Monday, September 12, 2011

3

Ana Marta
«A Paixão (segundo Nicolau da Viola)» (Rui Veloso, Carlos Tê / Carlos Tê), Rui Veloso, Mingos e Os Samurais, 1990
            Não me lembro da primeira vez em que ouvi esta música, lembro-me apenas de que foi durante um passeio de carro, quando eu era ainda pequena – deveria ter uns quatro anos.
            Nos passeios de carro durante os fins de semanas, ouvíamos, eu, a minha mãe e o pai, durante horas, um álbum do Rui Veloso, e penso que veio daí a minha paixão por esta música. Aos quatro anos não tinha consciência, nem conhecimento suficiente, para entender o verdadeiro sentido da música. No entanto, já naquela altura, a suave melodia da canção atraía-me e, muito frequentemente, cantava o refrão “mesmo sabendo que não gostavas, empenhei o meu anel de rubi para te levar ao concerto que havia no Rivoli”.
            Mais recentemente, ouvi acidentalmente esta música na estação de rádio RFM e, à semelhança de antigamente, foi durante um passeio de carro no fim de semana. Antes de eu poder ter dito alguma coisa, a minha mãe pronunciou-se logo: “Quando eras pequena, adoravas esta música: estavas sempre a cantá-la”.
            Nessa tarde recente é que entendi a verdadeira história daquela música. Enquanto a interpretava, olhava para as pingas da chuva que escorriam pelo vidro da janela e fazia algumas associações a experiências já vividas por mim.
            A letra da música retrata uma paixão entre duas pessoas com diferentes ideais, tornando-se, assim, impossível o amor entre eles. No entanto, o sujeito poético faria tudo para conseguir que essa relação desse certo, daí o nome mais corrente da música “Anel de Rubi” (que não é o verdadeiro título), o preço que estaria disposto a “pagar” para a conquistar.
            As frases da música que retratam o “desentendimento” e os seus diferentes ideais são “contigo aprendi uma grande lição, não se ama alguém que não ouve a mesma canção” e a frase com que Rui Veloso define aquela paixão é “um lume que já não tem mais chama por onde arder”.
            Um aspeto que aprecio bastante nas músicas são as sensações que elas nos transmitem. “A Paixão”, por sua vez, consegue transmitir essas sensações às pessoas, pois, quando alguém ouve esta música, tem acesso aos sentimentos que o autor teve quando a cantou.

Afonso
«Inventor dos amores» (Gusttavo Lima?), Gusttavo Lima, #, #
A primeira vez que ouvi esta música foi numa outra versão (remix), numa festa onde estive há cerca de quatro meses. A minha primeira reação foi de estranheza: “que música é esta?!”. Um dos aspectos que me espantaram foi ser uma música brasileira, o que não é muito comum naquele tipo de lugar, num bar de praia onde costuma haver sobretudo reggae. Passados uns dias, ouvi uma compilação em que esta música se encontrava e foi então que comecei a apreciar a canção e a sua letra.
Faz-me pensar nos amores que não são correspondidos pela pessoa que se ama. Como diz o autor, o seu “coração apaixonado [está] atormentado em dores”, o que quer dizer que o sujeito está a viver uma paixão, mas, ao contrário do que é normal, em que as paixões são partilhadas, a do autor não é, o que o faz estar tão magoado e sem forças para lutar mais pela pessoa que ama (“Eu já não sigo meus instintos”). Esta solidão de quem não está a ser correspondido por quem ama leva-o a ter um amor doentio, obsessivo (“Sou um doente apaixonado e ela tem razão”). No final, no entanto, o cantor mostra ainda ter um pouco de racionalidade que o faz dispor-se a esquecer aquele amor e seguir em frente, caso continue a ser rejeitado:”Eu quero te amar e também quero ser amado/Desejo ser o seu amor, não o seu escravo”. E, no último verso, toma a atitude de seguir em frente de uma forma mais clara, prometendo despedir-se da sua paixão: “Se não, adeus, tchau tchau”.

Filipa
«Anda comigo ver os aviões» (elementos da banda), Os Azeitonas, Salão América, 2009
Recordo-me de já ter ouvido esta canção na rádio comercial, várias vezes, quando, de manhã, pelas oito horas, ia no carro com o meu pai. No entanto, esta música só me despertou algum tipo de emoção quando numa tarde de chuva, há cerca de uma semana, me encontrava a “navegar” na internet a ver vídeos do programa da sic Ídolos. Foi então que a letra pareceu desejar estabelecer um relacionamento comigo, ao ouvi-la interpretada por um rapaz de dezasseis anos, Bruno Vieira. Penso que a minha atual paixão por esta música começou nesse mesmo dia, juntamente com a vontade extrema de ver o Bruno Vieira a passar em todas as fases do Ídolos… Nesse mesmo momento, transferi a música para o meu ipod (que, ultimamente, se tem vindo a tornar o meu melhor amigo) e rapidamente aprendi a letra, que por vezes, a meio de uma refeição com amigos ou no final de um treino exaustivo de ginástica, faço questão de cantar (apesar de a minha voz não ser, de todo, melodiosa).
            No que toca à letra da música, trata-se obviamente de uma declaração de amor, evidenciada pelo presente desejo de partilhar tudo com essa mulher («Anda comigo ver os aviões levantar voo / A rasgar as nuvens / Rasgar o céu»). Penso que não pode ser interpretada de muitas maneiras distintas, no entanto pode ser associada a um amor impossível cujo protagonista pretende tornar real («Um dia eu ganho a lotaria / Ou faço uma magia / (e que eu morra aqui) / Mulher tu sabes o quanto eu te amo / O quanto eu gosto de ti»). Ao fim de um tempo, a própria letra torna-se um pouco repetitiva, falando dos locais onde o sujeito poético pretende levar a tal mulher, alguns até um pouco exagerados, fantasiados, com o intuito de demonstrar a grandeza do seu amor por ela («Se um dia eu não te levo à América / Nem que eu leve a América até ti» ; « Um dia vamos ver os foguetões levantar voo / A rasgar as núvens / A rasgar o céu...»). Apesar deste estilo monótono, a melodia faz com que nos deixemos envolver pela canção sem nunca dela nos cansarmos.

