Sunday, August 28, 2016

Itens sobre Lusíadas nos exames nacionais do 12.º ano



Os Lusíadas nos exames

[2016, época especial]
GRUPO I
A
Leia o texto seguinte, constituído pelas estâncias 78 a 81 do Canto VII de Os Lusíadas. Se necessário, consulte as notas.

Um ramo na mão tinha... Mas, ó cego,
Eu, que cometo, insano e temerário,
Sem vós, Ninfas do Tejo e do Mondego,
Por caminho tão árduo, longo e vário!
Vosso favor invoco, que navego
Por alto mar, com vento tão contrário
Que, se não me ajudais, hei grande medo
Que o meu fraco batel se alague cedo.

Olhai que há tanto tempo que, cantando
O vosso Tejo e os vossos Lusitanos,
A Fortuna me traz peregrinando,
Novos trabalhos vendo e novos danos:
Agora o mar, agora experimentando
Os perigos Mavórcios inumanos,
Qual Cánace, que à morte se condena,
Nũa mão sempre a espada e noutra a pena;

Agora, com pobreza avorrecida,
Por hospícios alheios degradado;
Agora, da esperança já adquirida,
De novo mais que nunca derribado;
Agora às costas escapando a vida,
Que dum fio pendia tão delgado
Que não menos milagre foi salvar-se
Que pera o Rei Judaico acrecentar-se.

E ainda, Ninfas minhas, não bastava
Que tamanhas misérias me cercassem,
Senão que aqueles que eu cantando andava
Tal prémio de meus versos me tornassem:
A troco dos descansos que esperava,
Das capelas de louro que me honrassem,
Trabalhos nunca usados me inventaram,
Com que em tão duro estado me deitaram.
Luís de Camões, Os Lusíadas, edição de A. J. da Costa Pimpão, Lisboa, MNE/IC, 2003, pp. 194-195
glossário
Agora … agora (versos 13; 17,19 e 21) – ora … ora.
Cánace (verso 15) – filha de Éolo. Prestes a suicidar-se, Cánace escreveu uma carta com a mão direita, enquanto segurava uma espada com a mão esquerda.
capelas de louro (verso 30) – coroas de folhas de louro.
hospícios (verso 18) – abrigos; refúgios.
Mavórcios (verso 14) – de Marte; bélicos.
Rei Judaico (verso 24) – Ezequias, rei de Judá. Ao saber que ia morrer, rogou a Deus que lhe concedesse mais quinze anos de vida.

1. Justifique o pedido dirigido pelo Poeta às Ninfas do Tejo e do Mondego, baseando-se no conteúdo da primeira estância.
2. «Nũa mão sempre a espada e noutra a pena» (v. 16). Explique o sentido deste verso, tendo em conta os aspetos autobiográficos evocados pelo Poeta na segunda e na terceira estâncias.
3. Explicite a crítica presente na última estância do excerto.

Cenários de resposta
1. O Poeta solicita o auxílio das Ninfas do Tejo e do Mondego, na medida em que:
− está consciente das dificuldades que tem de enfrentar para escrever o seu poema épico – «Por caminho tão árduo, longo e vário!» (v. 4); «Por alto mar, com vento tão contrário» (v. 6);
− teme não conseguir levar a bom porto a sua missão sem a ajuda dessas divindades – «Que, se não me ajudais, hei grande medo / Que o meu fraco batel se alague cedo.» (vv. 7-8).
Nota – Não é obrigatório o recurso a citações, ainda que estas figurem, a título ilustrativo, no cenário de resposta.

2. No verso «Nũa mão sempre a espada e noutra a pena» (v. 16), o Poeta autocaracteriza-se, destacando as suas facetas de guerreiro e de poeta. Assim, por um lado, o Poeta evoca a sua experiência da guerra, que considera perigosa e inumana; por outro lado, salienta o facto de nunca ter abandonado a escrita. Nesta autocaracterização, em que se valoriza a conjugação da bravura com o amor à poesia, encontra-se configurado um modelo de virtude e de dedicação heroica.

