Saturday, August 29, 2020

Aula 85-86

 Aula 85-86 (22 [1.ª], 23 [5.ª, 2.ª, 4.ª], 24/mar [3.ª]) Instruções para segunda versão de comentário acerca de Frei Luís de Sousa e canção. Correção do que sobrara de exercício da última aula sobre funções sintáticas em «Débora vs. Luciana» (cfr. Apresentação).

Em O amor acontece (Love actually) há um passo que me lembra o episódio da Crónica de D. João I, que estudaram o ano passado, «Do alvoroço que na cidade cuidando que matavom o Meestre, e como aló foi Alvoro Paaez e muitas gentes com ele» (pp. 83-85), com o povo de Lisboa a ser conduzido aos paços da rainha (restaurante), por ação de um pajem (Sofia) estimulado por Álvaro Pais (Barros), para defender o Mestre (Aurélia), que, alegadamente, o Conde Andeiro (Jamie) queria matar (comprar), acabando por se festejar o triunfo do Mestre (Aurélia), que, afinal, matara o Andeiro (casa com Jamie) e sai até junto das massas (clientes do restaurante, portugueses), que aplaudem deliciadas.

Nesse trecho do filme, as personagens secundárias (ou mesmo figurantes) portuguesas — não incluo, portanto, Aurélia — são uma espécie de personagem coletiva, plana, ingenuamente caricaturada, talvez um estereótipo do português aos olhos dos estrangeiros. A caracterização desta «personagem» é, como é costume em cinema, indireta, já que decorre sobretudo das suas atitudes, da sua linguagem.

Inscreve no quadro os adjetivos qualificativos correspondentes à característica psicológica que os comportamentos à direita sugerem.

portugueses são...

comportamentos no trecho de O amor acontece

interesseiros, oportunistas, materialistas

Veem o casamento da filha, ou irmã, como possibilidade de melhoria das condições materiais.

 

Barros vem abrir a porta em camisola interior; não hesita em confiar em desconhecido; chama a filha de imediato.

 

Barros diz a Sofia que até pagava para se desenvencilhar dela.

 

Sofia trata o pai por «estúpido».

 

Pai e filha tentam resolver o pedido do estrangeiro.

 

Pai e filha vão pelas ruas a contar a todos o que se está passar.

 

«O meu pai vai vender a Aurélia como escrava!».

 

«É a minha melhor empregada. Não se pode casar!».

 

Assistem, sem desviar olhar, à declaração de amor; [na rua, não se coibiram de engrossar o pelotão em demanda de Aurélia.]

 

Diz Sofia: «casa-te mas é com o príncipe William».

 

Não percebem as mais elementares palavras inglesas (por isso ficam calados durante o assentimento de Aurélia).

 

Barros e Sofia beijam genro e cunhado.

 

Todo o restaurante fica eufórico com o sucesso da declaração de amor.

O organizador de um livro publicado há uma década — Jorge Reis-Sá, A minha palavra favorita, 2007 — pediu a intelectuais e figuras públicas, portuguesas e brasileiras, que indicassem a sua palavra favorita e sobre ela escrevessem um texto. Transcrevi o início de alguns dos textos. Nesses exemplos, as palavras escolhidas salientam-se {completa, escrevendo os títulos}:

(1) pela sua aparência (som ou imagem originais): «_____»; «____»;

(2) por, raras ou erradas, serem palavras quase privativas: «____»; «____»;

(3) por se relacionarem com um hábito do autor: «____»; «____»;

(4) por lembrarem atitudes que o autor preza: «____»; «____».

amanhã (João Lima Pinharanda)

A partir de finais da adolescência, ao experimentar uma caneta ou uma nova inclinação de letra (sempre fui pródigo em arriscar grafismos diversos), ou simplesmente, quando rabiscava, distraído, um papel, escrevia sempre a palavra «AMANHû.