Marta V.
«Não me apetece fazer nada» (Vasco Palmeirim / Marroon 5 feat Christina Aguilera), Vasco Palmeirim, 2011

Esta música remete-me para os últimos dez dias das férias de Verão, antes de iniciar mais um novo ano escolar. Lembro-me precisamente do dia em que a ouvi, 5 de Setembro de 2011, com a minha tia, no carro, estando também ela quase a iniciar um novo ano escolar, na sua faculdade.
“Não me apetece fazer nada” tem como autor Vasco Palmeirim e, como corista, Vanda Miranda, ambos locutores da Rádio Comercial. Parece-me também necessário dizer que a melodia desta música é de Moves like Jagger, original da banda Marroon 5 feat Christina Aguilera. Vasco Palmeirim é um dos quatro locutores do programa “As manhãs da Comercial”, da Rádio Comercial, feitas também com o director de Vasco, Pedro Ribeiro, que passa o tempo com o seu anedotário, com Nuno Markl, que desenha melhor do que canta, e Vanda Miranda, que está longe de ser capaz de cantar a solo. São locutores de rádio muito animados e, sem sombra de dúvida, o protagonista desta e de outros tipos de letras de músicas que animam qualquer pessoa que vá a caminho do trabalho é Vasco Palmeirim. Sempre que se ouve falar deste locutor de rádio, recordo a minha tia, que adora as letras que ele faz para músicas, aproveitando vários temas da actualidade: a demissão de José Sócrates, o dia de São Valentim, o dia em que o seu colega Nuno Markl tirou finalmente a carta de condução, o facto de Ricardo Carvalho ter querido “desertar do trabalho”, o dia em que o Pingo Doce fez aquela “mega promoção” e, claro, o final das férias…
Analisando agora a letra da música, não posso dizer que seja difícil de entender, porque, na realidade, é a expressão do que cada um de nós sente quando tem plena noção de que as férias estão a acabar (“Não me apetece fazer nada/Não me apetece fazer nada/Não me apete-e-e-e-e-e-e-e-e-e-ce nada”). Depois, também se começa a pensar em desculpas para não se ir trabalhar (“Eu quero fazer um telefonema e dizer: Ó chefe, surgiu um problema, na noite passada, senti uma picada, que cena engraçada / não me apetece fazer nada!”). Começamos a tentar interiorizar que não somos os únicos (“Eu vejo a expressão, de terror / Em toda a gente, no elevador / Partilham o desgosto / Há lágrimas no rosto, a pensar em Agosto”), damos conta de que as férias passaram muito depressa (“Onde é que andaste, Agosto?”) e voltamos a deixar-nos consumir pela tristeza acompanhada de bom humor, característico de quem se quer convencer de que ainda faltam alguns dias para as férias terminarem. E acaba-se por ridicularizar situações actuais (“Nos dias de hoje, nada me anima / nem os seios robustos da miúda do andar de cima / sinto-me um frangalho, é isso que eu valho / quero desertar do trabalho… / Sou um Ricardo Carvalho”).
Apesar de a música ter sido referida como “dedicada a toda a gente que regressa hoje ao trabalho”, tanto eu como a minha tia nos identificámos com ela, porque não só reflectia o que sentíamos em relação ao regresso à escola, como também nos fazia sentir bem por não o fazermos no dia em que ouvíamos a música, o que, confesso, que nos deu um certo gozo, acabando por a cantar com a grande animação que nos é habitual. Quando fomos ver o vídeo de “não me apetece fazer nada”, saltou-nos logo à vista o facto de Vasco Palmeirim dizer “Se vão no trânsito, olhem para a direita, olhem para a esquerda / E sorriam!”, e, na realidade, se ter contraditado, ao apontar para a esquerda, quando proferiu “direita”, e vice-versa (o que para mim foi motivo de muita risota pois a minha tia também faz esse engano constantemente). Aqui se enquadra na perfeição o verso que vem logo de seguida: “Não estão sozinhos, mais um volta.”
“Não quero voltar à rotina, eu quero é praia e piscina / Não me apetece fazer nada / Não me apetece fazer nada / Não me apete-e-e-e-e-e-e-e-e-ce nada. / Hoje é aquele dia, em que o trabalho me dá alergia / Não me apetece fazer nada / Não me apetece fazer nada, / Não me apete-e-e-e-e-e-e-e-e-ce nada. / Não me apetece trabalhar, YO!”. Assim terminou a música que marcou as nossas férias, connosco viradas uma para outra, a cantar estas últimas estrofes, “como se não existisse amanhã”.