3. Nesta reflexão, o Poeta considera-se vítima da ingratidão dos seus contemporâneos, criticando aqueles que, em vez de o recompensarem por ter cantado os feitos dos antepassados, são, pelo contrário, os responsáveis pelo aumento do seu infortúnio.


[2013, 2.ª fase]
Grupo I
A
Leia o texto seguinte, constituído pelas estâncias 84 a 87 do Canto VII de Os Lusíadas. Em caso de necessidade, consulte o glossário apresentado a seguir ao texto.

84
Nem creiais, Ninfas, não, que fama desse
A quem ao bem comum e do seu Rei
Antepuser seu próprio interesse,
Imigo da divina e humana Lei.
Nenhum ambicioso que quisesse
Subir a grandes cargos, cantarei,
Só por poder com torpes exercícios
Usar mais largamente de seus vícios;

85
Nenhum que use de seu poder bastante
Pera servir a seu desejo feio,
E que, por comprazer ao vulgo errante,
Se muda em mais figuras que Proteio.
Nem, Camenas, também cuideis que cante
Quem, com hábito honesto e grave, veio,
Por contentar o Rei, no ofício novo,
A despir e roubar o pobre povo!

86
Nem quem acha que é justo e que é direito
Guardar-se a lei do Rei severamente,
E não acha que é justo e bom respeito
Que se pague o suor da servil gente;
Nem quem sempre, com pouco experto peito,
Razões aprende, e cuida que é prudente,
Pera taxar, com mão rapace e escassa,
Os trabalhos alheios que não passa.

87
Aqueles sós direi que aventuraram
Por seu Deus, por seu Rei, a amada vida,
Onde, perdendo-a, em fama a dilataram,
Tão bem de suas obras merecida.
Apolo e as Musas, que me acompanharam,
Me dobrarão a fúria concedida,
Enquanto eu tomo alento, descansado,
Por tornar ao trabalho, mais folgado.
Luís de Camões, Os Lusíadas, edição de A. J. da Costa Pimpão, 5.ª ed., Lisboa, MNE/IC, 2003

GLOSSÁRIO
Camenas (verso 13) – musas.
errante (verso 11) – inconstante.
experto (verso 21) – experiente.
fúria (verso 30) – inspiração.
hábito (verso 14) – aspeto, aparência.
Proteio (verso 12) – Proteu, deus que tinha a capacidade de se metamorfosear.
rapace (verso 23) – ávida de lucro.
taxar (verso 23) – cobrar taxa ou imposto.
torpes (verso 7) – interesseiros, sórdidos.
vulgo (verso 11) – povo.

Apresente, de forma clara e bem estruturada, as suas respostas aos itens que se seguem.
1. Caracterize, de acordo com as três primeiras estâncias transcritas, aqueles que o poeta recusa cantar.
2. Explicite os direitos reconhecidos ao povo, tendo em conta as estâncias 85 e 86.
3. Interprete o sentido dos versos 25 a 28.
4. Relacione o estado de espírito do poeta com a referência que faz a Apolo e às Musas (versos 29 a 32).

Cenário de resposta
1. Aqueles que o poeta recusa cantar são:
– os interesseiros e ambiciosos que colocam os interesses pessoais acima do bem comum, desrespeitando a lei de Deus e a lei dos homens (vv. 2-4), e que ascendem ao poder para satisfazerem os seus vícios (vv. 5-8);
– os falsos ou dissimulados que abusam do poder para servirem os seus desejos (vv. 9-12);
– os que oprimem e exploram o povo, roubando os mais pobres (vv. 14-16), pagando salários injustos (vv. 17-20) e aplicando impostos excessivos (vv. 21-24).
Nota – Não é obrigatória a indicação de versos, ainda que esta figure, a título ilustrativo, no cenário de resposta.

