Análise de canção e Memorial do Convento pelo 12.º 5.ª
Classificação que atribuo é a da primeira versão
(a não ser que a reformulação tivesse sido demasiado trapalhona e achasse dever
baixar essa primeira nota). Em alguns casos, o texto foi entretanto bastante
melhorado, mas classificação não se afastará da do que me foi apresentado na
primeira versão.
Algumas das referências podem ser ainda
aperfeiçoadas (letristas e compositores devem ser confirmados, nomes e datas de
álbuns, etc.). A pouco e pouco irei acrescentando esses dados (para o que peço,
é claro, a colaboração dos autores das análises ou de outros colegas).
Patrícia
Patrícia (Bom) || "Deixa
Ser" (David Fonseca/David Fonseca), Futuro Eu, 2015 // José Saramago, Memorial
do Convento, 56.ª edição, Lisboa, Porto Editora, 2014, pp. 380-399
A música "Deixa Ser", de David Fonseca
com Márcia, permite fazer uma analogia tanto com a perda de Baltasar e
consequente busca de Blimunda por ele, como com a rapidez com que o tempo passa
no livro de Saramago.
O poema recorda continuamente como o tempo passa
depressa ("Tudo vai num instante / Amanhã / Sem saber / Vai parecer tão
distante"), o que se verifica em Memorial do Convento. Ao longo da
história o narrador vai passando à frente no tempo, o que dá a sensação de a
vida das personagens passar rapidamente, desenrolando-se a narrativa num total
de 28 anos, com início na promessa que o rei faz, em 1711, e final na morte de
Bartolomeu no auto de fé, em 1739.
O texto da canção lembra o momento em que,
depois de Baltasar não aparecer em casa, após uma ida ao Monte Junto, Blimunda
decide voltar ao sítio onde a passarola tinha caído, na esperança de o
encontrar. Os versos "Onde
estás, faz um som / Chama o meu nome dentro ou fora de tom" explicitam bem
o estado de espírito em que Blimunda se encontrava quando chegou ao local da
queda da máquina voadora. Tenta gritar pelo nome do amado na esperança de ouvir
o seu de volta ("[…] por causa disto gritou, Baltasar. […] Grita outra
vez, Baltasar, agora a ouvirá ele, […]", p. 380). Ao dar pela falta do
engenho, questiona-se para onde terá ele voado e onde terá aterrado — "Para onde foste,
quem sabe onde vai / Perdido lá dentro a arrastar-se no tempo".
Na canção o sujeito poético parece ter uma atitude passiva em relação
à procura do que perdeu — "Vou adormecer / E talvez vá sonhar, sonhar / só
para te ver". Em oposição, Blimunda, devido à sua devoção, nunca deixa de
procurar o amado ("Durante nove anos, Blimunda procurou Baltasar", p.
395). Os versos "Diz-me que guardas um pouco de mim / Na carteira um retrato,
uma flor no jardim" mostram que o eu lírico guardava alguma esperança em o
seu adorado ainda lhe guardar carinho, onde for que ele estivesse. Blimunda
guarda também uma esperança, não tanto a de que Baltasar ainda a ame, visto
saber que guardavam algo especial entre si, mas a de este também a procurar —"Quantas
vezes imaginou Blimunda que estando sentada na praça duma vila, a pedir esmola,
um homem se aproximaria e […] lhe estenderia uma gancho de ferro, […] Assim te
encontro, Blimunda" (p. 398) — e, a mais importante, de que um dia o iria
encontrar — "Assim te encontro, Baltasar" (p. 398) — porque, se não
fosse por esta, desistiria de procurar.
Na letra de "Deixa Ser" é-nos apresentada a mudança de
estações — "A estação já mudou / Levaram os móveis e o sol lá
fechou". Isto também é representado no romance de Saramago, mas no sentido
em que, por tantos anos procurar, Blimunda deixa de ter noção das estações —
"Nove anos procurou Blimunda. Começou por contar as estações, depois
perdeu-lhes o sentido" (p. 397).
Todas as noites, durante nove anos, restava a Blimunda "adormecer
e sonhar" sem ver Baltasar "outra vez", para na manhã seguinte
recomeçar a procura. Quando chega o dia em que Blimunda encontra Baltasar no
auto de fé, esta não come pão ("Trazia algum alimento no alforge, mas, de
cada vez que ia levá-lo à boca, parecia que sobre a sua mão outra mão se
pousava, e uma voz lhe dizia, Não comas […]", p. 399), quase como se
pensasse "[d]eixa estar / [d]eixa ser", como se adivinhasse que teria
de agarrar a vontade do seu amado ("[…] que o tempo é chegado.", p.
399) Este momento é uma ótima representação da grande ligação espiritual que
havia entre os dois.
Joana S.
Joana S. (Bom/Bom (-))
|| “Demons” (Imagine Dragons), Night
Visions, 2012 // José Saramago, Memorial
do Convento, 46.ª edição, Lisboa, Caminho, 1994, passim
Não sei ao certo se a música que escolhi é a
mais adequada para a análise de Memorial
do Convento, mas o refrão parece-me apropriado a Baltasar e Blimunda. A
música que escolhi foi “Demons”, dos Imagine Dragons, e o título deixa-me logo
a pensar, já que Demons (demónios) lembram-me os olhos de Blimunda.
Como se relata no capítulo 5, Blimunda conhece
Baltasar no auto de fé, em que a sua mãe, Sebastiana Maria de Jesus, é
condenada ao degredo por ter visões e por ser, em parte, cristã-nova — “tenho
visões e revelações, mas disseram-me no tribunal que era fingimento, que ouço
vozes do céu, mas explicaram-me que era efeito demoníaco, que sei que posso ser
santa como os santos o são, ou ainda melhor, pois não alcanço diferença entre
mim e eles” — e quando repara que no meio da multidão se encontra um homem sem
mão, a olhar fixamente para Blimunda, vê, através das suas visões, que aquele
será o grande amor da sua filha. Depois do auto de fé, o homem maneta segue
Blimunda até sua casa, onde está o padre Bartolomeu Lourenço, que casa os dois
jovens pelo ritual da colher: ao comerem a sopa com a mesma colher, selam o seu
amor. Na manhã seguinte, Blimunda promete a Baltasar que nunca o olhará por
dentro. É como se fosse desumano, algo horrível, tal como se diz na canção
(“Look into my eyes” / “Olha-me nos olhos”; “It's where my demons hide” / “É
onde os meus demónios se escondem”; “Don't get too close” / “Não te aproximes
muito”; “It's dark inside” / “Está escuro lá dentro”).
Já no capítulo 8, Baltasar pressente que
Blimunda tem um segredo que pretende manter só para si, mas só depois de muita
insistência, aquele lhe é revelado: “Eu posso olhar por dentro das pessoas”.
Para além disto, Blimunda admite que não vê se estiver em jejum e que aquilo
não é feitiçaria (“O meu dom não é heresia, nem é feitiçaria, os meus olhos são
naturais”).
Apesar de tudo, Baltasar não acreditava no que
estava a ouvir e por essa razão pediu a Blimunda que lhe provasse que era
verdade. Assim, ambos saíram num “dia de ver, não o de olhar”, em que Baltasar
pedia a Blimunda para lhe dizer o que via por dentro das pessoas.
Na canção, associo vários versos a Blimunda e
compreendo a razão pela qual ela queria esconder a verdade de Baltasar (“I want
to hide the truth”/ “Eu quero esconder a verdade”; “I want to shelter you” /
“Quero-te abrigar / proteger”; “But with the beast inside” / “Mas com o monstro
lá dentro”; “There's nowhere we can hide” / “Não há onde nos escondermos”). Mas
também consigo compreender por que motivo não lhe queria esconder a verdade — o
amor que os une — e que o destino dela é, de qualquer maneira, o inferno
(“Don't want to let you down” / “Não te quero dececionar”; “But I am hell
bound” / “Mas o meu limite é o inferno”; “Don't wanna hide the truth” / “Não te
quero esconder a verdade”).
A história de Blimunda e Baltasar conta um
grande amor e a canção ajuda a perceber melhor as adversidades com que eles
tiveram de lidar e que só o amor conseguiu superar.
Tety
Tety (Bom/Bom(+)) ||“On My
Own” (Samantha Barks/Frances
Ruffelle), Les Misérables, 2012 // José Saramago, Memorial
do Convento, 55.ª edição, Lisboa, Porto Editora, 2014, pp. 285-398
“On My Own” (em português, “Por minha conta”) pertence à banda sonora
do filme Les Misérables (Os Miseráveis) e, em parte, relaciona-se com o romance Memorial do Convento. Este musical centra-se no retrato da França
em plena Revolução, no início do século XIX. Um grupo de estudantes constrói
uma barricada em plena rua de Paris, de maneira a manifestar a sua revolta em
relação ao golpe de estado realizado pelo Napoleão III. O cenário, quer do
filme quer do romance, é de grande pobreza, como podemos observar no início do
vídeo. O povo reúne-se numa praça para vivenciar um acontecimento que nos
transmite um sentimento de revolta. Este momento é relacionável, em Memorial do Convento, com o encontro de
Baltasar e Blimunda, quando a mãe desta é a principal atração visto estar a ser
julgada no auto de fé.
D. João V, vaidoso, teve como objetivo deixar
uma obra que mostrasse a sua grandeza e riqueza — o Convento de Mafra —, o que teve
como consequência o sacrifício do povo que trabalhou arduamente na construção e
o prejuízo da riqueza pertencente a Portugal. O verdadeiro herói em ambas as
histórias é o povo que se define pelo seu trabalho, pela miséria e pelos
sacrifícios realizados, como sucede com a morte de um trabalhador e amigo de
Baltasar na construção do Convento (“Distraiu-se talvez Francisco Marques, (…) fugiu-lhe o
calço da mão no preciso momento em que a plataforma deslizava, não se sabe como
foi, apenas que o corpo está debaixo do carro, esmagado” — pp. 285-286). O caso do famoso musical
é semelhante, pois foi mais uma vez o povo que saiu prejudicado com as vontades
e ganâncias dos líderes do Estado. Há assim uma ligação entre o sofrimento por
que o povo passa nas duas realidades para realizar os “desejos” dos seus
líderes.
Outro momento marcante desta narrativa, e que
tem uma ligação com a música escolhida, é a história de amor de Baltasar
Sete-Sóis e Blimunda Sete-Luas, personagens importantes pertencentes ao povo,
os quais vivenciaram uma história de amor com total entrega, lealdade e sem
obrigações. Baltasar é o exemplo de um trabalhador dedicado e obediente, tendo
perdido a mão na guerra e participado em duas construções importantes — a
passarola e o Convento de Mafra. Após uma inspeção à máquina voadora, o herói é
apanhado de surpresa quando esta levantou voo com ele lá dentro. “On My Own” (“Por contra própria”), Blimunda enfrenta “ todos os
caminhos do pó e da lama, a branda areia, a pedra aguda, tantas vezes a geada
rangente e assassina, dois nevões de que só saiu viva porque ainda não queria
morrer” (p.395) “durante nove anos”. “And I know it's
only in my mind, / that I'm talking to myself and not to
him.”
Blimunda passou por muito, mas o seu amor nunca desaparecera
e continuava a sonhar com o dia do seu reencontro (“And all I see is him and me
forever and forever”, o que em português significa “E tudo o que eu vejo é ele
e eu sempre e para sempre”), de tal modo que até teria imaginado “que estando
sentada na praça duma vila, a pedir esmola, um homem se aproximaria e em lugar
de dinheiro ou de pão lhe estenderia um gancho de ferro, (…) ” (p. 398). Apesar
do encontro não ter sido como esperado, Blimunda reencontra Baltasar em Lisboa
a ser morto num auto de fé e, mesmo não tendo ficado os dois juntos
fisicamente, ela recolheu a sua vontade e juntou-a à sua.
Por fim, podemos associar as duas histórias visto que, apesar
da miséria e trabalho árduo, o amor entre indivíduos pertencentes ao povo
permanece. Sublinham-se também os caráteres forte e lutador desta classe
social.