Francisco M.
“Chaga” (Manuel Cruz / Ornatos Violeta), Ornatos Violeta, O monstro precisa de amigos, 1999
A escolha da canção surgiu-me enquanto pensava na boa música que ainda havia em Portugal. Lembrei-me de que, quando estava a dar os primeiros toques na guitarra, comecei a reparar que havia mais música portuguesa para além da pop e da música popular. Foi então que me indicaram os Ornatos Violeta. Diziam que tinham muita história e que, infelizmente, já tinham acabado.
Ao ouvir as suas primeiras músicas, pensei que me eram familiares mas, só depois de uns meses, é que associei as músicas dos Ornatos à série juvenil “A aventura” em que elas surgiam. Fazer esta ligação despertou-me ainda mais curiosidade em descobrir e ouvir mais faixas da banda.
O título revela logo um pedaço da música, visto que podemos assumir que “chaga” significa, no contexto, uma dor emocional ou uma ferida. Presume-se logo que se trata de uma confissão do sujeito sobre alguém que lhe deixou uma mágoa. Esse sujeito lamenta-se de que os sentimentos não eram mútuos: de alguma forma, sentia que a outra pessoa o tinha usado, passado ao de leve na relação.
Repare-se que se começa constantemente cada verso com o mesmo verbo no mesmo tempo “Diz”, uma anáfora, portanto. Parece que o sujeito está a expor os sentimentos da outra pessoa: “Diz sem poupar o meu corpo: “Já não sei quem te abraçou””. Será que a outra pessoa pensava que o sujeito tinha mudado em termos de personalidade? E que já não era o mesmo, daí a chaga?
Noutra parte (“Quando eu cair, espero ao menos que olhes para trás”), o sujeito tenta despertar à pessoa o passado, para que esta não ignorasse “algo que é também teu”. A meu ver, a parte final é uma forma de exprimir que o sacrifício dado pelo sujeito nunca será igualado: “tão capaz e tão maior”.
“Mas o tempo até passou; e eis o que ele me ensinou: uma chaga para lembrar que há um fim” significa que, através da relação, uma coisa ficou para sempre, a chaga que lembra o seu fim.

Luísa
“Solta-se o beijo” (João Gil e Catarina Furtado), Ala dos Namorados, Solta-se o beijo (ao vivo), 1999
Não me lembro da primeira vez que ouvi esta música. Como se confirma pela data do álbum, já é velha (relativamente ao meu tempo de vida). É uma música enraizada na minha infância, quando todos a conheciam, cantavam e cantarolavam.
A única memória concreta que tenho dela tem cerca de três ou quatro anos. Era, sem dúvida, Agosto – pois é sempre o mês em que passo férias noutra cidade - e estava na Nazaré. Tinha chegado há um dia ou dois e passeava pela marginal com a minha irmã e as minhas amigas. Parámos numa das praças, que estava cheia, para ouvir o concerto que decorria naquela tarde. Lembro-me de todos os intérpretes serem crianças e de eu estar a vigiar todos os cantos para ver se encontrava os meus amigos “nativos” - a ansiedade para estar com eles era sempre em excesso e mantida em segredo.
Um rapaz e uma rapariga subiram ao palco e começaram a cantar “Solta-se o beijo”. Desviei a atenção das ruas pela primeira vez para os ouvir e fiquei espantada com a qualidade das vozes. E senti-me bem. Sem ansiedade ou pressas, apenas os ouvi. Não me lembro de nenhuma outra música que tenham cantado, e por isso é que esta se destaca: venceu a minha fraca memória a longo prazo (de que agora tanto me queixo).
A letra da música em si fala da entrada da pessoa numa casa ou até mesmo apenas numa divisão (“Espreito por uma porta encostada / sigo as pegadas de luz”), que, seguindo o cheiro já seu conhecido do/a amado/a, o encontra sentado/a numa cadeira, a tocar guitarra: “Sei o teu cheiro, mergulho no teu tocar / Abraças a guitarra e voas para além da lua” e “A cadeira, as costas, o cabelo e a cigarrilha / A dança do teu ombro...”. A situação descrita suscita a curiosidade das vizinhas (“Toca o relógio em cuco / Dá horas à cusquice das vizinhas”). Subentende-se que se trata de um reencontro e que já não se veem há algum tempo, porque há saudade (“Deixo-me ir nos trilhos traçados / Pela saudade de te encontrar / Ainda onde te deixei”).
Aproxima-se para o/a beijar “Trago-te o beijo prometido”, fica tudo em silêncio - apenas se ouve os batimentos cardíacos (“E, nesse instante em que o silêncio / É o bater do coração”) – e, finalmente, solta-se o beijo (que apenas é referido no título e em nenhuma parte do corpo da letra), o “beijo prometido”, depois de a pessoa sentada se aperceber realmente da presença da outra: “Tu olhas-me...”. É, enfim, uma música sobre um reencontro de amantes.

