Frei Luís de Sousa & canção pelo 11.º 4.ª
Alice
A música que escolhi para este trabalho
chama-se “Certeza” e é da autoria do grupo “Capitão Fausto”. Escolhi esta
música pois, quando começámos a trabalhar Frei Luís de Sousa e depois
desta proposta de trabalho, pensei o quanto a podemos relacionar com a angústia
e ansiedade que Madalena sofre ao longo da obra por pensar que seu ex-marido,
D. João de Portugal, poderia continuar vivo depois de Alcácer Quibir, apesar de
não haver notícias dele desde a batalha. Vemos que Madalena acaba assim por
continuar com sua vida.
Na canção diz-se “Andava malparado e sem
saber, nesta história”. Madalena está sempre ansiosa e mal consigo mesma por
viver na dúvida de D. João de Portugal estar realmente morto («… este medo,
estes contínuos terrores que ainda me não deixaram gozar um só momento de toda
a imensa felicidade…»). Lá no fundo nem ela nem ninguém sabe desta “história” a
cem por cento.
Prossegue a letra de “Certeza” com os
versos “Se é obrigatório que ela chegue ao final / Pra todo o mau bocado que
vier à memória / Há sempre um argumento que o faz ser bom”. Ora, Madalena quer
acreditar no final desta história que, por ela, seria D. João não estar mais
presente entre eles, sendo que agora é casada com Manuel de Sousa Coutinho e
tem a sua filha Maria, mas, no fundo, está sempre a vir-lhe à memória a hipótese
angustiante de D. João poder regressar a qualquer momento.
Os versos “Pra mais mudanças, já perdi a
tração / Dei ordem à cabeça pra esquecer a paixão / Às duas vou pró Porto, nem
podemos falar / E não há nada mais que me convença a ficar” recordam-me que Madalena
tem que começar a convencer-se a si mesma de que D. João está morto e tentar
esquecer que vive neste pecado de ter começado uma nova família e ser casada
com outro homem pois, lá no fundo, ela tenta “dar ordens” à sua cabeça para
poder viver em paz e também não conseguiria aceitar de qualquer maneira uma
mudança drástica como esta em sua vida.
“Se eu não ouvir quem me disser: volta pra
trás / Se eu me ocupar da minha direção / Pensar em mim nem sempre são maneiras
más / Pra tu ficares melhor, o teu rancor é condição”. Aqui quem está sempre
recordar a sua rica senhora de haver
hipóteses de D. João de Portugal estar vivo é Telmo («…mas eu hei de salvar o
meu anjo do céu! Está dito!») , que ao longo da obra vemos que se recusa
acreditar que o seu honrado amo pode estar realmente morto! E, ao mesmo tempo,
se Madalena se concentrar na vida que tem agora e “só pensar em si, conseguirá viver com mais paz.
“Não há surpresa se, quando eu te encontrar
/ Parecer que esta certeza já saiu do lugar”. Esta certeza de Madalena irá
desaparecer se, eventualmente, D. João voltar, mas, ao mesmo tempo, tem a certeza de uma coisa,
será infeliz para o resto da sua vida.
Quanto ao dístico “Eu tentei ser sincero
quando disse que amar / Nunca foi o problema que me fez arrancar”, lembram-nos
que Madalena amou D. João, mas acabou por conseguir seguir em frente com a sua
vida: acabou por casar com Manuel , que tinha começado a amar ainda quando D.
João era vivo.
Comento agora “E se eu ouvir o coração,
quando ele falar / E me disser que eu já não ‘tou capaz / De prosseguir sem
tropeçar no teu perdão / Eu escolho encher os dias com ruído e confusão”. “Ouvir o coração” e “me disser que eu já não ‘tou capaz”
representa muito o estado mental de Madalena pois ela sufoca-se todos os dias
nos seus pensamentos e vive atormentada por esta dúvida que a persegue.
Marta R.
A canção “Faltando um Pedaço”, de Djavan,
de 2011, pode ser relacionada com o texto dramático Frei Luís de Sousa,
sobretudo com os heróis românticos, Madalena de Vilhena e seu marido, Manuel de
Sousa Coutinho.
Sendo o amor a força motriz desta obra, ele
é “um grande laço” que une o inseparável par (“Meu esposo, Manuel, marido da
minha alma”). Esta união constituiu “Um passo pr’uma armadilha”, que vai ser
conhecida posteriormente, uma vez que “Es[s]e amor (...) começou com um crime,
porque [ela] am[ou]-o assim que o vi[u]...”.
Deste modo, “O amor é como um raio /
Galopando em desafios”, pois a própria heroína romântica espicaçou o destino (hybris),
ao ousar contrair matrimónio com o amor da sua vida, sem ter a certeza da morte
do seu primeiro marido, D. João de Portugal, que “ficou naquela batalha com o
seu pai, com a flor da [sua] gente”. Ela foi, de facto, uma mulher atrevida, já
que, embora considere Telmo “o escudeiro valido, o familiar quase parente, o
amigo velho”, que “tenta[va] seguir [o] rastro” do seu “santo amo”, não levou
em linha de conta os seus imperiosos conselhos (“Pois sim, tereis razão...
tendes razão, será tudo como dizeis. (...) – eu resolvi-me por fim a casar com
Manuel de Sousa”).
“E o coração de quem ama” pulula, também,
pela pátria. Eis Manuel, “um português dos verdadeiros.”, cujo caráter
“inflexível” o leva a “Cerrar[am] fogo no espaço”, incendiando o seu próprio
palacete, pois “Brig[ou] horas a fio” para “dar uma lição aos [seus] tiranos”
e, mais uma vez, houve um “Galopa[r] em desafios”. Consequentemente, a família
não teve opção de escolha senão mudar-se para o palácio que fora de D. João de
Portugal (“a casa não é minha... mas é tua, Madalena.”) e, “Com a fuga [para]
uma ilha / Tanto engorda, quanto mata”.
Esta fatal decisão deixou Madalena “Na
pureza de um limão / Ou na solidão do espinho”? Uma situação verdadeiramente
espinhosa e amarga! Nunca ela pensou ver-se “num beco sem saída” e ficar “oito
dias” sem dormir. Em boa verdade, quando retemperou as forças (“Estou boa já;
não tenho nada”) e, aparentemente, já estava “como nova”, aparece “Um lobo
correndo em círculo”, o que a deixa, de novo, completamente “aterrada” e
preocupada, não só consigo, mas também com o seu clã (“Onde está meu marido...
Manuel de Sousa?” e “A minha filha também?”).
Com a “sua chegada”, a vida da família
desmorona-se, sendo a única solução viável a dissolução do casamento (“Para nós
já não há senão estas mortalhas e a sepultura de um claustro.”). Quem diria que
a crença de Telmo se tornaria realidade? Fidelidade de leal aio e verdadeiro
sebastianista. Que grande desgraça!
E, “Revolta as águas dos rios”, surgem as
sequelas do “peccavi” cometido pelos amantes. Estes ficam com o coração
“faltando um pedaço”, vestem o hábito e morrem para o mundo. O seu rebento,
“Feito de desgosto de filha”, morre, fisicamente, de “vergonha” e “desonra”.
De tal forma se “Abr[iu] [uma] fenda[s]” no
seio dos Vilhena e dos Coutinho, “Que nem o [s]eu [coração permaneceu] nos seus
braços”, nos de Manuel e de Madalena.
Bárbara
A música que escolhi chama-se "In this
shirt'' e é dos The Irrepressibles. Escolhi esta canção não só pela letra, mas
também pela melodia em si. Esta começa num tom mais grave e lento e vai
aumentando de tom e de intensidade gradualmente, tal como a intriga da peça,
que acaba em tragédia.
No seu início ouvimos um órgão a tocar levemente,
num tom mais grave e lento, e por ser um órgão produz um som de tristeza e de
que algo não está totalmente bem.
De seguida, entram os violinos, o que lança
no ar um ambiente de suspense, de que está prestes a dar-se início a uma
tragédia, e, depois, a primeira tragédia acontece: quando entram os
violoncelos, a casa começa a arder.
Depois ficam apenas os violinos a tocar e
estão a tocar numa tonalidade cada vez mais aguda até que se dá um momento de
silêncio que associo ao regresso de D. João de Portugal, um momento chocante e
que veio trazer muita tristeza e miséria àquela família. Passando o curto
momento de silêncio, ouve-se de novo os violinos a tocarem com uma certa
aceleração, o que associei à desgraça da família depois da chegada de D. João,
a Madalena e Manuel seguirem agora vidas separadas e extremamente católicas e à
tristeza de Maria que levou à sua própria morte.
Em relação à letra da música, os dois
primeiros versos — “l am lost in a rainbow / Now our rainbow is gone"
(Estou perdido/a num arco-íris / Agora o nosso arco-íris desapareceu) — acho
que são os que representam melhor toda a história pois tanto Madalena como
Maria e Manuel eram felizes enquanto família e, de um dia para o outro, D. João
de Portugal voltou e a família foi destruída.
Os versos “Overcast by your shadow / As our
worlds move on ; Of you and me, ever changing / Moving on now, moving fast
(Assombrado pela tua sombra / À medida que os nossos mundos seguem em frente ;
Eu e tu, sempre em mudança / Seguindo em frente agora e rápido)” relacionam-se
com o facto de aquela família sempre ter vivido com receio do regresso de D.
