Aula 14-15
Aula 14-15
(3 [3.ª], 4/out [1.ª, 4.ª]) O poema em baixo — que ouvimos
já — está datado de 21-10-1935, pouco mais de um mês antes de Pessoa morrer, sendo
assinado por Álvaro de Campos. Não tem algumas das características do
Campos futurista e sensacionista das odes nem da fase decadente (a do Campos jovem,
a de «Opiário»).
Não modernizei a grafia (Pessoa
escrevia segundo a escrita comum antes da primeira reforma ortográfica, em 1911).
Atualiza tu a grafia, emendando o texto a lápis.
Há uma estrofe que traduz bem a reflexão que o Pessoa ortónimo fazia em «A ceifeira» e em «Gato que brincas na rua». É a ______ estrofe.
Todas as cartas de amor são
Ridiculas.
Não seriam cartas de amor se não fossem
Ridiculas.
Tambem escrevi em meu tempo cartas de amor,
Como as outras,
Ridiculas.
As cartas de amor, se ha amor,
Têm de ser
Ridiculas.
Mas, afinal,
Só as creaturas que nunca escreveram
Cartas de amor
É que são
Ridiculas.
Quem me dera no tempo em que escrevia
Sem dar por isso
Cartas de amor
Ridiculas.
A verdade é que hoje
As minhas memorias
D’essas cartas de amor
É que são
Ridiculas.
(Todas as palavras exdruxulas,
Como os sentimentos exdruxulos,
São naturalmente
Ridiculas.)
Fernando Pessoa, Poemas de Álvaro de Campos, edição de Cleonice Berardinelli, Lisboa, INCM, 1990
Passa agora a «Aniversário» (pp. 102-103), também deste Álvaro de Campos dito da fase intimista.
Transcreve algum verso em que se perceba ainda o problema existencial
que vimos em «Gato que brincas na rua», «A ceifeira» — do ortónimo — e, há pouco,
em «Todas as cartas de amor são ridículas», de Álvaro de Campos.
_______________
Entre as características de Campos (em parte, também encontráveis
no Campos das odes futuristas), vê o que esteja abonado em «Aniversário». Para isso,
transcreverás trechos de «Aniversário» que ilustrem cada um destes itens:
comparações inesperadas: _______________
metáforas inesperadas: _______________
exclamações: ______________
anáforas: ______________
apóstrofes: _______________
paradoxos: _______________
repetições: _______________
versos longos e livres: muitos
das primeiras estrofes, sobretudo.
articulados com alguns bastante curtos: os da última estrofe, por exemplo.
fuga para a recordação e/ou sonho: _______________
poetização do prosaico, comum e quotidiano: _________________
fragmentação do eu: _________________
angústia existencial: [todo
o texto, decerto]
O texto constrói-se a partir da memória de um tempo passado. Caracteriza
esse passado, considerando as duas primeiras estrofes.
O passado era o tempo da ________________.
Justifica o uso do pretérito imperfeito do indicativo nessas mesmas
estrofes.
_________________________.
Relaciona o quinto verso da terceira estrofe com a estrofe anterior.
Na infância, o sujeito poético era feliz, mas __________________.
Só no presente, em que já perdeu essa felicidade inocente da infância é que sabe
que ________________.
Explica o valor aspetual do pretérito perfeito usado nesta terceira
estrofe.
___________________________.
Mostra como, na estrofe 6, a memória do passado se sobrepõe ao
presente.
A expressão «Vejo tudo
outra vez» inicia a presentificação do passado que, assim, substitui o _______________.
Mostra como, à euforia dessa presentificação,
se segue a disforia da tomada de consciência.
À euforia do passado tornado presente segue-se, na estrofe seguinte,
a disforia da tomada de consciência de que é impossível recuperar _______________.
Numa telenovela brasileira
de há anos, uma personagem gostava de recitar trechos de poemas de Álvaro de
Campos (na telenovela diz-se serem de Fernando Pessoa, mas trata-se efetivamente
de textos assinados por Álvaro de Campos).
Transcrevo, a seguir, um deles
(«Na noite terrível, substância natural de todas as noites»). O outro, o «Poema
em linha reta», está no manual, na p. 95.
Na noite terrível, substância natural de todas as noites,
Na noite de insónia, substância natural de todas as minhas noites,
Relembro, velando em modorra incómoda,
Relembro o que fiz e o que podia ter feito na vida.
Relembro, e uma angústia
Espalha-se por mim todo como um frio do corpo ou um medo.
O irreparável do meu passado — esse é que é o cadáver!
Todos os outros cadáveres pode ser que sejam ilusão.
Todos os mortos pode ser que sejam vivos noutra parte.
Todos os meus próprios momentos passados pode ser que existam algures,
Na ilusão do espaço e do tempo,
Na falsidade do decorrer.
Mas o que eu não fui, o que eu não fiz, o que nem sequer sonhei;
O que só agora vejo que deveria ter feito,
O que só agora claramente vejo que deveria ter sido —
Isso é que é morto para além de todos os Deuses,
Isso — e foi afinal o melhor de mim — é que nem os Deuses fazem
viver...
Se em certa altura
Tivesse voltado para a esquerda em vez de para a direita;
Se em certo momento
Tivesse dito sim em vez de não, ou não em vez de sim;
Se em certa conversa
Tivesse tido as frases que só agora, no meio-sono, elaboro —
Se tudo isso tivesse sido assim,
Seria outro hoje, e talvez o universo inteiro
Seria insensivelmente levado a ser outro também.
Mas não virei para o lado irreparavelmente perdido,
Não virei nem pensei em virar, e só agora o percebo;
Mas não disse não ou não disse sim, e só agora vejo o que não disse;
Mas as frases que faltou dizer nesse momento surgem-me todas,
Claras, inevitáveis, naturais,
A conversa fechada concludentemente,
A matéria toda resolvida...
Mas só agora o que nunca foi, nem será para trás, me dói.
O que falhei deveras não tem esperança nenhuma
Em sistema metafísico nenhum.
Pode ser que para outro mundo eu possa levar o que sonhei.
Mas poderei eu levar para outro mundo o que me esqueci de sonhar?
Esses sim, os sonhos por haver, é que são o cadáver.
Enterro-o no meu coração para sempre, para todo o tempo, para todos
os universos.
Nesta noite em que não durmo, e o sossego me cerca
Como uma verdade de que não partilho,
E lá fora o luar, como a esperança que não tenho, é invisível p’ra
mim.
Poesias de Álvaro de Campos, Lisboa, Ática, 1944 (imp.
1993), p. 34
As palavras sublinhadas são
pronomes relativos (ou palavras
relativas); introduzem orações relativas. Reportam-se à expressão que as precede.
A sua função sintática na oração relativa é a que teria essa palavra. Diz
qual é em cada oração relativa:
oração adjetiva
relativa
Comi o gato | que brincava na rua | porque o tomei por uma
lebre.
[=
o qual] || função sintática de que: _____
oração
adjetiva relativa
Eram muito sofisticadas as ceifeiras | que o jornalista
entrevistou.
[as quais] || função sintática de que: _____
oração adjetiva relativa
A mercearia | onde vendem ópio | faliu.
[na
qual] || função sintática de onde: ______
Agora,
escreve a função sintática dos segmentos
sublinhados:
Bruno Fernandes|, que
eu considero bom jogador,| não escreve cartas ridículas | mas dá saltinhos ridículos
| ao marcar penáltis, | que enervam os guarda-redes.
função do primeiro que:
_______ || função do outro que: ________
Depois de vermos mais um trecho de Ruby Sparks, completa a tabela:
Livro escrito dentro do filme
Ruby Sparks |
Relato na carta a Adolfo Casais
Monteiro |
Autor |
|
____ (que é também personagem
do filme) |
Fernando
____ (que é também o herói da narrativa) |
Narrador |
|
Narrador é ________ (de 3.ª pessoa). Será, creio, omnisciente
mas, se bem me lembro, ocasionalmente com focalização _____ na personagem Calvin
(e, por essa via, indiretamente, talvez próximo do autor). |
Narrador é homodiegético (de ___ pessoa).
Não será propriamente omnisciente (é pouco realista um nar-rador interveniente
na ação saber tudo acerca de todos), mas, quando se reporta aos heterónimos, pa-rece
proceder como o típico narrador ______. |
Protagonistas |
|
Calvin (personagem que parece inspirada na realidade, isto é,
no ____, que aliás promete alterar-lhe o nome, para desfazer essa identidade)
e _____ (que não resulta de inspiração em alguém real preexistente, mas, ao contrário,
vem criar uma nova pessoa na realidade exterior à narrativa). |
______ (que seria o «mestre de todos»), Ricardo Reis, Álvaro
de Campos, os três verdadeiros heterónimos. Também se refere o semi-heterónimo
______ (que o narrador considera não ser muito diferente do próprio Pessoa) e
até personagens inventadas por Pessoa desde a infância. |
Retorno entre autor e personagens |
|
Autor pode conformar a intriga da narrativa que cria e, portanto,
também a caracterização da protagonista. Só que, neste caso, como a personagem
Ruby invade a realidade exterior ao romance, o autor molda também a própria vida,
na medida em que interage, na vida real, com o reflexo da Ruby ficcionada. Resume
a situação o neologismo «mentalcesto», amálgama de «mental(idade)» + «_____». |
Autor conforma o enredo da criação dos heterónimos
ao que, vinte anos depois, no ano da sua morte (1935), quer fixar para futura
glória do «dia _____». Mas tem de moldar o relato às características das figuras
esboçadas nas duas décadas através dos textos que escreveram (na verdade, da autoria
de Pessoa). Resume a situação: «estará o Casais Monteiro pensando que má sorte
o fez cair, por leitura, em meio de um manicómio». |
TPC — O poema «Aniversário», como outros da fase intimista
de Álvaro de Campos (ou mesmo, por vezes, certos trechos das odes sensacionistas),
aproveita o que podemos caracterizar como ‘a nostalgia da infância’. Este
tema é também frequente no Pessoa ortónimo. Para já, gostava que relanceasses —
em Gaveta de Nuvens — «Un soir à Lima»,
um longo poema que, tanto quanto se pode identificar sujeito poético e autor (e
não deve), se diria autobiográfico.
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