Mónica
Mónica (Bom+/Bom(+)) || “Para
os braços da minha mãe” (Pedro Abrunhosa/Pedro Abrunhosa), Contramão, 2013 // José Saramago, Memorial do Convento, 50.ª edição, Alfragide, Caminho, 2011, pp.
45-74
“Para os braços da minha mãe”, uma canção que
causou impacto no país e que foi premiada com um Globo de Ouro, conta uma
história que, com as vozes familiares de Pedro Abrunhosa e Camané, encantou os
portugueses.
O título é o que basta para saber com o que se
pode contar, uma música marcante e, para os mais sensíveis, extremamente sentimental.
Também o romance de Saramago, Memorial do
Convento, tem momentos que dificilmente passam despercebidos pelo
sentimento que carregam, como é o caso do regresso de Baltasar da guerra e a
sua viagem até Lisboa. Este episódio pode ser facilmente relacionado com o tema
de Abrunhosa.
Baltasar Mateus, o Sete-Sóis, lutou na guerra,
onde perdeu a mão esquerda. Na altura em que se ouve falar dele no romance,
está em Évora, depois de ser “mandado embora do exército por já não ter
serventia nele” (p. 45), a pedir esmola para comprar um gancho que encha o
vazio que a guerra lhe deu. Depois de o conseguir começa a viagem para Lisboa.
Na descrição desta viagem é notória a tristeza e o cansaço de Baltasar, que
passou tanto tempo a lutar longe da família (“donde partiu anos atrás”, p. 47),
e que agora, completamente derrotado, tenta regressar a casa, ainda pior do que
quando dela saíra. Também na canção, cuja letra é o testemunho de um indivíduo
que teve de sair do seu país em busca de uma vida melhor, ansiando pelo
regresso a casa (em semelhança a Baltasar), se nota a tristeza e o vazio que
ele sente (“Cheguei ao fundo da estrada / Duas léguas de nada / Não sei que
força me mantém”).
No entanto, os dois viajantes, apesar de
partilharem o motivo pelo qual arranjam forças para continuar, estão em
condições opostas. Enquanto que o emigrante da canção saiu mas com a certeza de
que, quando regressasse, estariam todos à espera dele, e por isso está
ansiosamente à espera da altura de voltar (“E o verão nunca mais vem”),
Baltasar sabe que a sua família não o espera porque “se pai e mãe se lembram
dele, julgam-no vivo porque não têm notícias de que esteja morto, ou morto
porque as não têm de que seja vivo.” (p. 47). Esta condição reflete-se na
maneira como encaram a viagem: um vem em “passo de bala”, com pressa de chegar,
o outro “andando devagar” (p. 47).
Durante a viagem vão passando por diversos
sítios, Baltasar por ir a pé e ser inevitável a travessia pelas aldeias do
Alentejo (Montemor, Pegões, onde “[m]atará adiante um homem, de dois que o
quiseram roubar” (p. 49) e Aldegalega) quando se quer vir de Évora a Lisboa; e
o emigrante da canção, porque, mesmo embarcando “num golpe de asa”, quando se
está à procura de uma vida melhor, são muitos os esforços que se fazem e muitos
os países em que se passam para o conseguir (“É tão cinzenta a Alemanha”, “Na
noite de Amesterdão”, “Faz tanto frio em Paris”).
As viagens foram feitas por ambos, de coração
vazio. Na canção, o homem que tanto quer ir para casa deixa o “amor p’ra trás”
e, consigo, traz apenas “[u]m diploma na mala”, que é a única coisa que
representa o seu esforço e trabalho por terras estrangeiras. Em Memorial, Baltasar não tinha nenhuma
mulher, por isso, quando chegou a Lisboa, deslumbrado com a quantidade delas
que por lá passavam, chegou a rezar por uma (“fazendo a S. Bento promessa de um
coração de cera se lhe pusesse adiante, […] uma inglesa loura, de olhos verdes,
e que fosse alta e delgada.”, p. 57), mal sabia ele que estava prestes a
encontrar, aquele que viria a ser, o amor da sua vida. A sua mão (ou a falta
dela) foi a única coisa que trouxe consigo,“[n]ão há pior vida que a do
soldado.” (p. 50).
Baltasar não chega a ir logo para Mafra ter com
a sua família (“Para os braços da minha mãe”), porque encontra Blimunda, que
lhe dá o apoio e conforto que tanto queria, não conseguindo deixá-la (“Não
tenho forças que me levem daqui”, p. 74), porque, afinal, “Ninguém sai donde
tem paz”.
Bea R.
Bea R.
(Bom (-)/Bom -) ||«Encontrei» (Dengaz e Agir / Dengaz e Agir), Para sempre, 2014 // José Saramago, Memorial
do Convento, 15.ª edição, Lisboa, Caminho, 1985, p. 89
Sem dúvida que o amor entre Baltasar e Blimunda
é o acontecimento central do romance Memorial
do Convento. Blimunda de Jesus é uma mulher do povo, forte e corajosa, que
possui o dom de ver o interior das coisas e das pessoas quando se encontra em
jejum. É batizada pelo padre Bartolomeu de Gusmão “Sete-Luas”, apelido que
funciona como um reverso do de Baltasar. Baltasar Mateus, de alcunha “Sete-Sóis”,
foi soldado na guerra da sucessão de Espanha e dispensado por ter perdido a sua
mão esquerda em combate. É um homem simples e fiel. A tarefa mais importante
desta personagem é ajudar o padre Bartolomeu na construção da passarola.
É após regressar da guerra que Baltasar e
Blimunda se conhecem no auto de fé onde Sebastiana Maria de Jesus, mãe de
Blimunda, é condenada ao degredo. Blimunda convida Baltasar a ficar em sua casa
onde são abençoados pelo padre Bartolomeu. Sempre acompanhados um pelo outro,
ajudam o padre na construção da passarola, até que um dia, quando Baltasar não
regressa da sua visita à “máquina”, Blimunda percorre o país para procurá-lo.
Acaba por encontrá-lo a arder num auto de fé, condenado pela Inquisição.
Blimunda e Baltasar vivem um amor puro.
Na música de Dengaz e Agir encontram-se momentos
semelhantes à história de amor destas duas personagens. A passagem que mais me
influenciou a escolher esta composição foi a da página oitenta e nove da linha trinta
e um à linha trinta e seis — “Se Deus pode viver sem ela, é porque é Deus, um
homem precisa das duas mãos, uma mão lava a outra, as duas lavam o rosto,
quantas vezes já teve Blimunda de vir limpar o sujo que ficou agarrado às
costas da mão e doutro modo não sairia,… — que posso relacionar com o verso
“[o] que a vida não me deu, sim, eu vejo nela”, pois faltando a Baltasar a mão
esquerda, Blimunda tem que o ajudar em algumas tarefas mais básicas.
Outro momento identificável é quando os dois se
conhecem no auto de fé — “Tou feliz por naquele dia / Do nada te ter ligado / E
sei lá porquê / Um mês depois te ter encontrado.” — sem terem planeado o
encontro. O amor existente entre os dois foi instantâneo — “E é desde aquele
dia / Na praia que te vi passar. / Eu senti que eras diferente e, / Valia a
pena esperar.” —, é natural (“Aquele amor que ninguém mente / Tão simples que
ninguém entente / Tão puro…”), incondicional (“Que corra bem ou mal / É de quem
tá a minha espera / Com o mesmo amor no final.”) e instintivo —“Deitaram-se,
Blimunda era virgem. […] Correu algum sangue sobre a esteira. Com as pontas dos
dedos médio e indicador humedecidos nele, Blimunda persignou-se e fez uma cruz
no peito de Baltasar, sobre o coração. Estavam ambos nus.” (“Passeio contigo na
rua, passeio em ti na cama”).
Susana
Susana (Bom (-)) || ”Soul meets body” (Death Cab for Cutie), Plans, 2005 // José
Saramago, Memorial do Convento,
51.ª edição, Lisboa, Caminho, 1994, pp. 242-250
A música
«Soul meets body» (Alma conhece corpo) apresenta
várias semelhanças com o momento da recolha de vontades em Lisboa, por Blimunda
e Baltasar, descrito na obra Memorial do
Convento. O tom melancólico, mas esperançoso, permite que se faça uma
analogia entre o estado de espirito de Blimunda nessa altura e os efeitos que
esta experiência tem nela mais tarde.
A chegada de
Bartolomeu à quinta de S. Sebastião da Pedreira, onde Baltasar e Blimunda
trabalhavam na passarola, traz consigo a notícia de que «está Lisboa atormentada
de uma grande doença» (p. 242),oportunidade perfeita para a construção da máquina
voadora, pois Blimunda não teria «melhor ocasião para recolher as vontades dos
moribundos» (p. 242).
Blimunda aceita o
desafio e «em jejum natural» (p. 243), sujeita-se, então, às condições
perigosas do «vomito negro ou febre amarela» (p. 242), e parte para Lisboa,
receosa, acompanhada de Baltasar — «And I cannot guess what we'll discover/ When we turn the dirt with
our palms cupped like shovels» (em português, «Eu não consigo adivinhar o que
nós descobriremos / Quando pegamos a sujeira com nossas palmas cortadas como escavadeiras»)
— que a protege e lhe dá apoio, por saber dos
horrores por que Sete-Luas ia presenciar («But I know our filthy hands can wash
one another's / And not one speck will remain», «Mas eu sei que nossas mãos
podem lavar uma à outra / E não sobrará nenhuma mancha»).
Nas ruas de Lisboa,
onde «se queimava alecrim para afastar a epidemia» (p. 244), Baltasar seguia
Blimunda, que passeava, cuidadosa e desmotivada, o seu frasco de vidro, por os
seus corpos não se poderem cruzar («nem um quer ver, nem o outro quer ser
visto», p. 243).
Assim passaram a
tarde, longe do olhar um do outro, e no final do dia, após muitas casas e
corpos doentes visitarem, o casal, cansado, volta para casa. Blimunda
encontra-se com uma «insuportável náusea» (p. 246) e o seu corpo nessa noite, deita-se solitário, em dor, devido
«à consciência excessiva dos órgãos internos» (p. 247) que ganhou nesse dia. Em
«Soul meets body» (Alma Encontra o Corpo), ao invés do que sucede na obra, o eu
do texto deseja «viver onde a alma encontra o corpo» («I want to live where
soul meets body»), enquanto que, Blimunda, que tem o dom de o experienciar,
deseja livrar-se dessas imagens que a atormentam («I send my thoughts to
far-off destinations / So they may have a chance of finding a place where
they're / far more suited than here», «eu mando meus pensamentos para destinos
distantes / Assim, eles talvez tenham a chance de encontrar um lugar onde /
fiquem melhor do que aqui»). Porém, em ambas as músicas, há um desejo comum de
«feel what it's like to be new» («sentir como é estar novo»), que, no caso de
Sete Luas, é o desejo de viver sem o seu ‘’dom’’, ou ‘’maldição’’, dependendo
da perspetiva.
Após o sucesso do
primeiro dia (a recolha de vinte e quatro vontades), Baltasar e Blimunda
voltaram à recolha das nuvens fechadas, — «And I do believe it's true / That there are roads left in both of
our shoes», «E eu acredito que seja verdade, / Que ainda há estrada para nossos
sapatos» — apesar dos efeitos negativos desta busca
exaustiva em Sete-Luas.
Andaram na recolha de
vontades, por Lisboa, durante um mês até que «Blimunda caiu doente» (p. 248). Apesar
de não apresentar outros sintomas físicos, tinha uma «extrema magreza, e uma
palidez profunda» (p. 248). Baltasar, ‘’marido’’ dedicado e apaixonado, como se
presencia ao longo deste romance histórico, não a abandonava, e o Padre
Bartolomeu Lourenço, sentindo a culpa pela saúde frágil da sua amiga («mordia
as unhas, arrependia-se de a ter mandado às instancias vizinhas da morte», p. 249),
rezava, ou pelo menos pensava-se que o fazia, ocasionalmente.
Apesar de somente
mais tarde ser a música do cravo de Scarlatti que salva Blimunda, Sete-Sóis, durante
este período de tempo crítico, «cobria Sete-Luas com o braço são e murmurava,
Blimunda» (p. 250), esperando sempre que ela adormecesse primeiro, para dormir,
por fim, descansado («So brown eyes I hold you near / Cause you’re the only
song I want to hear / A melody softly soaring through my atmosphere», «Então
olhos castanhos, eu te seguro perto de mim / Porque és a unica canção que quero
ouvir / Uma melodia pairando suave através da minha atmosfera».)
Bea G.
Bea
G. (Bom (-)) || «Here
Without You» (Three
doors down), Away from the sun, 2003 // José Saramago, Memorial do
Convento, 52.ª edição, Alfragide, Lisboa,
Caminho, 2012, pp. 480-493
O romance de José Saramago, Memorial do Convento, pode ser relacionado com
um número infinito de músicas. Músicas de amor, coragem, aventura, ação… Contudo escolhi uma música que
se pode relacionar com um episódio em particular do romance. Uma música que, apesar de abordar o amor,
transmite-nos também saudade.
Depois de uma noite passada na barraca, Baltasar despede-se
de Blimunda e parte para Monte Junto, uma viagem que, aparentemente, seria como
todas as outras que Baltasar já havia
feito para ir arranjar a passarola. Acaba, no entanto, com um acidente que
arrasta Baltasar pelos céus dentro da passarola, não retornando a casa.
Em “Here without you” e no
romance, leitor e ouvinte são confrontados com um sentimento de saudade e de
distância que se prolonga no tempo. Em Memorial, “Durante nove anos, Blimunda procurou Baltasar.” (p. 487) e,
na música, “A hundred days have made me older / Since the last time that I saw
your pretty face” ( Cem dias fizeram-me mais velho / Desde a última vez que vi
o teu lindo rosto). Durante todo este tempo, as personagens continuaram a sonhar com
quem está longe delas e Blimunda continuou também, incansavelmente, à procura
de Baltasar (“Conheceu todos os caminhos do pó
e da lama,
a branda areia, a pedra aguda, tantas vezes a geada rangente e assassina, dois
nevões de que só saiu viva porque ainda não queria morrer”, p. 487).
Tanto o sujeito poético como Blimunda encontram-se sozinhos,
porém o seu pensamento desliza e centra-se em outra pessoa. Este foco no outro é
o que lhes dá forças para continuar a ter a esperança de um dia haver o reencontro. Na
canção, o sujeito poético confessa “I’m here without you, baby / But you're
still on my lonely mind / I think about
you, baby / And I dream about you all the time” (Estou aqui sem ti, amor
/ Mas tu ainda estás na minha mente solitária / Eu penso em ti, amor
/ E eu sonho contigo o tempo todo); por sua vez, no romance, Blimunda não
dormiu durante duas noites só a pensar em Baltasar e só adormeceu “porque o
corpo tem às vezes dó da alma…” (p. 481), mas, a dormir ou não, nunca deixou de
sonhar com o reencontro com o seu amado (“Quantas vezes imaginou Blimunda que
estando sentada na praça duma vila, a pedir esmola, um homem se aproximaria e em lugar de
dinheiro ou pão lhe estenderia um gancho de ferro, e ela meteria a mão ao
alforge e de lá tiraria um espigão da mesma forja, sinal da sua constância e
guarda, Assim te encontro, Blimunda, Assim te encontro, Baltasar…”, p. 491).
Contudo, com o passar do tempo, o sujeito poético
começa a sentir a distância a vincar o espaço e emerge o desânimo que teima em
aumentar (“The miles just keep rolling / As the people leave their way to say
hell” [A distância só aumenta
/ À medida em que as pessoas deixam o seu
costume de dizer “Olá”]) e Blimunda passa a viver sem rumo nem direção, dominada pela ausência de Baltasar (“Nos
primeiros tempos calculava as léguas que andava por dia… mas depois
confundiram-se-lhe os números, não tardou que o espaço e o tempo deixassem de
ter significado”, p. 490).
Todavia, no fim, o sujeito poético da música assume a
força do amor que sente e que o une à sua amada e assegura que nada irá destruir
este amor (“And when the last one falls, when it's all said and done / It gets
hard, but it won't take away my love” [E quando o último cair, e quando tudo
estiver dito e feito/ Isto tornar-se-á mais difícil, mas não vai tirar o meu
amor]) e o mesmo sucede a Blimunda que, no fim de toda a sua demanda,
acaba por encontrar Baltasar no auto de fé a arder na fogueira, humilhado pela
assistência. Mas este amor que, é mais forte do que o tempo e as suas marcas, é
também mais forte que a distância que os separa.
Blimunda recolhe então a vontade de Baltasar para que possam estar juntos para
sempre (“Desprendeu-se a vontade de Baltasar Sete-Sóis, mas não subiu para as
estrelas, se à terra pertencia e a Blimunda”, p. 493).
Cláudia
Cláudia (Bom -/Suf +) ||
“Sleep On The Floor” (The Lumineers), Cleopatra,
2016 // José Saramago, Memorial do
Convento, 25.ª edição, Lisboa, Caminho, 1998, pp. 63-68, pp. 206, 207, 208,
226
Para este comentário-análise de uma canção e de Memorial do Convento, não foi fácil
arranjar uma canção que não falasse do estereótipo das matérias do coração, que
abrange quase todo o Memorial através
da relação Sete-Sóis e Sete-Luas. Decidi escolher uma música que fugisse um
pouco, talvez não muito, ao banal. Como analogia literária, escolhi uma música
dos The Lumineers que se apelida “Sleep On The Floor” (Dormir no chão) do mais
recente álbum Cleopatra.
A composição estabelece uma relação entre um
sonho real e um sonho abstrato ou imaginário, resultando disso ser associável ao
Memorial através do “esperado” voo
surpreendente da passarola. O sonho faz parte daquela linha espacial e
imaginária que navega em toda a obra: para D. João V, o sonho de se construir
os seus mais belos projetos inovadores; para a rainha D. Maria Ana, o sonho de
conseguir dar um herdeiro à coroa real; e para os heróis da história,
Bartolomeu, Baltasar e Blimunda, o desejo de voar – “os homens (voam) quando
sonham” (p. 63). Na letra de “Sleep On The Floor”, a presença de um sonho
traduz-se numa vontade repentina de se aventurar no desconhecido, deixando tudo
para trás – “Pack yourself a toothbrush dear / Pack yourself a favourite blouse
/ Take a withdrawal sleep / Take all off your savings out [Agarra na tua pasta
de dentes / Agarra na tua camisa preferida / Dorme um sono de seguida / Tira
todas as tuas poupanças] ”. Ao contrário de um padre dito normal, um dos heróis
da nossa história, Padre Bartolomeu Lourenço de Gusmão, vive, exageradamente, o
sonho de voar. A vontade precipitada é consistente com o amor que o Padre tem
pela passarola, porque “quando tudo estiver armado e concordante entre si,
voarei” (p. 68).
Este padre tão incomum era um futurista, um
visionário, que, ao contrário de tudo (até mesmo do suposto Deus maneta),
abraçava a ciência como uma categoria em crescimento, um complemento, que
permitia ao homem evoluir e ser curioso – “Forget what Father Brennan said/ We
were not born in sin” [Esquece o que o Padre Brennan (Deus) disse / Nós não nascemos
em pecado]”. Em “If the sun don’t shine on me today / And if the subways floods
and bridges break/ Will you lay yourself down and dig your grave / Or will you
rail against your dying day [Se o sol não brilhasse / E se o metro se inundasse
e as pontes fossem destruídas / Deitavas-te e cavavas e tua sepultura / Ou ias
correr contra o dia da tua morte]”, é bem notória a força que a vontade tem:
mesmo se tudo corresse mal iria desistir? – “dig your grave [cavar a tua
sepultura]” – Ou iria até onde o meu coração me mandasse? – o mais longe
possível. O facto de Bartolomeu ter uma ideia tão inovadora levava-o a ser alvo
da Inquisição, a ser castigado ou até mesmo condenado à morte, mas isso não o
fez desistir do seu sonho – “olhai que cárcere, degredo e fogueira costumam ser
a paga desses excessos, mas disto sabe um padre mais do que um soldado, Tenho
cuidado e não me faltam proteções, Lá virá o dia.” (p. 65).
Algum tempo depois, a passarola, acidentalmente,
consegue voar, mas acaba por cair, levando com ele os sonhos de todos os seus seguidores.
Desolado, Bartolomeu tenta pegar-lhe fogo, acabando, entretanto, por fugir –
“Apertava a cabeça entre as mãos, depois fazia gestos como se conversasse com um
ser invisível, (…), Se tenho de arder numa fogueira, fosse ao menos nesta, (…),
viram-no baixar-se rapidamente, e, olhando outra vez, já lá não estava, (…),
Sumiu-se, e Blimunda declarou, Foi-se embora, não o tornaremos a ver.” (pp.
206, 207, 208) “Jesus Christ can’t save tonight [Jesus Cristo não me pode
salvar hoje]”. Este senhor das ciências acaba por morrer. Muitos poderão
associar esta morte prematura a uma vingança cara do Senhor de todos, porém, de
qualquer forma, este Padre morreu levando os seus sonhos com ele – “o Padre
Bartolomeu de Gusmão morreu em Toledo, que é em Espanha, Para onde tinha fugido,
dizem que louco.” (p. 226).
Leonor
Leonor (Bom) || “Dark
necessities” (Red Hot Chili Peppers), The
Getaway, 2016 // José Saramago, Memorial
do Convento, 17.ª edição, Lisboa, Caminho, 1982, pp.76-81
É notória a semelhança entre o sujeito poético
da canção “Dark necessities” e Blimunda de Memorial
do Convento. Ambos procuram do seu parceiro a compreensão da parte obscura
das suas mentes e as duas narrações têm como palco a manhã embora de modo apenas
metafórico na canção.
Em Memorial
do Convento, Blimunda, ao acordar, apercebe-se de que Baltasar Sete-Sóis
lhe roubou o pão. Este não percebe por que razão Blimunda, ainda meio
adormecida, todos os dias de manhã come um pedaço de pão. Querendo perceber o que
se passa, procura respostas, olhando para a expressão dela e deseja que todos
os segredos entre eles desapareçam. Blimunda acede a revelar-lhe o seu mistério
mas ele não acredita no que ela lhe diz.
Paralelamente, na canção o sujeito poético refere
que com o amanhecer tudo o que eles têm está em jogo. Olha também para o seu
companheiro na procura de respostas, para perceber o que ele tem a dizer: “Coming
on to the light of day, we got / Many moons that are deep at play, so I / Keep
an eye on the shadow smile / To see what it has to say / You and I both know/
Everything must go away” (“Saindo em direção à luz do dia, nós temos / Muitas
luas que estão em jogo, então eu / Fico de olho no sorriso sombra / Para ver o
que tem a dizer / Tu e eu sabemos / Que deve tudo ir embora”). No entanto, com
o desenrolar de ambas as ações percebemos que estas tomarão rumos distintos.
Blimunda e Baltasar, na manhã seguinte,
enfrentam também a luz do dia. Ela vai então mostrar um poder que é “mais de
condenação do que de prémio” (p. 78): a capacidade de “ver o que está dentro
dos corpos, e às vezes o que está no interior da terra” (p. 78). Sete-Luas só
tem esses poderes quando está em jejum e, por isso, não olha para Baltasar
antes de comer pão porque “um dia prometeu que nunca o veria por dentro”.
Contrariamente a este casal, as personagens da
música não veem os aspectos obscuros como algo tão negativo. O sujeito poético tem
necessidades obscuras que venera, mas ela sente que o seu companheiro, apesar
de possuir alguma escuridão, tem também alguma luz. É notória uma compreensão e
afabilidade por parte do sujeito poético, mas uma incompreensão da parte dele à
escuridão da companheira, embora seja uma faceta que ele também partilhe.