Não me recordo de quando isso («AMANHû) começou nem se a escolha («AMANHû) foi, no seu início, consciente. Frequentemente dava por mim com a palavra já escrita («AMANHû), como se se tratasse de um tique. Tomei-a então («AMANHû) como uma espécie de talismã, uma premonição otimista. Pedem-me hoje uma palavra e volto a recordar-me dela («AMANHû), reparo na distância emocional e simbólica que dela («AMANHû) me separa. Já estarei no AMANHà de então? Terá sido por isso que deixei de o/a evocar? Talvez necessite de novo dessa palavra («AMANHû) e dessa ideia («AMANHû), de recuperar o poder que lhe atribuía repetindo-a («AMANHû) até à exaustão como mantra ou ladainha. Desdobro agora a palavra («AMANHû) em componentes que nunca tinha explorado, vejo como nela («AMANHû) se escondem significados inesperados e repito-a («AMANHû) pelo espaço que me resta. [...]

Carvalhelhos (Carlos Costa)

[...] Um inglês distinto. Sozinho numa mesa, abandonado não, mas algo só. Começava por pedir água, simplesmente água, entusiasmado com as dificuldades que aquele estranho idioma parecia levantar. Sílaba a sílaba, lá ia ele, abrindo demasiadamente o A, mas até nem estava mal para uma primeira vez, contorcendo-se para que os lábios já estivessem completamente fechados para aquele U, o U de GU, que quase parecia ser uma parede onde se dava o infernal ricochete que atirava os lábios novamente para um A, que assim se abria ainda mais do que o primeiro. A satisfação com a tarefa cumprida, com aquela á-gu-á arrancada a uma vida inteira virada para outros sons, era agora claríssima no seu rosto. Mas essa água, servida, não quero estar aqui a jurar mas quase seria capaz de o fazer, numa jarra de vidro transparente, revelava-se uma desilusão ao paladar. Eis então que de outra mesa se ouvia algum nativo indicando, com a calma que só uma longa experiência hídrica e linguística pode oferecer, indicando o que deveria ser a escolha certa: Carvalhelhos. E essa sim, essa parecia ser a solução ideal, tal era o prazer que a água mineral em causa aparentemente trazia a quem a provava. Impressionante a coragem desse homem que, sorrindo sorrindo sorrindo, se lançava para o Car, aspirando aquele R complicado só por si mas ainda mais quando posicionado na esquina do V de va; ainda assim o Carva era atingido sem praticamente pestanejar; contudo isso já não posso jurar. Mas o grande momento era sem dúvida o brutal embate com o lh, pior ainda com os dois lhs cruéis, um a seguir ao outro. A vitória daquele Car-va-lhe-lhos final era algo de desmedido, um inacreditável triunfo da vontade que acabava imerso no sabor maravilhoso da tal água cristalina. E aquele homem ficava ali, sozinho numa mesa, abandonado não e algo só agora também não. E enquanto bebia um longo copo de água aquele som parecia ressoar por todo o seu corpo. Era a força dos lhs, a força de um mundo novo, o prazer de um outro prazer, o que quer que seja, mas tudo isso ressoava naquela única e nova palavra: Carvalhelhos. [...]

encertar (Clara de Sousa)

A palavra persegue-me há 20 anos. Até à maioridade fazia parte do meu vocabulário diário devido à mestria culinária da minha mãe, cozinheira profissional, excelente doceira. Sempre que havia bolo eu pedia para o «encertar». Se possível, ainda quente.

Teria perto dos 19, 20 anos quando, confiante no meu vocabulário, decidi dizer bem alto numa festa de aniversário que iria «encertar» o bolo. Olhos arregalaram-se, conversas paralelas começaram, um estranho peso se abateu na sala, perante tamanha calinada. Estava a rapariga já na Faculdade de Letras e o Português... enfim, imperdoável. Ainda por cima queria ser professora da Língua-Mãe. Fui então alertada, à parte, para a asneira. Encetar, Clara. Diz-se encetar o bolo, porque o vais abrir, vais começar...

Encetar? Estamos a brincar! Sabia perfeitamente o que era encetar, fossem conversas ou conversações, conversinhas e conversetas... mas nunca um bolo! Minha mãe da Beira Litoral e meu pai de Trás-os-Montes, ambos diziam «encertar» e tal como eles os seus irmãos e pais, sobrinhos sobrinhas, enteados e vizinhança, todos «encertavam» um bolo! [...]

