Friday, August 28, 2020

Frei Luís de Sousa & canção pelo 11.º 4.ª

 

Alice

A música que escolhi para este trabalho chama-se “Certeza” e é da autoria do grupo “Capitão Fausto”. Escolhi esta música pois, quando começámos a trabalhar Frei Luís de Sousa e depois desta proposta de trabalho, pensei o quanto a podemos relacionar com a angústia e ansiedade que Madalena sofre ao longo da obra por pensar que seu ex-marido, D. João de Portugal, poderia continuar vivo depois de Alcácer Quibir, apesar de não haver notícias dele desde a batalha. Vemos que Madalena acaba assim por continuar com sua vida.

Na canção diz-se “Andava malparado e sem saber, nesta história”. Madalena está sempre ansiosa e mal consigo mesma por viver na dúvida de D. João de Portugal estar realmente morto («… este medo, estes contínuos terrores que ainda me não deixaram gozar um só momento de toda a imensa felicidade…»). Lá no fundo nem ela nem ninguém sabe desta “história” a cem por cento.

Prossegue a letra de “Certeza” com os versos “Se é obrigatório que ela chegue ao final / Pra todo o mau bocado que vier à memória / Há sempre um argumento que o faz ser bom”. Ora, Madalena quer acreditar no final desta história que, por ela, seria D. João não estar mais presente entre eles, sendo que agora é casada com Manuel de Sousa Coutinho e tem a sua filha Maria, mas, no fundo, está sempre a vir-lhe à memória a hipótese angustiante de D. João poder regressar a qualquer momento.

Os versos “Pra mais mudanças, já perdi a tração / Dei ordem à cabeça pra esquecer a paixão / Às duas vou pró Porto, nem podemos falar / E não há nada mais que me convença a ficar” recordam-me que Madalena tem que começar a convencer-se a si mesma de que D. João está morto e tentar esquecer que vive neste pecado de ter começado uma nova família e ser casada com outro homem pois, lá no fundo, ela tenta “dar ordens” à sua cabeça para poder viver em paz e também não conseguiria aceitar de qualquer maneira uma mudança drástica como esta em sua vida.

“Se eu não ouvir quem me disser: volta pra trás / Se eu me ocupar da minha direção / Pensar em mim nem sempre são maneiras más / Pra tu ficares melhor, o teu rancor é condição”. Aqui quem está sempre recordar a sua rica senhora  de haver hipóteses de D. João de Portugal estar vivo é Telmo («…mas eu hei de salvar o meu anjo do céu! Está dito!») , que ao longo da obra vemos que se recusa acreditar que o seu honrado amo pode estar realmente morto! E, ao mesmo tempo, se Madalena se concentrar na vida que tem agora e “só pensar em si,  conseguirá viver com mais paz.

“Não há surpresa se, quando eu te encontrar / Parecer que esta certeza já saiu do lugar”. Esta certeza de Madalena irá desaparecer se, eventualmente, D. João voltar, mas,  ao mesmo tempo, tem a certeza de uma coisa, será infeliz para o resto da sua vida.

Quanto ao dístico “Eu tentei ser sincero quando disse que amar / Nunca foi o problema que me fez arrancar”, lembram-nos que Madalena amou D. João, mas acabou por conseguir seguir em frente com a sua vida: acabou por casar com Manuel , que tinha começado a amar ainda quando D. João era vivo.

Comento agora “E se eu ouvir o coração, quando ele falar / E me disser que eu já não ‘tou capaz / De prosseguir sem tropeçar no teu perdão / Eu escolho encher os dias com ruído e confusão”.  “Ouvir o coração” e  “me disser que eu já não ‘tou capaz” representa muito o estado mental de Madalena pois ela sufoca-se todos os dias nos seus pensamentos e vive atormentada por esta dúvida que a persegue.

 

Marta R.

A canção “Faltando um Pedaço”, de Djavan, de 2011, pode ser relacionada com o texto dramático Frei Luís de Sousa, sobretudo com os heróis românticos, Madalena de Vilhena e seu marido, Manuel de Sousa Coutinho.

Sendo o amor a força motriz desta obra, ele é “um grande laço” que une o inseparável par (“Meu esposo, Manuel, marido da minha alma”). Esta união constituiu “Um passo pr’uma armadilha”, que vai ser conhecida posteriormente, uma vez que “Es[s]e amor (...) começou com um crime, porque [ela] am[ou]-o assim que o vi[u]...”. 

Deste modo, “O amor é como um raio / Galopando em desafios”, pois a própria heroína romântica espicaçou o destino (hybris), ao ousar contrair matrimónio com o amor da sua vida, sem ter a certeza da morte do seu primeiro marido, D. João de Portugal, que “ficou naquela batalha com o seu pai, com a flor da [sua] gente”. Ela foi, de facto, uma mulher atrevida, já que, embora considere Telmo “o escudeiro valido, o familiar quase parente, o amigo velho”, que “tenta[va] seguir [o] rastro” do seu “santo amo”, não levou em linha de conta os seus imperiosos conselhos (“Pois sim, tereis razão... tendes razão, será tudo como dizeis. (...) – eu resolvi-me por fim a casar com Manuel de Sousa”).

“E o coração de quem ama” pulula, também, pela pátria. Eis Manuel, “um português dos verdadeiros.”, cujo caráter “inflexível” o leva a “Cerrar[am] fogo no espaço”, incendiando o seu próprio palacete, pois “Brig[ou] horas a fio” para “dar uma lição aos [seus] tiranos” e, mais uma vez, houve um “Galopa[r] em desafios”. Consequentemente, a família não teve opção de escolha senão mudar-se para o palácio que fora de D. João de Portugal (“a casa não é minha... mas é tua, Madalena.”) e, “Com a fuga [para] uma ilha / Tanto engorda, quanto mata”.

Esta fatal decisão deixou Madalena “Na pureza de um limão / Ou na solidão do espinho”? Uma situação verdadeiramente espinhosa e amarga! Nunca ela pensou ver-se “num beco sem saída” e ficar “oito dias” sem dormir. Em boa verdade, quando retemperou as forças (“Estou boa já; não tenho nada”) e, aparentemente, já estava “como nova”, aparece “Um lobo correndo em círculo”, o que a deixa, de novo, completamente “aterrada” e preocupada, não só consigo, mas também com o seu clã (“Onde está meu marido... Manuel de Sousa?” e “A minha filha também?”). 

Com a “sua chegada”, a vida da família desmorona-se, sendo a única solução viável a dissolução do casamento (“Para nós já não há senão estas mortalhas e a sepultura de um claustro.”). Quem diria que a crença de Telmo se tornaria realidade? Fidelidade de leal aio e verdadeiro sebastianista. Que grande desgraça!

E, “Revolta as águas dos rios”, surgem as sequelas do “peccavi” cometido pelos amantes. Estes ficam com o coração “faltando um pedaço”, vestem o hábito e morrem para o mundo. O seu rebento, “Feito de desgosto de filha”, morre, fisicamente, de “vergonha” e “desonra”.

De tal forma se “Abr[iu] [uma] fenda[s]” no seio dos Vilhena e dos Coutinho, “Que nem o [s]eu [coração permaneceu] nos seus braços”, nos de Manuel e de Madalena.

 

Bárbara

A música que escolhi chama-se "In this shirt'' e é dos The Irrepressibles. Escolhi esta canção não só pela letra, mas também pela melodia em si. Esta começa num tom mais grave e lento e vai aumentando de tom e de intensidade gradualmente, tal como a intriga da peça, que acaba em tragédia.

No seu início ouvimos um órgão a tocar levemente, num tom mais grave e lento, e por ser um órgão produz um som de tristeza e de que algo não está totalmente bem.

De seguida, entram os violinos, o que lança no ar um ambiente de suspense, de que está prestes a dar-se início a uma tragédia, e, depois, a primeira tragédia acontece: quando entram os violoncelos, a casa começa a arder.

Depois ficam apenas os violinos a tocar e estão a tocar numa tonalidade cada vez mais aguda até que se dá um momento de silêncio que associo ao regresso de D. João de Portugal, um momento chocante e que veio trazer muita tristeza e miséria àquela família. Passando o curto momento de silêncio, ouve-se de novo os violinos a tocarem com uma certa aceleração, o que associei à desgraça da família depois da chegada de D. João, a Madalena e Manuel seguirem agora vidas separadas e extremamente católicas e à tristeza de Maria que levou à sua própria morte.

Em relação à letra da música, os dois primeiros versos — “l am lost in a rainbow / Now our rainbow is gone" (Estou perdido/a num arco-íris / Agora o nosso arco-íris desapareceu) — acho que são os que representam melhor toda a história pois tanto Madalena como Maria e Manuel eram felizes enquanto família e, de um dia para o outro, D. João de Portugal voltou e a família foi destruída.