Pedro R.
“Movimento Perpétuo Associativo” (Pedro da Silva Martins), Deolinda, Canção ao lado, 2008

Lembro-me perfeitamente quando o meu pai me aconselhou esta música e a ouvi pela primeira vez. Estava no carro com ele a caminho do supermercado e, ao ouvir a música no rádio, pediu a minha atenção. Facilmente a ganhou, visto que o ritmo e a mensagem inicial têm uma grande inspiração, que se nota da maneira como é tocada. No entanto, lembro-me também que essa originou uma grande discussão sobre qual era o objectivo da música.
A meu ver, o que se está a tentar transmitir é um pouco o espírito do português, que se mostra sempre indignado com as injustiças actuais e sempre disposto a lutar por uma vida melhor mas, quando a altura realmente chega, tenta desculpar a sua incapacidade para as realizar. Penso que será esta a mensagem mostrada ao longo de toda a música mas talvez os momentos mais óbvios sejam as últimas duas estrofes (“Agora sim, cantamos com vontade!”) e, em contraste, “Agora não, que falta um impresso…” ou ainda, já fora destas estrofes, “Vamos em frente e havemos de vencer” e “e eu tenho mais que fazer”. Por poucas palavras: esta música tenta mostrar que, em relação ao povo e à classe trabalhadora, Portugal é um país “que só tem garganta” e que os portugueses desistem facilmente e, apesar de desejarem um estado melhor, acabam por dizer “Vão sem mim que eu vou lá ter…”.


Francisco A.
«Idade da estupidez», de Klapht (Diogo Dias, Filipe Contente, Marco Reis, Mário Sousa), 2011

Encontrei na minha ‘caixinha’ de música uma canção portuguesa que serviu de banda sonora à minha vida algumas vezes durante o ano passado, e que, curiosamente, faz agora mais sentido para mim do que nunca. Digo “curiosamente”, porque nunca pensei chegar a ver esta música tão aplicada à nossa realidade como agora, sempre a vi mais como um despertador, uma wake up call para problemas com uma dimensão bastante maior do que o nosso relativamente pequeno país…
Relaciono-a bastante com as discussões que tinha com o meu avô – bem, era ele quem fazia a parte do falar, mas eu discutia com ele ouvindo cada palavra que ele dizia – em que ele refilava, contestava e reprovava as coisas como elas estavam… Quando ele contava as histórias da sua infância, em tempos difíceis, em que as regras eram inquebráveis, também porque nunca ninguém pensara em alterar nada, porque ninguém conhecia nada para além do que o que lhe era ensinado… E em que a maioria dos rapazes e raparigas apenas ia até à ‘quarta classe’ – o resto era ensinado em casa com os pais e, no campo, com os animais… E o que ele sofreu, o que ele não contava, eu sentia-o subentendido. Quando ele não me contava que passava fome, por serem tempos difíceis, dizia-me que agora todos conseguimos viver sem pensar que não podemos comer um gelado, ou ir ao café ou algo do género, e isso para ele era completamente impensável…
Mas serão assim tão diferentes, passado e presente? Ainda hoje vivemos sufocados pelo medo, o medo de tudo, o medo do nada. Vivemos num mundo passivo, exactamente como os nossos avós viveram há décadas atrás. Seremos assim tão evoluídos? Temos problemas de violência, fome e desespero, e tentamos sempre encontrar a solução mais lógica, mas enquanto ela não aparece, passivos, estamos à espera que outros a encontrem por nós, para nós... Mas as soluções para nós, são para um ‘nós’ bastante restrito («Mas não muda nada / Mantemos tudo/ Façam mais cimeiras para dar um tiro no escuro/ Há que manter / Dinheiro a correr/ E jogos de interesses preservados pelo poder»). Estaremos a fazer bem, teremos alternativa? Eu não quero rever na minha geração uma memória dos meus avós, porque nós «Temos as ideias / Só nos falta ter a coragem». E à vista existe uma mensagem, que passa despercebida: «Vamos deixar que façam do futuro uma ilusão?».


José Nuno
«Dunas» (?), GNR, Os homens não se querem bonitos, 1985

Eu gosto desta música porque não só acho que tem ritmo apelativo como me faz pensar nos bons momentos que passei nos campos de férias e nos acampamentos a cantá-la com muitos amigos. Por isso, sempre que a ouço, eu associo-a a felicidade e a convívio.
Em termos de letra, acho que não tem muito sentido e há versos que não condizem com o tema “dunas”. Ainda assim, sobretudo nas primeiras estrofes, as citadas dunas parecem ser conotadas com esconderijos (“biombos”, “segredos”), com o afastamento do mundo (“alheios a tudo”), talvez com amores marginais (“são como divãs”, “indiscretos”). À medida que se avança no poema, há uma crescente identificação dessa alegada marginalidade com a revolta, decerto com a juventude (“na idade dos porquês”, “sacos camas salgados”, “cabelos molhados bastante enrolados”).