Apesar desta incompatibilidade, a personagem da canção quer juntar-se na
escuridão, para ambos brilharem na sua loucura, compreenderem as suas mentes e
viverem o seu amor.
Por outro lado, apesar de Baltasar não acreditar
inicialmente em Blimunda quando ela refere os seus poderes, procura compreendê-la.
Toma como imagem o que se vê nos animais por fora comparativamente com o que se
vê nos animais por dentro depois de os abrir. Percebe então a angústia de
Blimunda pois, pelo que ele consegue ver, o interior pode ser algo desagradável
de se olhar. Sete-Sóis, apesar de a ter forçado a não comer para ela lhe
mostrar como era realmente a sua visão do mundo, não o volta a fazer, tomando
depois conta dela e ajudando-a a conviver com esse aspeto sombrio.
Percebemos então que ambos os casais têm um lado
obscuro. Um prefere permanecer nele, havendo alguma incompreensão de uma das
partes. O casal do romance lida com esse lado, demonstrando ajuda mútua.
Bea S.
Bea S. (Suf +) ||
"Heart by Heart" (Diane Warren/Demi Lovato), The Mortal Instruments:
City of Bones: Original Motion Picture Soundtrack,
2013 // José Saramago, Memorial
do Convento, Lisboa, Abril/Controljornal, 2000
Se falarmos da relação entre Baltasar e Blimunda em Memorial do
Convento, a música da Demi Lovato “Heart by Heart” enquadra-se muito bem,
principalmente devido ao desenrolar da narrativa no capítulo V.
Ao longo da história estabelece-se uma comparação entre a relação de
D. João V e D. Maria Ana e a relação de Blimunda e Baltasar. O casal real tinha
um casamento religioso mas partilhavam um amor contratual (“Mas nem a
persistência do rei, que, salvo dificultação canónica ou impedimento
fisiológico, duas vezes por semana cumpre vigorosamente o seu dever real e
conjugal”, p. 7), referido no capítulo I. Eles não se conhecem, não existe
nenhum momento afetivo entre eles e dormiam mesmo em quartos separados,
juntando-se somente para o ato sexual. A rainha era vista simplesmente como
aquela que iria dar um herdeiro a Portugal. Eram ambos infelizes e, como
consequência dessa infelicidade, eram infiéis. D. Maria Ana sonhava com o
cunhado, D. Francisco, e por parte do rei “abundam no reino bastardos da real
semente e ainda a procissão vai na praça” (p. 7).
Ao contrário, Baltasar e Blimunda partilham uma relação de amor
verdadeiro e puro e, no entanto, não precisam de estar casados à vista de Deus
para sentirem o amor eterno que sentem. Entre eles não existem regras nem
superioridades (“(…) sente a pele o suspiro do ar como outra pele, não se
encontra diferença alguma entre Baltasar e o mundo, entre o mundo e Blimunda
que diferença haveria.”, p. 192), há uma grande cumplicidade e muita confiança,
conhecem-se totalmente (“And you know my heart by heart” / "E tu conheces
o meu coração de cor"). Eles são felizes no contexto de pobreza em que se
vivia naquela época e apesar todas as dificuldades, tornando-se um casal raro
(“Blimunda foge da água rindo, ele agarra-a pela cintura, ambos caem, qual de
baixo, qual de cima, me parecem pessoas deste século”, p. 192).
Conheceram-se durante um auto de fé levado a cabo pela Inquisição,
onde Sebastiana Maria de Jesus, mãe de Blimunda é condenada a degredo. Baltasar
encontrava-se junto do padre Bartolomeu e Blimunda perguntou-lhe ”Que nome é o
seu, e o homem disse, naturalmente, assim reconhecendo o direito de esta mulher
lhe fazer perguntas, Baltasar Mateus, também me chamam Sete-Sóis” (p. 37).
Desde então parecia que eles estavam destinados um para o outro (“When your soul
finds the soul it was waiting for" / "Quando a tua alma encontra a
alma que estavas à procura"; "When you’re one with the one you were
meant to find /Everything fall in place, all the stars align” / "Quando
estás com alguém que estavas destinado a estar/Tudo ficou no lugar, todas as
estrelas se alinharam") e que tudo fazia mais sentido. Ao voltar a casa,
Blimunda leva consigo o padre Bartolomeu e deixa a porta aberta a Baltasar como
se estivesse a dar-lhe um pouco dela (“When someone walks into your heart
through an open door” / "Quando alguém entra no teu coração através de uma
porta aberta"). Depois de o padre os deixar, Blimunda convida Baltasar a
ficar, não explicando a Baltasar a sua razão (“Porque queres que eu fique,
Porque é preciso, Não é razão que me convença, Se não quiseres ficar, vai-te
embora, não
te posso obrigar”, p. 39). Baltasar acabou por ficar, passando a noite juntos.
Na manhã seguinte, Baltasar acordou e viu Blimunda a comer o pão com os olhos
fechado e apesar de “No there's no one else's eyes /That could see into me” /
"Não existem olhos de mais ninguém / Que pudessem ver por dentro",
ela promete que nunca o irá fazer.
João O.
João O. (Bom -) || “Hide In Your Shell” (Hodgson/Supertramp), Crime of Century, 1974 // José Saramago, Memorial do Convento, 25.ª edição,
Lisboa, Caminho, 1982, pp.77-83
No seu terceiro disco, Crime of
the Century, os Supertramp apresentam-nos a canção “Hide In Your Shell”. É
uma composição de, aproximadamente, sete minutos que, pela sua letra, pode ser relacionada
com a característica mágica de Blimunda (personagem de Memorial do Convento, de José Saramago), a sua capacidade de ver,
ao acordar e em jejum, as vontades das pessoas.
Em “Hide In Your Shell”, o sujeito poético parece
dirigir-se a alguém, com quem ele se preocupa, e que se mostra receosa e assustada
de se mostrar ao mundo por ninguém a entender – “Too Frightening to listen to a
stranger / Too Beautiful to put your pride in danger / You're waiting for
someone to understand you / But you've got demons in your closet” (Tão
assustada para dar ouvidos a um estranho / Tão bonita para colocares o teu
orgulho em perigo / Estás à espera de alguém que te entenda / Mas guardas demónios
no teu armário). Do mesmo modo, Blimunda mostra-se receosa e assustada para
mostrar a sua capacidade de ver por dentro. Este receio resulta de, no tempo
histórico do romance, século XVIII, muitas pessoas serem perseguidas pela Inquisição
por realizarem práticas consideradas demoníacas. Os receios de Blimunda tinham
fundamento no facto de sua mãe, Sebastiana de Jesus, que partilhava uma
maldição parecida (tinha visões e fazia revelações), ter sido condenada pela
Inquisição, e após ser açoitada num auto de fé, a dez anos de degredo em
Angola.
A passagem “Well, let me show you
the nearest signpost” / “To get your heart back and on the road” (“Bom,
deixa-me mostrar o sinal mais próximo” / “Para pôr o teu coração de volta na
estrada”) pode ser relacionda com o facto de Baltasar, companheiro de Blimunda,
mutilado de guerra a quem falta a mão esquerda, não acreditar que Blimunda possa
ter tão dolorosa maldição. Farto de tanto mistério e de tanto se
questionar, Baltasar, numa manhã, decide tirar o pão de Blimunda e obriga-a a
dizer que coisa era essa de ela ser capaz de ver por dentro. Blimunda, incapaz
de se opor, decide responder às perguntas de Baltasar e mostra-se disposta a,
no dia seguinte, comprovar o que lhe dissera, caso ele lhe devolva o pão.
Assim dito, assim feito. Depois de uma noite onde o
sono não veio – “Allthrought the night as you lie awake” (“Durante toda a noite
onde dormes acordada”) –, saem ambos à rua. Blimunda vai relatando tudo o que
vai vendo com os seus olhos de modo a que Baltasar não duvide mais dela, já que
ele não sabe como é que é ser vítima de tal maldição – “How would it bei f you
could see the world throught my eyes?” (“Como seria se pudesses ver o mundo
pelos meus olhos?”). Blimunda, sem nunca quebrar a promessa que lhe fizera no
dia em que se conheceram, volta para casa sem nunca olhar para Baltasar para
não o ver por dentro.
A partir de então a união entre os dois assenta
numa relação de proteção e carinho – “Cos it's sure time you gained control” /
“If I can help you, if I can help you” / “If I can help you, just let me know”
(“Porque de certeza que já é tempo de teres ganho controlo” / “Se eu te puder
ajudar, se eu te puder ajudar” / “Se eu te puder ajudar, deixa-me saber”), uma
vez que Baltasar não podendo verdadeiramente saber aquilo por que Blimunda
passa, toma a seu cargo a tarefa de a compreender e tranquilizar na sua
maldição, enquanto que ela passa a ser a sua mão “suplente”, ajudando-o em
tarefas braçais.
Catarina R.
Catarina R. (Bom +
/Muito Bom -) || «One day like this» (Guy Garvey/Elbow), The Seldom Seen Kid, 2008 // José Saramago, Memorial do Convento, 57.ª edição, Porto, Porto Editora, 2016, pp. 365-369
“One day like this” é uma canção apaixonante,
quer pela voz doce e suave de Guy Garvey, pela melodia deslumbrante,
enriquecida por diferentes instrumentos de orquestra e pela voz do coro, quer
pela letra sentimental que tão bem caracteriza o amor. Desta forma, poderia ser
a música de fundo na noite em que Baltasar e Blimunda vão passear ao pé do
“círculo de estátuas”.
A canção começa por delinear uma situação: após
uma noite de euforia, em que Garvey admite ter “usado palavras que nunca diz”
(“Using words I never say”) e ter tido comportamentos diferentes do habitual,
percebe que a raiz desta mudança só pode ser o amor que sente pela outra pessoa.
Este amor parece ser tão vivo que Garvey se imagina a gozar a vida ao lado
deste indivíduo, aludindo a um futuro quando ambos estarão já fracos e idosos,
como é indicado com “When my face is chamois-creased / (…) Kiss me when my lips
are thin” (Quando a minha cara estiver vincada, beija-me quando os meus lábios
estiverem finos), que remete para os traços que a idade altera.
Tais marcas do tempo são já notáveis em Baltasar
mas não afetam Blimunda – “ Baltasar não tem espelhos, a não ser estes nossos
olhos (…), e são eles que lhe dizem, Tens a barba cheira de brancas, Baltasar,
tens a testa carregada de rugas, Baltasar (…), nem pareces o mesmo homem, Baltasar,
mas isto é certamente defeito dos olhos que usamos, que aí vem justamente uma
mulher [Blimunda], e onde nós víamos um homem velho, vê ela um homem novo (…)”
(p. 365) –, porque a fiel mulher de Baltasar vê para além das cargas físicas
que o tempo opera, e apenas vê o seu homem, o sol (ou os sete sóis) da sua
vida. Se, na canção, tais sentimentos são “silly wrong but vivid right” (uma
tolice errada mas vivamente correta), para o casal Sete-Sóis Sete-Luas, é o
amor mais puro e verdeiro que é, no entanto, mal visto pelas pessoas de Mafra.
Já no passeio, Blimunda, por não saber ler as
placas onde estão cinzelados os nomes dos protagonistas das estátuas, tenta
adivinhar a identidade destes, o que origina uma conversa sobre santos,
salvação, a vida e a morte, que, como comenta por várias vezes o narrador, não
seria esperada vinda de pessoas tão humildes e modestas como Blimunda e
Baltasar. No entanto, não são apenas este diálogo profundamente filosófico, a
lua “enorme, vermelha” e os espetros de mármore que marcam a noite nívea. Contrastando
com a suavidade e harmonia de um amor tão sincero como o deste casal, está a
agonia e decadência da Ilha da Madeira, as instalações moribundas dos que
trabalham nas obras do convento de Mafra. Os habitantes destas barracas, pobres
e febris trabalhadores, que com tanto sofrimento constroem o monumento
encomendado por D. João V, que muito trabalho teve a pensá-lo do conforto dos
seus aposentos reais, tanto sacrificam que chegam a dar a sua vida à construção,
suplício mencionado em “À distância, a Ilha da Madeira era uma massa confusa,
um gigantesco dragão deitado, (…) tantos homens que ali dormem, mais os míseros
das enfermarias onde não há catre vago, salvo se estão os enfermeiros retirando
alguns cadáveres (…)” (p. 369).