Os versos “Overcast by your shadow / As our worlds move on ; Of you and me, ever changing / Moving on now, moving fast (Assombrado pela tua sombra / À medida que os nossos mundos seguem em frente ; Eu e tu, sempre em mudança / Seguindo em frente agora e rápido)” relacionam-se com o facto de aquela família sempre ter vivido com receio do regresso de D. João e, quando este voltou Madalena e Manuel terem tido de seguir vidas separadas, indo cada um foi para um convento dedicar a sua pessoa somente a Deus.

No caso de “In this shirt I can be you / To be near you for a while (Nesta camisa eu posso ser tu / Para estar perto de ti por um bocado)”, associo a camisa ao retrato que Madalena tinha de Manuel de Sousa Coutinho. Na minha opinião, o retrato era tão importante para Madalena, porque Manuel tendia a estar distante de casa durante as suas viagens e aquele retrato mantinha-a perto e, de certa forma, em contacto com o seu marido.

O dístico “There's a crane knocking down / All these things that we were (Há uma grua a destruir / tudo o que já fomos)” é relacionável com a chegada de D. João, que arruinou aquela família.

Quanto a “There's a pain, it does ripple / Through my frame, makes lame ( Há uma dor, que me percorre / o corpo todo e magoa-me)” pode associar-se ao facto de Maria ter tuberculose e à dor que Maria sentiu por ir ficar sem família, o que levou à sua morte.

Em “lt's the shame, it's the prize (É a vergonha, é o preço a pagar)” podemos imaginar  Madalena e Manuel a chorarem a morte da sua filha que, por vergonha, faleceu, em frente aos pais.

“But I mean dare to tell you / That I love you — it never ends (E quero te dizer / que te amo — o nosso amor é infinito)” é o amor de Madalena e de Manuel um pelo outro pois nem um nem outro querem ficar longe um do outro mas nada podem fazer para não ficarem separados. Porém, apesar de afastados, o seu amor perdurará.

A quadra “I did send you a note / On the wind for to read / Our names there together / Must've fallen like the sea (Eu mandei-te uma carta / No vento para leres / Os nossos nomes ali juntos / Deve ter caído e se perdido como o mar)” representa a rejeição de Madalena por D. João, que estivera desaparecido durante muitos anos. Durante esses anos, poderia ter tentado entrar em contacto com alguém em Portugal, mas o seu recado nunca chegou ao destino e, depois, quando regressou, o coração de Madalena já pertencia a Manuel.

Em “To the depths of the soil // Buried deep in the ground (Até às profundezas do solo // Bem enterrado no solo)” está, qualquer que tenha sido, o sentimento que Madalena tenha tido por D. João.

Nas duas últimas quadras está o pedido de ajuda de Maria que não quer perder a sua família e que se encontra desesperada. O facto de estar repetida várias vezes a mesma frase faz dela um chamamento de desespero.

 

Catarina G.

Em todo o Frei Luís de Sousa, o incêndio da casa de Manuel de Sousa é possivelmente a parte mais dramática e teatral da peça. Por isso, “Só é fogo se queimar”, dos Amor Electro, é provavelmente uma das canções mais pertinentes para nos transmitir as emoções da peça. Imagino D. Madalena a cantá-la, com a voz da cantora, Marisa Liz, nos primeiros oito dias na casa com “tribuna para a capela da senhora da Piedade, que é a mais devota e mais bela de toda a igreja”.

O refrão, “Só é dor se for vontade / De agarrar / Só fogo se queimar / Só é felicidade / Enquanto durar / Só é fogo se queimar”, recorda este momento (“Ai, é o retrato do meu marido! Salvem aquele retrato!”) que nos revela a proximidade com o fim do bem estar daquela família (“Só é felicidade / Enquanto durar”, “Que amor, que felicidade… que desgraça a minha!”), pois, de certa forma, é como se o quadro queimado fosse o que torna para Madalena aquela situação real (“Só é fogo se queimar”).

Toda a canção remete para o estado de espírito de Madalena, de “contínuos terrores” e “constrangimento da alma'', sobretudo quando se diz” Para em mágoas repousar” e  “Só é dor se for vontade / De a  agarrar”. Madalena é a personagem com maior profundidade, apresentando, ao contrário das outras personagens, “mais que um sentimento''.

Partes da canção também explicam a história do romeiro “português? Como os melhores”. “A saudade não dá tréguas / Pede um sopro de ar / Para em mágoas repousar”. D. João sofre por ser prisioneiro numa terra longínqua, durante “vinte anos cumpridos” longe do seu amor, Madalena. Quando a saudade “Pede um sopro de ar”,  D. João quer consegui-lo ao encontrar Madalena, mas a saudade vai “em mágoas repousar” pois descobre que Madalena se casou e que já não tem família nem amigos. “Só mais um momento / Lamento muito tempo / Tanto tempo a mais / Mais que um sentimento / Mais que o segredo / Ainda é cedo / A verdade mora a léguas / Faz cambalear / Tem, tem grades a penar”. D. João percebe e lamenta que, depois de tanto tempo, não possa voltar e reaver a sua vida. “Mais que o segredo / Ainda é cedo” também se aplica de novo a Madalena a quem ninguém revela a identidade do romeiro. Até ao fim da peça, a verdade para Madalena está longe e ela martiriza-se por ter ainda esperanças de que pode continuar casada com Manuel.  D. João (“ele também sofreu muito”) teve de passar as grades, ou seja, sair da prisão e “bebeu até às fezes o cálix das amarguras humanas”, para transmitir “as suas palavras: Ide a D. Madalena de Vilhena e dizei-lhe que um homem que muito bem lhe quis aqui está vivo por seu mal e daqui não pode sair nem mandar-lhe novas suas de há vinte anos que o trouxeram cativo.”

 

Catarina P.

A história contada na canção "Agridulce” (Agridoce), de Diego Jaar, é excelente para contrastar com alguns momentos de Frei Luís de Sousa, principalmente após a chegada do Romeiro-D. João de Portugal.

“Vuelves como el río vuelve al mar / Como el Sol al despertar / Como vuelven los fantasmas” (Voltaste como o rio volta ao mar / Como o sol ao despertar / Como voltam os fantasmas) mostra na cena XIV, ato II, os pensamentos iniciais da Madalena e do Jorge quando o Romeiro afirma que D. João está vivo. Quando Madalena faz perguntas ao Romeiro («...De África?», «Cativo?...») para confirmar, se de facto, quem estava vivo era o seu primeiro marido, é possível entender que ela estava com medo de que o seu maior fantasma regressasse e lhe estragasse toda a vida que ela tinha construído depois do seu desaparecimento. 

Quando Madalena entende que o primeiro marido estava vivo, fica num enorme sofrimento por se aperceber do pecado que estava a cometer há tantos anos (« Meus Deus, Meu Deus! Que se não abre a terra debaixo dos meus pés?... Que não caem estas paredes, que me não sepultam já aqui?...»). Com esta fala de Madalena enquadra-se na perfeição o verso da canção “Besando cicatrices que no sanaron” (Beijando cicatrizes que não cicatrizaram), porque o facto de Madalena nunca ter tido a certeza da morte de D. João de Portugal provocou-lhe uma cicatriz que nunca cicatrizou devido à sua incerteza e medo.

Os versos “Sonriendo como si no hubiese / Pasado nada” (Sorrindo como se não tivesse / acontecido nada) representam muito bem a atitude do Romeiro, porque, apesar de ele não ter chegado a sorrir ao pé de Madalena, atuou com uma atitude de quem parecia que acreditava que Madalena tinha ficado todos aqueles anos à sua espera, como se não tivesse acontecido nada durante tantos anos.

“Perdóname / Que no se como asimilar todo esto / Te soy sincero, no esperaba tu regreso” (Perdoa-me / Que não sei como assimilar tudo isto / Sou-te sincero, não esperava o teu regresso) pode associar-se a todos os personagens, até mesmo a Telmo, que sempre acreditou que D. João de Portugal tivesse sobrevivido (ato I, cena I: «Terá...», exprimindo a dúvida acesa da morte do seu primeiro amo).

Para não deixar o título de fora, associá-lo-ia  a Telmo, pois o regresso de D. João de Portugal foi uma alegria para ele e, ao mesmo tempo, uma grande tristeza. Uma grande alegria, porque Telmo sempre teve a esperança de que o seu primeiro amo tivesse sobrevivido. Uma grande tristeza, porque agora ele cuidava de Maria, tinha um carinho muito grande por ela e não gostava das consequências que o regresso de D. João poderiam trazer.

Após esta análise, pude concluir que esta canção, apesar das suas pequenas diferenças com Frei Luís de Sousa, devido à diferença de épocas, retrata de uma forma muito similar as consequências do regresso do Romeiro-D. João de Portugal à sua antiga e agora inexistente família.

 

Diogo

A canção de Vítor Kley, músico brasileiro, “O amor é o segredo”, reflete sobre a influência do amor na vida de todos nós, embora nem sempre este sentimento possa ser vivido em proximidade. A obra Frei Luís de Sousa, de Almeida Garrett, também nos remete para o impacto que o amor pode ter na vida das pessoas, nomeadamente nas personagens de D. Madalena, Manuel de Sousa Coutinho, Maria e D. João de Portugal, permitindo-nos estabelecer uma analogia entre esta canção e o texto dramático.