João e, quando este voltou Madalena e Manuel terem tido de seguir vidas
separadas, indo cada um foi para um convento dedicar a sua pessoa somente a
Deus.
No caso de “In this shirt I can be you / To
be near you for a while (Nesta camisa eu posso ser tu / Para estar perto de ti
por um bocado)”, associo a camisa ao retrato que Madalena tinha de Manuel de
Sousa Coutinho. Na minha opinião, o retrato era tão importante para Madalena,
porque Manuel tendia a estar distante de casa durante as suas viagens e aquele
retrato mantinha-a perto e, de certa forma, em contacto com o seu marido.
O dístico “There's a crane knocking down /
All these things that we were (Há uma grua a destruir / tudo o que já fomos)” é
relacionável com a chegada de D. João, que arruinou aquela família.
Quanto a “There's a pain, it does ripple /
Through my frame, makes lame ( Há uma dor, que me percorre / o corpo todo e
magoa-me)” pode associar-se ao facto de Maria ter tuberculose e à dor que Maria
sentiu por ir ficar sem família, o que levou à sua morte.
Em “lt's the shame, it's the prize (É a
vergonha, é o preço a pagar)” podemos imaginar Madalena e Manuel a
chorarem a morte da sua filha que, por vergonha, faleceu, em frente aos pais.
“But I mean dare to tell you / That I love
you — it never ends (E quero te dizer / que te amo — o nosso amor é infinito)”
é o amor de Madalena e de Manuel um pelo outro pois nem um nem outro querem
ficar longe um do outro mas nada podem fazer para não ficarem separados. Porém,
apesar de afastados, o seu amor perdurará.
A quadra “I did send you a note / On the
wind for to read / Our names there together / Must've fallen like the sea (Eu
mandei-te uma carta / No vento para leres / Os nossos nomes ali juntos / Deve
ter caído e se perdido como o mar)” representa a rejeição de Madalena por D.
João, que estivera desaparecido durante muitos anos. Durante esses anos, poderia
ter tentado entrar em contacto com alguém em Portugal, mas o seu recado nunca
chegou ao destino e, depois, quando regressou, o coração de Madalena já
pertencia a Manuel.
Em “To the depths of the soil // Buried
deep in the ground (Até às profundezas do solo // Bem enterrado no solo)” está,
qualquer que tenha sido, o sentimento que Madalena tenha tido por D. João.
Nas duas últimas quadras está o pedido de
ajuda de Maria que não quer perder a sua família e que se encontra desesperada.
O facto de estar repetida várias vezes a mesma frase faz dela um chamamento de
desespero.
Catarina
G.
Em todo o Frei Luís de Sousa, o
incêndio da casa de Manuel de Sousa é possivelmente a parte mais dramática e
teatral da peça. Por isso, “Só é fogo se queimar”, dos Amor Electro, é
provavelmente uma das canções mais pertinentes para nos transmitir as emoções
da peça. Imagino D. Madalena a cantá-la, com a voz da cantora, Marisa Liz, nos
primeiros oito dias na casa com “tribuna para a capela da senhora da Piedade,
que é a mais devota e mais bela de toda a igreja”.
O refrão, “Só é dor se for vontade / De
agarrar / Só fogo se queimar / Só é felicidade / Enquanto durar / Só é fogo se
queimar”, recorda este momento (“Ai, é o retrato do meu marido! Salvem aquele
retrato!”) que nos revela a proximidade com o fim do bem estar daquela família
(“Só é felicidade / Enquanto durar”, “Que amor, que felicidade… que desgraça a
minha!”), pois, de certa forma, é como se o quadro queimado fosse o que torna
para Madalena aquela situação real (“Só é fogo se queimar”).
Toda a canção remete para o estado de
espírito de Madalena, de “contínuos terrores” e “constrangimento da alma'',
sobretudo quando se diz” Para em mágoas repousar” e “Só é dor se for
vontade / De a agarrar”. Madalena é a personagem com maior profundidade,
apresentando, ao contrário das outras personagens, “mais que um sentimento''.
Partes da canção também explicam a história
do romeiro “português? Como os melhores”. “A saudade não dá tréguas / Pede um
sopro de ar / Para em mágoas repousar”. D. João sofre por ser prisioneiro numa
terra longínqua, durante “vinte anos cumpridos” longe do seu amor, Madalena.
Quando a saudade “Pede um sopro de ar”, D. João quer consegui-lo ao
encontrar Madalena, mas a saudade vai “em mágoas repousar” pois descobre que
Madalena se casou e que já não tem família nem amigos. “Só mais um momento /
Lamento muito tempo / Tanto tempo a mais / Mais que um sentimento / Mais que o
segredo / Ainda é cedo / A verdade mora a léguas / Faz cambalear / Tem, tem
grades a penar”. D. João percebe e lamenta que, depois de tanto tempo, não
possa voltar e reaver a sua vida. “Mais que o segredo / Ainda é cedo” também se
aplica de novo a Madalena a quem ninguém revela a identidade do romeiro. Até ao
fim da peça, a verdade para Madalena está longe e ela martiriza-se por ter
ainda esperanças de que pode continuar casada com Manuel. D. João (“ele
também sofreu muito”) teve de passar as grades, ou seja, sair da prisão e
“bebeu até às fezes o cálix das amarguras humanas”, para transmitir “as suas
palavras: Ide a D. Madalena de Vilhena e dizei-lhe que um homem que muito bem
lhe quis aqui está vivo por seu mal e daqui não pode sair nem mandar-lhe novas
suas de há vinte anos que o trouxeram cativo.”
Catarina
P.
A história contada na canção
"Agridulce” (Agridoce), de Diego Jaar, é excelente para contrastar com
alguns momentos de Frei Luís de Sousa, principalmente após a chegada do
Romeiro-D. João de Portugal.
“Vuelves como el río vuelve al mar / Como
el Sol al despertar / Como vuelven los fantasmas” (Voltaste como o rio volta ao
mar / Como o sol ao despertar / Como voltam os fantasmas) mostra na cena XIV,
ato II, os pensamentos iniciais da Madalena e do Jorge quando o Romeiro afirma
que D. João está vivo. Quando Madalena faz perguntas ao Romeiro («...De
África?», «Cativo?...») para confirmar, se de facto, quem estava vivo era o seu
primeiro marido, é possível entender que ela estava com medo de que o seu maior
fantasma regressasse e lhe estragasse toda a vida que ela tinha construído
depois do seu desaparecimento.
Quando Madalena entende que o primeiro
marido estava vivo, fica num enorme sofrimento por se aperceber do pecado que
estava a cometer há tantos anos (« Meus Deus, Meu Deus! Que se não abre a terra
debaixo dos meus pés?... Que não caem estas paredes, que me não sepultam já
aqui?...»). Com esta fala de Madalena enquadra-se na perfeição o verso da
canção “Besando cicatrices que no sanaron” (Beijando cicatrizes que não
cicatrizaram), porque o facto de Madalena nunca ter tido a certeza da morte de
D. João de Portugal provocou-lhe uma cicatriz que nunca cicatrizou devido à sua
incerteza e medo.
Os versos “Sonriendo como si no hubiese /
Pasado nada” (Sorrindo como se não tivesse / acontecido nada) representam muito
bem a atitude do Romeiro, porque, apesar de ele não ter chegado a sorrir ao pé
de Madalena, atuou com uma atitude de quem parecia que acreditava que Madalena
tinha ficado todos aqueles anos à sua espera, como se não tivesse acontecido
nada durante tantos anos.
“Perdóname / Que no se como asimilar todo
esto / Te soy sincero, no esperaba tu regreso” (Perdoa-me / Que não sei como
assimilar tudo isto / Sou-te sincero, não esperava o teu regresso) pode
associar-se a todos os personagens, até mesmo a Telmo, que sempre acreditou que
D. João de Portugal tivesse sobrevivido (ato I, cena I: «Terá...», exprimindo a
dúvida acesa da morte do seu primeiro amo).
Para não deixar o título de fora,
associá-lo-ia a Telmo, pois o regresso de D. João de Portugal foi uma
alegria para ele e, ao mesmo tempo, uma grande tristeza. Uma grande alegria,
porque Telmo sempre teve a esperança de que o seu primeiro amo tivesse
sobrevivido. Uma grande tristeza, porque agora ele cuidava de Maria, tinha um
carinho muito grande por ela e não gostava das consequências que o regresso de
D. João poderiam trazer.
Após esta análise, pude concluir que esta
canção, apesar das suas pequenas diferenças com Frei Luís de Sousa,
devido à diferença de épocas, retrata de uma forma muito similar as
consequências do regresso do Romeiro-D. João de Portugal à sua antiga e agora
inexistente família.
Diogo
A canção de Vítor Kley, músico brasileiro,
“O amor é o segredo”, reflete sobre a influência do amor na vida de todos nós,
embora nem sempre este sentimento possa ser vivido em proximidade. A obra Frei
Luís de Sousa, de Almeida Garrett, também nos remete para o impacto que o
amor pode ter na vida das pessoas, nomeadamente nas personagens de D. Madalena,
Manuel de Sousa Coutinho, Maria e D. João de Portugal, permitindo-nos
estabelecer uma analogia entre esta canção e o texto dramático.