O verso final – “One day like this a year would
see me right” (Um dia assim por ano deixar-me-ia bem) – reflete esta mesma oposição
entre a profunda felicidade e júbilo que vem do amor e entre o desconsolo,
desastre e angústia que a vida possa trazer. Na canção, apenas um dia por ano
em que o regozijo e a satisfação preencham a alma é o suficiente. No plano de
Baltasar e Blimunda, “este escape” à severidade e à crueldade da vida de
trabalho e pobreza é a relação de profunda compreensão e o incondicional amor
que existe entre os dois, que persiste perenemente.
Afonso
Afonso (Bom (-)) || “Downer”
(Kurt Cobain/Nirvana), Bleach, 1989 // José
Saramago, Memorial do Convento, Lisboa, Editores
Reunidos, 1994, pp. 234-259
A música “Downer”, da banda norte-americana
Nirvana, assemelha-se ao capítulo XIX do Memorial
do Convento, na medida em que faz referência a uma “obrigação a servir o
país”. Neste capítulo do Memorial é
contada a história do transporte de uma pedra de dimensões gigantes desde Pêro
Pinheiro até Mafra, onde seria utilizada na construção da varanda central do
convento. Seria muito tentador comparar toda a primeira estrofe, que constitui
o corpo inicial da música, com os episódios retratados ao longo do capítulo
pelas suas inconfundíveis semelhanças, mas existem dois versos – que pela
separação no espaço temporal – se tornam forçados.
Inicialmente a letra da música diz “Portray sincerity / Act out of loyalty / Defend your
free country / Wish away the pain” – traduzido: “Demonstre
sinceridade / Aja com lealdade/ Defenda sua pátria / Deseje que a dor acabe”. A
interpretação da letra no tempo atual levar-nos-ia a um contexto de guerra não
muito diferente do transporte da pedra, onde os homens devem apresentar
qualidades espetaculares não só a nível físico mas também psicológico, de forma
a enfrentar os desafios como o enorme e peso, a distância, o terreno e o calor.
Qualquer uma das apresentadas podia considerar-se um impedimento na realização
da tarefa mas o heroísmo dos homens acaba por prevalecer face às adversidades.
A meio do capítulo
é finalmente expresso o descontentamento pelo trabalho que podia ser evitado se
a pedra não fosse tão grande, visto que não era necessário que o fosse e isso
se devesse apenas a “orgulho”. Este desagrado serve como introdução para a
verdadeira frustração do narrador, que diz em seguida “Deve-se a construção do
convento de Mafra ao rei D. João V, por um voto que fez se lhe nascesse um
filho, vão aqui seiscentos homens que não fizeram filho nenhum à rainha e eles
é que pagam o voto, que se lixam, com perdão da anacrónica voz”. Esta
indignação é manifestada de forma perfeita pela letra de Kurt Cobain ainda nos
versos finais da primeira estrofe (“Hand out lobotomies / To save little
families” – traduzido – “Distribua Lobotomias / Para salvar pequenas famílias”),
sendo que o compositor escreve sobre a lavagem cerebral feita ao povo de forma
a que este sinta que “certas famílias” ou, no caso específico de Memorial, a sucessão da família real,
sejam mais importantes do que as vidas de alguns como a de Francisco Marques.
O refrão, apesar de
mais subjetivo, também podia ser alvo de comparação com o texto devido ao seu
carácter antiteológico , em “Is the whole fleece
shun in master? / Don't feel guilty,
master writing” – traduzido – “sem tradução / Não te sintas culpado foi escrito
divinamente –,apesar de os dois versos se
poderem aplicar a vários episódios, talvez deva assinalar especificamente, a
ilibação da Igreja pela Inquisição, visto que esta perseguição era justificada
por escritura sagrada. Esta ideia crítica da religião é prolongada para o último
verso do corpo da música, tal como no final do capítulo em “se Deus tivesse
piedade dos homens teria feito um mundo rasinho como a palma da mão”, quando o
narrador desafia a doutrina religiosa pela falta de compaixão que Deus tem para
com os homens, tal como “Apocalyptic bastard – traduzido: Bastardo apocalíptico”
desafia a ideia de um fim apocalíptico defendido pela Igreja. Na canção podemos
ainda encontrar ironia nos versos “Thank you dear God / For putting me on this
Earth / I feel very privileged / In debt for my... thirst!” – traduzido: “Obrigado,
querido Deus / Por me colocar na Terra / Me sinto um privilegiado / Nem sei
agradecer pela sede que sinto” que aparece na mesma forma, de necessidade de
agradecimento a Deus pela oportunidade de pecar, durante o sermão dado no
domingo a seguir à morte de Francisco Marques, quando o frade em cima do carro
prega “(…) Santo António, por amor de quem levamos esta pedra à vila de Mafra,
é certo que pesada, mas muito mais pesados são os vossos pecados, e contudo
andais com eles no coração como se não vos carregassem”.
Carolina
Carolina
(Bom +) || “Everything Has Changed” (Taylor Swift e Ed Sheeran / Taylor Swift e
Ed Sheeran), Red, 2012 // José
Saramago, Memorial do Convento, 57.ª
edição, Porto, Porto Editora, 2016, pp. 55-60
É impossível negar a importância que as
personagens Baltasar e Blimunda têm no desenrolar de Memorial do Convento. O casal não só participa na ação, como também
serve de ponte entre os diversos “episódios” que são narrados ao longo da obra.
Tal como na música “Everything Has Changed”, de
Taylor Swift (ft. Ed Sheeran), cujo ritmo vai acelerando progressivamente – e cuja
letra se enquadra com o nascer e crescer do amor entre estas personagens –,
também o primeiro encontro entre Sete-Sóis e Sete-Luas apresenta este registo
gradual que termina num culminar impetuoso – o início da relação entre os dois.
Foi no auto de fé em que Sebastiana Maria de
Jesus, mãe de Blimunda, seria castigada por ter “visões e reflexões” (p. 55)
que o casal se conheceu. Na verdade, foi Sebastiana que auxiliou o par a
encontrar-se, ao transmitir à filha que era seu desejo saber “quem é ele, donde
vem, que vai ser deles, poder meu” (p. 56), ao reparar no homem “tão alto, que
está perto de Blimunda” (p. 56) – que se encontrava junto do padre Bartolomeu
Lourenço e que após perceber as intenções da mãe, perguntou àquele homem como
se chamava. É de facto assim que “everything has changed [tudo mudou]“, pois é
deste momento que nasce o amor instintivo e forte de Baltasar e Blimunda.
Com o término do auto de fé, regressa Blimunda
com o padre a casa, cuja porta deixa aberta para que Baltasar, que a seguia,
pudesse entrar, “não porque lhe dissessem (…) mas Blimunda perguntara-lhe que
nome tinha e ele respondera, não era necessária melhor razão” (p. 58) – este
gesto simboliza, analogamente, como ambos “held the door [seguraram a porta]”
dos seus corações e permitiram a entrada um do outro. A relação é então
abençoada pelo padre através de um ritual muito simples que oficializa a união
do par – “You’ll be mine and I’ll be yours [Tu serás meu e eu serei tua]“.
Apesar de pouco saberem um sobre o outro (“All I
know is a simple name [Tudo o que sei é um simples nome]”), Sete-Sóis e Sete-Luas
já se encontravam enamorados (apesar de não perceberem ao certo esta emoção
repentina). Os olhares que trocam um com o outro, e que decerto os fariam
sentir “like coming home [como voltar para casa]“, são prova deste sentimento.
Sem o confirmarem vocalmente – apenas através de gestos como o de Blimunda, que
“fez uma cruz no peito de Baltasar, sobre o coração” (p. 60) com o sangue proveniente
da perda da virgindade –, começam a desenvolver uma relação que simboliza o
amor verdadeiro. Um amor predestinado, que não olha ao estatuto social nem às obrigações
matrimoniais da época, mas apenas ao prazer, à cumplicidade e ao entendimento
perfeito.
Ainda que o primeiro encontro entre Baltasar e
Blimunda tenha sido breve, foi o suficiente para que os dois ganhassem a
vontade de “know [each other] better [se conhecerem melhor] ” e criassem um
amor sem regras e natural – e que acaba por contrastar com o “amor” que
conhecemos entre outras duas personagens (D. João V e D. Maria Ana). Um amor
que com o desenrolar da ação evolui e é posto à prova com o desaparecimento de
Baltasar, o que obriga Blimunda a procurar o amado, que acaba por encontrar no
auto de fé em que este seria queimado – voltando ao lugar em que “everything
has changed [tudo mudou]”, e que acabou por, de novo, mudar.
Maria
Maria (Suficiente (+)) || «I Don’t Wanna Live Forever» (ZAYN/Taylor Swift), I Don’t Wanna Live Forever, 2017 // José Saramago, Memorial do Convento, 38.ª edição, Lisboa, Caminho, 2006, pp. 53 e passim
Em Memorial
do Convento cruzam-se duas grandes histórias: a da construção do convento
de Mafra, por oposição à da passarola, e o amor de Baltasar e Blimunda,
contrastado com o relacionamento formal e contratual de D. João V e D. Maria
Ana.
Foi o amor que me levou à procura de uma canção
que permite esta análise da obra. A canção escolhida «I don’t wanna live
forever», de Taylor Swifft, apresenta alguns aspetos que facilmente podem
remeter para a história de Baltasar e Blimunda.
Quando estas personagens se conheceram,
Blimunda, de dezanove anos, assiste sozinha ao auto de fé que a vai separar
definitivamente da mãe. Irá ficar só. Mas um homem «tão alto», «que lhe estava
perto», que ela «o olha a ele sente um aperto na boca do estômago»| vai ser o
seu amparo (ela« deixou a porta aberta para que Baltasar entrasse»). Ele
sente-se enfeitiçado pelos seus olhos («olhos como estes nunca se viram») e
pensa que ela lhe deitou «um encanto», que o «olhou por dentro». Ela promete
«nunca te olharei por dentro» e, depois de consumarem o seu amor, nunca mais se
separaram (p. 57).
O segredo de Blimunda, que Baltasar tenta
desvendar e comprovar («eu posso olhar por dentro das pessoas», «só acredito se
fores capaz de dizer o que está dentro de mim agora»), poderia tê-los afastado,
o que não aconteceu. Acaba por ser mais um elemento que os une e que
contribuirá para que o padre Bartolomeu consiga concretizar o seu
projecto/sonho.
Na canção, também o amor é perturbador,
desconcertante, avassalador. No entanto, o sujeito poético revela uma atitude
diferente da de Blimunda. Embora diga que «I don’t wanna live forever [não
quero viver para sempre]», fica sentado à espera de que o/a amado/a volte («been
sitting, eyes wide open/behind these four walls/hoping you’d call [Estou
sentado com os olhos bem abertos, por detrás destas quatro paredes, à espera
que me ligues]»). Também privilegia o olhar («eyes wide open [com os olhos bem
abertos]») e apenas tem uma coisa em mente, o amado, tal como Blimunda («I got
one thing stuck in my mind [E estou com uma coisa presa na minha mente]»), mas
sente-se vazio porque deu e nada recebeu («I gave you something, but you gave
me nothing [Eu te dei algo, mas tu não me deste nada]». Em «Baby, baby,I feel
crazy [Amor, amor, sinto-me louco]», estamos perante uma confissão/desabafo
para si mesma de se sentir maluca por não encontrar Baltasar e ainda se
questiona esta situação («What is happening to me ? [O que é que está a
acontecer comigo?]»). Ora Blimunda, quando se vê apartada do seu amor, após uma
ida a Montejunto, não se conforma e parte numa busca incessante «Em toda essa
noite, Blimunda não dormiu» , «pusera-se a esperar que Baltasar regressasse ao
cair do dia» (p.351). «Deitou o alforge para o ombro, não havia ali mais que
fazer, e começou a procurar».