Gi
«Sobe, Sobe, Balão Sobe» (? / ?), Manuela Bravo, 1979

A canção que escolhi é «Sobe, Sobe, Balão Sobe», quase um clássico português. Ainda me lembro com alguma clareza da primeira vez que a ouvi. Tinha então quatro anos e estava de repouso na casa da minha Avó Dada. Sofria, na altura, de meningite, embora só se tenha descoberto o nome da minha iludida doença alguns dias depois, e por isso, pensando que eu tinha apenas uma simples constipação, a minha avó tratava de mim com sopa e cobertores quentes.
Era por volta das quatro da tarde quando ouvi a canção. A minha avó fazia já o jantar na cozinha, enquanto que eu via televisão num velho aparelho com só quatro canais, que nem comando tinha! O canal em questão era a RTP 2, disso nunca me vou esquecer pois era o único canal que eu gostava de ver, e estavam a mostrar as várias participações portuguesas ao longo dos anos no festival da Eurovisão.
O ano era agora 1979, Manuela Bravo aparece no palco, com um penteado meio tigela que era muito admirado na altura e um longo vestido amarelo. Começa a cantar logo de imediato. ‘Sobe, Sobe, Balão Sobe / Vai pedir àquela estrela que me deixe lá viver e sonhar.’ A letra repete-se um pouco, mas para a Gisela Val-de-Rã de quatro anos de idade – e ainda também para a Gisela Val-de-Rã de quinze anos – a canção era a coisa mais magnífica de sempre.
Lembro-me que tive o desejo intenso de dançar, de me atirar ao ar e cantar as letras que ainda não conhecia, de gritar ao mundo que havia um balão de ouro, e que ela subia e subia e subia! Até chegar à estrela mais brilhante, e aí ele iria pedir para eu e o meu amor podermos viver lá.
Infelizmente, já no início da minha doença não conseguia andar com segurança, muito menos dançar, e, no fim, acabei por chamar a minha avó, que alegremente dançou por mim.
A parte a que acho mais graça desta velha memória era que, na altura, realmente não conhecia grande parte da letra, até pensava que esta era composta pelo refrão apenas. Só agora é que noto que esta canção tão simples, e também tão conhecida por todos os portugueses, tem mais que lhe diga.
Logo no início temos as minhas linhas favoritas, que iludem com uma inocência inesperada o facto de os sonhos serem muitas vezes melhores que a vida em que se inspiram («Eu vivo a sonhar, não pensem mal de mim / Quanto mais não vale viver a vida assim?»).
Estas doses de rebeldia e desejo de liberdade estão fortemente presentes nos dois primeiros versos («Não tenho limites, parar não é comigo»), desaparecendo depois quando o refrão, que se repete inúmeras vezes sem parar, começa. Contundo, é impossível ignorar que o espírito de explorar locais novos, de pura e simplesmente viver aproveitando o que a vida tem de melhor, é muito visível no refrão e penso até que é por isso que esta canção, tão simples e até um pouco infantil, é amada por tantos.



Leonor
«Rosalinda» (Fausto), Fausto, Atrás dos tempos vêm tempos, 1996

Esta canção com tom calmo e pausado, lembra-me a minha mãe a adormecer-me, quando eu era ainda pequena. Tenho a imagem da minha mãe a cantar esta canção de embalar e recordo o “trocadilho” entre Rosalinda e o meu nome, que se foi transformando também nos nomes das minhas irmãs. É uma canção que todos em casa trauteamos, embora só cantemos o refrão (não fazia ideia do resto da letra da canção…).
Esta música retrata problemas comuns à sociedade de hoje em dia que dizem respeito à poluição das praias, tem uma mensagem ecologista forte: “cuidado não te descaia o teu pé de catraia em óleo sujo à beira-mar”, “As dunas de vento batidas são de plástico e carvão”, “Mas na verdade, Rosalinda, nas fábricas que ali vês o operário respira ainda, envenenado, a desmaiar, o que mais há desta aridez.” São vários os exemplos desta poluição que se tem vindo a agravar a que alude a canção.
Numa voz translúcida, Fausto transporta-nos assim para uma realidade que é por muitos de nós ignorada. Para um mundo onde os que têm poder tomam decisões que têm implicações muitas vezes demasiado arriscadas em comparação com “lucro” monetário. Esta referência à inveja e irresponsabilidade dos que têm mais posses e o abuso dos que para eles trabalham é feita nos versos «Pois os que mandam no mundo só vivem querendo ganhar, mesmo matando aquele que morrendo vive a trabalhar», «E em Ferrel, lá para Peniche, vão fazer uma Central que para alguns é nuclear, mas para muitos é mortal». Também o verso «Morre o sável e o salmão, "Isto é civilização", assim falou um senhor», já num tom sarcástico, transmite a mesma mensagem. A mensagem é crítica e incisiva mas o tom da canção não lhe corresponde… Parece uma canção de embalar, o que só acentua a premência da defesa que se faz.


Rafael
“Não sou o único” (Xutos & Pontapés), Resistência, Palavras ao vento, 1991

Não diria que tenha sido fácil escolher esta música para o trabalho, pois sou mais adepto de músicas de bandas rock estrangeiras, não por serem estrangeiras, mas talvez por me identificar mais com esse estilo. Por fim, escolhi esta canção original dos Xutos e Pontapés, pois recorda-me o tempo em que passava os quentes e longos verões, na casa dos meus avós, enquanto os meus pais iam trabalhar, e lhes pedia para reproduzir esta música, ainda em cassete, no tape do quarto da minha irmã. Achava esta música maravilhosa, era a única da cassete que ouvia, umas vezes atrás das outras, até me fartar.
Relativamente à letra da canção, acho que esta nos transmite a ideia de uma pessoa que passa a vida a sonhar, a idealizar a sua vida perfeita (“A desejar o que não tive/. Agarrado às tentações”), mas que vai deixando os anos passar (“à espera que algo aconteça”). No entanto, continua com a esperança de que algum dia a sua vida sofra uma mudança de rumo e que se iluminará (“E quando as trevas abrirem /Vais ver, o sol brilhará”). A canção refere ainda que, de certa forma, há alguém que critica o sujeito poético, por esta forma de estar na vida; no entanto, ele defende-se, dizendo que vai sair beneficiado e, tal como diz o refrão, não é o único a viver a vida de fantasias (“Não, não sou o único/Não, não sou o único a olhar o céu”).