Logo na primeira cena da obra é percetível a angústia em que se encontra D. Madalena, que não lhe permite viver feliz junto do seu marido, Manuel de Sousa (“Com paz e alegria d’alma… [...]  deve ser a felicidade suprema neste mundo.”- Ato I, Cena I), temendo constantemente o regresso de D. João, seu primeiro marido, que desapareceu na batalha de Alcácer Quibir (“... estes contínuos terrores que ainda não me deixaram gozar um só momento de toda a imensa felicidade...”- Ato I, Cena I). O desejo desta personagem feminina surge expresso na canção do músico brasileiro, “Te quero muito bem / Quero te amar sem medo / Sorrir sem saber porquê”, já que ela deseja viver sem as inquietações do passado. A incerteza do desaparecimento de D. João é reforçada pela fidelidade de Telmo Pais. Apesar de D. Madalena ter procurado o seu marido, nunca houve provas da sua morte; no entanto, esta decidiu casar em segundas núpcias, com Manuel de Sousa, por quem se apaixonara. Conforme refere a canção, “A razão vence o coração / Que não vale a pena arriscar / Uma nova paixão”, Telmo nunca acreditou na morte de seu amo e sempre desaconselhou Madalena a casar novamente. O estado de espírito de Madalena intensifica-se quando Manuel de Sousa incendeia a própria casa, obrigando a família a mudar-se para o palácio que pertencia a D. João (“... o terror com que eu penso em ter de entrar naquela casa. Parece-me que é voltar ao poder dele...” - Ato I, Cena VIII). Esta mudança na ação permite o encontro de D. Madalena com uma nova personagem que surge na intriga portadora de informações devastadoras sobre D. João. Mais uma vez, a letra da canção mostra-nos claramente que “ainda existe o amor”, o que também acontece no texto dramático, pois o amor de D. João de Portugal ainda permanece. Ele regressa disfarçado de romeiro, na esperança de encontrar o amor da sua esposa, mas percebe que esta casou com outro homem, o que significa o fim da sua relação, sendo ele invadido pela raiva (“Ah! E eu tão cego que já tomava para mim!” - Ato III, Cena VI). A obra termina de forma trágica com a destruição da família de D. Madalena.

Assim, contrariamente ao sentimento referido na canção de Vítor Kley, que não se desvanece com a separação dos amantes (“O amor é o segredo”), na peça, a partida de D. João para Alcácer Quibir põe termo à relação do casal (“A minha família… já não tenho família” - ato II, Cena XIV), dando origem ao sofrimento que atingirá todas as personagens.

 

Eduardo

Amor é um tema bastante relevante em Frei Luís de Sousa. Amor de família, amor num casal, até amor de um servo e o seu amo (se lhe podemos chamar amor). Também nesta canção de Luísa Sobral, mais conhecida por ser cantada por Salvador Sobral, existe esse tema, e muitos dos versos podem servir de comentários e até falas para as personagens da história. 

A primeira estrofe poderia representar D. João antes de regressar à sua antiga casa. Antes de desaparecer na batalha de Alcácer-Quibir, D. João estava casado com Madalena, amando-a profundamente, mas o contrário não ocorria. “Se um dia alguém perguntar por mim / Diz que vivi pra te amar” é um pouco irónico, pois, se D. João dissesse isto a Madalena, seria verdade, mas Madalena nunca o amara de verdade. “Antes de ti, só existi / Cansado e sem nada pra dar” seria melhor se estivesse depois no lugar de antes, pois D. João, após desaparecer, ficara aprisionado e sofrera durante vinte anos (“sofrei, que ele também sofreu muito”), ficando “cansado” e, como Madalena depois o “abandonou”, ele já não tinha nada.

Por outro lado, as segunda e terceira estrofes, que são iguais, podem encaixar-se em quase todas as personagens desta história, mas vou virar o foco destas estrofes para Madalena. Coincidentemente, a repetição da letra até se relaciona com a situação de Madalena, pois “Meu bem, ouve as minhas preces / Peço que regresses” ocorreu a Madalena duas vezes em situações diferentes. Indo por ordem cronológica, a primeira foi quando D. João desapareceu e Madalena o procurou por sete anos, rezando pelo seu regresso. Já a repetição ocorreu durante a ação da história, em dois momentos: quando Manuel Coutinho e a sua filha, Maria de Noronha, saíram para Lisboa, deixando Madalena sozinha naquele dia tão importante mas aterrorizante (o aniversário de casamento entre Madalena e D. João, entre outros), “Oh, Maria… Maria, também tu me queres deixar! Também tu me desamparas… e hoje!". 

Outras possibilidades de personagens para estas estrofes são, por exemplo, Telmo, que, quando Maria está próxima da morte, pede a Deus para lhe levar em lugar da “filha” que criou, "Contentai-vos com este pobre sacrifício da minha vida, Senhor, e não me tomeis dos braços o inocentinho que eu criei para Vós”, sendo “o inocentinho” Maria.

A quarta estrofe pode ser dirigida a Maria e à sua doença fatal (na época). Maria, na verdade, não morreu da tuberculose que sofria, mas sim de vergonha, quando D. João, o legítimo esposo de Madalena, entrou na igreja, cedendo assim o seu coração — “Se o teu coração não quiser ceder”. Podemos dizer que Maria morreu pelo amor que tinha pelos seus pais, e, se não os amasse, não teria morrido, pelo menos de vergonha, logo “Não (só) ter paixão, não quiser sofrer”.

O resto da quarta estrofe, “Sem fazer planos do que virá depois / O meu coração pode  planos, pois ninguém esperava o aparecimento de D. João, tomando decisões repentinamente sem grandes pensamentos prévios, como Manuel e Madalena entrarem em ordens religiosas e D. João a fugir à última da hora para tentar remediar a situação (“Agora é preciso remediar o mal feito”). Após a separação do casal Manuel-Madalena e a morte de Maria, o amor ficou interrompido, levando cada um a “amar pelos dois”.

 

Francisca

Na obra Frei Luís de Sousa, escrita por Almeida Garrett, é retratado o amor impossível, embora correspondido, entre D. Madalena de Vilhena e Manuel de Sousa Coutinho, uma vez que esta casou pela segunda vez sem ter tido a confirmação da morte do primeiro marido. Ainda que de uma forma diferente, a canção “Rewrite the stars”, interpretada por Zac Efron e Zendaya para o filme The Greatest Showman, aborda o amor proibido entre Phillip e Anne. Podemos identificar um certo paralelismo entre a peça e esta música que, também ela, descreve a paixão em ambiente de um século passado. A voz masculina (Zac Efron), esperançosa e confiante, contrasta com a voz feminina (Zendaya), pessimista e realista.

É quando D. João de Portugal, primeiro marido de D. Madalena, já considerado falecido, revela, vinte e um anos depois, ter sobrevivido à batalha de Alcácer Quibir que tudo parece desmoronar-se. As consequências da divulgação desta novidade foram enormes para a família, já que isso fazia da união entre D. Madalena e Manuel de Sousa Coutinho um “erro”, e de sua filha, D. Maria, fruto do seu pecado, uma “órfã de pai e de mãe”, tal como é referido por seu pai na cena I do ato III.

No entanto, embora ciente de todos os danos que a chegada do seu primeiro marido poderia causar, Madalena demonstra emoções de esperança e fé de que o seu amor por Manuel de Sousa os continue a unir no casamento, como é percetível  na cena VII do ato III (“Olha, eu sei… mas não daríamos nós, com demasiada precipitação, uma fé tão cega, uma crença tão implícita a essas misteriosas palavras de um romeiro, um vagabundo… um homem, enfim, que ninguém conhece?”). Também a letra da canção sugere o mesmo sentimento por parte do casal apaixonado (“So don't keep sayin' our hands are tied” [“Por isso não digas que estamos de mãos atadas”]), que continua a acreditar na possibilidade de concretizar os seus sonhos através de uma metáfora (“What if we rewrite the stars?” [“E se reescrevermos as estrelas?”]). Neste contexto, as estrelas representam o destino que os amantes pretendem alterar para que possam ficar juntos. Assim como Manuel de Sousa responde a Madalena, de um forma pragmática, afirmando que “a nossa união, o nosso amor é impossível” (cena VII do ato III), mais uma vez a letra da canção reforça que “No one can rewrite the stars” [“Ninguém  consegue reescrever as estrelas”] e que  “It feels impossible” [“Parece impossível”]. 

Tal como no final da música ambas as vozes reconhecem a impossibilidade do seu amor (“And my hands are tied” [“E as minhas mãos estão atadas”]), as personagens do texto dramático aceitam o fim da união do casal. Na igreja, quando chama por Manuel de Sousa por lhe querer dirigir “uma só palavra” (cena IX do ato III) e, sem conseguir fazê-lo porque “toca o órgão dentro” (cena IX do ato III), Madalena acaba por se aperceber de que todo o seu esforço é inútil e que o seu casamento terminou, como refere a canção (“it was hopeless after all” [“afinal era impossível”]; “we're bound to break” [“estamos condenados a quebrar”]).

 

Guilherme

Numa tarde de primavera, enquanto estava no jardim a aproveitar o maravilhoso dia de sol, ouvia a minha playlist do spotify, até que começa a dar uma música que me toca muito no coração, “Dancing on my own”, de Calum Scott, que, para mim, é  uma música intemporal: cada vez que a ouço, suscita-me na alma o mesmo sentimento de nostalgia, do tempo em que era apaixonado por uma rapariga. Eu sei que paixão é uma palavra muito forte para um mero adolescente, mas é o que eu sentia e o que ainda sinto, e, pensando no meu estado espírito naquele momento, achei que a canção se relacionava bem com a obra Frei Luís de Sousa.

A canção tem uma letra muito cativante, remete-nos para uma relação amorosa que terminou e o sujeito vê o seu ex-amado junto com uma nova amizade.Nos primeiros versos  “Somebody said you got a new friend / But does she love you better than I can?” o eu deste poema revela uma grande tristeza por ver o seu antigo companheiro junto com uma pessoa nova, questionando-se sobre se ela o ama mais do que ele. Na peça, no ato II, D. João de Portugal, dado como morto na batalha de Alcácer Quibir, regressa após vinte e um anos, vendo Madalena casada com Manuel de Sousa Coutinho para enorme desgosto dele, que ainda  amava a sua mulher.

Na canção, nos versos “Sit down I'm in the corner, watching you kiss her, oh, no / And I'm right over here, why can't you see me? Oh, no”, Calum Scott continua com uma grande mágoa no coração que foi partido, sentindo-se um desconhecido quando o seu amado está com outra pessoa nova, sendo ignorado com a felicidade do outro, mas ainda continua a amá-lo, assemelhando-se assim à obra em causa, quando o D. João de Portugal aparece na ação como um romeiro(desconhecido) ficando revoltado por todo o que via à sua volta, respondendo que contaram com a sua morte e fizeram disso felicidade, quando lhe é questionado sobre a sua família.

O Romeiro, no diálogo com Jorge e Madalena na cena XIV, conta que recebeu maus tratos e passou por muita fome, sendo esse um dos motivos de revolta, pois passou anos extremamente sem ninguém e a sofrer, lutando todos os dias para regressar à sua esposa, mas, quando se deparou com a realidade é que se apercebeu de que a sua presença tinha, realmente, sido em vão pois Madalena continuou a sua vida construindo uma família com D. Manuel.

No último verso do refrão “I just came to say goodbye”, o sujeito poético pretende dizer que não se vai intrometer na relação e que irá prosseguir a sua vida como o Romeiro, quando lhe foi dito por Telmo, que D. Madalena o procurou durante sete anos, vendo a honra e virtude da sua ex-companheira, mudando a sua opinião e vontade, preferindo continuar oculto aos olhos da sua amada, sendo isso uma espécie de adeus, como forma de respeito por ela.

 

Pina

No Festival da Eurovisão em 2017, Salvador Sobral conquistou o mundo e o troféu com a canção “Amar pelos dois”, da autoria da sua irmã, Luísa Sobral. Uma canção sobre amores perdidos e corações partidos nascida do amor fraterno.

Os primeiros versos, “Se um dia alguém perguntar por mim / Diz que vivi pra te amar”, poderiam ter sido facilmente proferidos por D. Manuel ou por D. João. 

Manuel toma consciência da existência de João e percebe que não pode mais estar com Madalena decidindo dedicar-se à vida religiosa, situação que ele compara a morrer (“Para mim aqui está a mortalha: morri hoje… vou amortalhar-me logo…”), tal é o seu amor por Madalena e por Maria. Quando a cerimónia é oficializada, marca-se o início de uma nova vida, o nascimento do Frei Luís e a morte de D. Manuel, que viveu para amar a sua mulher e filha..

João também amou Madalena e, passados vinte e um anos do seu desaparecimento, volta, tão diferente que nem o seu aio, Telmo, o reconhece (“Romeiro quem és tu? / Ninguém, Telmo, ninguém: se nem já tu me conheces!”). Lembramos também a conversa entre Telmo e Maria e percebemos que D. João tinha realmente amado Madalena mesmo que esse amor não fosse correspondido (“... e aquela mão que descansa na espada, como quem não tem (...) outro amor, nesta vida… / Pois tinha, oh se tinha”). D. João amava Madalena e foi para Alcácer acabando por morrer na guerra. Regressou um velho romeiro com esperanças de reatar um amor já em tempos condenado: “D. João de Portugal morreu no dia em que sua mulher disse que ele morrera. Sua mulher honrada e virtuosa, sua mulher que ele amava.”

Ao chegar a Almada, o romeiro João percebe o quanto tudo tinha mudado na sua ausência e que as notícias que trouxe apenas magoaram toda a gente, principalmente Madalena. Na cena V, ato III, as palavras “...vai dizer-lhe que o peregrino era um impostor, que desapareceu, que ninguém mais houve novas dele…”, proferidas pelo romeiro e dirigidas a Telmo são a prova do seu arrependimento por toda a dor que o seu regresso causou. Mesmo assim, João nunca perde a esperança de que Madalena volte a amá-lo, tal como na canção - “Peço que regresses, que me voltes a querer” - também ele secretamente deseja que Madalena volte a amá-lo, talvez inconsciente de que ela nunca o amara e de que o seu coração pertence a Manuel (“É ela que chama, Santo Deus! Madalena que chama por mim… / Por vós?! / Pois por quem? Não lhe ouves gritar: “esposo, esposo”?”).

De uma outra perspetiva esta letra pode também aplicar-se a Telmo que dedicou toda a sua vida a criar João e Maria como seus filhos para depois os ver morrer sem poder fazer nada para o impedir. Assim, toda a canção pode ser uma mensagem por parte de Telmo para as suas crianças, perdidas para a guerra e doença, uma prece na qual ele lhes pede que regressem e que voltem a precisar dele.

 

Inês S.

“The Climb”, canção composta por Jon Mabe e Jessi Alexander, interpretada por Miley Cyrus, lançada a 5 de março de 2009, adequa-se bem à personagem Maria ao longo do drama de Garrett. A letra da música descreve a vida como uma caminhada difícil, mas gratificante.

“I can almost see it / that dream I’m dreaming” (Quase consigo ver / O sonho que estou a sonhar) remete nos para o carácter sonhador e imaginário de Maria. Idealista por natureza, Maria vive num mundo imaginário, o que criava preocupação em todos os que a rodeavam. “Minha querida Maria, que tu hás de estar sempre a imaginar nessas coisas (…) Isso é o que nos aflige, ao teu pai e a mim (…)”.

Maria era culta e religiosa e acreditava no sebastianismo. Esta crença no regresso do “nosso bravo rei” afetava D. Madalena de uma forma incompreensível para Maria. Os versos “But there is a voice inside my head saying / you will never reach it” (Mas há uma voz na minha cabeça que diz / Nunca o vais alcançar) representam a sensibilidade de Maria por não obter as respostas de que necessitava. “(…) D. Sebastião, que não morreu e que há de vir um dia de névoa muito cerrada… (…) não é assim, minha mãe?” pergunta Maria. Mas ninguém à sua volta parecia acreditar neste regresso, pelo contrário, sempre que partilhava os seus pensamentos e ideais, estes causavam angústia, ânsia e agonia.

Os versos “Every step I’m taking / Every move I make feels / Lost with no direction / My faith is shaking” (Cada passo que estou a dar / Cada movimento que faço parece / perdido e sem direção / A minha fé está abalada), representam a sua frustração. Assim, Maria estranhava as reações de seus pais em relação ao mito sebastiânico: “Meu pai (…) ouvindo duvidar da morte do meu querido rei D. Sebastião (…) fica pensativo e carrancudo: parece que o vinha afrontar, se voltasse, o pobre do rei”. Esta citação demonstra alguma inteligência e curiosidade suscitada pelos comportamentos de seu pai e mãe.

A jovem tinha o desejo de agradar aos seus pais, apesar de não saber como (“E não sei; não; não sei nada, senão o que devia ser e não sou”); no entanto, sabia que tinha que manter a sua postura: “Gotta keep my head held high” (Tenho que manter a minha cabeça levantada).  “I may not know it / (…) / But I just gotta keep going” (Eu posso não o saber / mas só tenho que continuar).

Ao observar a sua família, tinha a perceção de que na vida nem tudo era perfeito, mas, por outro lado, a esperança era quase inabalável. A metáfora em “Ain’t about how fast I get there / Ain´t about what is waiting on the other side / It`s the climb” (Não é sobre o quão rápido eu chego lá / Não é sobre o que esta à espera do outro lado (da montanha) / É a escalada). Está relacionada com a vida da atriz Miley Cyrus no filme Hannah Montana – The Movie e pretende afirmar que ao longo da nossa vida vai haver diversos obstáculos e dificuldades, mas há sempre um lado compensador e feliz nos objetivos que alcançamos.

No contexto da obra, a montanha, na curta vida de Maria, acaba por representar um desfecho trágico. Morre envergonhada e desiludida com crenças destruídas, ao saber todos os acontecimentos que tornavam a sua família tão sombria.

 

Inês F.

A música “Memória” dá o nome ao novo single de Ana Bacalhau, de 2020, escrito por João Direitinho, Guilherme Alface e Mário Monginho, dos ÁTOA. A letra da canção adequa-se à peça Frei Luís de Sousa, mais concretamente à personagem de Madalena de Vilhena.

Desde o início da obra, esta personagem “descaiu da leitura na meditação” devido a “este medo” “por pensar em falhar” o seu prognóstico de que D. João de Portugal, seu primeiro marido, “depois daquela funesta jornada de África”, a deixou “viúva, órfã e sem ninguém”. Nesta ótica, para ela, ele está morto e, por isso, resta-lhe apenas a “memória à espera de não ser esquecido[s]”.

Inusitadamente, o atual marido de Madalena, Manuel de Sousa Coutinho, que é “inflexível”, para provar que é “um homem de honra e coração”, decide atear fogo ao seu próprio palacete. Perante factos não há argumentos. A única e efetiva solução foi a mudança para o palácio que fora de D. João de Portugal, onde a heroína romântica já havia vivido com aquele que, putativamente, terá sucumbido na batalha de Alcácer Quibir. Esta reviravolta que deu à sua vida fê-la “chor[ar] no [s]eu ombro”, pois “nesta casa” ela não consegue ter descanso e “Já não d[o]rm[e] e o tempo aos poucos começa a roubar-[lh]e a vida”. A filha, Maria de Noronha, mostra a sua preocupação com a mãe, afirmando que ela “diz que vê aquelas chamas enevoadas em fumo a rodear-lhe a casa, a crescer para o ar e a devorar tudo com fúria infernal…”. Isto faz com que “e[la] própria já não [s]e reconheç[a]” e seja “a primeira noite que dorme com sossego”.

Após ter retemperado as forças (“—Estou boa já; não tenho nada, esposo da minha alma”), aparentemente, acaba por querer transmitir um semblante diferente (“(Fazendo por se alegrar.)”). No entanto, é “sol de pouca dura”, já que “é sexta-feira”. Neste momento, ela sente que “dentro da [sua] cabeça te[m] a alma destruída”, visto que pressente que ela e o esposo hão de “morrer longe um do outro, sós, sós!”. É triste “Verem-se com a mortalha já vestida, e…vivos, sãos…depois de tantos anos de amor…e convivência”.

Em boa verdade, as premonições de Madalena acabam por se tornar realidade, já que, aquando do clímax, que coincide com o aparecimento e consequente reconhecimento do peregrino vestido de Romeiro, ela questiona-se sobre “Quem era, como era”. Havia “Tanta porta para entrar”, mas ela só “encontr[ou] [uma] saída” — o convento.

“E quando [leio] a história, às vezes não me lembro” do verdadeiro sofrimento pelo qual uma senhora de bem teve de passar durante “sete…e hoje mais catorze…vinte e um anos”. Aconselho o leitor aficionado pela leitura a (re)visitar este belo exemplar literário.

 

Leonor

O sujeito poético da canção é uma rapariga que foi trocada por outra, podendo assim associar-se a D. João de Portugal, apesar de, ao longo da composição, também podermos associar a outras personagens certas passagens.

Na peça de Almeida Garrett apercebemo-nos de que D. João e Madalena já foram casados e que, provavelmente, falaram sobre constituírem família, mas o facto de este ter desaparecido na batalha de Alcácer Quibir fez com que ela partilhasse esta conversa/desejo com o seu novo marido. Associo, assim, os primeiros versos - «I got my driver 's license last week / Just like we always talked about / ‘Cause you were so excited for me / To finally drive up to your house» (Tirei a minha carta de condução a semana passada / Tal como sempre falamos / Porque tu estavas tão ansioso por mim / Por finalmente conduzir até tua casa). Madalena sempre se culpou por ter uma filha que poderia ser ilegítima, fazendo com que tivesse sempre um peso às costas, tornando-a frágil e com muitos conflitos interiores, não conseguindo estar feliz mesmo com o desejo realizado, tal como sucede ao sujeito - «But today I drove through the suburbs / Crying 'cause you weren't around» (Mas hoje conduzi pelos subúrbios / A chorar porque tu não estavas por perto). Com as inseguranças de Madalena, veio o Romeiro (D. João) para ajudar… Trouxe notícias do ex-marido, ele mesmo, que aliás se apercebe de que a mulher já ultrapassou a viuvez e agora está feliz com outro homem que já tinha o seu coração enquanto casada (“amei-o assim que o vi... D. João de Portugal ainda era vivo. O pecado estava-me no coração...”; «And you're probably with that blonde girl / Who always made me doubt / She's so much older than me / She's everything I'm insecure about (Provavelmente estás com aquela rapariga loira/ Que sempre me fez duvidar/ Ela é tão mais velha que eu/ Ela é tudo o que faz com que eu tenha inseguranças)). Ao deparar-se com esta realidade, acredita que não amará outra pessoa: «’Cause how could I ever love someone else?» (Pois como poderia eu amar outra pessoa?). Apesar de nunca dito em Frei Luís de Sousa percebe-se que D.João se debatia com o assunto, assim como o sujeito poético, aceitando aos poucos que já era passado: «And I know we weren't perfect / But I've never felt this way, for no one / And I just can't imagine / How you could be so okay now that I'm gone / Guess you didn't mean what you wrote in that song about me / 'Cause you said forever / Now I drive alone past your street» (E eu sei que não éramos perfeitos / Mas eu nunca senti-me assim por ninguém / E eu nem consigo imaginar / Como é que consegues estar bem agora que eu fui embora / Acredito que o que escreveste naquela canção não era o que tu querias dizer / Pois tu disseste para sempre / E agora passo pela tua rua sozinha a conduzir). 

Podemos também associar esta canção a outras personagens. Madalena aborrecia-se com Telmo por falar de D. João a Maria, fazendo com que, no final, se rendesse (“Meu Deus, meu Deus, leva o velho que já não presta para nada! Meu Deus, não sujeites esta menina inocente a mais sofrimento, já sofreu o suficiente e dá-lhe mais tempo de vida.”) e fizesse que Maria ficasse mais feliz por a sua filha não saber: «All my friends are tired / Of hearing how much I miss you» (todos os meus amigos estão cansados de ouvir de ti / De quão eu sinto a tua falta). Esta canção é quase como um resumo da história contado pelas personagens. Por exemplo, nos últimos versos o sujeito diz «Can't drive past the places we used to, go to» (Não consigo passar em lugares onde costumávamos ir), o que é relacionável com o final do ato I, onde Madalena não consegue ir para a casa onde viveu com D. João de Portugal.

 

Luísa

A peça de Almeida Garrett é caracterizada pela sua componente romântica e dramática, na qual a exploração e exposição dos sentimentos humanos é uma constante. Tendo por base esta linha de pensamento, selecionei a recente música de Toy, intitulada “Do Lado do Amor”, por fazer menção à faceta de incerteza e desencontro, que podemos experienciar no amor.

D. Madalena, uma das personagens principais, personifica o romantismo dramático presente na obra, pelo seu permanente conflito interior. Temos como exemplo o constrangimento que demonstra por ter amado Manuel de Sousa Coutinho, assim que o viu, apesar de ainda estar casada com D. João de Portugal, conforme a sua intervenção no Ato I, Cena I: “(...) ...este medo, estes contínuos terrores que ainda me não deixaram gozar um só momento de toda a imensa felicidade que me dava o seu amor. (...)”. Este dilema vivido por D. Madalena, por não estar de acordo com as convenções sociais da época, está presente na letra da música quando o autor refere que “No meio do silêncio / Encontro-me perdido / O fumo da tristeza / Não me deixa ver”. Ou seja, também o autor da música exprime a existência de um sentimento que o bloqueia e o impede de ser feliz, que oculta o sentido da vida, acabando por lhe trazer solidão.

Continuando com esta analogia, outra característica da personagem D. Madalena é a crença no destino, deixando-se afetar psicologicamente por presságios e dias fatais, de acordo com a exclamação que faz no Ato II, Cena V “(...) - Sexta-feira! (Aterrada.) Ai! Que é sexta-feira! (...)”. Também a canção faz referência à possibilidade de entrar em sofrimento e ansiedade por perder o domínio racional das situações: “Pensamento confuso / Vazio de soluções / Um horizonte torvo / Que atiça o sofrer”.