Roída pela dúvida, mal pude, abri o dicionário, no encalço da minha palavra. Como se fosse uma jóia de valor inestimável transmitida de geração em geração. Letra E, um pouco mais à frente... empapar... encarnado.... encerebrar... só mais um pouco... encer... encer... encerrar. encerro. encestar. Por momentos, o mundo desabou ali mesmo. Nada de «encertar». A minha doce palavra não constava no Dicionário de Língua Portuguesa. [...]

obsidiana (Fernando J. B. Martinho)

«Obsidiana» é uma das palavras que me perseguem e acabei por fazer minhas. Não encontro facilmente uma explicação para isso. Serão restos de uma atração pelos raros vocábulos da poética simbolista? Glosei um dia um verso de António Patrício («Os pinhais plumulavam») num poema que começava assim: «Não há rumor que chegue/ a esta sombra fria de jade/ irisado que dizem ser a morte.» Foi isto em fins dos anos 80. Mas cerca de vinte anos antes tinha feito da obsidiana a palavra axial de um poema incluído em Resposta a Rorschach, 1970: Sagra-te em fogo na obsidiana / o afago da terra / arrefecido no espelho /e afeiçoa as imagens no / enxofre da memória / verde-escuras e cortantes / com / a espessura do caos. [...]

serendipidade (Bruna Lombardi)

(Substantivo.) A capacidade, fenómeno ou agradável surpresa de encontrar algo inesperado durante a busca de alguma outra coisa. Etimologia — a palavra se origina do conto de fadas persa As Três Princesas de Serendip. Serendip, de origem árabe (Sarandip) dá o nome da ilha de Sri Lanka, no Ceilão e seu uso no Ocidente vem de 361 D.C. Mas o sentido que conhecemos hoje vem da palavra serendipity, inventada no século XVIII, pelo escritor inglês Horace Walpole. Serendipidade é usada com frequência na ciência, química, medicina, quando buscando um propósito acaba-se descobrindo casualmente alguma nova cura ou invenção. Um exemplo de serendipidade remonta à época dos descobrimentos, quando Cabral, em busca das Índias, acidentalmente descobre o Brasil. Serendipidade é um estado na vida. Busca-se uma coisa e encontra-se outra. É a arte de estar aberto ao imprevisto, de se deixar lançar na aventura, de compreender a beleza do desconhecido.

Escolhe a tua palavra de estimação. Será ela o título da redação. Nota que se trata de aproveitar uma palavra de que gostes, o que não implica que gostes do seu referente, do objeto que ela designa.

O texto centrar-se-á nessa palavra. Podes fazê-lo de vários modos (como acontece nos trechos que leste: lembrar experiência com a palavra; explicação da sua originalidade; etc.).

TPC — Depois de lançares as emendas que fiz na primeira versão que enviaste (cfr. PDF anexo: «Canção e Frei ... versão com emendas»), descarrega na Classroom (aula 85-86) a versão já limpa do teu comentário a canção e «Frei Luís de Sousa» (tenta fazê-lo até à próxima aula). Podes ter em conta estas Indicações para correções das análises canção/Frei Luís de Sousa:# significa que falta espaço entre palavras (ou entre palavra e sinal de pontuação); um vê cortado ao meio (mais ou menos assim: Ұ) significa que devem tirar o espaço (há quem, a seguir a um primeiro parêntese, ponha um espaço a mais); nada do vosso texto deve estar a bold (negro); itálico dentro de aspas também é um erro comum (títulos de canções são aspados e não levam itálico; títulos de álbuns vão em itálico e sem aspas; nomes das bandas não têm de levar aspas nem itálico); travessões devem ficar assim: «—» (eventualmente, assim «–»; mas não assim: «-»); as citações que incluam tradução de letras estrangeiras podem fazer-se de vários modos, mas sugiro este modelo: «All you need is love [Só é preciso amor]» (de qualquer modo, se nada assinalei na primeira versão, não têm de alterar o que já esteja); não devem transcrever letras de canções «por atacado», copiando toda uma estrofe (e, por vezes, mesmo na vertical); os versos a citar devem ficar na linha, separados por barras inclinadas: «Nunca voltes ao lugar / Onde já foste feliz / Por muito que o coração diga / Não faças o que ele diz».

 

 

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