Aula 30-31
Aula 30-31 (27 [1.ª], 28 [2.ª], 30/out [3.ª]) Correção de comentário sobre «filósofo matarruano» e Caeiro. [Exemplo de comentário comparativo entre Alberto Caeiro e filósofo matarruano:]
Ainda antes de nos
centrarmos nos aspetos discursivos ou ideológicos, podemos dizer que as
alegadas simplicidade e pouca instrução de Alberto Caeiro têm réplica no perfil
de Horácio Lopes da Silva, que, ao primeiro relance, nos surge como ingénuo, de
estrato popular, embora — o que já extravasa do retrato do pastor —
marcadamente boçal e com laivos de idiotia.
A recusa do pensamento é
característica comum, mas esse traço é voluntário em Caeiro, para quem o sentir
imediato é que é pensar, e somos nós que o inferimos no caso do filósofo
matarruano (que até considera ter «inúmeros pensamentos — chego a ter dois ou
três pensamentos por mês»). A aproximação aos elementos da natureza (que ao
«guardador de rebanhos» servem como exemplos cuja espontaneidade deve ser
imitada, e a Horácio, como fontes de embevecimento) também é semelhante.
A importância dada aos sentidos por parte de Caeiro reveste-se no matarruano sonhador de matizes sensuais ausentes no poeta bucólico; diríamos aliás que as sensações visuais são determinantes em ambos, só que no sketch são associadas a um objetivo diferente — «observar as moças» —, que seria incoerente em Caeiro: o epicurismo aconselha à fruição do que nos seja dado (cfr. «carpe diem») mas supõe uma lhaneza incompatível com a excitação gulosa de Lopes da Silva.
Critérios
para distinguir funções sintáticas
funções
ao nível da frase
O
sujeito concorda com o verbo.
Se experimentarmos alterar o número ou pessoa do sujeito, isso refletir-se-á no
verbo que é núcleo do predicado:
Caiu
a cadeira. → Caíram as cadeiras (Para se confirmar
que «a cadeira» não é aqui o complemento direto: →
*Caiu-a.)
O predicado pode ser identificado se
se acrescentar «e» + grupo nominal +
«também» (ou «também não») à oração:
O Egas partiu para o
Dubai. → O Egas partiu para o Dubai e o Ivo também (também partiu para o Dubai).
O vocativo distingue-se
do sujeito porque fica isolado por vírgulas e não é com ele que o verbo
concorda. Antepor-lhe um «ó» pode confirmar que se trata de vocativo.
Tu, Evelina, não percebes
nada disto! → Tu, ó Evelina, não
percebes nada disto!
Para distinguir o modificador de frase do modificador
do grupo verbal, pode ver-se que as construções que ponho à direita (a
interrogar ou a negar) são possíveis com o modificador do grupo verbal mas não com
o advérbio que incide sobre toda a frase.
Evidentemente, o povo tem razão. → *É evidentemente que o povo tem razão?
Talvez Portugal ganhe. → *Não talvez Portugal ganhe.
Com um modificador de grupo
verbal o resultado seria gramatical:
Ele come alarvemente.
→ É alarvemente que
ele come?
funções
internas ao grupo verbal
O complemento direto é
substituível pelo pronome «o» («a», «os», «as»):
Dei mil doces ao diabético.
→ Dei-os ao diabético.
O complemento indireto, introduzido
pela preposição «a», é substituível por «lhe»:
Ofereci uma sopa de
nabiças ao arrumador. → Ofereci-lhe uma sopa de nabiças.
O complemento oblíquo, e mesmo quando
usa a preposição «a» (uma das várias que o podem acompanhar), nunca é substituível
por «lhe»:
Assistiu ao jogo contra
as Ilhas Faroé. → *Assistiu-lhe.
Para identificarmos um modificador do grupo verbal, podemos
fazer a pergunta «O que fez [sujeito] + [modificador]?» e tudo soará gramatical:
Marcelo fez um discurso na
segunda-feira.
Que fez Marcelo na segunda-feira?
Fez um discurso.
Se se tratar de um complemento
oblíquo, o resultado já será agramatical:
Dona Dolores foi à Madeira.
*Que fez Dona Dolores à
Madeira? Foi.
O complemento agente da passiva começa
com a preposição «por», precedida por verbo na passiva, e podemos adotá-lo como
sujeito da mesma frase na voz ativa:
A casa foi comprada por
Monica Bellucci. → Monica Bellucci comprou
a casa.
As joias de Kim foram
roubadas pelos ladrões. → Os ladrões
roubaram as joias de Kim.
O predicativo do sujeito é uma função
sintática associada a verbos copulativos (como «ser», «estar», «parecer»,
«ficar», «permanecer», «continuar», mas também «tornar-se», «revelar-se»,
«manter-se», etc.). Atribui uma qualidade ao sujeito ou localiza-o no tempo ou
no espaço.
Os taxistas andam revoltados.
A Violeta está em casa.
O predicativo do complemento direto é uma função sintática associada a
verbos transitivos-predicativos (como «achar», «considerar», «eleger»,
«nomear», «designar» e poucos mais), os que selecionam um complemento direto e,
ao mesmo tempo, lhe atribuem uma qualidade/característica.
A ONU elegeu Guterres secretário-geral.
(Para confirmar que «Guterres» é o complemento direto e «secretário-geral», o
predicativo do complemento direto: → A ONU elegeu-o secretário-geral.)
Eles deixaram a porta aberta.
(→ Eles deixaram-na aberta.)