Esta heroína dramática, D. Madalena, uma verdadeira romântica sofredora, apesar do amor que tem pela filha Maria, tem uma grande paixão por seu marido Manuel de Sousa Coutinho. O desenlace trágico, com a chegada do Romeiro, que revela ser D. João de Portugal, é o ponto alto do drama que resulta numa separação repentina. Esta interpretação é sustentada pela intervenção de Manuel no Ato III, Cena VIII: “(...) Pela última vez, Madalena, pela derradeira vez, neste mundo, querida... Adeus! Adeus! (...)”. Na Cena IX, imediatamente a seguir, como resposta ao discurso de Manuel, também D. Madalena mostra que o marido continua a ser dono do seu coração (“(...) – Ouve, espera: uma só, uma só palavra; Manuel de Sousa!...”). O trecho transcrito revela grande contenção das personagens, assistimos a uma separação forçada, abrupta, onde não há lugar para exprimir sentimentos, emoções. Também a música de Toy manifesta opressão de sentimentos: “Gritos que congelam / Empurro a minha dor / Com amargo sabor”.

Para terminar, acredito que Almeida Garrett, pela sua veia romântica, atribuiu ao refúgio dos protagonistas na vida religiosa a derradeira hipótese de tornar o seu amor eterno. Esta interpretação final está refletida no refrão da música: “O nosso amor / Que por vezes foi tão maltratado / venceu a dor / Afinal somos do mesmo lado”. Ou seja, apesar de o amor ter sido incompreendido e até apontado como causa do final trágico, continuam do mesmo lado, tomaram a mesma decisão em nome do amor que os une.

 

Mafalda

Ao ouvir a canção “All I want”, dos Kodaline, não me restaram dúvidas de que esta seria a música perfeita para tocar no plano de fundo do último ato, com o decorrer das cenas VIII a XII.

O início da anagnórise (o reconhecimento, um dos momentos da tragédia clássica) dá-se com o aparecimento de D. João de Portugal, primeiro marido de D. Madalena. Após vinte e um anos desaparecido, D. João regressa e depara-se  com a sua mulher casada com outro homem, Manuel de Sousa Coutinho, e com uma filha do mesmo.

O sentimento de culpa de D. Madalena e de D. Manuel era tão grande que, para se redimirem do pecado que era o seu amor ilegítimo, foram ambos para conventos, abandonando as suas próprias vidas.

Diz assim a canção:“All i want is nothing more / to hear you knocking at my door / cause if i could see your face once more / i could die a happy man i´m sure” (tudo o que eu quero é nada mais / que ouvir-te a bater à minha porta / porque se eu pudesse ver a tua cara mais uma vez / eu poderia morrer um homem feliz tenho a certeza). Tal como o “eu” da letra queria voltar a ver a amada uma última vez, também D. Madalena e D. Manuel queriam ter a sua última despedida, o seu último toque, o seu último olhar: “Pela última vez, Madalena, pela derradeira vez, neste mundo, querida… Adeus! Adeus!”.

A ruína do casamento e a morte da filha fez com que uma parte de D. Madalena e de D. Manuel morresse também: “When you said your last goodbye / i died a little bit inside / i lay in tears in bed all night / alone without you by my side” (quando disseste o teu último adeus / eu morri um pouco por dentro / eu deito-me em lágrimas na cama toda a noite / sozinho sem ti aqui ao meu lado). Esta despedida é o início de um destino infeliz que ambos vão ter de enfrentar.

Maria é uma vítima do aparecimento de D. João. Ao ver a cerimónia de seus pais a decorrer, tenta impedi-la, pedindo que a levem a ela e não a seus pais (“Mate-me, se quer, mas deixe-me este pai, esta mãe, que são meus). Podemos associar esta cena ao verso “Take my body” (leva o meu corpo) e ao verso “But if you loved me, why did you leave me?” (mas, se me amavas, porque me abandonaste?) pois Maria tenta convencer os seus pais a mentirem para que não se tomassem medidas drásticas mas nenhum deles tem a coragem de o fazer:“Não queres? Tu também não, pai? Não querem. E hei eu de morrer assim…”.

Podemos associar o verso “You brought out the best of me / a part of me i’d never seen”(tu trouxeste uma parte de mim, uma parte de mim que eu nunca tinha visto) à relação de Telmo e Maria. De início, Telmo era incapaz de olhar Maria porque nela via um símbolo de traição para com D. João, mas, com o passar do tempo, Telmo acaba por desenvolver um sentimento quase de paternidade para com Maria, um amor inexplicável (“não a podia ver… e daí começou a crescer… vedes-me aqui agora que lhe quero mais que seu pai”).

“All I want”, título desta música, poderia ser o título da obra, uma vez que tudo o que Madalena alguma vez quis foi viver uma vida alegre e despreocupada , algo que nunca conseguiu.

 

Manel S.

«Quis saber quem sou / O que faço aqui / Quem me abandonou / De quem me esqueci / Perguntei por mim / Quis saber de nós / Mas o mar / Não me traz / Tua voz» é o começo da canção «E Depois do Adeus», de Paulo de Carvalho, vencedora do Festival da Canção de 1974.

Ao fim de sete anos de incessante busca pelo «mais leve indício que pudesse desmentir, pôr em dúvida ao menos aquela notícia que logo viera com as primeiras novas da batalha de Alcácer», Madalena dá como certa a morte de D. João.

Tal como no provérbio, «Longe da vista, longe do coração», não morrendo de amores pelo primeiro marido, os parcos sentimentos que por ele nutria, desvaneceram-se com a sua ausência física e a espera pelo seu regresso.

«Partir é morrer» corrobora o entendimento do início da canção, nomeadamente em «Mas o mar / Não me traz / Tua voz». Destaca o fim do período no qual Madalena concentrou todas as suas forças e proveitos na procura do marido e decidiu refazer a sua vida com o amado, Manuel de Sousa Coutinho.

Mas os agoiros e profecias de Telmo, o fiel aio que nunca acreditara na morte do seu primeiro amo, reavivavam constantemente a memória de Madalena, que vivia inquieta com medo do possível regresso do primeiro marido.

À semelhança desta canção de amor que conclui que «amar / É ganhar / E perder», no drama romântico Frei Luís de Sousa, o amor de Madalena e Manuel ao fim de catorze anos e com uma filha criada, converte-se em sofrimento devido à notícia trazida pelo Romeiro, que inviabiliza a família: D. João tinha sobrevivido à Batalha de Alcácer Quibir.

Na letra de José Niza, «E depois do amor / E depois de nós / O dizer adeus / O ficarmos sós» sintetiza as últimas cenas do ato III, onde a ética e disciplina, pontos fortes e vincados no carácter de Manuel, se sobrepõem ao seu amor por Madalena e o levam a considerar o fim da relação, agora – com o regresso de D. João – ilegítima, indigna e pecaminosa.

Da história se sabe ainda, que aliado aos seus fortes valores, Manuel não suportaria a ideia de a filha Maria, fragilizada pela tuberculose, ter de viver rotulada como «filha do meu pecado». Assim, por seu desejo, o casal ingressa na vida eclesiástica como Frei Luís de Sousa e Sóror Madalena, em Benfica e no Sacramento, respetivamente. Entende-se que «O ficarmos sós» representa também o retiro para uma vida conventual e a separação forçada da família.

«Misericórdia, meu Deus!» … Por fim, neste amor perde-se ainda, tragicamente, a vida de Maria, que morre de vergonha nos braços dos pais.

 

Manel E.

Este elo que encontro entre Garrett e Maria Bethânia trata-se de algo muito natural. Dois artistas que partilhavam as palavras da língua de “Camões”, embora com sotaques diferentes. Ela, com um sotaque meramente baiano. Já ele, adotava sotaques de todos os lugares. Bastava que, nesse lugar, existisse alguém que conseguisse ler o que ele escrevia. É um “sonho meu” que estas duas personalidades da língua portuguesa se tivessem sentado para falar, “olhos nos olhos”, fosse do que fosse, não importa do quê. Tenho a certeza de que, “quando Garrett sonhava, era assim” que imaginaria este diálogo. Tal nunca aconteceu, nem nunca vai acontecer. E, hoje, ficam apenas as “folhas caídas” destas imagináveis conversas.

Em “Mensagem”, é-nos dito que “o carteiro chegou / E o meu nome gritou / Com uma carta na mão”. Na letra desta canção, interpreto “a carta” como uma metáfora de João de Portugal, que regressa à casa que já lhe pertencera, procurando por Madalena, que não percebera imediatamente que “a carta” (o Romeiro) era o suposto falecido ex-marido. Passado todo um diálogo entre o Romeiro, Jorge e Madalena (na cena XIV do ato II), depois de o Romeiro afirmar que “um homem que muito bem lhe quis aqui está vivo por seu mal e daqui não pode sair nem mandar-lhe novas suas de há vinte anos que o trouxeram cativo”,  e após ter também indicado qual era o retrato que o retratava, dando a Madalena uma confirmação de que a “mensagem” que o Romeiro trouxera era, de facto, verdadeira, esta acaba por “fugir espavorida”. Talvez tivesse fugido porque “(...) não teve coragem de abrir a mensagem”. Por querer evitar regressar a um passado que estaria mais do que enterrado, Madalena “rasgou sua carta, e queimou-a”, saindo de cena.

Durante a música, Maria Bethânia declama um emblemático poema de Álvaro de Campos, heterónimo de Fernando Pessoa. Álvaro de Campos quer passar a ideia de que “todas as cartas de amor são ridículas” mas que, “afinal, só as criaturas que nunca escreveram cartas de amor é que são ridículas”. Na verdade, o regresso de João de Portugal é visto como a causa de uma nova instabilidade na família de Manuel de Sousa e, consequentemente, em Madalena. Tudo parecia ter ganhado um rumo para esta família, e este regresso inesperado veio apenas desestabilizar. Para quem vê com um olhar externo, percebe-se que este regresso era completamente desnecessário e evitável. Nada voltaria ao que era antes, por muito que fosse o esforço que se fizesse. Contudo, este regresso foi uma loucura cometida por amor, não só a Madalena e ao seu passado, como ao próprio João de Portugal. E é assim que devemos interpretar este poema. Todas as loucuras, especialmente as amorosas, são ridículas, mas, afinal, só as criaturas que nunca cometeram uma loucura de amor é que são ridículas.

 

Mariana

Após uma longa pesquisa sobre qual a melhor canção para comparar com a obra de Almeida Garrett, cheguei a esta música doce e suave, “E agora?”, de Mikkel Solnado, com a colaboração de Joana Alegre, uma música lançada em 2015 para confortar o coração daqueles que a ouvissem.

Esta canção começa com um verso que diz “o que foi feito de ti?''. Esta pergunta pode retratar claramente o sentimento de todos da casa a quando da chegada de D. João de Portugal. E o mesmo se poderia aplicar a D. João ao ver D. Madalena, por muito que ninguém tenha expressado estas palavras, por se pensar ser só um homem velho e pela surpresa causada.

D. Madalena esperava pelo momento em que D. João apareceria desde o dia em que fora para a batalha e ,portanto, confirmaria os seus receios de que este não estaria morto, apesar de não saber que iria ser de uma forma tão dura e dolorosa e que viria causar tantos estragos como causou. 

Na canção, as afirmações «Será que foste tentar encontrar / Que te foste libertar» são ditas de uma forma calma e suave como se por quem já tivesse desculpado, mas Madalena fazia estas perguntas de uma maneira enraivecida e frustrada por D. João ter estado desaparecido durante tanto tempo sem dar uma notícia enquanto ela vivia anos de terror apavorada. Pergunta-se: se não tinha morrido na batalha de Alcácer Quibir, porque é que tivera de estar tanto tempo desaparecido? Precisou de catorze anos para “se encontrar”? Havia algo nele que tivesse medo de regressar? Eram muitas as perguntas que D. Madalena e todos tinham mas a que D. João não conseguia dar resposta.

D. Madalena de Vilhena esperou catorze anos por novidades do seu antigo marido agarrada à esperança de que este não tinha morrido na batalha apenas apoiada pelo seu fiel aio, Telmo, e os versos «esperei tanto por ti» e «Corri o mundo por ti / Mas o mundo correu sem mim» retratam esses anos e essa procura quase inacessível (“... o fiz procurar por essas costas de Berberia”). 

O sujeito pode ainda ser equiparado a D. João de Portugal que, apesar de vários e longos anos desaparecido, esperava voltar para a sua casa e encontrar D. Madalena à sua espera, acabando por se deparar com o que mais temia, D. Madalena casada com Manuel de Sousa e com uma filha de treze anos. Sentiu desgosto, tristeza e, talvez, um pouco de arrependimento por não ter voltado antes, mas, por muito que ainda gostasse de D. Madalena, não lhe queria nem podia roubar a felicidade, estava disposto a abdicar da sua pela de D. Madalena, foi como um castigo («Ou foi só para me castigar»).

Manuel percebe que a chegada do antigo marido deixa Madalena agitada e confusa, não sabe se isso pode alterar alguma coisa no seu casamento e isso preocupa-o («Será que te perdi?»), tem a filha doente, a possibilidade de ela morrer dentro de pouco tempo é grande e só isso já devia ser sofrimento suficiente para uma vida, mas, ainda assim, tinha de lidar com a agitação do seu casamento. Mas este verso da bela canção pode ainda ser aplicado ao desespero de D. João, que não sabe se o facto de ter estado tanto tempo longe descartou a possibilidade de voltar a estar com a sua amada.

Por fim, o sentimento dos pais de Maria ao perceberem que a sua morte se aproximava e não conseguirem lidar com essa realidade por muito que estivessem a par disso tal é a gravidade e evolução da sua doença podem ser retratados em «Se terminar aqui / O que será de mim sem ti» (“A lançar sangue? Se ela deitou o do coração!...”).

 

Marta L.

É a maneira tão própria de cada pessoa expressar os seus sentimentos que torna esta tarefa de comparar uma peça com uma canção tão difícil. Depois de muito vaguear pela infinidade de músicas portuguesas, entrego-me aqui de “Bandeira vencida / Rasgada no chão” e rendo-me ao “Sol de Inverno” de Simone de Oliveira.

Do meu ponto de vista é viável criar um paralelismo entre esta canção, composta por Jerónimo de Bragança, e a peça Frei Luís de Sousa, de Almeida Garrett, exatamente por ser possível encontrar um forte elo de ligação entre a canção e duas das personagens desta peça – D. Madalena de Vilhena e D. João de Portugal.

Começo assim esta análise enunciando as primeiras palavras desta canção: “Sabe Deus que eu quis / contigo ser feliz”. D. João sempre teve Madalena em grande estima. Percebemos isso na peça quando Telmo proclama “Pois tinha, oh se tinha...”; e foi rigorosamente esse amor incessante que permitiu a D. João regressar a casa passados vinte um anos para fazer tremer o novo universo que Madalena tinha criado. No entanto, quem tremeu foi ele quando percebeu que tudo mudara e ele já não era “ninguém”. Já não tinha Madalena, que agora estava casada com Manuel de Sousa,  nem mesmo a sua casa (“A quem foste dar / O que é meu?”).  Um sentimento de inutilidade invade D. João, apercebe-se de que a vida tinha avançado sem ele e sente-se tal como sugere a canção: “Sou data esquecida / A coisa perdida / Que vai a leilão”.

Aproveito novamente o início da canção – “Sabe Deus que eu quis / contigo ser feliz” – para enfatizar que, por mais que tentasse, Madalena, não conseguiu ser feliz com o seu primeiro marido, vivia angustiada por não amar o homem a que estava destinada, sentia-se pecadora (“O pecado estava me no coração”) por ter amado Manuel de Sousa enquanto D. João ainda era vivo. Posto isto, quase que posso afirmar que Madalena ficou aliviada quando, passados sete anos, D. João não voltou da batalha, permitindo-lhe então realizar o desejo do seu coração (“Morto o teu desejo / Vivo o meu desejo”). Contudo, aproveito para criticar esta atitude de Madalena de viver sempre insatisfeita e não ter força de vontade para realizar os seus sonhos, isto leva-nos de volta à canção, interpretando “Horas que vivi / Quem as tem?” quase como um grito de desespero de Madalena por ter passado tanto tempo da sua vida num descontentamento constante: primeiro, num casamento que não a satisfazia; depois, à espera de poder casar com Manuel; e, por último, sempre a permitir que os agoiros de Telmo sobre o regresso de D. João a perturbassem.

Recordo o dístico “De que serve ter coração / E não ter o amor de ninguém” e acabo o meu texto exatamente como acaba Madalena na peça. Sem o amor de ninguém. O desfecho da peça dá vida a todas as coisas que Madalena desejava que não acontecessem. Mesmo depois de tanto sofrer, acaba completamente sozinha, nem mesmo com o amor da filha pode contar. Percebe, assim, que talvez devesse ter valorizado quanto a vida lhe permitira ser feliz.

 

Martim

A canção “Fire On Fire” (“Fogo em Fogo” ou “Fogo em Chamas”), do cantor inglês Sam Smith, transmite fortes emoções de paixão e amor desinibido. A música foi lançada há relativamente pouco tempo, em 2018, mais especificamente no dia vinte e um de dezembro, através da editora norte americana Capitol Records. A canção aborda o facto da grande quantidade de energia emocional a que o cantor está a ser exposto na faixa poder ser potencialmente perigosa. No entanto, ele sente que a conexão especial que ele compartilha com o seu parceiro/a torna o seu relacionamento bem-sucedido. Esta situação é bastante relacionável com a da peça Frei Luís de Sousa devido à forte ligação entre D. Manuel de Sousa Coutinho e D. Madalena de Vilhena que, apesar de todos os altos e baixos da relação expostos na peça, sempre se mantiveram juntos.