Ana Gisela
«Não Há Estrelas No Céu» (Rui Veloso e Carlos Tê / Rui Veloso), Rui Veloso, Mingos & os Samurais, 1990.

Sempre que ouço esta música, penso nas férias de carnaval, mais especificamente, na primeira vez que fui a Andorra. Na verdade, tenho algumas recordações vivas destas férias, talvez por ter sido a primeira vez que vi tanta neve junta, ou porque foi nessa temporada que aconteceu o meu batismo do ski. Mas recordo especialmente uma noite, a penúltima, quando fomos ver um espetáculo em que os monitores de ski faziam, com grande agilidade, as suas acrobacias.
O show desenrolava-se montanha abaixo, no local onde todos os dias de manhã decorriam as nossas aulas. Sinceramente, já não tenho uma ideia muito clara de como foram estas atuações, mas lembro-me perfeitamente de que estava muito frio e eu estava a ouvir música no telemóvel. Perdi completamente o interesse pelo espetáculo e fui buscar um copo de chocolate quente, bebida que andavam a distribuir. Sentei-me a bebê-lo, e soube mesmo bem… Quando me apercebi de que estava a ouvir a música “Não Há Estrelas No Céu”, de Rui Veloso. E comecei a cantá-la baixinho, não sei ao certo porquê, e esse momento está sempre presente na minha vida.
Havia várias coincidências entre a letra da música que estava a ouvir e a realidade que se me deparava. Por exemplo, o facto de que estava muito frio e o céu estar completamente limpo mas sem estrelas. Apesar de eu estar no meio da multidão, sentia-me completamente sozinha, pois, enquanto todos estavam a olhar para o espetáculo, mostrando o maior interesse nele, ali estava eu sozinha, na noite, ouvindo música, sem ligar ao que se passava à minha volta e perfeitamente invisível para os outros. A meu ver, tal como o que Rui Veloso expressa na letra da música.



Joana
«Sem Eira Nem Beira» (Tim / Xutos e Pontapés), Xutos e Pontapés, 2009

A primeira vez que ouvi esta música foi na televisão, no telejornal, quando se estava a passar uma crítica à canção, por falar mal do “senhor engenheiro”. Ao ouvi-la, deu logo para perceber que era dos Xutos. Como não passou a música toda, depois fui procurá-la no Youtube, onde a ouvi completa.
Esta canção serve para criticar o estado do país, a crise que se está a sentir e as medidas que estão a ser tomadas. Por exemplo, em vez de se ajudar os pobres, dá-se dinheiro a quem não precisa e faz-se de conta de que nada se passa (“Aos outros um passou bem”), mas há cada vez mais desempregados. Por outro lado, tem-se esperança de que tudo mude, a esperança que o povo português continua a sentir, o que apenas acontecerá se lutarmos por isso (“Eu quero acreditar/Que esta merda vai mudar/E espero vir a ter uma vida bem melhor/Mas se eu nada fizer/Isto nunca vai mudar/Conseguir encontrar mais força para lutar”). Do refrão, apesar de a banda dizer que “não é sua intenção”, percebe-se que “senhor engenheiro” refere o antigo primeiro-ministro português, José Sócrates, que costumava ser julgado por tomar todas as medidas que a banda critica. E a letra, basicamente, continua a criticar o facto de o governo só dar a quem não precisa, “e ainda se ficam a rir”. Antes de a música acabar com o refrão, o sujeito poético expressa ainda que é preciso “conseguir encontrar mais força para lutar”, caso contrário, nada muda.