Essa procura por Baltasar colocou-a em perigo
algumas vezes, nomeadamente quando um dominicano a tentou violar. Blimunda
assume uma postura de guerreira, determinada, que não hesita em matar para se
salvar e poder prosseguir a sua busca («empurrado pelas duas mãos, o espigão
enterra-se entre as costelas, aflora por um instante o coração»). O narrador
usa-a para expor, novamente, a hipocrisia e a mentira existentes, neste caso,
na Igreja.
Concluímos assim que a postura do sujeito
poético da canção face ao amor/amado e a de Blimunda são opostas: o primeiro
espera passivamente que o outro volte («up all night, all night and every day
[acordado toda a noite, toda a noite e todo o dia]»), espera que algo lhe seja
oferecido («give me something,oh,but you say nothing [dás-me alguma coisa, mas
não me dizes nada]»), o que não acontece:«And I don’t wanna fit wherever [E eu
não quero fazer parte de qualquer coisa]». Não quer estar sem ele porque a vida
não faz sentido.
Blimunda não se dá por vencida: «nove anos
procurou Blimunda»(p. 369). Na canção,apesar de se sentir enlouquecido («I feel
crazy [Sinto-me louco]»), o sujeito nada faz para alterar a situação e espalha
a sua tristeza por todo o lado («I’ve been looking sad in all the nicest places
[Pareço triste mesmo nos lugares mais bonitos]»). Apesar de o procurar
brevemente («Now I’m in a cab, I tell’em where your place is [Agora estou num
táxi, e digo-lhe onde moras]»), continua a espera que uma resposta lhe seja
dada. Blimunda faz da triteza e do desespero força e nunca se dá por vencida
(«seis vezes passara por Lisboa», «esta era a sétima», «repetia um itinerário
de há vinte e oito anos»).
Blimunda, que escolhera Baltasar para cúmplice,
vivendo um amor pleno, sem compromissos nem culpa, vai usar o seu poder para o
salvar do seu destino de condenado, resgatando-o da fogueira, para o guardar (
à sua vontade) : no seu coração «desprendeu-se a vontade de Baltasar Sete-Sois,
mas não subiu para as estrelas, se à terra pertencia e a Blimunda» (p. 373).
Também na canção o sujeito poético se questiona sobre o seu amor («wondering if
I dodged a bullet / or just lost the love of my life [pergunto-me se me livrei
de uma desgraça / ou se perdi o amor da minha vida]»).
J. Cabo
J. Cabo (Suficiente +)
|| “Given to fly” (Pearl Jam), Yield,
1998 // José Saramago, Memorial do
Convento, 56.ª edição, Porto, Porto Editora, 2015, pp.59-69
“Given to fly” (que podemos traduzir como “Capaz
de voar”) é uma música da banda norte-americana Pearl Jam. “Given to fly” trata
de um homem que, miraculosamente, é capaz de voar e que, na minha opinião, tem
bastantes características em comum com o padre Bartolomeu de Gusmão, de Memorial do Convento.
Bartolomeu de Gusmão, também apelidado “Padre
Voador”, é uma personagem associada à igreja — obviamente, por ser padre — e
sempre se mostrara interessado por ciência, tendo mesmo ido à Holanda para
obter mais conhecimentos científicos. Chegara a pôr em causa a integridade
física de Deus, dizendo que este era maneta, visto que não havia referências na
Bíblia à sua mão esquerda.
No início de “Given to fly”, mais propriamente
nos primeiros sete versos, não é possível estabelecer relação entre os versos e
Memorial, nem com o padre Bartolomeu.
Nos versos seguintes, porém, refere-se a obtenção da faculdade de voar — “A
wave came crashing like a fist to the jaw / Delivered him wings, / Hey look at
me now [Veio uma onda como se fosse um murro no maxilar / Dando-lhe asas, / Hey
olhem só para mim]”. Podemos associar este passo ao momento em que Bartolomeu
consegue fazer o seu primeiro engenho voador, um balão de ar quente.
Depois, há uma passagem na música que refere “He
floated back down ‘cause he wanted to share / His key to the locks on the
chains he saw everywhere [Ele voltou cá para baixo porque queria partilhar / A
chave para os cadeados nas correntes que ele via em todo o lado]”. Sendo “a
chave para os cadeados nas correntes” a fórmula para o voo do ser humano,
podemos associar esta parte a Bartolomeu quando vai anunciar à corte a sua
descoberta, momento que é mais da biografia de Gusmão do que da narrativa
(embora também nesta haja alusão às primeiras tentativas falhadas de
Bartlomeu).
Na mesma estrofe, podemos ainda ler “But first
he was stripped and then he was stabbed / By faceless man, well, fuckers / He
still stands [Mas primeiro ele foi gozado e depois esfaqueado / Por homens
anónimos, bem, filhos da puta / Mas ele não se deixou ir abaixo]”. Reporta-nos
isto Bartolomeu em Memorial do Convento:
“Tenho sido a risada da corte e dos poetas, um deles, Tomás Pinto Brandão,
chamou ao meu invento coisa de vento que se há de acabar cedo”. Na canção, o
sujeito poético, ao apresentar a sua novidade, foi gozado, sendo o
correspondente a Tomás Pinto Brandão os “homens anónimos”. Mas, mesmo assim,
ele não desistiu, tal como Bartolomeu não parou de tentar inventar a máquina
que teria o voo perfeito.
Na parte seguinte da canção, pode-se ler “And he
still gets his love, he just gives it away/ The love he receives is the love
that is saved [Ainda assim ele continua a obter o seu amor (continua a ser
amado), ele simplesmente dá-o a outros / O amor que ele recebe é o amor que é
guardado]”. Nesta parte, um pouco confusa, a relação com Bartolomeu é também mais
forçada, mas penso que é possível comparar este “amor” com a proteção que
Bartolomeu obtém por parte do rei, que acredita nas suas invenções.
Carlota
Carlota (Bom -) || ”The Hanging Tree” (James Newton Howard), The Hunger Games: Mockingjay Part 1, 2015 // José Saramago, Memorial do Convento,
51.ª edição, Lisboa, Caminho, 1994
O compositor musical James Newton Howard lançou,
em 2014, a canção “The hanging tree”, com o intuito de fazer parte da lista
musical de um filme americano. Esta música, pelo seu tom de terror e também de
coragem, relaciona-se com o livro de José Saramago, Memorial do Convento, sobretudo nos capítulos referentes aos
autos de fé.
O auto de fé é um evento realizado publicamente
(nesta história, dá-se no Rossio), que consiste na humilhação ou execução de
cristãos novos na época da inquisição.
Os autos de fé são mencionados ao longo do livro.
No início da história, a mãe de uma das personagens principais, Sebastiana, é
sentenciada e morre queimada num auto de fé. Também o amor desta personagem,
Baltasar, é sentenciado.
A canção começa com a tão repetida pergunta “Are
you coming to the tree? [Vens ter à árvore?]” e, seguidamente, explica a
história desta árvore: um homem que assassinou três pessoas foi sentenciado à
morte. A sentença foi dada de forma diferente da dos autos de fé de Memorial do Convento pois, em vez
de ser queimado, foi enforcado nessa árvore (“They strung up
a man / They say who murdered three [Eles enforcaram um homem / Que dizem que
matou três]”).
Em contraste com a
música de James Howard, em Memorial do
Convento esta sentença foi apresentada e dada de outra forma: os
“criminosos” seriam mortos um a um, e caminhavam como se estivessem numa
procissão (“Começou a sair a procissão […]
e os inquisidores depois, todos em comprida fila, até aparecerem os
sentenciados […]”, p. 53). O narrador apresenta uma crítica a estes autos de fé
de uma maneira um tanto discreta, dizendo que acha peculiar o facto de toda a
gente se aprontar e festejar, porque já não havia um auto de fé há dois anos
(“Porém, hoje é dia de alegria geral, porventura a palavra será imprópria […]
São centro e quarto as pessoas que hoje saem, as mais delas vindas do Brasil […]
para ver justiçar a judeus e cristãos-novos […] e outras miuçalhas passíveis de
degredo ou fogueira.”, p. 52).
Ambos os tons, da música
e da história literária, são de terror e de coragem. Na canção é dito que, já
que enforcaram um homem naquela árvore, já não é estranho encontrarem-se ali (“Strange things did happen here / No stranger would it be / If we met at
midnight / In the hanging tree [Coisas estranhas aconteceram aqui / Não haverá
de ser mais estranho / Se nos encontrássemos à meia noite / Na árvore do
enforcamento]”. Isto é dito, uma vez que seria o ponto de encontro para serem
livres e fugirem; já que aconteceu algo “estranho” naquela árvore — fugir, algo
que seria mal visto por todos, já não seria tão inaceitável (“Are you, are you /
Coming to the tree / Where I told you to run / So we'd both be free [Vens / Ter
à árvore / Onde eu te disse para correres / Para que ambos conseguíssemos ser
livres]”). Já no livro, a inquisição persegue cristãos-novos e judeus (entre
outras pessoas) e leva-os para o Rossio, junta centenas de pessoas, e tira a
vida aos sentenciados. A coragem é aqui identificada facilmente (enquanto que o
terror é também facilmente identificado na música) pois, mesmo que os
sentenciados sejam obrigados a caminhar a procissão, têm de ter coragem de
enfrentrar toda a gente, sabendo que a morte os espera e que são brutalmente
julgados e criticados.
J. Tavares
J. Tavares (Suficiente) // «Light Years» (Pearl Jam), Binaural, 2000 // José Saramago, Memorial do Convento, ?, ?, ?
Memorial do Convento é uma obra cheia de
personagens relevantes e acontecimentos dramáticos com elas relacionados, mas o
principal foco é a paixão entre Baltasar e Blimunda e como ele se desenrola. A música
«Light years», de Pearl Jam, enquadra-se no romance, relacionando-se com a
busca intensiva de Blimunda por Sete-Sóis .
No decorrer da obra
estas personagens desenvolvem uma conexão muito forte que as torna muito
próximas uma da outra. No capítulo XXIII, Baltasar desaparece com a passarola e,
nessa noite, Blimunda espera pelo seu regresso — «Em toda essa noite Blimunda
pusera-se a esperar que Baltasar regressasse...» (p. 465). Esta espera durou
pouco mais de um dia até que Blimunda tomou o caminho pelo qual Baltasar teria
de voltar, esperando assim que não houvesse desencontro: «Every inch between us
becomes light years now… [cada centímetro entre nós torna-se anos de luz]» (este
verso da música reflete o desespero da Sete-Luas na sua procura insana). O
próprio nome da música, «Light years [anos de luz]», alude aos anos que
Blimunda procurara Sete-Sóis e que não fora sucedida.
«And wherever you've
gone and wherever we might go it don't seem fair... you seem to like it here [e
onde tu estiveres e onde tu irás não parece ser justo… tu parecias gostar daqui]»
— embora na música tenha outro significado, a pessoa a que o sujeito se dirige
não tenha desaparecido mas sim perdido a vida, esta citação pode transmitir o
facto de Blimunda saber que Baltasar não saíra propositadamente mas por
acidente e que sabe que este talvez tenha tentado reverter a situação mas não conseguira
— «Em qualquer parte do céu deveria andar Baltasar voando, lutando com as velas
para fazer descer a máquina» (p.470).
«Days alone that
could have been spent, together… but we were miles apart [Dias sozinha que
podiam ter sido passados, juntos...]» remete para as saudades que Blimunda terá
de Baltasar. Se não as tivesse, não teria percorrido quilómetros e quilómetros
à procura de seu homem («Milhares de léguas andou Blimunda.», p. 491).
