Sunday, September 05, 2021

Cábula 6 (Pessoa)


No caso de Pessoa, não vou pôr links nem repetir apresentações (têm-nos na página de entrada). Como está tudo ainda muito fresco, vou só copiar perguntas de interpretação, à grupo I, sobre cada um dos cinco Pessoas que interessam — Fernando Pessoa ortónimo, Caeiro, Campos, Ricardo Reis, Mensagem —, estando as soluções no final de tudo.
Trata-se mais de escrever e interpretar bem os poemas dados do que de saber matéria. De qualquer modo, a matéria está também no nosso manual, que terão à mão. E nas tarefas do Caderno de atividades reproduzidas na página de entrada. E nas vossas folhas, etc.
Tirado de Sentidos, 12:






Soluções
FERNANDO PESSOA ORTÓNIMO
1. Para o sujeito poético, os outros são "ditosos" e "felizes" por­que acenam "Um lenço de despedida!" (v. 2), o que significa que podem partir e sentir pena (podem ter sentimentos, vivenciá-los). Por seu turno, o "eu" sofre a vida sem pena, ou seja, não a vive; apenas passa por ela. Isto fá-lo sentir uma espécie de inveja dos outros, mesmo que sofram a dor da partida.
2. Na segunda estrofe, o sujeito poético revela a sua dor de pensar e o sofrimento causado pelo pensamento e pela impossibilidade de sonhar ou de poder concretizar o sonho que, por isso, ficou "suspenso". Na terceira estrofe, confirma-se o estado de abatimento e de agonia, por ver os dias a passarem por ele, permanecendo sempre "no cais", sentindo-se impotente face ao de­senrolar da vida.
3. O poema tem como tema "a dor de pensar", tal como se infere do verso "E a dor é já de pensar" (v. 6). Com efeito, ao longo do texto evidencia-se a reflexão sobre a vida que o "eu" poético ex­pressa, dando conta da sua inércia, da sua incapacidade de so­nhar, sentindo que a vida passa e ele nada mais fez se não pensar.
4. Através deste verso, o sujeito poético dá conta da passagem do tempo e do sofrimento que a sua vida lhe provoca. Revela, contudo, um certo masoquismo já que diz sofrer sem pena, ou seja, mesmo tendo consciência do sofrimento que a vida lhe traz, não tem pena de sofrer. Este recurso está ao serviço da descri­ção do estado de espírito do "eu" que, mesmo agonizando, não lamenta tal agonia.

ALBERTO CAEIRO
1. Neste poema, o sujeito poético revela a sua filosofia de vida, mostrando que lhe basta o que vê na Natureza para ser feliz. Por isso, parece expressar alguma indignação face àqueles que não se contentam com o sol, com os prados e com as flores que veem, afirmando mesmo: "A mim este sol, estes campos, estas flores contentam-me". Depois, continua a reafirmar a primazia da Na­tureza quando diz que, caso esses elementos o descontentassem, aquilo que ele desejaria era mais sol, mais campos, mais flores — só deseja o que há de concreto, porque o resto "são os sonhos dos homens / A miopia de quem vê pouco" (vv. 13-14).
2. Estes dois versos destacam a filosofia de vida de Caeiro e este é mais um dos muitos poemas em que o mestre dá conta dos seus princípios orientadores. Nestes versos, o sujeito poético deixa antever a recusa do pensamento e o privilégio dos sentidos, em particular da visão. Com efeito, Caeiro é o heterónimo que se rege pelas sensações e que acredita apenas naquilo que tem existência concreta. Por isso, todo aquele que se deixa conduzir pelos sonhos, pelo irreal, na sua opinião, fá-lo porque não sabe ver, pelo menos como ele vê. Na verdade, saber ver, para este heterónimo, é ser capaz de descobrir continuamente a novidade das coisas. Estas nunca são as mesmas e, para ver as diferenças, basta olhar de outro ângulo. Neste sentido, compreende-se o motivo de Caeiro dizer que os filósofos são homens doentes dos olhos e defender que, para ser feliz, basta saber ver e aceitar a ordem natural das coisas.
3. A "alma é aquilo que não aparece", e a "mais perfeita é aquela que não aparece nunca". