Aula 85-86
Aula 85-86 (22 [1.ª], 23 [5.ª, 2.ª, 4.ª], 24/mar [3.ª]) Instruções para segunda versão de comentário acerca de Frei Luís de Sousa e canção. Correção do que sobrara de exercício da última aula sobre funções sintáticas em «Débora vs. Luciana» (cfr. Apresentação).
Em O amor acontece (Love actually)
há um passo que me lembra o episódio da Crónica
de D. João I, que estudaram o ano passado, «Do alvoroço que na cidade
cuidando que matavom o Meestre, e como aló foi Alvoro Paaez e muitas gentes com
ele» (pp. 83-85), com o povo de Lisboa a ser conduzido aos paços da rainha (restaurante),
por ação de um pajem (Sofia) estimulado por Álvaro Pais (Barros), para defender
o Mestre (Aurélia), que, alegadamente, o Conde Andeiro (Jamie) queria matar
(comprar), acabando por se festejar o triunfo do Mestre (Aurélia), que, afinal,
matara o Andeiro (casa com Jamie) e sai até junto das massas (clientes do
restaurante, portugueses), que aplaudem deliciadas.
Nesse trecho do filme, as personagens secundárias (ou mesmo
figurantes) portuguesas — não incluo, portanto, Aurélia — são uma espécie de personagem coletiva, plana, ingenuamente caricaturada, talvez
um estereótipo do português aos olhos dos estrangeiros. A caracterização desta «personagem» é, como é costume em cinema, indireta, já que decorre sobretudo das
suas atitudes, da sua linguagem.
Inscreve no quadro os adjetivos qualificativos
correspondentes à característica psicológica que os comportamentos à direita
sugerem.
portugueses são... |
comportamentos no trecho de O amor acontece |
interesseiros,
oportunistas, materialistas |
Veem
o casamento da filha, ou irmã, como possibilidade de melhoria das condições
materiais. |
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Barros
vem abrir a porta em camisola interior; não hesita em confiar em desconhecido;
chama a filha de imediato. |
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Barros
diz a Sofia que até pagava para se desenvencilhar dela. |
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Sofia
trata o pai por «estúpido». |
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Pai
e filha tentam resolver o pedido do estrangeiro. |
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Pai
e filha vão pelas ruas a contar a todos o que se está passar. |
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«O
meu pai vai vender a Aurélia como escrava!». |
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«É
a minha melhor empregada. Não se pode casar!». |
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Assistem,
sem desviar olhar, à declaração de amor; [na rua, não se coibiram de
engrossar o pelotão em demanda de Aurélia.] |
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Diz
Sofia: «casa-te mas é com o príncipe William». |
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Não
percebem as mais elementares palavras inglesas (por isso ficam calados
durante o assentimento de Aurélia). |
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Barros
e Sofia beijam genro e cunhado. |
|
Todo
o restaurante fica eufórico com o sucesso da declaração de amor. |
O organizador
de um livro publicado há uma década — Jorge Reis-Sá, A minha palavra favorita, 2007 — pediu a intelectuais e figuras
públicas, portuguesas e brasileiras, que indicassem a sua palavra favorita e
sobre ela escrevessem um texto. Transcrevi o início de alguns dos textos. Nesses
exemplos, as palavras escolhidas salientam-se {completa, escrevendo os títulos}:
(1) pela sua aparência
(som ou imagem originais): «_____»; «____»;
(2) por, raras ou erradas, serem palavras quase
privativas: «____»; «____»;
(3) por se relacionarem com um hábito do autor:
«____»; «____»;
(4) por lembrarem atitudes que o autor preza: «____»;
«____».
amanhã
(
A partir de finais da adolescência, ao experimentar
uma caneta ou uma nova inclinação de letra (sempre fui pródigo em arriscar
grafismos diversos), ou simplesmente, quando rabiscava, distraído, um papel,
escrevia sempre a palavra «AMANHû.