Logo na primeira cena da obra é percetível
a angústia em que se encontra D. Madalena, que não lhe permite viver feliz
junto do seu marido, Manuel de Sousa (“Com paz e alegria d’alma… [...] deve ser a felicidade suprema neste mundo.”-
Ato I, Cena I), temendo constantemente o regresso de D. João, seu primeiro
marido, que desapareceu na batalha de Alcácer Quibir (“... estes contínuos
terrores que ainda não me deixaram gozar um só momento de toda a imensa
felicidade...”- Ato I, Cena I). O desejo desta personagem feminina surge
expresso na canção do músico brasileiro, “Te quero muito bem / Quero te amar
sem medo / Sorrir sem saber porquê”, já que ela deseja viver sem as
inquietações do passado. A incerteza do desaparecimento de D. João é reforçada
pela fidelidade de Telmo Pais. Apesar de D. Madalena ter procurado o seu
marido, nunca houve provas da sua morte; no entanto, esta decidiu casar em
segundas núpcias, com Manuel de Sousa, por quem se apaixonara. Conforme refere
a canção, “A razão vence o coração / Que não vale a pena arriscar / Uma nova
paixão”, Telmo nunca acreditou na morte de seu amo e sempre desaconselhou
Madalena a casar novamente. O estado de espírito de Madalena intensifica-se
quando Manuel de Sousa incendeia a própria casa, obrigando a família a mudar-se
para o palácio que pertencia a D. João (“... o terror com que eu penso em ter
de entrar naquela casa. Parece-me que é voltar ao poder dele...” - Ato I, Cena
VIII). Esta mudança na ação permite o encontro de D. Madalena com uma nova
personagem que surge na intriga portadora de informações devastadoras sobre D.
João. Mais uma vez, a letra da canção mostra-nos claramente que “ainda existe o
amor”, o que também acontece no texto dramático, pois o amor de D. João de
Portugal ainda permanece. Ele regressa disfarçado de romeiro, na esperança de
encontrar o amor da sua esposa, mas percebe que esta casou com outro homem, o
que significa o fim da sua relação, sendo ele invadido pela raiva (“Ah! E eu
tão cego que já tomava para mim!” - Ato III, Cena VI). A obra termina de forma
trágica com a destruição da família de D. Madalena.
Assim, contrariamente ao sentimento
referido na canção de Vítor Kley, que não se desvanece com a separação dos
amantes (“O amor é o segredo”), na peça, a partida de D. João para Alcácer
Quibir põe termo à relação do casal (“A minha família… já não tenho família” -
ato II, Cena XIV), dando origem ao sofrimento que atingirá todas as
personagens.
Eduardo
Amor é um tema bastante relevante em Frei
Luís de Sousa. Amor de família, amor num casal, até amor de um servo e o
seu amo (se lhe podemos chamar amor). Também nesta canção de Luísa Sobral, mais
conhecida por ser cantada por Salvador Sobral, existe esse tema, e muitos dos
versos podem servir de comentários e até falas para as personagens da
história.
A primeira estrofe poderia representar D.
João antes de regressar à sua antiga casa. Antes de desaparecer na batalha de
Alcácer-Quibir, D. João estava casado com Madalena, amando-a profundamente, mas
o contrário não ocorria. “Se um dia alguém perguntar por mim / Diz que vivi pra
te amar” é um pouco irónico, pois, se D. João dissesse isto a Madalena, seria
verdade, mas Madalena nunca o amara de verdade. “Antes de ti, só existi /
Cansado e sem nada pra dar” seria melhor se estivesse depois no lugar de antes,
pois D. João, após desaparecer, ficara aprisionado e sofrera durante vinte anos
(“sofrei, que ele também sofreu muito”), ficando “cansado” e, como Madalena
depois o “abandonou”, ele já não tinha nada.
Por outro lado, as segunda e terceira
estrofes, que são iguais, podem encaixar-se em quase todas as personagens desta
história, mas vou virar o foco destas estrofes para Madalena. Coincidentemente,
a repetição da letra até se relaciona com a situação de Madalena, pois “Meu
bem, ouve as minhas preces / Peço que regresses” ocorreu a Madalena duas vezes
em situações diferentes. Indo por ordem cronológica, a primeira foi quando D.
João desapareceu e Madalena o procurou por sete anos, rezando pelo seu
regresso. Já a repetição ocorreu durante a ação da história, em dois momentos:
quando Manuel Coutinho e a sua filha, Maria de Noronha, saíram para Lisboa,
deixando Madalena sozinha naquele dia tão importante mas aterrorizante (o
aniversário de casamento entre Madalena e D. João, entre outros), “Oh, Maria…
Maria, também tu me queres deixar! Também tu me desamparas… e
hoje!".
Outras possibilidades de personagens para
estas estrofes são, por exemplo, Telmo, que, quando Maria está próxima da
morte, pede a Deus para lhe levar em lugar da “filha” que criou,
"Contentai-vos com este pobre sacrifício da minha vida, Senhor, e não me
tomeis dos braços o inocentinho que eu criei para Vós”, sendo “o inocentinho”
Maria.
A quarta estrofe pode ser dirigida a Maria
e à sua doença fatal (na época). Maria, na verdade, não morreu da tuberculose
que sofria, mas sim de vergonha, quando D. João, o legítimo esposo de Madalena,
entrou na igreja, cedendo assim o seu coração — “Se o teu coração não quiser
ceder”. Podemos dizer que Maria morreu pelo amor que tinha pelos seus pais, e,
se não os amasse, não teria morrido, pelo menos de vergonha, logo “Não (só) ter
paixão, não quiser sofrer”.
O resto da quarta estrofe, “Sem fazer
planos do que virá depois / O meu coração pode planos, pois ninguém esperava o aparecimento
de D. João, tomando decisões repentinamente sem grandes pensamentos prévios,
como Manuel e Madalena entrarem em ordens religiosas e D. João a fugir à última
da hora para tentar remediar a situação (“Agora é preciso remediar o mal
feito”). Após a separação do casal Manuel-Madalena e a morte de Maria, o amor
ficou interrompido, levando cada um a “amar pelos dois”.
Francisca
Na obra Frei Luís de Sousa, escrita
por Almeida Garrett, é retratado o amor impossível, embora correspondido, entre
D. Madalena de Vilhena e Manuel de Sousa Coutinho, uma vez que esta casou pela
segunda vez sem ter tido a confirmação da morte do primeiro marido. Ainda que
de uma forma diferente, a canção “Rewrite the stars”, interpretada por Zac
Efron e Zendaya para o filme The Greatest Showman, aborda o amor
proibido entre Phillip e Anne. Podemos identificar um certo paralelismo entre a
peça e esta música que, também ela, descreve a paixão em ambiente de um século
passado. A voz masculina (Zac Efron), esperançosa e confiante, contrasta com a
voz feminina (Zendaya), pessimista e realista.
É quando D. João de Portugal, primeiro
marido de D. Madalena, já considerado falecido, revela, vinte e um anos depois,
ter sobrevivido à batalha de Alcácer Quibir que tudo parece desmoronar-se. As
consequências da divulgação desta novidade foram enormes para a família, já que
isso fazia da união entre D. Madalena e Manuel de Sousa Coutinho um “erro”, e
de sua filha, D. Maria, fruto do seu pecado, uma “órfã de pai e de mãe”, tal
como é referido por seu pai na cena I do ato III.
No entanto, embora ciente de todos os danos
que a chegada do seu primeiro marido poderia causar, Madalena demonstra emoções
de esperança e fé de que o seu amor por Manuel de Sousa os continue a unir no
casamento, como é percetível na cena VII do ato III (“Olha, eu sei… mas
não daríamos nós, com demasiada precipitação, uma fé tão cega, uma crença tão
implícita a essas misteriosas palavras de um romeiro, um vagabundo… um homem,
enfim, que ninguém conhece?”). Também a letra da canção sugere o mesmo
sentimento por parte do casal apaixonado (“So don't keep sayin' our hands are
tied” [“Por isso não digas que estamos de mãos atadas”]), que continua a acreditar
na possibilidade de concretizar os seus sonhos através de uma metáfora (“What
if we rewrite the stars?” [“E se reescrevermos as estrelas?”]). Neste contexto,
as estrelas representam o destino que os amantes pretendem alterar para que
possam ficar juntos. Assim como Manuel de Sousa responde a Madalena, de um
forma pragmática, afirmando que “a nossa união, o nosso amor é impossível”
(cena VII do ato III), mais uma vez a letra da canção reforça que “No one can
rewrite the stars” [“Ninguém consegue reescrever as estrelas”] e
que “It feels impossible” [“Parece impossível”].
Tal como no final da música ambas as vozes
reconhecem a impossibilidade do seu amor (“And my hands are tied” [“E as minhas
mãos estão atadas”]), as personagens do texto dramático aceitam o fim da união
do casal. Na igreja, quando chama por Manuel de Sousa por lhe querer dirigir
“uma só palavra” (cena IX do ato III) e, sem conseguir fazê-lo porque “toca o
órgão dentro” (cena IX do ato III), Madalena acaba por se aperceber de que todo
o seu esforço é inútil e que o seu casamento terminou, como refere a canção
(“it was hopeless after all” [“afinal era impossível”]; “we're bound to break”
[“estamos condenados a quebrar”]).