A música em si fala
de duas almas apaixonadas que se separaram e o sujeito lírico mostra o quanto
sente a falta do/a parceiro/a, não aguentando a mágoa e a tristeza que sente,
transmitindo-nos o quanto importante era a pessoa que havia perdido através da letra
profunda de «Light years». Em Memorial do
Convento passa-se algo parecido, a paixão entre duas pessoas, uma delas
desaparecendo repentinamente, deixando a outra com o coração na mão. Esta
demonstra o amor que sentia pelo desaparecido, procurando-o durante anos,
percorrendo quilómetros, de rua em rua, de praça em praça, de cidade em cidade,
sempre com a esperança de que em alguma instância o torne ver.
Pedro
Pedro (Bom (+)) || “Encosta-te a mim” (Jorge
Palma/Jorge Palma), Voo Nocturno,
2007 // José Saramago Memorial do Convento, Lisboa, Caminho, 2000, pp. 24-25
Em Memorial do Convento é contada a
história amorosa de Baltasar e Blimunda. Se lhe sobrepuséssemos a canção de
Jorge Palma “Encosta-te A Mim”, encontraríamos facilmente alguns pontos comuns
entre Baltasar e o sujeito poético criado por Jorge Palma.
Baltasar – também
conhecido como Sete Sóis – é um soldado que, tal como o sujeito poético da
canção, “chegado da guerra, f[e]z tudo p’ra sobreviver / em nome da terra (…)”
(vv. 5-6). No caso de Sete Sóis, regressa “mandado embora do exército por já
não ter serventia nele, depois de lhe cortarem a mão esquerda pelo nó do pulso”
(p. 24).
José Saramago
introduz o primeiro contacto do leitor com Baltasar está este pedindo em Évora
para comprar um gancho. A primeira ideia que fica de Baltasar é de um homem
esgotado e degradado devido à guerra. Baltasar é “aquele vulto que no meio do
caminho, cortando a passagem, pede auxílio para um soldado a quem cortaram a
mão e só por milagre não a vida, se quem teme que a súplica possa mudar-se em
assalto, a esmola sempre cai na mão que resta […]”, mas procura a paz interior,
procura recomeçar a sua vida e, portanto, faz caminho a Lisboa e não a Mafra
“donde partiu anos atrás” (p. 25).
Em “Encosta-te A
Mim”, percebemos que o eu lírico também se encontra cansado, mas a procura por
algum tipo de concretização pessoal mantém-no acordado (“[…] não desencantes os
meus passos / faz de mim o teu herói, não quero adormecer”, vv. 7-8); além
disso ensaia um recomeço (“Eu venho do nada porque arrasei o que não quis / em
nome da estrada onde só quero ser feliz”, vv. 17-18). Sete Sóis faz-se também vindo do nada visto que nem por Mafra
passou para dar notícias (“se pai e mãe se lembram dele, julgam-no vivo porque
não têm notícias de que esteja morto, ou morto as não têm de que esteja vivo.”,
p. 25)
Contudo, o sujeito
poético, ao longo da canção, parece encontrar uma parceira que o entenda e lhe
proporcione o que procura, podendo finalmente ceder ao cansaço e adormecer (“enrosca-te a mim, vai desarmar a flor queimada / vai beijar o
homem-bomba, quero adormecer”, vv. 19-20). Baltasar parece também encontrar
algum sentido na sua nova vida quando conhece Blimunda no auto de fé em Lisboa
e imediatamente a acompanha a sua casa, onde fica a viver.
Desde o início da
relação destes os dois que Baltasar se intriga com os olhos de Blimunda (“de
cada vez que ela o olha a ele sente um aperto na boca do estomago, porque olhos
como estes nunca se viram”, p. 38) e nisto está a maior semelhança entre
Baltasar Sete Sóis e o sujeito poético de “Encosta-te A Mim”: nenhum deles entende
o olhar da companheira, porém ambos têm um carinho simples e puro por ela (“sei
que não sei, às vezes entender o teu olhar / mas quero-te bem, encosta-te a mim.”,
vv. 23-24).
Tomás
Tomás
(Suficiente +) || “Nothing Else Matters” (Metallica / Metallica), Metallica
(também conhecido como Black Album), 1991 // José Saramago, Memorial
do Convento, 43.ª edição, Lisboa, Caminho, 1994
“Nothing Else Matters”, o que em português significa
“Nada mais importa”, de certa forma, caracteriza a relação de Blimunda e
Baltasar e, em contraste, a de D. João V com D. Maria Ana Josefa. Estes dois
casais são caracterizados ao longo do romance Memorial do Convento,
sendo o oposto um do outro. Ao longo da obra, Baltasar e Blimunda vivem um amor
verdadeiro e diferente para aquela época, não se preocupando com um “contrato”
(casamento). A relação amorosa do rei e da rainha resume-se a um único
objetivo, procriar: “D. João, quinto do nome na tabela real, irá esta noite ao
quarto de sua mulher, D. Maria Ana Josefa, que chegou há mais de dois anos da
Áustria para dar infantes à coroa portuguesa e até hoje ainda não emprenhou.”
(p. 11); “duas vezes por semana cumpre vigorosamente o seu dever real e
conjugal,” (p.11).
Sete-Sóis e Sete-Luas conheceram-se num auto-de-fé em que foi julgada a
mãe desta, e a sua relação foi como “amor à
primeira vista”. Blimunda vê, logo do início, que Baltasar é um “grande homem”.
Nesta relação existe muita confiança e Blimunda promete não usar os seus
“poderes” para ver “por dentro” de Baltasar: “Nunca te olharei por dentro.” (p.
57).
A relação amorosa de Blimunda e Baltasar pode ser descrita pela letra da
faixa dos Metallica, “So close, no matter how far / Couldn't be much more from
the heart / Forever trusting who we are / And nothing else matters / Never
opened myself this way / Life is ours, we live it our way” (que significa “Tão
perto, sem interessar a distancia / Não podia ser mais vindo do coração /
Sempre a confiar em quem tu és / E nada mais importa / Nunca me deixei tão à
vontade / A vida é nossa, vivemo-la à nossa maneira”). Esta parte da letra mostra
como Blimunda e Baltasar tinham uma relação inseparável, verdadeira, em que
prosperava a confiança, e viviam-na à sua maneira. Era uma relação inovadora,
em que não havia casamento oficial e em que não havia a obrigação para a
procriação, ao contrário da maior parte das relações na época. O verso “And
nothing else matters” também pode descrever D. João V e D. Maria Ana, para quem
“nada mais importava” além de tentar criar descendência.
Existe outro verso interessante na letra da faixa: “Open mind for a different
view” (“Mente aberta a novos pontos de vista”). Sete-Sóis e Sete-Luas estavam
abertos a novos ponto de vista e talvez seja por isso que embarcaram no projeto
do Padre Bartolomeu, que achava que a evolução do homem seria voar. Mas, por
outro lado, há os que estão fechados a novas ideias, como a religião no século
XVIII (a religião, nesse século, tinha uma grande autoridade, e quem não
estivesse de acordo com ela seria perseguido e julgado em ato de fé). Como a
construção da passarola era uma ideia muito inovadora para a época, o Padre
Bartolomeu foi perseguido pela Inquisição.
Gonçalo
Gonçalo (Suficiente -)
|| «Melhor de Mim» (AC Firmino / Tiago Machado), Mundo, 2016 // José Saramago, Memorial do Convento, 17.ª edição, Lisboa, Caminho, 1987, pp. 11-18
A música “Melhor de Mim”, cantade por Mariza, permite
fazer uma analogia com Memorial do
Convento no episódio da tentativa de ter um bebé por parte de rei e rainha,
já que a música fala da esperança que há no nascer de uma “flor”.
Relata-se, no capítulo 1, que D. João e D. Maria
Ana Josefa tentam ter um filho, mas não o conseguem — «chegou há mais de dois
anos da Áustria para dar infantes à coroa portuguesa e até hoje não
emprenhou.». O rei, duas vezes por semana, ia ao quarto de sua esposa para
cumprir o seu dever. Todo o processo desde que é tempo de o rei ir consumar o
seu ato, até o rei e a rainha serem deixados sozinhos, é-nos descrito: a roupa
passa de pajens para criados (“tão reverentemente como relíquias de santas”), e
no final desta viagem, o rei é ajudado a vestir-se, e o mesmo acontece com a
rainha em seu quarto, mas em vez de pajens são damas e donzelas, tendo tudo que
estar perfeito para o ato. Porém, mesmo submetendo-se a uma imobilidade total
depois de seu esposo se retirar da cama, não engravidava, por falta de estímulo
e tempo, mas não por culpa de D. João, pois no reino abundavam bastardos — «a esterilidade
não é mal dos homens» — Ambos tinham esperança de que algum dia iriam ter
descendência, como se diz na canção («Hoje, a semente que dorme na terra / (…)
/ Amanhã nascerá uma flor»). No livro, está peripécia é intercalada com uma
breve descrição de D. João a construir uma miniatura da Basílica de S. Pedro de
Roma e pela vinda de um dia um velho franciscano vir falar com o rei, frei
António de S. José, que prometeu a D. João que, se ele construir um convento em
Mafra, terá a sua, tão aguardada, descendência (que, mais à frente veremos,
será uma rapariga).
Na canção, associo vários versos ao casal (D.
João e D. Maria Ana Josefa). Ambos querem desesperadamente ter um filho e mesmo
passados dois anos ainda tentam ter descendência — «Ainda que a esperança da
luz / Seja escassa / A chuva que molha e passa / Vai trazer numa gota amor»;
«Também eu estou / À espera da luz / Deixo-me aqui»; «E mesmo sem ver /
Acreditar!» — e que um dia vão ter aquilo por que aguardavam — «Algo me diz /
Que a tormenta passará»; «Hoje, a semente que dorme na terra / E se esconde no
escuro que encerra / Amanhã nascerá uma flor». D. Maria finalmente ficou
grávida — «Quebro as algemas neste meu lamento / Se renasço a cada momento /
Meu o destino na vida é maior»; «Sei que o melhor de mim / Está para chegar».
Esta história de D. João e D. Maria
exemplifica-nos de que, se tivermos sempre esperança, conseguimos alcançar
aquilo que queremos, sendo ou não a culpa nossa, de não o conseguirmos atingir.
Onde houver amor tudo alcançaremos.
Joana M.
Joana M. (Suficiente (+))
|| “Forever Love “ (Gary Barlow/Gary Barlow), Open Road, 1997 // José Saramago, Memorial do Convento, Lisboa, 1.ª Edição, Editores Reunidos, 1994
Apesar de Memorial do Convento retratar o papel da
inquisição, o reinados de D. João V e toda a construção do Convento de Mafra, e
as engenhocas construídas e toda a postura anti-dogmática do Padre Bartolomeu
de Gusmão, o eixo mais fascinante da obra é o relacionamento de Baltasar
“Sete-Sóis” e Blimunda “Sete-Luas”. Para descrever toda esta ação, junto
citações de uma música românica, lançada em 1997, pertencente ao álbum Open Road, de Gary Barlow.
Baltasar e Blimunda são
o nó principal de toda a intriga. Transmitem uma mensagem de vontade e luta.
Estabelecem um contraste com o relacionamento de D. Maria Ana e D. João V, cujo
casamento foi arranjado.
Desde o inicio da
relação apresentam uma enorme compreensão mútua e simbolizam o verdadeiro amor,
incondicional (“Guess what i need from her;is forever love [Adivinha o que eu
preciso dela; Apenas amor eterno]”). Em Memorial
do Convento observamos tal amor quando Blimunda afirma “Nunca te olharei
por dentro”. São um casal que não esconde qualquer tipo de informação um do
outro, assumindo Blimunda, apesar de tardiamente, o seu dom. Após troca de
ideias com o Padre Bartolomeu de Gusmão, acabam por partilhar o mesmo sonho,
voar.