Não me
recordo de quando isso («AMANHû) começou nem se a escolha («AMANHû) foi, no
seu início, consciente. Frequentemente dava por mim com a palavra já escrita («AMANHû), como se se
tratasse de um tique. Tomei-a então («AMANHû) como uma espécie de talismã, uma
premonição otimista. Pedem-me hoje uma palavra e volto a recordar-me dela
(«AMANHû), reparo na distância emocional e simbólica que dela («AMANHû) me
separa. Já estarei no AMANHÃ de então? Terá sido por isso que deixei de o/a
evocar? Talvez necessite de novo dessa palavra («AMANHû) e dessa ideia («AMANHû),
de recuperar o poder que lhe atribuía repetindo-a («AMANHû) até à exaustão como
mantra ou ladainha. Desdobro agora a palavra («AMANHû) em componentes que
nunca tinha explorado, vejo como nela («AMANHû) se escondem significados inesperados
e repito-a («AMANHû) pelo espaço que me resta. [...]
Carvalhelhos
(
[...] Um inglês distinto. Sozinho numa mesa,
abandonado não, mas algo só. Começava por pedir água, simplesmente água,
entusiasmado com as dificuldades que aquele estranho idioma parecia levantar.
Sílaba a sílaba, lá ia ele, abrindo demasiadamente o A, mas até nem
estava mal para uma primeira vez, contorcendo-se para que os lábios já
estivessem completamente fechados para aquele U, o U de GU, que
quase parecia ser uma parede onde se dava o infernal ricochete que atirava os
lábios novamente para um A, que assim se abria ainda mais do que o primeiro.
A satisfação com a tarefa cumprida, com aquela á-gu-á arrancada a uma
vida inteira virada para outros sons, era agora claríssima no seu rosto. Mas
essa água, servida, não quero estar aqui a jurar mas quase seria capaz de o
fazer, numa jarra de vidro transparente, revelava-se uma desilusão ao paladar.
Eis então que de outra mesa se ouvia algum nativo indicando, com a calma que só
uma longa experiência hídrica e linguística pode oferecer, indicando o que
deveria ser a escolha certa: Carvalhelhos. E essa sim, essa parecia ser
a solução ideal, tal era o prazer que a água mineral em causa aparentemente
trazia a quem a provava. Impressionante a coragem desse homem que, sorrindo sorrindo
sorrindo, se lançava para o Car, aspirando aquele R complicado só
por si mas ainda mais quando posicionado na esquina do V de va; ainda assim o Carva era atingido sem
praticamente pestanejar; contudo isso já não posso jurar. Mas o grande momento
era sem dúvida o brutal embate com o lh, pior ainda com os dois lhs cruéis,
um a seguir ao outro. A vitória daquele Car-va-lhe-lhos final era algo
de desmedido, um inacreditável triunfo da vontade que acabava imerso no sabor maravilhoso
da tal água cristalina. E aquele homem ficava ali, sozinho numa mesa, abandonado
não e algo só agora também não. E enquanto bebia um longo copo de água aquele
som parecia ressoar por todo o seu corpo. Era a força dos lhs, a força
de um mundo novo, o prazer de um outro prazer, o que quer que seja, mas tudo
isso ressoava naquela única e nova palavra: Carvalhelhos. [...]
encertar
(
A palavra persegue-me há
20 anos. Até à maioridade fazia parte do meu vocabulário diário devido à mestria
culinária da minha mãe, cozinheira profissional, excelente doceira. Sempre que
havia bolo eu pedia para o «encertar». Se possível, ainda quente.
Teria perto dos 19, 20
anos quando, confiante no meu vocabulário, decidi dizer bem alto numa festa de
aniversário que iria «encertar» o bolo. Olhos arregalaram-se, conversas
paralelas começaram, um estranho peso se abateu na sala, perante tamanha
calinada. Estava a rapariga já na Faculdade de Letras e o Português... enfim,
imperdoável. Ainda por cima queria ser professora da Língua-Mãe. Fui então
alertada, à parte, para a asneira. Encetar, Clara. Diz-se encetar o bolo,
porque o vais abrir, vais começar...
Encetar? Estamos a
brincar! Sabia perfeitamente o que era encetar, fossem conversas ou conversações,
conversinhas e conversetas... mas nunca um bolo! Minha mãe da Beira Litoral e
meu pai de Trás-os-Montes, ambos diziam «encertar» e tal como eles os seus
irmãos e pais, sobrinhos sobrinhas, enteados e vizinhança, todos «encertavam»
um bolo! [...]
Roída pela dúvida, mal
pude, abri o dicionário, no encalço da minha palavra. Como se fosse uma jóia de
valor inestimável transmitida de geração
obsidiana
(Fernando
J. B. Martinho)
«Obsidiana» é uma das
palavras que me perseguem e acabei por fazer minhas. Não encontro facilmente uma
explicação para isso. Serão restos de uma atração pelos raros vocábulos da
poética simbolista? Glosei um dia um verso de António Patrício («Os pinhais
plumulavam») num poema que começava assim: «Não há rumor que chegue/ a esta
sombra fria de jade/ irisado que dizem ser a morte.» Foi isto em fins dos anos
80. Mas cerca de vinte anos antes tinha feito da obsidiana a palavra axial de
um poema incluído
serendipidade
(Bruna
Lombardi)
(Substantivo.) A capacidade, fenómeno ou agradável surpresa de encontrar algo inesperado durante a busca de alguma outra coisa. Etimologia — a palavra se origina do conto de fadas persa As Três Princesas de Serendip. Serendip, de origem árabe (Sarandip) dá o nome da ilha de Sri Lanka, no Ceilão e seu uso no Ocidente vem de 361 D.C. Mas o sentido que conhecemos hoje vem da palavra serendipity, inventada no século XVIII, pelo escritor inglês Horace Walpole. Serendipidade é usada com frequência na ciência, química, medicina, quando buscando um propósito acaba-se descobrindo casualmente alguma nova cura ou invenção. Um exemplo de serendipidade remonta à época dos descobrimentos, quando Cabral, em busca das Índias, acidentalmente descobre o Brasil. Serendipidade é um estado na vida. Busca-se uma coisa e encontra-se outra. É a arte de estar aberto ao imprevisto, de se deixar lançar na aventura, de compreender a beleza do desconhecido.
Escolhe a
tua palavra de estimação. Será ela o
título da redação. Nota que se trata de aproveitar uma palavra de que gostes, o
que não implica que gostes do seu referente, do objeto que ela designa.
O texto
centrar-se-á nessa palavra. Podes fazê-lo de vários modos (como acontece nos
trechos que leste: lembrar experiência com a palavra; explicação da sua originalidade;
etc.).
TPC — Depois de lançares as
emendas que fiz na primeira versão que enviaste (cfr. PDF anexo: «Canção e Frei
... versão com emendas»), descarrega na Classroom (aula 85-86) a versão já
limpa do teu comentário a canção e «Frei Luís de Sousa» (tenta fazê-lo até à
próxima aula). Podes ter em conta estas Indicações para correções das análises canção/Frei
Luís de Sousa:# significa que falta espaço entre
palavras (ou entre palavra e sinal de pontuação); um vê cortado ao meio (mais
ou menos assim: Ұ) significa que devem tirar o espaço (há quem, a seguir a um primeiro
parêntese, ponha um espaço a mais); nada do vosso texto deve estar a bold
(negro); itálico dentro de aspas também é um erro comum (títulos de
canções são aspados e não levam itálico; títulos de álbuns vão em itálico e sem
aspas; nomes das bandas não têm de levar aspas nem itálico); travessões devem
ficar assim: «—» (eventualmente, assim «–»; mas não assim: «-»); as citações
que incluam tradução de letras estrangeiras podem fazer-se de vários modos, mas
sugiro este modelo: «All you need is love [Só é preciso amor]» (de qualquer
modo, se nada assinalei na primeira versão, não têm de alterar o que já esteja);
não devem transcrever letras de canções «por atacado», copiando toda uma
estrofe (e, por vezes, mesmo na vertical); os versos a citar devem ficar na
linha, separados por barras inclinadas: «Nunca voltes ao lugar / Onde já foste
feliz / Por muito que o coração diga / Não faças o que ele diz».
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