Guilherme
“Gnoma” (Morais de Macedo, Adolfo), Mão Morta, Nus, 2004

O meu género musical preferido é o hard rock/heavy metal. Gosto de temas para guitarra eléctrica que, neste género musical, são o elemento principal da composição, com solos muito bem executados, acompanhados por uma batida forte da precursão e por vozes muito características. Há muitas bandas portuguesas que são excelentes exemplos deste estilo, mas a maioria opta por ter as letras em inglês (Moonspell, Ramp, Blind Zero, Tarantula, etc…). Assim, e em português, escolhi o tema dos Mão Morta intitulada “Gnoma” que pertence ao álbum Nus, por ter um som que se aproxima daquilo de que gosto, guitarras com distorção e uma batida forte.
A música começa com um riff de guitarra simples com distorção. A parte vocal cantada por Adolfo Luxúria Canibal (Adolfo Morais de Macedo), com voz grave e muito rouca, é acompanhada pela guitarra com um som limpo e o refrão, cantado pelo Miguel Guedes, dos Blind Zero, de voz mais aguda e limpa, e tem o acompanhamento característico do Heavy Metal, isto é, as guitarras “saturadas” de distorção. A letra, um pouco obscura, retrata a vida e os lamentos de alguém que já tudo perdeu, que bebe para esquecer o que perdeu, anestesiando o seu sofrimento. É uma letra cuidada que tem um sentido e um fim positivo, não um simples adereço para a música. Apresenta-se sob a forma de diálogo com a Morte em estrofes de oito versos (lamentos) cantados pelo protagonista, intercalados por estrofes de seis versos que representam as respostas da Morte ao seu sofrimento.
No primeiro lamento, (“Dá-me mais quero mais/ Desse vinho bem forte/ Acre sol estival/ De uma vida em desnorte/ Já perdi o que tinha/ A família a consorte/ Para ser mero pó/ Falta só vir a morte a morte”) o protagonista diz que, como resultado de uma vida sem rumo, já perdeu tudo e só lhe falta vir a Morte, ao que esta lhe responde (“Tem calma irmão/ Que a morte está aí para todos nós/ E à parte as mães/ Ninguém pode/ afirmar de viva voz/ Que deixa cá algo/ Quando a vida nos solta enfim os nós”) que, ao morrer, todos também perdemos tudo.
No segundo lamento, (“Serve então mais um copo/Uma noite a beber/ Não fará mal pior/ E dará p’ra esquecer/ O vazio que me ataca/ Esta dor de viver/ A feroz solidão/ Que me faz q’rer morrer, morrer”) pede então mais um copo para lhe aliviar a dor de viver e a Morte responde-lhe (“Tem calma irmão/ Que a morte não precisa do teu sim/ É coisa certa/ Mais vale fazer da/ vida um festim/ Canta antes dança/ Que a vida não te surja mais ruim”) que sendo ela certa, mais vale esperar com um festim.
O terceiro lamento (“Cantar eu?/ Dançar dizes tu.../ Serve então mais um copo para ajudar”) representa o desespero final, o chegar ao fim, e é suportado como o início da canção, por um simples solo de guitarra com distorção. Em resposta, (“Tem calma irmão/ Que a morte não precisa ser assim/ Canta e vais ver/ Que a vida não te larga mais por fim”) a Morte salva-o dela própria, diz-lhe que a espera não, precisa de ser assim, e que, se ele cantar e dançar, isto é, se ele e nós soubermos viver e gozar a vida com alegria, a própria vida pode até não ter fim.



Marta B.
“No teu poema” (José Luís Tinoco), Carlos do Carmo com arranjo de Bernardo Sassetti, Carlos do Carmo e Bernardo Sassetti, 2010

Foi com esta música que João Gobern e Pedro Rolo Duarte deram início ao programa «Hotel Babilónia», na Antena 1, no dia dezanove de Maio de 2012, programa dedicado ao “génio” Bernardo Sassetti, falecido no passado dia dez de Maio de 2012.
Já toco piano há sete anos, e confesso que a minha paixão por este instrumento já passou por várias estradas e já mudou de rumo algumas vezes. No entanto, se há alguma coisa que me faz perceber porque é que sinto o que sinto quando estou a tocar, é ouvir alguém a tocar com uma paixão e uma intensidade tão grande que é instantaneamente transmitida para quem está a ouvir. E é isso que acontece quando ouvimos o Bernardo Sassetti. Precisamente por isso, escolhi esta canção. Por conseguir transmitir a enorme paixão que o Bernardo sentia ao tocar, e isso também é devido à enorme ligação que estabeleceu com o Carlos do Carmo ao longo desta parceria.
A primeira estrofe diz respeito à pessoa que somos e como nos situamos em relação ao mundo, ao que nos rodeia, ou seja a janela aberta, entreaberta ou fechada.
Essa pessoa que teve contrariedades, que sofreu mas que continua a lutar e que corajosamente mantém as janelas abertas e as amplia. E por ter essa atitude sente e ouve o que se passa à sua volta, e luta.
Em cada pessoa há um destino que nos predispõe e que é nosso dever dominarmos, para que sejamos nós a comandá-lo. E, por querermos ser senhores do nosso destino, conseguimos sentir e ver o que nos rodeia. Conseguimos ver mais longe, conseguimos juntarmo-nos a outros, ter esperança, lutar por um mundo melhor e dar um futuro também aos que nos sucedem.



Miguel G.
«Intervalo» (Per7ume), participação especial de Rui Veloso, 2008

Após algum exercício de memória, consigo classificar esta música como uma daquelas que toda a gente ouviu (talvez por ter sido considerado o tema nacional do ano de 2008, o mais ouvido em Portugal!). Lembro-me desta música como o resultado de muitas discussões (amigáveis) com a pessoa que menos se esperaria, a minha mãe, mas ouvi esta música em 2009, penso eu, no mês de julho ou agosto. Na altura, com cerca de treze anos, costumava dizer que as músicas portuguesas não prestavam, até que um dia a minha mãe me chamou à sua sala de trabalho e me mostrou Intervalo com Rui Veloso (apesar de a música ser dos Per7ume). Devo dizer, que ao princípio, não quis dar parte fraca, e também admito que até há poucos dias não me lembrava desta música, mas é uma numa lista reduzida de autores portugueses que eu aprecie.
Quanto à letra da música, penso ser claramente uma canção de amor, (Já sei de cor todas as canções de amor/Para a conquista partir), o que também os versos (Não me deixes mal/Não me deixes) que mostram o amor sentido.



Inês V.
«Sexta feira (emprego bom já)» (Boss ac), Boss AC, Ac para os amigos, 2012

A letra da música relata bastante bem as dificuldades da precariedade social. Esta música despertou-me um interesse especial, pois, para além de nos dar uma perspectiva da vida e da sociedade que nos rodeia, tem também como aspecto positivo o facto de ter um ritmo original e viciante. Gosto especialmente da primeira estrofe da canção: «Tantos anos a estudar para acabar desempregado / Ou num emprego da treta, mal pago / E receber uma gorjeta que chamam salário / Eu não tirei o Curso Superior de Otário».