2. De acordo com o conteúdo das estâncias 85 e 86, é reconhecido ao povo o direito a:
– não ser ludibriado ou enganado (vv. 9-12);
– não ser explorado ou roubado (vv. 13-16);
– ver o seu trabalho devidamente remunerado (vv. 17-20);
– ser tributado sem excessos (vv. 21-24).

3. O poeta elege como os únicos homens que merecem ser cantados aqueles que morreram ao serviço de Deus e do rei, tendo, por isso, conquistado o reconhecimento e a glória.

4. O cansaço do poeta leva-o a contar com o apoio de Apolo e das Musas, que sempre o têm acompanhado, para que a sua inspiração seja reforçada e para que possa, com nova energia, voltar ao seu trabalho (o engrandecimento dos que têm generosidade e valor).


[2012, 1.ª fase]

GRUPO I
A
Leia o texto seguinte, constituído por cinco estâncias de Os Lusíadas, transcritas do Canto VI. Em caso de necessidade, consulte o glossário apresentado a seguir ao texto.

Por meio destes hórridos perigos,
Destes trabalhos graves e temores,
Alcançam os que são de fama amigos
As honras imortais e graus maiores;
Não encostados sempre nos antigos
Troncos nobres de seus antecessores;
Não nos leitos dourados, entre os finos
Animais de Moscóvia zibelinos;

Não cos manjares novos e esquisitos,
Não cos passeios moles e ouciosos,
Não cos vários deleites e infinitos,
Que afeminam os peitos generosos;
Não cos nunca vencidos apetitos,
Que a Fortuna tem sempre tão mimosos,
Que não sofre a nenhum que o passo mude
Pera algũa obra heróica de virtude;

Mas com buscar, co seu forçoso braço,
As honras que ele chame próprias suas;
Vigiando e vestindo o forjado aço,
Sofrendo tempestades e ondas cruas,
Vencendo os torpes frios no regaço
Do Sul, e regiões de abrigo nuas,
Engolindo o corrupto mantimento
Temperado com árduo sofrimento;

E com forçar o rosto, que se enfia,
A parecer seguro, ledo, inteiro,
Pera o pelouro ardente que assovia
E leva a perna ou braço ao companheiro.
Destarte o peito um calo honroso cria,
Desprezador das honras e dinheiro,
Das honras e dinheiro que a ventura
Forjou, e não virtude justa e dura.

Destarte se esclarece o entendimento,
Que experiências fazem repousado,
E fica vendo, como de alto assento,
O baxo trato humano embaraçado.
Este, onde tiver força o regimento
Direito e não de afeitos ocupado,
Subirá (como deve) a ilustre mando,
Contra vontade sua, e não rogando.
Luís de Camões, Os Lusíadas, edição de A. J. da Costa Pimpão, Lisboa, MNE/IC, 2003
Segue-se a ortografia adotada na edição referida.

GLOSSÁRIO
afeitos (verso 38) – afetos.
animais [...] zibelinos (verso 8) – peles caras de animais de regiões frias.
corrupto (verso 23) – deteriorado, apodrecido.
deleites (verso 11) – prazeres suaves.
destarte (versos 29 e 33) – deste modo, assim.
hórridos (verso 1) – horríveis.
ledo (verso 26) – alegre.
Moscóvia (verso 8) – região norte da Rússia.
pelouro (verso 27) – bala de metal para arma de fogo.
torpes (verso 21) – que entorpecem, que enfraquecem.
ventura (verso 31) – sorte.

Apresente, de forma clara e bem estruturada, as suas respostas aos itens que se seguem.
1. Nos versos de 17 a 28, referem-se qualidades que permitem aos «que são de fama amigos» (v. 3) atingirem as «honras imortais e graus maiores» (v. 4). Indique quatro dessas qualidades, fundamentando a resposta com citações textuais pertinentes.
2. Explicite a intenção crítica manifestada pelo poeta nos versos de 5 a 16, relacionando-a com o uso da anáfora.
3. Sintetize a opinião defendida pelo poeta nos versos de 29 a 32.
4. Explique de que modo a última estrofe transcrita ilustra a mitificação do herói em Os Lusíadas.