Guilherme
Numa tarde de primavera, enquanto estava no
jardim a aproveitar o maravilhoso dia de sol, ouvia a minha playlist do
spotify, até que começa a dar uma música que me toca muito no coração, “Dancing
on my own”, de Calum Scott, que, para mim, é uma música intemporal: cada
vez que a ouço, suscita-me na alma o mesmo sentimento de nostalgia, do tempo em
que era apaixonado por uma rapariga. Eu sei que paixão é uma palavra muito
forte para um mero adolescente, mas é o que eu sentia e o que ainda sinto, e,
pensando no meu estado espírito naquele momento, achei que a canção se
relacionava bem com a obra Frei Luís de Sousa.
A canção tem uma letra muito cativante,
remete-nos para uma relação amorosa que terminou e o sujeito vê o seu ex-amado
junto com uma nova amizade.Nos primeiros versos “Somebody said you got a
new friend / But does she love you better than I can?” o eu deste poema revela
uma grande tristeza por ver o seu antigo companheiro junto com uma pessoa nova,
questionando-se sobre se ela o ama mais do que ele. Na peça, no ato II, D. João
de Portugal, dado como morto na batalha de Alcácer Quibir, regressa após vinte
e um anos, vendo Madalena casada com Manuel de Sousa Coutinho para enorme
desgosto dele, que ainda amava a sua mulher.
Na canção, nos
versos “Sit down I'm in the corner, watching you kiss her, oh, no / And I'm
right over here, why can't you see me? Oh,
no”, Calum Scott continua com uma grande mágoa no coração que foi partido,
sentindo-se um desconhecido quando o seu amado está com outra pessoa nova, sendo
ignorado com a felicidade do outro, mas ainda continua a amá-lo,
assemelhando-se assim à obra em causa, quando o D. João de Portugal aparece na
ação como um romeiro(desconhecido) ficando revoltado por todo o que via à sua
volta, respondendo que contaram com a sua morte e fizeram disso felicidade,
quando lhe é questionado sobre a sua família.
O Romeiro, no diálogo com Jorge e Madalena
na cena XIV, conta que recebeu maus tratos e passou por muita fome, sendo esse
um dos motivos de revolta, pois passou anos extremamente sem ninguém e a
sofrer, lutando todos os dias para regressar à sua esposa, mas, quando se
deparou com a realidade é que se apercebeu de que a sua presença tinha,
realmente, sido em vão pois Madalena continuou a sua vida construindo uma família
com D. Manuel.
No último verso do refrão “I just came to
say goodbye”, o sujeito poético pretende dizer que não se vai intrometer na
relação e que irá prosseguir a sua vida como o Romeiro, quando lhe foi dito por
Telmo, que D. Madalena o procurou durante sete anos, vendo a honra e virtude da
sua ex-companheira, mudando a sua opinião e vontade, preferindo continuar
oculto aos olhos da sua amada, sendo isso uma espécie de adeus, como forma de
respeito por ela.
Pina
No Festival da Eurovisão em 2017, Salvador
Sobral conquistou o mundo e o troféu com a canção “Amar pelos dois”, da autoria
da sua irmã, Luísa Sobral. Uma canção sobre amores perdidos e corações partidos
nascida do amor fraterno.
Os primeiros versos, “Se um dia alguém
perguntar por mim / Diz que vivi pra te amar”, poderiam ter sido facilmente
proferidos por D. Manuel ou por D. João.
Manuel toma consciência da existência de
João e percebe que não pode mais estar com Madalena decidindo dedicar-se à vida
religiosa, situação que ele compara a morrer (“Para mim aqui está a mortalha:
morri hoje… vou amortalhar-me logo…”), tal é o seu amor por Madalena e por
Maria. Quando a cerimónia é oficializada, marca-se o início de uma nova vida, o
nascimento do Frei Luís e a morte de D. Manuel, que viveu para amar a sua
mulher e filha..
João também amou Madalena e, passados vinte
e um anos do seu desaparecimento, volta, tão diferente que nem o seu aio,
Telmo, o reconhece (“Romeiro quem és tu? / Ninguém, Telmo, ninguém: se nem já
tu me conheces!”). Lembramos também a conversa entre Telmo e Maria e percebemos
que D. João tinha realmente amado Madalena mesmo que esse amor não fosse
correspondido (“... e aquela mão que descansa na espada, como quem não tem
(...) outro amor, nesta vida… / Pois tinha, oh se tinha”). D. João amava
Madalena e foi para Alcácer acabando por morrer na guerra. Regressou um velho
romeiro com esperanças de reatar um amor já em tempos condenado: “D. João de
Portugal morreu no dia em que sua mulher disse que ele morrera. Sua mulher
honrada e virtuosa, sua mulher que ele amava.”
Ao chegar a Almada, o romeiro João percebe
o quanto tudo tinha mudado na sua ausência e que as notícias que trouxe apenas
magoaram toda a gente, principalmente Madalena. Na cena V, ato III, as palavras
“...vai dizer-lhe que o peregrino era um impostor, que desapareceu, que ninguém
mais houve novas dele…”, proferidas pelo romeiro e dirigidas a Telmo são a
prova do seu arrependimento por toda a dor que o seu regresso causou. Mesmo
assim, João nunca perde a esperança de que Madalena volte a amá-lo, tal como na
canção - “Peço que regresses, que me voltes a querer” - também ele secretamente
deseja que Madalena volte a amá-lo, talvez inconsciente de que ela nunca o
amara e de que o seu coração pertence a Manuel (“É ela que chama, Santo Deus!
Madalena que chama por mim… / Por vós?! / Pois por quem? Não lhe ouves gritar:
“esposo, esposo”?”).
De uma outra perspetiva esta letra pode
também aplicar-se a Telmo que dedicou toda a sua vida a criar João e Maria como
seus filhos para depois os ver morrer sem poder fazer nada para o impedir.
Assim, toda a canção pode ser uma mensagem por parte de Telmo para as suas
crianças, perdidas para a guerra e doença, uma prece na qual ele lhes pede que
regressem e que voltem a precisar dele.
Inês S.
“The Climb”, canção composta por Jon Mabe e
Jessi Alexander, interpretada por Miley Cyrus, lançada a 5 de março de 2009,
adequa-se bem à personagem Maria ao longo do drama de Garrett. A letra da
música descreve a vida como uma caminhada difícil, mas gratificante.
“I can almost see it / that dream I’m
dreaming” (Quase consigo ver / O sonho que estou a sonhar) remete nos para o
carácter sonhador e imaginário de Maria. Idealista por natureza, Maria vive num
mundo imaginário, o que criava preocupação em todos os que a rodeavam. “Minha
querida Maria, que tu hás de estar sempre a imaginar nessas coisas (…) Isso é o
que nos aflige, ao teu pai e a mim (…)”.
Maria era culta e religiosa e acreditava no
sebastianismo. Esta crença no regresso do “nosso bravo rei” afetava D. Madalena
de uma forma incompreensível para Maria. Os versos “But there is a voice inside
my head saying / you will never reach it” (Mas há uma voz na minha cabeça que
diz / Nunca o vais alcançar) representam a sensibilidade de Maria por não obter
as respostas de que necessitava. “(…) D. Sebastião, que não morreu e que há de
vir um dia de névoa muito cerrada… (…) não é assim, minha mãe?” pergunta Maria.
Mas ninguém à sua volta parecia acreditar neste regresso, pelo contrário,
sempre que partilhava os seus pensamentos e ideais, estes causavam angústia,
ânsia e agonia.
Os versos “Every step I’m taking / Every
move I make feels / Lost with no direction / My faith is shaking” (Cada passo
que estou a dar / Cada movimento que faço parece / perdido e sem direção / A
minha fé está abalada), representam a sua frustração. Assim, Maria estranhava
as reações de seus pais em relação ao mito sebastiânico: “Meu pai (…) ouvindo
duvidar da morte do meu querido rei D. Sebastião (…) fica pensativo e carrancudo:
parece que o vinha afrontar, se voltasse, o pobre do rei”. Esta citação
demonstra alguma inteligência e curiosidade suscitada pelos comportamentos de
seu pai e mãe.
A jovem tinha o desejo de agradar aos seus
pais, apesar de não saber como (“E não sei; não; não sei nada, senão o que
devia ser e não sou”); no entanto, sabia que tinha que manter a sua postura:
“Gotta keep my head held high” (Tenho que manter a minha cabeça
levantada). “I may not know it / (…) / But
I just gotta keep going” (Eu posso não o saber / mas só tenho que continuar).
Ao observar a sua família, tinha a perceção
de que na vida nem tudo era perfeito, mas, por outro lado, a esperança era
quase inabalável. A metáfora em “Ain’t about how fast I get there / Ain´t about
what is waiting on the other side / It`s the climb” (Não é sobre o quão rápido
eu chego lá / Não é sobre o que esta à espera do outro lado (da montanha) / É a
escalada). Está relacionada com a vida da atriz Miley Cyrus no filme Hannah
Montana – The Movie e pretende afirmar que ao longo da nossa vida vai haver
diversos obstáculos e dificuldades, mas há sempre um lado compensador e feliz
nos objetivos que alcançamos.