Sara
«Amanhecer»(Mafalda Veiga / Susana Félix e Renato Jr), Susana Félix, Pulsação, 2007

As razões que me levaram a escolher esta música são várias. Gosto muito da música, como é de prever, porque acho traduz a forma como, muitas vezes, nos sentimos e a forma como a vida é. Considero a letra muito interessante. É uma música que constituía parte da banda sonora de uma telenovela, de cujo nome não me lembro, confesso, a que eu assistia quando estava na fase nas novelas. Finalmente, agrada-me que não seja uma canção de amor. Na minha opinião, já existem muitas canções de amor e as letras dizem todas as mesmas coisas aborrecidas de se ouvir. Por isso, para desenjoar um bocadinho, eu comprometi-me a não apresentar uma canção que falasse de amor ou do sentimento de falta de alguém ou de qualquer outro sentimento agridoce desgastante e repetitivo. Prefiro apresentar uma canção sobre a vida.
«A vida tem destas voltas estranhas/que te confundem nas suas manhas (onde te prendes e te emaranhas) /faz-te tantas vezes perder o norte e a razão (faz-te tantas vezes rodar como um pião) / e crava as garras no teu coração.» Esta é a primeira parte da canção; fala-nos daqueles momentos em que sentimos que temos tudo sob controlo e que não existe nada com que nos preocuparmos, quando, de repente, acontece algo que nós nem percebemos de onde vem e as coisas já não ficam tão bem assim. Quase como se déssemos uma volta de 180 graus: andamos à roda, e à nora, sem saber o que fazer e vemo-nos em situações confusas já sem estabilidade ou direcção para onde ir. Enfim, vemo-nos apanhados de surpresa.
«Não pede desculpa não pára pra ver/ confunde os teus sonhos até te perder/ faz-te tantas vezes sentir o dono do mundo / e de repente deixa-te só.» Esta parte diz-nos que todas estas situações são aleatórias, não importa qual é a situação em que nos encontremos, porque, independentemente do que acontece, vai existir sempre uma complicação, enquanto estamos a perseguir os nossos sonhos, que nos vai impedir de os atingir. E, mesmo quando achamos que já temos tudo o que queremos ou que já atingimos os nossos objectivos, acontece qualquer coisa que nos deixa abandonados e desamparados e perdemos as nossas conquistas e vitórias.
«Mas depois para te consolar/dá-te o céu/ e as estrelas o calor e o mar/ faz-te sonhar e faz-te morrer/ mas deixa-te sempre mais uma vez/ sarar as feridas e amanhecer/ lamber lágrimas, sarar as feridas/ e amanhecer». Esta última parte da música faz-nos perceber que, apesar de todas as adversidades e contratempos, sempre podemos olhar para todas as coisas boas e todas as oportunidades maravilhosas que a vida tem para nos oferecer. Concluímos que a vida, ainda assim, nos dá novas oportunidades e que, realmente, vale a pena vivê-la e aproveitar toda a beleza que ela tem para nos oferecer.
É principalmente por isto que eu adoro esta música: porque tem aquelas partes em que muitas vezes me revejo mas também tem o que me permite ver que, por muito estranhas que sejam as situações em que às vezes me encontro e que por muito baralhada que me sinta mesmo por não saber como ali fui parar, existem sempre novas formas de ver as situações e que, afinal de contas, nem tudo é mau e existem sempre coisas maravilhosas que vale a pena apreciar, como oportunidades para sarar, recompormo-nos e recomeçar. Algo que eu adoro na música é o significado do título. «Amanhecer» transmite a ideia de recomeçar, renascer e voltar a tentar para conseguir algo melhor; dá-nos a ideia de existir sempre um amanhã; traz-nos a esperança de tentar outra vez e quase dá a ideia de que, enquanto existir uma manhã, há sempre algo por que vale a pena lutar.

Marta P.
“Chico Fininho” (Carlos Tê), Rui Veloso, Ar de Rock, 1980
Sempre que ouço esta canção, recuo uns anos, cerca de seis ou sete. Era um dia quente, não me lembro muito bem do mês, consigo apenas dizer que era um dia de verão. Os meus pais ião levar-me, a mim e aos meus primos, a acampar no Algarve. Durante todo o caminho de carro, ouvimos um único CD. E quando o refrão de “Chico Fininho” passava, todos trauteávamos: “Chico Fininho…Uh Uh”. Acho que, ainda hoje, se a música passar na rádio, somos capazes de voltar a cantarolar esse dístico.
A meu ver, a letra da canção retrata o estilo de vida de um toxicodependente (“Curtindo uma trip de heroína”), Chico Fininho. Inicia-se a canção com a ansiedade da personagem (“Gingando pela rua” e “Sempre cheio de speed”), em busca do consumo de heroína (“Com merda na algibeira”) e mostra-nos como era visto pela sociedade (“O freak da cantareira”). Os versos “Fareja a Judite em cada esquina / A vida só tem um problema / O ácido com muita estricnina” e “A noite vem já e mal atina / Ele é o maior da Cantareira / Patchuli borbulhas e brilhantina / Cólica escorbuto e caganeira” dizem-nos quais são as suas únicas preocupações, os problemas de saúde e consequências, que sofre o Chico Fininho por consumir heroína.