Cenário de resposta
1. A resposta pode contemplar quatro dos tópicos que a seguir se enunciam, ou outros considerados
relevantes.
Os «que são de fama amigos» evidenciam, entre outras, as qualidades seguintes:
– determinação – «Mas com buscar, co seu forçoso braço» (v. 17);
– esforço – «forçoso braço» (v. 17);
– combatividade – «Vigiando e vestindo o forjado aço» (v. 19);
– coragem – «Vigiando e vestindo o forjado aço» (v. 19);
– resistência – «Sofrendo tempestades e ondas cruas» (v. 20); «Vencendo os torpes frios no regaço / Do Sul, e regiões de abrigo nuas» (vv. 21 e 22);
– abnegação – «Engolindo o corrupto mantimento / Temperado com árduo sofrimento» (vv. 23 e 24);
– firmeza – «E com forçar o rosto, que se enfia, / A parecer seguro» (vv. 25 e 26).

2. Nos versos de 5 a 16, o poeta desvaloriza, por oposição aos «que são de fama amigos», aqueles que:
– vivem à sombra da glória dos antepassados (vv. 5 e 6);
– se entregam ao prazer, ao luxo, à avidez e à preguiça (vv. 7 a 12);
– não resistem ao vício (vv. 13 a 16).
O uso da anáfora reforça esta intenção crítica, ao sublinhar, pela repetição da negativa, aquilo que deve ser rejeitado – «Não encostados...» (v. 5); «Não nos leitos...» ( v. 7); «Não cos manjares...» (v. 9); «Não cos passeios...» (v. 10); «Não cos vários...» (v. 11); «Não cos nunca...» (v. 13)

3. O poeta defende que os verdadeiros heróis são aqueles que adquirem uma capacidade de resistência e um sentido da honra que os faz desprezar as recompensas e os privilégios imerecidos.

4. Na última estrofe, o herói é caracterizado como aquele que:
– adquiriu serenidade com a experiência – «repousado» (v. 34) –, pelo que se distancia do homem comum – «embaraçado» (v. 36);
– ascende a um «alto assento» (v. 35), de onde observa, com distância, os comuns mortais – «O baxo
trato humano» (v. 36);
– se tornará ilustre por merecimento e não por cálculo (vv. 39 e 40);
– será reconhecido, nos territórios onde as leis forem justas, como alguém capaz de governar (vv. 37 a 39).


[2011, 2.ª fase]
B
«Por obras valerosas que fazia,
Pelo trabalho imenso que se chama
Caminho da virtude, alto e fragoso,
Mas, no fim, doce, alegre e deleitoso»
Canto IX, 90, Luís de Camões, Os Lusíadas, edição de A. J. da Costa Pimpão, Lisboa, MNE/IC, 2003

Os versos transcritos formulam uma perspectiva do heroísmo presente em Os Lusíadas. Com base na sua experiência de leitura, explicite o modo como, ao longo da viagem, os navegadores portugueses se tornaram dignos de serem recebidos na «Ilha dos Amores», fundamentando a sua exposição em dois exemplos significativos. Escreva um texto de oitenta a cento e trinta palavras.

Cenário de resposta
A resposta pode contemplar os tópicos que a seguir se enunciam, ou outros considerados relevantes.
Em Os Lusíadas, o heroísmo dos navegadores, recompensado na «Ilha dos Amores», é provado pelo esforço e pelo sacrifício necessários à superação de múltiplos obstáculos:
– a passagem do Cabo das Tormentas (episódio do «Adamastor»);
– as condições meteorológicas adversas (a tromba-d’água, a tempestade, o fogo de Santelmo);
– a opinião contrária às Descobertas (episódio do «Velho do Restelo»);
– os ataques e as ciladas;
– ...