No contexto da obra, a montanha, na curta
vida de Maria, acaba por representar um desfecho trágico. Morre envergonhada e
desiludida com crenças destruídas, ao saber todos os acontecimentos que
tornavam a sua família tão sombria.
Inês F.
A música “Memória” dá o nome ao novo single
de Ana Bacalhau, de 2020, escrito por João Direitinho, Guilherme Alface e Mário
Monginho, dos ÁTOA. A letra da canção adequa-se à peça Frei Luís de Sousa,
mais concretamente à personagem de Madalena de Vilhena.
Desde o início da obra, esta personagem
“descaiu da leitura na meditação” devido a “este medo” “por pensar em falhar” o
seu prognóstico de que D. João de Portugal, seu primeiro marido, “depois
daquela funesta jornada de África”, a deixou “viúva, órfã e sem ninguém”. Nesta
ótica, para ela, ele está morto e, por isso, resta-lhe apenas a “memória à
espera de não ser esquecido[s]”.
Inusitadamente, o atual marido de Madalena,
Manuel de Sousa Coutinho, que é “inflexível”, para provar que é “um homem de
honra e coração”, decide atear fogo ao seu próprio palacete. Perante factos não
há argumentos. A única e efetiva solução foi a mudança para o palácio que fora
de D. João de Portugal, onde a heroína romântica já havia vivido com aquele
que, putativamente, terá sucumbido na batalha de Alcácer Quibir. Esta
reviravolta que deu à sua vida fê-la “chor[ar] no [s]eu ombro”, pois “nesta
casa” ela não consegue ter descanso e “Já não d[o]rm[e] e o tempo aos poucos
começa a roubar-[lh]e a vida”. A filha, Maria de Noronha, mostra a sua
preocupação com a mãe, afirmando que ela “diz que vê aquelas chamas enevoadas
em fumo a rodear-lhe a casa, a crescer para o ar e a devorar tudo com fúria
infernal…”. Isto faz com que “e[la] própria já não [s]e reconheç[a]” e seja “a
primeira noite que dorme com sossego”.
Após ter retemperado as forças (“—Estou boa
já; não tenho nada, esposo da minha alma”), aparentemente, acaba por querer
transmitir um semblante diferente (“(Fazendo por se alegrar.)”). No entanto, é
“sol de pouca dura”, já que “é sexta-feira”. Neste momento, ela sente que
“dentro da [sua] cabeça te[m] a alma destruída”, visto que pressente que ela e
o esposo hão de “morrer longe um do outro, sós, sós!”. É triste “Verem-se com a
mortalha já vestida, e…vivos, sãos…depois de tantos anos de amor…e
convivência”.
Em boa verdade, as premonições de Madalena
acabam por se tornar realidade, já que, aquando do clímax, que coincide com o
aparecimento e consequente reconhecimento do peregrino vestido de Romeiro, ela
questiona-se sobre “Quem era, como era”. Havia “Tanta porta para entrar”, mas
ela só “encontr[ou] [uma] saída” — o convento.
“E quando [leio] a história, às vezes não
me lembro” do verdadeiro sofrimento pelo qual uma senhora de bem teve de passar
durante “sete…e hoje mais catorze…vinte e um anos”. Aconselho o leitor
aficionado pela leitura a (re)visitar este belo exemplar literário.
Leonor
O sujeito poético da canção é uma rapariga
que foi trocada por outra, podendo assim associar-se a D. João de Portugal,
apesar de, ao longo da composição, também podermos associar a outras
personagens certas passagens.
Na peça de Almeida Garrett apercebemo-nos
de que D. João e Madalena já foram casados e que, provavelmente, falaram sobre
constituírem família, mas o facto de este ter desaparecido na batalha de
Alcácer Quibir fez com que ela partilhasse esta conversa/desejo com o seu novo
marido. Associo, assim, os primeiros versos - «I got my driver 's license last
week / Just like we always talked about / ‘Cause you were so excited for me /
To finally drive up to your house» (Tirei a minha carta de condução a semana
passada / Tal como sempre falamos / Porque tu estavas tão ansioso por mim / Por
finalmente conduzir até tua casa). Madalena sempre se culpou por ter uma filha
que poderia ser ilegítima, fazendo com que tivesse sempre um peso às costas,
tornando-a frágil e com muitos conflitos interiores, não conseguindo estar
feliz mesmo com o desejo realizado, tal como sucede ao sujeito - «But today I
drove through the suburbs / Crying 'cause you weren't around» (Mas hoje conduzi
pelos subúrbios / A chorar porque tu não estavas por perto). Com as
inseguranças de Madalena, veio o Romeiro (D. João) para ajudar… Trouxe notícias
do ex-marido, ele mesmo, que aliás se apercebe de que a mulher já ultrapassou a
viuvez e agora está feliz com outro homem que já tinha o seu coração enquanto
casada (“amei-o assim que o vi... D. João de Portugal ainda era vivo. O pecado
estava-me no coração...”; «And you're probably with that blonde girl / Who
always made me doubt / She's so much older than me / She's everything I'm
insecure about (Provavelmente estás com aquela rapariga loira/ Que sempre me
fez duvidar/ Ela é tão mais velha que eu/ Ela é tudo o que faz com que eu tenha
inseguranças)). Ao deparar-se com esta realidade, acredita que não amará outra
pessoa: «’Cause how could I ever love someone else?» (Pois como poderia eu amar
outra pessoa?). Apesar de nunca dito em Frei Luís de Sousa percebe-se
que D.João se debatia com o assunto, assim como o sujeito poético, aceitando
aos poucos que já era passado: «And I know we weren't perfect / But I've never
felt this way, for no one / And I just can't imagine / How you could be so okay
now that I'm gone / Guess you didn't mean what you wrote in that song about me /
'Cause you said forever / Now I drive alone past your street» (E eu sei que não
éramos perfeitos / Mas eu nunca senti-me assim por ninguém / E eu nem consigo
imaginar / Como é que consegues estar bem agora que eu fui embora / Acredito
que o que escreveste naquela canção não era o que tu querias dizer / Pois tu
disseste para sempre / E agora passo pela tua rua sozinha a conduzir).
Podemos também associar esta canção a
outras personagens. Madalena aborrecia-se com Telmo por falar de D. João a
Maria, fazendo com que, no final, se rendesse (“Meu Deus, meu Deus, leva o
velho que já não presta para nada! Meu Deus, não sujeites esta menina inocente
a mais sofrimento, já sofreu o suficiente e dá-lhe mais tempo de vida.”) e
fizesse que Maria ficasse mais feliz por a sua filha não saber: «All my friends
are tired / Of hearing how much I miss you» (todos os meus amigos estão
cansados de ouvir de ti / De quão eu sinto a tua falta). Esta canção é quase
como um resumo da história contado pelas personagens. Por exemplo, nos últimos
versos o sujeito diz «Can't drive past the places we used to, go to» (Não
consigo passar em lugares onde costumávamos ir), o que é relacionável com o
final do ato I, onde Madalena não consegue ir para a casa onde viveu com D. João
de Portugal.
Luísa
A peça de Almeida Garrett é caracterizada
pela sua componente romântica e dramática, na qual a exploração e exposição dos
sentimentos humanos é uma constante. Tendo por base esta linha de pensamento,
selecionei a recente música de Toy, intitulada “Do Lado do Amor”, por fazer
menção à faceta de incerteza e desencontro, que podemos experienciar no amor.
D. Madalena, uma das personagens
principais, personifica o romantismo dramático presente na obra, pelo seu
permanente conflito interior. Temos como exemplo o constrangimento que
demonstra por ter amado Manuel de Sousa Coutinho, assim que o viu, apesar de
ainda estar casada com D. João de Portugal, conforme a sua intervenção no Ato
I, Cena I: “(...) ...este medo, estes contínuos terrores que ainda me não
deixaram gozar um só momento de toda a imensa felicidade que me dava o seu
amor. (...)”. Este dilema vivido por D. Madalena, por não estar de acordo com
as convenções sociais da época, está presente na letra da música quando o autor
refere que “No meio do silêncio / Encontro-me perdido / O fumo da tristeza /
Não me deixa ver”. Ou seja, também o autor da música exprime a existência de um
sentimento que o bloqueia e o impede de ser feliz, que oculta o sentido da
vida, acabando por lhe trazer solidão.
Continuando com esta analogia, outra
característica da personagem D. Madalena é a crença no destino, deixando-se
afetar psicologicamente por presságios e dias fatais, de acordo com a
exclamação que faz no Ato II, Cena V “(...) - Sexta-feira! (Aterrada.)
Ai! Que é sexta-feira! (...)”. Também a canção faz referência à possibilidade
de entrar em sofrimento e ansiedade por perder o domínio racional das
situações: “Pensamento confuso / Vazio de soluções / Um horizonte torvo / Que
atiça o sofrer”.