Durante a canção, o sujeito poético, expressa o sentimento de que algumas pessoas o menosprezam e, especialmente, à sua relação de um ponto de vista moral, referindo-se a ele e ao seu parceiro/a como pecadores. O motivo de o cantor e a pessoa com quem ele está amorosamente relacionado serem assim considerados, alude à possibilidade de Sam Smith ser homossexual, o que explicaria o facto de receber este tipo de críticas de base religiosa. Como tal, é muito possível que, na canção, Smith se esteja a dirigir a outro homem, embora não haja qualquer referência ao género dessa outra pessoa. Na música Smith diz: “But this much desire, together, we’re winners, They say that we’re out of control and some say we’re sinners” (Mas tanto desejo, juntos, somos vencedores, Eles dizem que estamos fora de controlo e alguns dizem que somos pecadores). Este pequeno trecho da composição é muito importante na relação com a peça, porque, mesmo que Madalena de Vilhena não estivesse em uma relação homossexual, e por mais que amasse a sua família, ainda considerava a sua relação com Manuel de Sousa Coutinho e o fruto dela, Maria de Noronha, um pecado. “O pecado estava-me no coração: a boca não o disse… os olhos não sei o que fizeram, mas dentro da alma eu já não tinha outra imagem senão a do amante…”. Assim considerava a sua família devido à não descoberta do corpo ou simplesmente desaparecimento do seu primeiro marido, o ínfimo D. João de Portugal, que se acreditava ter perecido na batalha de Alcácer Quibir que resultou na derrota dos Portugueses e no movimento profético denominado Sebastianismo. Mesmo com a suposta morte do primeiro marido, D. Madalena de Vilhena, uma mulher muito supersticiosa, acreditava que qualquer sinal que achasse fora do normal era uma chamada de atenção para ações futuras e, com uma recente acumulação de presságios, um fantasma do passado bateu-lhe à porta.

 

Nuno

Enquanto estava a ouvir a música “Someone you loved”, de Lewis Capaldi, lembrei-me de que, como ambos falam de amores vividos, isso iria permitir relacionar versos da canção com passagens da obra que temos analisado e estudado nas últimas semanas, Frei Luís de Sousa.

Nos primeiros versos da canção, o sujeito poético diz “I’m going under and this time I fear there's no one to save me / This all or nothing really got a way of driving me crazy” (Eu estou-me a afundar e temo que desta vez não haja ninguém para me salvar / Este tudo ou nada deixa-me realmente louco). Nesta passagem, conseguimos compreender o quanto ele se sentia sozinho. Nesta canção, ele fala de um relacionamento que terminou, acabando por ficar só. Nestes versos, ele explica a falta que lhe faz a sua amada nos tempos difíceis que ele agora atravessa. Tal como na canção, Madalena, no ato I encontra-se só e explica que não tem conseguido viver em paz e alegria junto da pessoa que ama, devido às dúvidas sobre o que aconteceu realmente ao seu primeiro marido, que não a deixam aproveitar o seu casamento com Manuel Sousa Coutinho. Numa e noutra situação na peça em estudo, o amor é causador de sofrimento.

No verso “I guess I kinda liked the way you numbed all the pain” (Eu acho que gostava da maneira como tu anestesiavas a dor), o eu acredita que, se ainda estivesse ao lado da sua amada, esta conseguiria anestesiar a sua dor e sofrimento. Assim como ele, Madalena, no início da obra, afirma que não consegue viver o amor que tem a Manuel Sousa Coutinho, dadas as circunstâncias deste seu segundo casamento e deseja que o seu segundo marido nunca suspeite do sofrimento que a perturba (“Oh! Que o não saiba ele ao menos, que não suspeite o estado em que eu vivo… este medo, estes contínuos terrores que ainda me não deixaram gozar um só momento de felicidade que me dava o seu amor.”). Mais uma vez, o amor é a fonte de sofrimento.

O sujeito lírico diz ainda “I fall into your arms / I'll be safe in your sound 'til I come back around”(Eu caio nos teus braços/ Eu vou ficar seguro na tua voz até eu voltar) e, nestes versos, explica que estaria muito melhor se ainda estivesse junto da sua amada, sendo que a única forma de conforto era a recordar a sua voz. Também D. Madalena chega a afirmar muitas vezes que a presença de D. Manuel junto dela a faz sentir nos momentos difíceis mais segura e feliz (“Tu ficas aqui já de vez, não me deixas mais, não sais de ao pé de mim. Agora, olha, estes primeiros dias ao menos, hás de me aturar, hás de me fazer companhia. Preciso muito, querido.” ato II cena V).

Por último, vou referir o verso que constitui o refrão — “I was getting kinda used to being someone you loved” (Eu estava a ficar habituado a ser alguém que tu amavas) — que é o meu favorito da música. Neste verso, percebe-se o quanto a amada do eu da canção e o amor que tinham eram importantes na sua vida. Na cena XIII, D. João de Portugal, primeiro marido de D. Madalena, ao regressar ao seu país, ao seu palácio e à sua família, percebe que a sua esposa já está a refazer a vida junto de outro homem do qual tem uma filha. Por isso, ao perguntarem-lhe quem é, ele responde de uma forma simples e que faz sentido, “Ninguém”. O texto faz referência ao poder do amor que, por vezes, é destruidor, mas pode preencher a vida de uma pessoa.

 

Tiago

A música que escolhi para relacionar com a peça Frei Luís de Sousa chama-se “Lucid dreams”, e é do rapper americano Juice wrld, que, infelizmente, faleceu muito novo. Esta foi a canção que o fez conhecido por muitos e o impulsionou para o mundo da música.

A canção expressa as emoções de um rapaz que foi trocado por outro pela sua namorada, o que não tem muito a ver com Frei Luís de Sousa. No entanto, alguns versos da música podem relacionar-se com certas personagens da peça de Garrett.

Sabemos através de diálogo numa das cenas que Madalena, após o desaparecimento do seu marido, D. João de Portugal, entra num grande desespero. Este desespero pode comparar-se com o do sujeito lírico: "You left me falling and landing inside my grave”, o que em português é “Tu deixaste-me a cair para a minha própria cova”. Outro verso bastante simples que também se compara com os sentimentos de Madalena não só nesta situação, mas também noutros atos da peça é o que diz: “You made my heart break” (“Tu fizeste com que o meu coração se partisse").

Um dos versos do refrão desta música também se pode relacionar com Madalena. O verso é, “I still see your shadow in my room” e pode traduzir-se para “Ainda vejo as tuas sombras no meu quarto”. Este sentimento que o sujeito poético exprime é parecido com o de Madalena quando chega à sua antiga casa e fica aterrorizada.

Outro dos versos da canção que se podem relacionar com uma personagem de Frei Luís de Sousa é “I won’t let you forget me” (“Não te vou deixar esquecer de mim”). Esta frase pode referir-se à determinação e pensamento de D. João de Portugal após a batalha em Alcácer Quibir, e a sua decisão de voltar a Portugal e a Madalena.

 

Vasco

Ao ouvir a canção “Letter From Houston”, de Rod Wave, comecei a associar alguns versos da mesma, a passagens e a acontecimentos da peça Frei Luís de Sousa, que temos vindo a estudar em aula.

Logo no primeiro verso, o eu do poema diz: “I wrote this song for you, so you should pay attention = Escrevi esta música para ti, por isso deves prestar atenção”. No texto (Ato I, cena II), em vez de ser uma canção, Telmo conta a Madalena sobre uma carta que D. João escrevera na madrugada do dia da batalha onde ele fora chamado, em Alcácer Quibir, dizendo que, vivo ou morto, voltaria a vê-la pelo menos mais uma vez. E voltaria mesmo a aparecer passados vinte e um anos após terem-no dado como morto.

No refrão, o sujeito poético diz: “But just in case you feel you cannot stay / […] I'd trade it all / For a guaranteed spot in your heart = Mas no caso de sentires que não consegues ficar / [...] eu trocaria tudo / Por um lugar garantido no teu coração” (Ato III, cena V). Semelhantemente, ao regressar para o pé de D. Madalena, D. João/Romeiro apercebeu-se que ela não conseguia voltar a ficar com ele, pois já amava D. Manuel e queria continuar a sua vida a seu lado. Entretanto ela não conseguiu viver a vida feliz que queria ao lado de D. Manuel, pois esta temia o regresso de D. João, e que tal viesse a arruinar o seu segundo casamento. Ao aperceber-se desta situação, e como tentativa de remendar o seu erro, D. João/Romeiro decidiu afastar-se, de modo a evitar o transtorno que ele causara, mas deixando bem claro que dava tudo para voltar a ter um lugar garantido no seu coração em vez de D. Manuel.

Também no refrão, o sujeito poético pergunta: “Wonder do you miss me when I'm busy on the road? = Será que sentes a minha falta enquanto estou ocupado a seguir o meu caminho?”, tal como na peça, D. João se questionava se D. Madalena sentiria falta dele e se continuaria a amá-lo, mesmo passados tantos anos desde que ele estivera fora. Mais tarde, veio a verificar-se que tal não acontecia, pois esta apenas amava D. Manuel, e queria ter uma vida feliz e sossegada com ele.

 

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