[2010, 1.ª fase]
GRUPO I
A
Leia o texto seguinte, constituído por cinco estâncias de Os Lusíadas, transcritas do Canto X. Em caso de necessidade, consulte o vocabulário que se apresenta.

Est. 144
[v. 1] Assi foram cortando o mar sereno,
Com vento sempre manso e nunca irado,
Até que houveram vista do terreno
Em que naceram, sempre desejado.
Entraram pela foz do Tejo ameno,
E à sua pátria e Rei temido e amado
O prémio e glória dão por que mandou,
E com títulos novos se ilustrou.

Est. 145
[v. 9] Nô mais, Musa, nô mais, que a Lira tenho
Destemperada e a voz enrouquecida,
E não do canto, mas de ver que venho
Cantar a gente surda e endurecida.
O favor com que mais se acende o engenho
Não no dá a pátria, não, que está metida
No gosto da cobiça e na rudeza
Dua austera, apagada e vil tristeza.

Est. 146
[v. 17] E não sei por que influxo de Destino
Não tem um ledo1 orgulho e geral gosto,
Que os ânimos levanta de contino2
A ter pera trabalhos ledo o rosto.
Por isso vós, ó Rei, que por divino
Conselho estais no régio sólio3 posto,
Olhai que sois (e vede as outras gentes)
Senhor só de vassalos excelentes.

Est. 147
[v. 25] Olhai que ledos vão, por várias vias,
Quais rompentes4 liões e bravos touros,
Dando os corpos a fomes e vigias,
A ferro, a fogo, a setas e pelouros,
A quentes regiões, a plagas5 frias,
A golpes de Idolátras6 e de Mouros,
A perigos incógnitos do mundo,
A naufrágios, a pexes, ao profundo.

Est. 148
[v. 33] Por vos servir, a tudo aparelhados;
De vós tão longe, sempre obedientes;
A quaisquer vossos ásperos mandados,
Sem dar reposta, prontos e contentes.
Só com saber que são de vós olhados,
Demónios infernais, negros e ardentes,
Cometerão7 convosco, e não duvido
Que vencedor vos façam, não vencido.
Luís de Camões, Os Lusíadas, 5.ª ed. de A. J. da Costa Pimpão, Lisboa, MNE/IC, 2003

VOCABULÁRIO
1 ledo: contente.
2 contino: contínuo.
3 sólio: trono.
4 rompentes: que rompem, dilaceram ou investem.
5 plagas: praias.
6 Idolátras: idólatras, os que adoram ídolos.
7 Cometerão: acometerão.

Apresente, de forma clara e bem estruturada, as suas respostas aos itens que se seguem.
1. Exponha sucintamente o assunto da primeira estrofe transcrita.
2. Justifique a interpelação ao Rei, relacionando-a com o sentido das estâncias 145 a 148.
3. Indique um efeito expressivo da enumeração presente na estância 147.
4. Refira dois dos sentimentos manifestados pelo poeta, ao longo do texto, e indique um motivo que esteja associado a cada um deles.

Cenário de resposta
1. A resposta deve contemplar os aspectos que a seguir se enunciam, ou outros considerados relevantes. Tópicos a considerar na exposição do assunto:
– viagem de regresso dos navegadores a Lisboa, com um estado do tempo favorável;
– entrega ao Rei dos triunfos alcançados, para glória régia e da Pátria.

2. A resposta deve contemplar os aspectos que a seguir se enunciam, ou outros considerados relevantes.
Justificação da interpelação:
– o Rei, que o é por desígnio divino, deve reconhecer o valor dos seus súbditos, que, como se verificou no passado, reúnem qualidades para o fazerem «vencedor», isto é, para reacenderem na Pátria o orgulho e a coragem.
Relacionação com o sentido das estâncias 145 a 148:
– constatação de um estado geral de desânimo e de abulia da Pátria – bem como de um aviltamento de valores – incapacitante de uma atitude colectiva, enérgica e optimista;
– afirmação da excelência dos heróis valorosos cantados pelo poeta, por oposição à inércia e à indignidade dos seus contemporâneos.