Esta heroína dramática, D. Madalena, uma
verdadeira romântica sofredora, apesar do amor que tem pela filha Maria, tem
uma grande paixão por seu marido Manuel de Sousa Coutinho. O desenlace trágico,
com a chegada do Romeiro, que revela ser D. João de Portugal, é o ponto alto do
drama que resulta numa separação repentina. Esta interpretação é sustentada
pela intervenção de Manuel no Ato III, Cena VIII: “(...) Pela última vez,
Madalena, pela derradeira vez, neste mundo, querida... Adeus! Adeus! (...)”. Na
Cena IX, imediatamente a seguir, como resposta ao discurso de Manuel, também D.
Madalena mostra que o marido continua a ser dono do seu coração (“(...) – Ouve,
espera: uma só, uma só palavra; Manuel de Sousa!...”). O trecho transcrito
revela grande contenção das personagens, assistimos a uma separação forçada,
abrupta, onde não há lugar para exprimir sentimentos, emoções. Também a música
de Toy manifesta opressão de sentimentos: “Gritos que congelam / Empurro a
minha dor / Com amargo sabor”.
Para terminar, acredito que Almeida
Garrett, pela sua veia romântica, atribuiu ao refúgio dos protagonistas na vida
religiosa a derradeira hipótese de tornar o seu amor eterno. Esta interpretação
final está refletida no refrão da música: “O nosso amor / Que por vezes foi tão
maltratado / venceu a dor / Afinal somos do mesmo lado”. Ou seja, apesar de o
amor ter sido incompreendido e até apontado como causa do final trágico, continuam
do mesmo lado, tomaram a mesma decisão em nome do amor que os une.
Mafalda
Ao ouvir a canção “All I want”, dos
Kodaline, não me restaram dúvidas de que esta seria a música perfeita para
tocar no plano de fundo do último ato, com o decorrer das cenas VIII a XII.
O início da anagnórise (o reconhecimento,
um dos momentos da tragédia clássica) dá-se com o aparecimento de D. João de
Portugal, primeiro marido de D. Madalena. Após vinte e um anos desaparecido, D.
João regressa e depara-se com a sua
mulher casada com outro homem, Manuel de Sousa Coutinho, e com uma filha do
mesmo.
O sentimento de culpa de D. Madalena e de
D. Manuel era tão grande que, para se redimirem do pecado que era o seu amor
ilegítimo, foram ambos para conventos, abandonando as suas próprias vidas.
Diz assim a canção:“All i want is nothing
more / to hear you knocking at my door / cause if i could see your face once
more / i could die a happy man i´m sure” (tudo o que eu quero é nada mais / que
ouvir-te a bater à minha porta / porque se eu pudesse ver a tua cara mais uma
vez / eu poderia morrer um homem feliz tenho a certeza). Tal como o “eu” da
letra queria voltar a ver a amada uma última vez, também D. Madalena e D.
Manuel queriam ter a sua última despedida, o seu último toque, o seu último
olhar: “Pela última vez, Madalena, pela derradeira vez, neste mundo, querida…
Adeus! Adeus!”.
A ruína do casamento e a morte da filha fez
com que uma parte de D. Madalena e de D. Manuel morresse também: “When you said
your last goodbye / i died a little bit inside / i lay in tears in bed all
night / alone without you by my side” (quando disseste o teu último adeus / eu
morri um pouco por dentro / eu deito-me em lágrimas na cama toda a noite /
sozinho sem ti aqui ao meu lado). Esta despedida é o início de um destino
infeliz que ambos vão ter de enfrentar.
Maria é uma vítima do aparecimento de D.
João. Ao ver a cerimónia de seus pais a decorrer, tenta impedi-la, pedindo que
a levem a ela e não a seus pais (“Mate-me, se quer, mas deixe-me este pai, esta
mãe, que são meus). Podemos associar esta cena ao verso “Take my body” (leva o
meu corpo) e ao verso “But if you loved me, why did you leave me?” (mas, se me
amavas, porque me abandonaste?) pois Maria tenta convencer os seus pais a
mentirem para que não se tomassem medidas drásticas mas nenhum deles tem a
coragem de o fazer:“Não queres? Tu também não, pai? Não querem. E hei eu de
morrer assim…”.
Podemos associar o verso “You brought out
the best of me / a part of me i’d never seen”(tu trouxeste uma parte de mim,
uma parte de mim que eu nunca tinha visto) à relação de Telmo e Maria. De
início, Telmo era incapaz de olhar Maria porque nela via um símbolo de traição
para com D. João, mas, com o passar do tempo, Telmo acaba por desenvolver um
sentimento quase de paternidade para com Maria, um amor inexplicável (“não a
podia ver… e daí começou a crescer… vedes-me aqui agora que lhe quero mais que
seu pai”).
“All I want”, título desta música, poderia
ser o título da obra, uma vez que tudo o que Madalena alguma vez quis foi viver
uma vida alegre e despreocupada , algo que nunca conseguiu.
Manel S.
«Quis saber quem sou / O que faço aqui /
Quem me abandonou / De quem me esqueci / Perguntei por mim / Quis saber de nós
/ Mas o mar / Não me traz / Tua voz» é o começo da canção «E Depois do Adeus»,
de Paulo de Carvalho, vencedora do Festival da Canção de 1974.
Ao fim de sete anos de incessante busca
pelo «mais leve indício que pudesse desmentir, pôr em dúvida ao menos aquela
notícia que logo viera com as primeiras novas da batalha de Alcácer», Madalena
dá como certa a morte de D. João.
Tal como no provérbio, «Longe da vista,
longe do coração», não morrendo de amores pelo primeiro marido, os parcos
sentimentos que por ele nutria, desvaneceram-se com a sua ausência física e a
espera pelo seu regresso.
«Partir é morrer» corrobora o entendimento
do início da canção, nomeadamente em «Mas o mar / Não me traz / Tua voz».
Destaca o fim do período no qual Madalena concentrou todas as suas forças e
proveitos na procura do marido e decidiu refazer a sua vida com o amado, Manuel
de Sousa Coutinho.
Mas os agoiros e profecias de Telmo, o fiel
aio que nunca acreditara na morte do seu primeiro amo, reavivavam
constantemente a memória de Madalena, que vivia inquieta com medo do possível
regresso do primeiro marido.
À semelhança desta canção de amor que conclui
que «amar / É ganhar / E perder», no drama romântico Frei Luís de Sousa, o amor
de Madalena e Manuel ao fim de catorze anos e com uma filha criada, converte-se
em sofrimento devido à notícia trazida pelo Romeiro, que inviabiliza a família:
D. João tinha sobrevivido à Batalha de Alcácer Quibir.
Na letra de José Niza, «E depois do amor /
E depois de nós / O dizer adeus / O ficarmos sós» sintetiza as últimas cenas do
ato III, onde a ética e disciplina, pontos fortes e vincados no carácter de
Manuel, se sobrepõem ao seu amor por Madalena e o levam a considerar o fim da
relação, agora – com o regresso de D. João – ilegítima, indigna e pecaminosa.
Da história se sabe ainda, que aliado aos
seus fortes valores, Manuel não suportaria a ideia de a filha Maria,
fragilizada pela tuberculose, ter de viver rotulada como «filha do meu pecado».
Assim, por seu desejo, o casal ingressa na vida eclesiástica como Frei Luís de
Sousa e Sóror Madalena, em Benfica e no Sacramento, respetivamente. Entende-se
que «O ficarmos sós» representa também o retiro para uma vida conventual e a
separação forçada da família.
«Misericórdia, meu Deus!» … Por fim, neste
amor perde-se ainda, tragicamente, a vida de Maria, que morre de vergonha nos
braços dos pais.
Manel E.
Este elo que encontro entre Garrett e Maria
Bethânia trata-se de algo muito natural. Dois artistas que partilhavam as
palavras da língua de “Camões”, embora com sotaques diferentes. Ela, com um
sotaque meramente baiano. Já ele, adotava sotaques de todos os lugares. Bastava
que, nesse lugar, existisse alguém que conseguisse ler o que ele escrevia. É um
“sonho meu” que estas duas personalidades da língua portuguesa se tivessem
sentado para falar, “olhos nos olhos”, fosse do que fosse, não importa do quê.
Tenho a certeza de que, “quando Garrett sonhava, era assim” que imaginaria este
diálogo. Tal nunca aconteceu, nem nunca vai acontecer. E, hoje, ficam apenas as
“folhas caídas” destas imagináveis conversas.
Em “Mensagem”, é-nos dito que “o carteiro
chegou / E o meu nome gritou / Com uma carta na mão”. Na letra desta canção,
interpreto “a carta” como uma metáfora de João de Portugal, que regressa à casa
que já lhe pertencera, procurando por Madalena, que não percebera imediatamente
que “a carta” (o Romeiro) era o suposto falecido ex-marido. Passado todo um
diálogo entre o Romeiro, Jorge e Madalena (na cena XIV do ato II), depois de o
Romeiro afirmar que “um homem que muito bem lhe quis aqui está vivo por seu mal
e daqui não pode sair nem mandar-lhe novas suas de há vinte anos que o
trouxeram cativo”, e após ter também
indicado qual era o retrato que o retratava, dando a Madalena uma confirmação
de que a “mensagem” que o Romeiro trouxera era, de facto, verdadeira, esta
acaba por “fugir espavorida”. Talvez tivesse fugido porque “(...) não teve
coragem de abrir a mensagem”. Por querer evitar regressar a um passado que
estaria mais do que enterrado, Madalena “rasgou sua carta, e queimou-a”, saindo
de cena.
