do adjetivo é selecionado por um adjetivo (embora seja, frequentemente, opcional).

Ela ficou radiante com os presentes. (Ela ficou radiante.)

Isso é passível de pena máxima. (*Isso é passível.)


Indica a função sintática das expressões sublinhadas, em frases do episódio «Débora vs. Luciana», de Último a sair. Só tens de preencher a coluna da direita (a do meio serve apenas para lembrar elementos úteis ao teu raciocínio).

Frase (em geral de Último a sair)

A ter em atenção

Função sintática

Ó pessoal, podem vir até aqui?

 

 

Ó pessoal, podem vir até aqui?

* que fazem eles até aqui?

 

Antes que expluda, é melhor falarmos entre todos.

oração adverbial temporal

 

Antes que expluda, é melhor falarmos entre todos.

 

 

Basicamente, é isto.

* É basicamente que é isto

 

Vocês acham normal terem-me nomeado?

acham normal isso

 

Vocês acham normal terem-me nomeado?

cfr. verbo transitivo-predicativo

 

terem-me nomeado

terem-na /* terem-lhe

 

Limpo esta merda todas as semanas.

Limpo-a

 

Limpo esta merda todas as semanas.

Que faço todas as semanas?

 

Limpo a merda que vocês deixam espalhada na cozinha.

«que» = ‘a merda’, ‘a qual’

 

Trato das plantas.

e a Luciana também

 

Estou-te a perguntar se és tu que vais limpar tudo isto.

 

 

Vê se te acalmas.

se o acalmas / * se lhe acalmas

 

Deixa o Bruno em paz.

 

 

Olha a gaja que fala com as árvores.

oração adjetiva relativa restritiva

 

Olha a gaja que fala com as árvores.

 

 

Ai, coitadinha, que eu sou tão especial.

cfr. verbo copulativo

 

Vou mostrar ao mundo a verdadeira Luciana.

Vou mostrar-lhe

 

Olha, filha, verdadeiro é isto.

cfr. «verdadeiras são estas»

 

Pensas que vens aqui falar assim para as pessoas.

= isso / substantiva completiva

 

Sónia, gostas de partir pratos?

* Que faz ela de partir pratos? Gosta

 

Débora e Luciana, que são ambas tripeiras, discutem.

 

 

Por causa da nomeação de Débora gerou-se grande discussão.

 

 

Por causa da nomeação de Débora gerou-se grande discussão.

 

 

— O Roberto uniu-nos — disseram Débora e Rui.

 

 

— Os quartos e a casa de banho foram limpos por mim.

 

 

A Susana também é capaz de partir de pratos.

 

 

A mãe da Luciana não a educou assim.

 

 

Débora não fez sequer uma queixa dos colegas.

 

 


Ouviremos quatro trechos de bandas sonoras de filmes. Depois de ouvida cada música (durante cerca de dois minutos), terás mais uns quatro minutos para escrever poucas frases (em prosa — de qualquer género, incluindo prosa poética) que a música te inspire.

Não é dizer «inspira-me isto e aqueloutro», «lembra-me assim ou assado». É escrever o texto inspirado pela música. Por exemplo, a primeira música inspirou-me isto:

1             Viajara ainda de noite. Atravessara o rio já raiava a manhã. Não esperou nem mais um segundo, havia que chegar rápido ao acampamento. Pararia apenas já a cem metros da tenda em que funcionava o quartel-general.

               Foi então que verificou mais uma vez se levava a carta. E se a tivesse perdido? Mas logo a sentira, aconchegada no bolso esquerdo.

               — Diga ao Marechal que cheguei.

2            . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

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Bandas sonoras:

1

2

3

4

5

Trailers:

TPC — Sobre funções sintáticas podes consultar em Gaveta de Nuvens ‘Funções sintáticas’. De qualquer modo, o manual trata este assunto nas pp. 330-336.


 

 

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