3. A resposta deve contemplar um dos aspectos que a seguir se enunciam, ou outro considerado relevante.
A enumeração presente na estância 147 tem como efeito expressivo:
– destacar, enfaticamente, a superior qualidade dos vassalos do Rei, que tudo conseguem suportar e ultrapassar (fomes, guerras, condições climáticas adversas, confrontos religiosos, naufrágios, …);
– salientar os inúmeros perigos, na guerra e no mar, da aventura longínqua dos Descobrimentos.

4. A resposta deve contemplar dois dos aspectos que a seguir se enunciam, ou outros considerados relevantes. Nota: São apresentadas citações que constituem uma mera orientação de classificação. Os «Motivos» que constam deste cenário de resposta não estão associados a nenhum sentimento em particular, uma vez que podem, eventualmente, ser associados a mais do que um sentimento.
Sentimentos do poeta
desânimo, desalento, desencanto («Nô mais, Musa, nô mais, que a Lira tenho / Destemperada e a voz enrouquecida» – vv. 9-10).
estupefacção, perplexidade («E não sei por que influxo de Destino / Não tem um ledo orgulho e geralgosto, / Que os ânimos levanta de contino / A ter pera trabalhos ledo o rosto.» – vv. 17-20).
exaltação da energia criadora, da valentia (estâncias 147-148).
Motivos
– a insensibilidade dos seus contemporâneos em reconhecerem o trabalho e o mérito do poeta («ver que venho / Cantar a gente surda e endurecida.» –vv. 11-12);
– o aviltamento dos valores que o poeta considera essenciais («No gosto da cobiça e na rudeza / Dua austera, apagada e vil tristeza.» – vv. 15-16);
– a ausência, nos seus contemporâneos, de força anímica colectiva, comparável à dos «vassalos excelentes»;
– o confronto das atitudes dos seus contemporâneos («gente surda e endurecida» que vive «No gosto da cobiça e na rudeza / Dua austera, apagada e vil tristeza» – vv. 12, 15-16) com a bravura e a lealdade reveladas pelos Portugueses, num passado ainda recente.


[2008, 1.ª fase]
GRUPO I
A
Leia, atentamente, o texto, constituído por cinco estâncias de Os Lusíadas, transcritas do Canto IX.

Est. 89
[v. 1] Que as Ninfas do Oceano, tão fermosas,
Tétis e a Ilha angélica pintada1,
Outra cousa não é que as deleitosas
Honras que a vida fazem sublimada2.
Aquelas preminências3 gloriosas,
Os triunfos, a fronte coroada
De palma e louro, a glória e maravilha,
Estes são os deleites desta Ilha.

Est. 90
[v. 9] Que as imortalidades que fingia
A antiguidade, que os Ilustres ama,
Lá no estelante Olimpo4, a quem subia
Sobre as asas ínclitas da Fama,
Por obras valerosas que fazia,
Pelo trabalho imenso que se chama
Caminho da virtude, alto e fragoso,
Mas, no fim, doce, alegre e deleitoso,

Est. 91
[v. 17] Não eram senão prémios que reparte,
Por feitos imortais e soberanos,
O mundo cos varões que esforço e arte
Divinos os fizeram, sendo humanos.
Que Júpiter, Mercúrio, Febo e Marte,
Eneas e Quirino e os dous Tebanos5,
Ceres, Palas e Juno com Diana,
Todos foram de fraca carne humana.

Est. 92
[v. 25] Mas a Fama, trombeta de obras tais,
Lhe deu6 no Mundo nomes tão estranhos
De Deuses, Semideuses, Imortais,
Indígetes7, Heróicos e de Magnos.
Por isso, ó vós que as famas estimais,
Se quiserdes no mundo ser tamanhos,
Despertai já do sono do ócio ignavo8,
Que o ânimo, de livre, faz escravo.