Durante a música, Maria Bethânia declama um
emblemático poema de Álvaro de Campos, heterónimo de Fernando Pessoa. Álvaro de
Campos quer passar a ideia de que “todas as cartas de amor são ridículas” mas
que, “afinal, só as criaturas que nunca escreveram cartas de amor é que são
ridículas”. Na verdade, o regresso de João de Portugal é visto como a causa de
uma nova instabilidade na família de Manuel de Sousa e, consequentemente, em
Madalena. Tudo parecia ter ganhado um rumo para esta família, e este regresso
inesperado veio apenas desestabilizar. Para quem vê com um olhar externo,
percebe-se que este regresso era completamente desnecessário e evitável. Nada
voltaria ao que era antes, por muito que fosse o esforço que se fizesse.
Contudo, este regresso foi uma loucura cometida por amor, não só a Madalena e
ao seu passado, como ao próprio João de Portugal. E é assim que devemos
interpretar este poema. Todas as loucuras, especialmente as amorosas, são
ridículas, mas, afinal, só as criaturas que nunca cometeram uma loucura de amor
é que são ridículas.
Mariana
Após uma longa pesquisa sobre qual a melhor
canção para comparar com a obra de Almeida Garrett, cheguei a esta música doce
e suave, “E agora?”, de Mikkel Solnado, com a colaboração de Joana Alegre, uma
música lançada em 2015 para confortar o coração daqueles que a ouvissem.
Esta canção começa com um verso que diz “o
que foi feito de ti?''. Esta pergunta pode retratar claramente o sentimento de
todos da casa a quando da chegada de D. João de Portugal. E o mesmo se poderia
aplicar a D. João ao ver D. Madalena, por muito que ninguém tenha expressado
estas palavras, por se pensar ser só um homem velho e pela surpresa causada.
D. Madalena esperava pelo momento em que D.
João apareceria desde o dia em que fora para a batalha e ,portanto, confirmaria
os seus receios de que este não estaria morto, apesar de não saber que iria ser
de uma forma tão dura e dolorosa e que viria causar tantos estragos como
causou.
Na canção, as afirmações «Será que foste
tentar encontrar / Que te foste libertar» são ditas de uma forma calma e suave
como se por quem já tivesse desculpado, mas Madalena fazia estas perguntas de
uma maneira enraivecida e frustrada por D. João ter estado desaparecido durante
tanto tempo sem dar uma notícia enquanto ela vivia anos de terror apavorada.
Pergunta-se: se não tinha morrido na batalha de Alcácer Quibir, porque é que
tivera de estar tanto tempo desaparecido? Precisou de catorze anos para “se
encontrar”? Havia algo nele que tivesse medo de regressar? Eram muitas as
perguntas que D. Madalena e todos tinham mas a que D. João não conseguia dar
resposta.
D. Madalena de Vilhena esperou catorze anos
por novidades do seu antigo marido agarrada à esperança de que este não tinha
morrido na batalha apenas apoiada pelo seu fiel aio, Telmo, e os versos «esperei
tanto por ti» e «Corri o mundo por ti / Mas o mundo correu sem mim» retratam
esses anos e essa procura quase inacessível (“... o fiz procurar por essas
costas de Berberia”).
O sujeito pode ainda ser equiparado a D. João
de Portugal que, apesar de vários e longos anos desaparecido, esperava voltar
para a sua casa e encontrar D. Madalena à sua espera, acabando por se deparar
com o que mais temia, D. Madalena casada com Manuel de Sousa e com uma filha de
treze anos. Sentiu desgosto, tristeza e, talvez, um pouco de arrependimento por
não ter voltado antes, mas, por muito que ainda gostasse de D. Madalena, não
lhe queria nem podia roubar a felicidade, estava disposto a abdicar da sua pela
de D. Madalena, foi como um castigo («Ou foi só para me castigar»).
Manuel percebe que a chegada do antigo
marido deixa Madalena agitada e confusa, não sabe se isso pode alterar alguma
coisa no seu casamento e isso preocupa-o («Será que te perdi?»), tem a filha
doente, a possibilidade de ela morrer dentro de pouco tempo é grande e só isso
já devia ser sofrimento suficiente para uma vida, mas, ainda assim, tinha de
lidar com a agitação do seu casamento. Mas este verso da bela canção pode ainda
ser aplicado ao desespero de D. João, que não sabe se o facto de ter estado
tanto tempo longe descartou a possibilidade de voltar a estar com a sua amada.
Por fim, o sentimento dos pais de Maria ao
perceberem que a sua morte se aproximava e não conseguirem lidar com essa
realidade por muito que estivessem a par disso tal é a gravidade e evolução da
sua doença podem ser retratados em «Se terminar aqui / O que será de mim sem ti»
(“A lançar sangue? Se ela deitou o do coração!...”).
Marta L.
É a maneira tão própria de cada pessoa expressar
os seus sentimentos que torna esta tarefa de comparar uma peça com uma canção
tão difícil. Depois de muito vaguear pela infinidade de músicas portuguesas,
entrego-me aqui de “Bandeira vencida / Rasgada no chão” e rendo-me ao “Sol de
Inverno” de Simone de Oliveira.
Do meu ponto de vista é viável criar um
paralelismo entre esta canção, composta por Jerónimo de Bragança, e a peça Frei
Luís de Sousa, de Almeida Garrett, exatamente por ser possível encontrar um
forte elo de ligação entre a canção e duas das personagens desta peça – D.
Madalena de Vilhena e D. João de Portugal.
Começo assim esta análise enunciando as
primeiras palavras desta canção: “Sabe Deus que eu quis / contigo ser feliz”.
D. João sempre teve Madalena em grande estima. Percebemos isso na peça quando
Telmo proclama “Pois tinha, oh se tinha...”; e foi rigorosamente esse amor
incessante que permitiu a D. João regressar a casa passados vinte um anos para
fazer tremer o novo universo que Madalena tinha criado. No entanto, quem tremeu
foi ele quando percebeu que tudo mudara e ele já não era “ninguém”. Já não
tinha Madalena, que agora estava casada com Manuel de Sousa, nem mesmo a sua casa (“A quem foste dar / O
que é meu?”). Um sentimento de
inutilidade invade D. João, apercebe-se de que a vida tinha avançado sem ele e
sente-se tal como sugere a canção: “Sou data esquecida / A coisa perdida / Que
vai a leilão”.
Aproveito novamente o início da canção –
“Sabe Deus que eu quis / contigo ser feliz” – para enfatizar que, por mais que
tentasse, Madalena, não conseguiu ser feliz com o seu primeiro marido, vivia
angustiada por não amar o homem a que estava destinada, sentia-se pecadora (“O
pecado estava me no coração”) por ter amado Manuel de Sousa enquanto D. João
ainda era vivo. Posto isto, quase que posso afirmar que Madalena ficou aliviada
quando, passados sete anos, D. João não voltou da batalha, permitindo-lhe então
realizar o desejo do seu coração (“Morto o teu desejo / Vivo o meu desejo”).
Contudo, aproveito para criticar esta atitude de Madalena de viver sempre
insatisfeita e não ter força de vontade para realizar os seus sonhos, isto
leva-nos de volta à canção, interpretando “Horas que vivi / Quem as tem?” quase
como um grito de desespero de Madalena por ter passado tanto tempo da sua vida
num descontentamento constante: primeiro, num casamento que não a satisfazia;
depois, à espera de poder casar com Manuel; e, por último, sempre a permitir
que os agoiros de Telmo sobre o regresso de D. João a perturbassem.
Recordo o dístico “De que serve ter coração
/ E não ter o amor de ninguém” e acabo o meu texto exatamente como acaba
Madalena na peça. Sem o amor de ninguém. O desfecho da peça dá vida a todas as
coisas que Madalena desejava que não acontecessem. Mesmo depois de tanto
sofrer, acaba completamente sozinha, nem mesmo com o amor da filha pode contar.
Percebe, assim, que talvez devesse ter valorizado quanto a vida lhe permitira
ser feliz.
Martim
A canção “Fire On Fire” (“Fogo em Fogo” ou
“Fogo em Chamas”), do cantor inglês Sam Smith, transmite fortes emoções de
paixão e amor desinibido. A música foi lançada há relativamente pouco tempo, em
2018, mais especificamente no dia vinte e um de dezembro, através da editora
norte americana Capitol Records. A canção aborda o facto da grande quantidade
de energia emocional a que o cantor está a ser exposto na faixa poder ser
potencialmente perigosa. No entanto, ele sente que a conexão especial que ele
compartilha com o seu parceiro/a torna o seu relacionamento bem-sucedido. Esta
situação é bastante relacionável com a da peça Frei Luís de Sousa devido
à forte ligação entre D. Manuel de Sousa Coutinho e D. Madalena de Vilhena que,
apesar de todos os altos e baixos da relação expostos na peça, sempre se
mantiveram juntos.