Cfr., porém, «Comprei o bolo
podre», que pode ter duas interpretações: uma em que todo o segmento «o bolo
podre» é o complemento direto (‘Comprei-o’); e outra em que «o bolo» é o
complemento direto e «podre» é o predicativo do complemento direto (‘Comprei-o podre’).
funções
internas ao grupo nominal
O complemento do nome,
quando tem a forma de grupo preposicional, é selecionado pelo nome (ou seja, é
obrigatório, mesmo se, em alguns casos, possa ficar apenas implícito). Os nomes
que selecionam complemento são muitas vezes derivados de verbos.
A absolvição do réu
desagradou-me. (Seria aceitável «A absolvição desagradou-me» num contexto em
que a referência ao absolvido ficasse implícita.)
A necessidade de
estudar gramática é uma balela. (*A necessidade é uma balela.)
Quando tem a forma de grupo adjetival, o complemento do nome constitui uma unidade com o nome, ficando tão
intimamente ligado a ele, que, na sua ausência, aquele parece ter já outro
sentido. (Reconheça-se que estes casos não são fáceis de distinguir de certos modificadores
restritivos do nome.)
A previsão meteorológica
falhou.
Os conhecimentos informáticos
são úteis.
O modificador restritivo do nome
restringe a realidade que refere, mas não é selecionado pelo nome (não é
«obrigatório»).
Comprei o casaco azul.
Cão que ladra não morde.
O modificador apositivo do nome,
sempre isolado por vírgulas, travessões ou parênteses, não restringe a
realidade a que se refere nem é selecionado pelo nome (a sua falta não
prejudicaria o sentido da frase).
O filme de que te falei, Cinema Paraíso, já foi objeto de
paródias.
O Renato Alexandre, que
é amigo do seu amigo, conhece o Busto.
função
interna ao grupo adjetival
O complemento do adjetivo
é selecionado por um adjetivo (embora seja, frequentemente, opcional).
Ela ficou radiante com
os presentes. (Ela ficou radiante.)
Isso é passível de pena
máxima. (*Isso é passível.)
Indica
a função
sintática das expressões sublinhadas, em frases do episódio «Débora vs.
Luciana», de Último a sair. Só tens de preencher a coluna da direita (a
do meio serve apenas para lembrar elementos úteis ao teu raciocínio).
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Frase
(em geral de Último a sair) |
A
ter em atenção |
Função
sintática |
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Ó pessoal,
podem vir até aqui? |
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Ó pessoal, podem vir até
aqui? |
* que fazem eles até aqui? |
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Antes que expluda,
é melhor falarmos entre todos. |
oração adverbial temporal |
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Antes que expluda, é melhor falarmos
entre todos. |
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Basicamente,
é isto. |
* É basicamente que é isto |
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Vocês acham normal terem-me
nomeado? |
acham normal isso |
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Vocês acham normal
terem-me nomeado? |
cfr.
verbo transitivo-predicativo |
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terem-me nomeado |
terem-na /* terem-lhe |
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Limpo esta merda todas
as semanas. |
Limpo-a |
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Limpo esta merda todas as
semanas. |
Que faço todas as semanas? |
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Limpo a merda que vocês
deixam espalhada na cozinha. |
«que» = ‘a merda’, ‘a qual’ |
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Trato das plantas. |
e a Luciana também |
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Estou-te a perguntar se és
tu que vais limpar tudo isto. |
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Vê se te acalmas. |
se o acalmas / * se lhe
acalmas |
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Deixa o Bruno em paz. |
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Olha a gaja que fala com as
árvores. |
oração adjetiva relativa
restritiva |
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Olha a gaja que fala
com as árvores. |
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Ai, coitadinha, que eu sou tão
especial. |
cfr.
verbo copulativo |
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Vou mostrar ao mundo a
verdadeira Luciana. |
Vou mostrar-lhe |
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Olha, filha, verdadeiro é isto. |
cfr.
«verdadeiras são estas» |
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Pensas que vens aqui falar
assim para as pessoas. |
= isso / substantiva completiva |
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Sónia, gostas de partir
pratos? |
* Que faz ela de partir pratos?
Gosta |
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Débora e Luciana, que são
ambas tripeiras, discutem. |
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Por causa da nomeação de
Débora gerou-se grande discussão. |
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Por causa da nomeação de
Débora gerou-se grande discussão. |
|
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— O Roberto uniu-nos —
disseram Débora e Rui. |
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— Os quartos e a casa de banho
foram limpos por mim. |
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A Susana também é capaz de
partir de pratos. |
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A mãe da Luciana não a
educou assim. |
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Débora não fez sequer uma queixa
dos colegas. |
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Ouviremos
quatro trechos de bandas sonoras
de filmes. Depois de ouvida cada música (durante cerca de dois minutos), terás
mais uns quatro minutos para escrever poucas frases (em prosa — de qualquer
género, incluindo prosa poética) que a música te inspire.
Não
é dizer «inspira-me isto e aqueloutro», «lembra-me assim ou assado». É escrever
o texto inspirado pela música. Por exemplo, a primeira
música inspirou-me isto:
1 Viajara
ainda de noite. Atravessara o rio já raiava a manhã. Não esperou nem mais um
segundo, havia que chegar rápido ao acampamento. Pararia apenas já a cem metros
da tenda em que funcionava o quartel-general.
Foi então que verificou mais uma vez se levava a
carta. E se a tivesse perdido? Mas logo a sentira, aconchegada no bolso
esquerdo.
— Diga ao Marechal que cheguei.
2 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
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3 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
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4 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
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5 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
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Bandas
sonoras:
1
2
3
4
5
Trailers:
TPC — Sobre funções sintáticas podes consultar em Gaveta de Nuvens ‘Funções sintáticas’. De qualquer modo, o manual trata este assunto nas pp. 330-336.
#
Português / 12.º 1.ª; 12.º 2.ª; 12.º 3.ª / Escola Secundária José Gomes Ferreira / 2025-2026
(O nome do blogue aproveita título de um livro do patrono da escola.)
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