Est. 93
[v. 33] E ponde na cobiça um freio duro,
E na ambição também, que indignamente
Tomais mil vezes, e no torpe e escuro
Vício da tirania infame e urgente;
Porque essas honras vãs, esse ouro puro,
Verdadeiro valor não dão à gente:
Milhor é merecê-los sem os ter,
Que possuí-los sem os merecer.
Luís de Camões, Os Lusíadas, ed. prep. por A. J. da Costa Pimpão, 5.ª ed., Lisboa, MNE/IC, 2003

1 Ilha angélica pintada: representação, pintura de uma ilha linda, que lembra um lugar habitado por anjos.
2 sublimada: ilustre, célebre.
3 preminências (por preeminências): distinções, superioridades, honrarias, louros, prémios.
4 no estelante Olimpo: na brilhante morada dos deuses.
5 os dous Tebanos: Hércules e Baco.
6 Lhe deu: lhes deu.
7 Indígetes: divindades primitivas e nacionais dos Romanos.
8 do ócio ignavo: do ócio indolente, preguiçoso.

Apresente, de forma bem estruturada, as suas respostas aos itens que se seguem.
1. Exponha, sucintamente, o conteúdo das três primeiras estâncias.
2. A «Fama» desempenha um papel fundamental no processo da imortalidade. Refira três dos aspectos evidenciados nesse desempenho, fundamentando a sua resposta com citações do texto.
3. Identifique a apóstrofe presente na estância 92 e explicite a intenção que lhe está subjacente.
4. Indique o modo das formas verbais «Despertai» (v. 31) e «ponde» (v. 33) e refira o respectivo valor expressivo.

B
Considere a seguinte opinião sobre Os Lusíadas:
«Mas o texto é complexo e, por vezes até, contraditório. Em certos momentos exibe uma
face menos gloriosa; aquela em que emergem as críticas, as dúvidas, o sentimento de crise.»
Maria Vitalina Leal de Matos, Tópicos para a Leitura de Os Lusíadas, Lisboa, Editorial Verbo, 2004

Fazendo apelo à sua experiência de leitura de Os Lusíadas, comente, num texto de oitenta a cento e vinte palavras, a opinião acima transcrita.

Cenário de resposta
A
1. A resposta deve contemplar os seguintes aspectos:
A «Ilha» (incluindo as Ninfas e Tétis) é o prémio, a recompensa dada aos marinheiros; os «deleites» são os triunfos, os louros (1.ª estância);
os prémios concedidos pela antiguidade eram atribuídos a quem fazia o difícil percurso da virtude (2.ª estância);
os deuses não passam de humanos que praticaram feitos de grande valor; daí terem recebido o prémio da imortalidade (3.ª estância);
...

2. A resposta deve contemplar os seguintes aspectos:
é a «Fama» que, sobre as suas «asas ínclitas», faz subir ao «estelante Olimpo» os varões;
é a «Fama» que, «trombeta de obras tais», dá a conhecer os «feitos imortais e soberanos»;
é a «Fama» que atribui os nomes que patenteiam a imortalidade dos humanos: «(…) Lhe deu no mundo nomes (…) / De Deuses, Semideuses, Imortais, / (…)»;
...

3.
– Identificação da apóstrofe: «ó vós que as famas estimais,»;
– Explicitação do sentido: interpelação directa aos portugueses, alertando-os para o esforço que necessitam de fazer para despertarem do «ócio ignavo» e perseguirem o seu objectivo (a Fama);
– ...

4. A resposta deve contemplar os seguintes aspectos:
– As formas verbais «Despertai» e «ponde» desenvolvem e completam a exortação começada na estância 92;
– apontam as acções principais para os que desejam a fama (despertar do ócio, refrear a cobiça, a ambição e a tirania);
– o modo imperativo não exprime uma ordem, neste caso, mas uma exortação, um apelo;
– ...

B. Dada a natureza deste item – de resposta aberta –, a resposta deve incidir nos conteúdos programáticos «Reflexões do Poeta: críticas e conselhos aos portugueses».