Durante a canção, o sujeito poético,
expressa o sentimento de que algumas pessoas o menosprezam e, especialmente, à
sua relação de um ponto de vista moral, referindo-se a ele e ao seu parceiro/a
como pecadores. O motivo de o cantor e a pessoa com quem ele está amorosamente
relacionado serem assim considerados, alude à possibilidade de Sam Smith ser
homossexual, o que explicaria o facto de receber este tipo de críticas de base
religiosa. Como tal, é muito possível que, na canção, Smith se esteja a dirigir
a outro homem, embora não haja qualquer referência ao género dessa outra
pessoa. Na música Smith diz: “But this much desire, together, we’re winners,
They say that we’re out of control and some say we’re sinners” (Mas tanto
desejo, juntos, somos vencedores, Eles dizem que estamos fora de controlo e
alguns dizem que somos pecadores). Este pequeno trecho da composição é muito
importante na relação com a peça, porque, mesmo que Madalena de Vilhena não
estivesse em uma relação homossexual, e por mais que amasse a sua família,
ainda considerava a sua relação com Manuel de Sousa Coutinho e o fruto dela,
Maria de Noronha, um pecado. “O pecado estava-me no coração: a boca não o
disse… os olhos não sei o que fizeram, mas dentro da alma eu já não tinha outra
imagem senão a do amante…”. Assim considerava a sua família devido à não
descoberta do corpo ou simplesmente desaparecimento do seu primeiro marido, o
ínfimo D. João de Portugal, que se acreditava ter perecido na batalha de Alcácer
Quibir que resultou na derrota dos Portugueses e no movimento profético
denominado Sebastianismo. Mesmo com a suposta morte do primeiro marido, D.
Madalena de Vilhena, uma mulher muito supersticiosa, acreditava que qualquer
sinal que achasse fora do normal era uma chamada de atenção para ações futuras
e, com uma recente acumulação de presságios, um fantasma do passado bateu-lhe à
porta.
Nuno
Enquanto estava a ouvir a música “Someone
you loved”, de Lewis Capaldi, lembrei-me de que, como ambos falam de amores
vividos, isso iria permitir relacionar versos da canção com passagens da obra
que temos analisado e estudado nas últimas semanas, Frei Luís de Sousa.
Nos primeiros versos da canção, o sujeito
poético diz “I’m going under and this time I fear there's no one to save me /
This all or nothing really got a way of driving me crazy” (Eu estou-me a
afundar e temo que desta vez não haja ninguém para me salvar / Este tudo ou
nada deixa-me realmente louco). Nesta passagem, conseguimos compreender o
quanto ele se sentia sozinho. Nesta canção, ele fala de um relacionamento que
terminou, acabando por ficar só. Nestes versos, ele explica a falta que lhe faz
a sua amada nos tempos difíceis que ele agora atravessa. Tal como na canção,
Madalena, no ato I encontra-se só e explica que não tem conseguido viver em paz
e alegria junto da pessoa que ama, devido às dúvidas sobre o que aconteceu
realmente ao seu primeiro marido, que não a deixam aproveitar o seu casamento
com Manuel Sousa Coutinho. Numa e noutra situação na peça em estudo, o amor é
causador de sofrimento.
No verso “I guess I kinda liked the way you
numbed all the pain” (Eu acho que gostava da maneira como tu anestesiavas a
dor), o eu acredita que, se ainda estivesse ao lado da sua amada, esta
conseguiria anestesiar a sua dor e sofrimento. Assim como ele, Madalena, no
início da obra, afirma que não consegue viver o amor que tem a Manuel Sousa
Coutinho, dadas as circunstâncias deste seu segundo casamento e deseja que o
seu segundo marido nunca suspeite do sofrimento que a perturba (“Oh! Que o não
saiba ele ao menos, que não suspeite o estado em que eu vivo… este medo, estes
contínuos terrores que ainda me não deixaram gozar um só momento de felicidade
que me dava o seu amor.”). Mais uma vez, o amor é a fonte de sofrimento.
O sujeito lírico diz ainda “I fall into
your arms / I'll be safe in your sound 'til I come back around”(Eu caio nos
teus braços/ Eu vou ficar seguro na tua voz até eu voltar) e, nestes versos,
explica que estaria muito melhor se ainda estivesse junto da sua amada, sendo
que a única forma de conforto era a recordar a sua voz. Também D. Madalena
chega a afirmar muitas vezes que a presença de D. Manuel junto dela a faz
sentir nos momentos difíceis mais segura e feliz (“Tu ficas aqui já de vez, não
me deixas mais, não sais de ao pé de mim. Agora, olha, estes primeiros dias ao
menos, hás de me aturar, hás de me fazer companhia. Preciso muito, querido.”
ato II cena V).
Por último, vou referir o verso que
constitui o refrão — “I was getting kinda used to being someone you loved” (Eu
estava a ficar habituado a ser alguém que tu amavas) — que é o meu favorito da
música. Neste verso, percebe-se o quanto a amada do eu da canção e o amor que
tinham eram importantes na sua vida. Na cena XIII, D. João de Portugal,
primeiro marido de D. Madalena, ao regressar ao seu país, ao seu palácio e à
sua família, percebe que a sua esposa já está a refazer a vida junto de outro
homem do qual tem uma filha. Por isso, ao perguntarem-lhe quem é, ele responde
de uma forma simples e que faz sentido, “Ninguém”. O texto faz referência ao
poder do amor que, por vezes, é destruidor, mas pode preencher a vida de uma
pessoa.
Tiago
A música que escolhi para relacionar com a
peça Frei Luís de Sousa chama-se “Lucid dreams”, e é do rapper americano
Juice wrld, que, infelizmente, faleceu muito novo. Esta foi a canção que o fez
conhecido por muitos e o impulsionou para o mundo da música.
A canção expressa as emoções de um rapaz
que foi trocado por outro pela sua namorada, o que não tem muito a ver com Frei
Luís de Sousa. No entanto, alguns versos da música podem relacionar-se com
certas personagens da peça de Garrett.
Sabemos através de diálogo numa das cenas
que Madalena, após o desaparecimento do seu marido, D. João de Portugal, entra
num grande desespero. Este desespero pode comparar-se com o do sujeito lírico:
"You left me falling and landing inside my grave”, o que em português é
“Tu deixaste-me a cair para a minha própria cova”. Outro verso bastante simples
que também se compara com os sentimentos de Madalena não só nesta situação, mas
também noutros atos da peça é o que diz: “You made my heart break” (“Tu fizeste
com que o meu coração se partisse").
Um dos versos do refrão desta música também
se pode relacionar com Madalena. O verso é, “I still see your shadow in my
room” e pode traduzir-se para “Ainda vejo as tuas sombras no meu quarto”. Este
sentimento que o sujeito poético exprime é parecido com o de Madalena quando
chega à sua antiga casa e fica aterrorizada.
Outro dos versos da canção que se podem
relacionar com uma personagem de Frei Luís de Sousa é “I won’t let you
forget me” (“Não te vou deixar esquecer de mim”). Esta frase pode referir-se à
determinação e pensamento de D. João de Portugal após a batalha em Alcácer
Quibir, e a sua decisão de voltar a Portugal e a Madalena.
Vasco
Ao ouvir a canção “Letter From Houston”, de
Rod Wave, comecei a associar alguns versos da mesma, a passagens e a
acontecimentos da peça Frei Luís de Sousa, que temos vindo a estudar em
aula.
Logo no primeiro verso, o eu do poema diz:
“I wrote this song for you, so you should pay attention = Escrevi esta música
para ti, por isso deves prestar atenção”. No texto (Ato I, cena II), em vez de
ser uma canção, Telmo conta a Madalena sobre uma carta que D. João escrevera na
madrugada do dia da batalha onde ele fora chamado, em Alcácer Quibir, dizendo
que, vivo ou morto, voltaria a vê-la pelo menos mais uma vez. E voltaria mesmo
a aparecer passados vinte e um anos após terem-no dado como morto.
No refrão, o
sujeito poético diz: “But just in case you feel you cannot stay / […] I'd trade it all / For a guaranteed spot in
your heart = Mas no caso de sentires que não consegues ficar / [...] eu
trocaria tudo / Por um lugar garantido no teu coração” (Ato III, cena V).
Semelhantemente, ao regressar para o pé de D. Madalena, D. João/Romeiro
apercebeu-se que ela não conseguia voltar a ficar com ele, pois já amava D.
Manuel e queria continuar a sua vida a seu lado. Entretanto ela não conseguiu
viver a vida feliz que queria ao lado de D. Manuel, pois esta temia o regresso
de D. João, e que tal viesse a arruinar o seu segundo casamento. Ao
aperceber-se desta situação, e como tentativa de remendar o seu erro, D.
João/Romeiro decidiu afastar-se, de modo a evitar o transtorno que ele causara,
mas deixando bem claro que dava tudo para voltar a ter um lugar garantido no
seu coração em vez de D. Manuel.
Também no refrão, o sujeito poético pergunta:
“Wonder do you miss me when I'm busy on the road? = Será que sentes a minha
falta enquanto estou ocupado a seguir o meu caminho?”, tal como na peça, D.
João se questionava se D. Madalena sentiria falta dele e se continuaria a
amá-lo, mesmo passados tantos anos desde que ele estivera fora. Mais tarde,
veio a verificar-se que tal não acontecia, pois esta apenas amava D. Manuel, e
queria ter uma vida feliz e sossegada com ele.
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