São um casal
inseparável, característica observável quando Baltasar é executado e Blimunda
prende a sua vontade na terra (“She’s holding my heart in her hand [Ela segura
o meu coração nas suas mãos]”). Ambos se completam e não conseguem viver um sem
o outro (“Now my dreams are filled [Agora os meus sonhos estão preenchidos]”).
Por fim são um enorme
símbolo de partilha, pois tanto partilham uma colher de sopa, que acaba por ser
o símbolo da união do casal, como partilham o dia a dia (“Sharing lives and
sharing days [Partiha vidas, partilha dias]”; “Love ita had somany beautiful
faces [O amo tem tantas lindas vertentes]”). Em Memorial do Convento a frase de união do casal foi dita pelo Padre
Bartolomeu de Gusmão (“Aceitas para tua boca a colher de que se serviu este
homem (...) Então declaro-vos casados”)
Esta relação teve um início
pouco comum pois começa num auto de fé, um espaço também social onde são
punidos e condenados pelo Santo Ofício. Blimunda e Baltasar unem-se num momento
bastante privado e único onde Blimunda benze Baltasar com o sangue da sua
virgindade. Desde cedo se unem e partilham todo um conjunto de peripécias que
vai tentando a coêrencia e coesão do casal até à imensa busca de Baltasar por
Blimunda durante nove e à retenção da vontade de Baltasar na terra: “Now my
dream are filled with times we share together, guess what i need from her is
forever [Agora os meus sonhos estão preenchidos, com os momentos que passamos
juntos; Adivinha o que preciso dela, apenas amor eterno]”.
Bruno
Bruno (Suficiente -) || ''Beautiful''/ (Eminem/Eminem),
Relapse, 2009 // José Saramago, Memorial do Convento, 58.ª edição,
Porto, Porto editora, 2016, pp. 57-60
"Beautiful" tem como objetivo mostrar que
cada um de nos tem um história por trás de sorrisos, olhares, marcas de
ferimentos, lágrimas e, até mesmo, o sucesso, tal como a paixão entre Blimunda
e Baltasar, que começa por causa de um acontecimento trágico, tanto do lado de
Blimunda como de Baltasar (tendo mais importância, no caso de Blimunda, uma marca
estar presa ao seu corpo — ou melhor "olhos"—, com o poder de ver
através de pessoas, o que faz com que ela seja única, sendo um dos traços
importantes para a história sobre a construção da máquina que voa). A canção
tem um tom mais para reflexão sobre quem somos, partilhando histórias (''In
my shoes / Just to see / What it's like to be me /I'll be you [Em meus pés / Só
p’ra ver / Como é ser como eu]”).
Blimunda, a única que
tem um tal poder mágico, tem um peso em suas costas. Quando outras pessoas
começam a se envolver em sua vida, o amor que tem por Baltasar a faz prometer
''nunca te olharei por dentro'' (p. 60), já que ela não quer saber se há alguma
doença em seu amado ou o dia em que irá morrer. Isso faz com que os leitores,
como na canção (''Let's trade shoes just to see what it'd be
like to feel your pain'' [Vamos trocar os sapatos Apenas pra ver como
será sentir sua dor]''), se coloquem em seu lugar para sentir esse fardo, que é
''ver por dentro das pessoas'', e o peso aumenta mais quando o padre Bartolomeu
descobre que o combustível da passarola é o éter e que este está dentro das
vontades das pessoas.
Tal como Blimunda, que
não olha quando está de jejum, na canção temos o sujeito poético dizendo ''So I try to avoid any eye contact [Então eu
tento evitar contato com os olhos]'', que nos mostra uma situação que é
resultante de um motivo, seja a paranóia de todos estarem olhando para ele ou
de um poder de ver por dentro das pessoas. O amor entre os dois
''protagonistas'' do romance se torna o amor ideal da época, com um único
problema, o de eles demorarem a se casar; mas, no refrão da canção, diz-se algo
relacionável com tal sentimento (''Just stay true to you''[Basta
que seja verdadeira consigo]''), que exige esse comportamento de
ambos os lados e que permaneça até ao fim.
Baltasar
tem uma marca também, a marca da guerra. Abandonado pelo exército durante a
Guerra da Sucessão Espanhola por ter perdido o braço, ele tomou uma iniciativa
que a canção representa do seu modo: ''Now I could of either just sat on my ass /
And pissed and moaned / Or take this situation in which I'm placed [Agora eu
poderia simplesmente sentar / Falar e lastimar / Ou aceitar a situação que me
encontro]''). Dado esse acontecimento, que leva Baltasar a ir para Lisboa e a um
romance (e a uma personagem para a construção do convento), já no final da
canção temos o «eu» conversando com quem o ouve, dizendo ''God
gave you them shoes, to fit you ''[Deus lhe deu sapatos que lhe sirvam]),
o que torna uma ironia o facto de Baltasar e Blimunda serem conhecidos no
romance como heróis de pé descalço.
Francisco Maia
F. Maia (Bom -)
||“Tie you up (the pain of love)” (The Rolling Stones), Undercover, 1983 // José Saramago, Memorial do Convento, 58.ª Edição, Porto, Porto Editora, 2014, pp. 29-36
“The
pain of love”, que, traduzido para o português, significa “a dor do amor”, pode
diretamente relacionar-se com a procissão e os autos de fé descritos no início
da obra de José Saramago. Na música dos aclamados Rolling Stones, Mick Jagger, o vocalista da famosa banda,
questiona-quanto ao ponto de a dor do amor ser tão divina – “why so divine, the
pain of love” (porque é tão divina a dor do amor?). Respondendo diretamente à
pergunta, na verdade, podemos encontrar a solução no próprio Memorial do Convento.
Por
questões de contextualização, os episódios da procissão e dos autos de fé que integram o
início da obra são palco de auto-mutilações, com “disciplinas, feitas de
cordões em cujas pontas estão presas bolas de cera dura, armadas de cacos de
vidro”(p. 31), que são usadas para desferir chicotadas pelos próprios
utilizadores nas suas costas despidas. Este cenário, produto do fervor
religioso e da necessidade de impressionar as amadas que observam e instigam ao
ato, é compreendido e descrito como uma relação algo sádica por parte das
mulheres que o visualizam, e – até certo ponto, pois é bem possível que não
fosse assim para todos – com um lado masoquista por parte dos sofredores que
caminhavam com grilhões pela “imunda Lisboa” (pp. 30-31) descrita pelo narrador.
Uma conclusão importante que é preciso tirar desta cena é que esta procissão
acaba por ser um “dois em um” ou, na expressão popular, mata “dois coelhos com
uma só cajadada”. Isto porque, para além de os sofredores mostrarem o seu lado
extremamente religioso, característico da sociedade latina do tempo, conseguem
também impressionar assim a sua parelha, que das janelas observa. Há uma
trivialização da dor e do abnormal, há um “não questionamento”, como diz a
música de Mike Jagger – “you’re blind to it, deaf to it” (és cego e surdo a
isto) –, que torna aquele comportamento aceite e até “recompensado” nas ruas de
Lisboa.
Na
obra e na canção há traços de referência ao divino, satirizado pelo narrador de
Saramago e sentido pelo eu poético que assume a voz de Mike Jagger. Contudo, há
uma distinção bastante importante a fazer: na letra dos Rolling Stones, o sujeito lírico é masoquista e aprecia a dor a que
é submetido, questionando-se apenas acerca do lado racional do ato todo, mas,
como é cego em relação ao assunto, acaba por abandonar essa ideia e,
simplesmente, perguntar retoricamente “Why so divine, the pain of love” (porque
é tão divina a dor do amor?). Já em Memorial
do Convento, por outro lado, dá-se a compreender que os sofredores que se
automutilam não o estão a fazer por prazer próprio. O narrador mostra isso após
o homem geral passar em frente à janela da sua amada e diminuir bastante o seu
sofrimento, pois já não precisa de impressionar ninguém a não ser as suas
plaquetas que terão que funcionar para cicatrizar as feridas nas costas: “o
homem passou adiante, vai pensando, aliviadamente, que daqui para a frentenão
precisará vergastar-se com tanta força, outros o façam para gáudio doutras”.
É
um contraste claro, pois para os masoquistas a linha entre o prazer e a dor é
muito fina. A letra conta-nos ainda de chicotadas – “hard labour, fifty lashes”
(trabalho duro, cinquenta chicotadas) –, que estão também presentes como foco
principal na obra de Saramago.
Catarina M.
Catarina M. (Suficiente) || «Can’t help falling in love»
(Hugo Peretti, Luigi Creatore, George David Weiss), Elvis Presley, Blue Hawaii, 1961 // José Saramago, Memorial do Convento, 57ª edição, Porto,
Porto Editora, 2016, passim
Desde o início que o amor
de Baltasar e Blimunda é caracterizado como “um tanto ou quanto” moderno para a
sua época e, por vezes, poderia ser visto como pecado pois era fora do comum. Provavelmente
os dois apaixonados eram um pouco apressados. Conhecem-se no auto de fé de
Sebastiana, mãe de Blimunda, e, nesse mesmo dia, têm relações amorosas e ficam
desde esse momento numa união amorosa, mais tarde abençoada pelo Padre
Bartolomeu Lourenço, sendo considerado um casamento à margem da lei.
Como se sabe para a
altura uma união assim era demasiado moderna e condenável, pois os casamentos costumavam
ser contratuais e era raro aquele em que havia verdadeiramente amor. Por outro
lado, o facto de Blimunda ter perdido a virgindade no dia em que conheceu
Baltasar e antes do próprio casamento seria considerado pecado na altura também
pois, naquele tempo, as pessoas eram muito conservadoras quanto a isso, sendo
as primeiras relações físicas após o casamento, preservando-se a virgindade até
aí. Por último seria considerado errado Baltasar e Blimunda trabalharem de
igual maneira na passarola, não havendo distinção de sexos, pois o mais
habitual era o elemento feminino ficar em casa enquanto o elemento masculino ia
trabalhar para sustentar a família. Este último tinha o poder de mandar na mulher,
criando-se assim uma distinção entre os dois géneros.
Porém, toda a
história de Blimunda e Baltasar pode ser “ouvida” nesta música. O intérprete, Elvis Presley, começa por entoar
os seguintes versos: “Wise men say, only fools rush in/ But I can’t help
falling in love with you/ Shall I Stay? Would it be a sin/ If I can’t help,
falling in love with you”. Poderíamos considerar estas
palavras o pensamento de Baltasar, pois logo no início percebemos que, apesar
de entrar em casa de Blimunda, ele pensa que se calhar é muito repentino, mas que
se sente atraído por ela, acabando por ter o pensamento de que, se calhar, toda
aquela situação seria pecado e que seria melhor “sair dali”. Mas, mais uma vez,
sente-se atraído por Blimunda. E conclui, vocalizando os versos ”Like a river
flows, surely to the sea/ Darling, so it goes some things are meant to be”,
indicando que, apesar de todas a dúvidas que possa ter, o que tiver de
acontecer acontecerá normalmente como o rio flui para o oceano.
Porém, esta música
pode adequar-se também a Blimunda. Por exemplo, nos versos “Take my hand, take my whole life too/ For I
can’t help, Falling in love with you”. Que se adequam no
momento em que Blimunda revela o seu segredo a Baltasar, quando se acha capaz
de confiar nele ao ponto de lhe confessar o seu maior segredo.
Poderá pensar-se
então que Baltasar morreu daquela maneira porque o escritor assim o quis mas a
verdade é que a história de Baltasar e de Blimunda tinha de acabar assim pois
não poderia existir um casal tão perfeito como aquele, onde ambos. Juntos
formam um perfeito eclipse, em que mesmo algumas situações “tabus”/pecados para
a época podiam acontecer, pois isso poderia criar alguma controvérsia. Por
exemplo, se a história descreve uma época em que se matavam as mulheres
consideradas bruxas, porque é que Blimunda se expõe a Baltasar? Porque assim
tinha de ser.
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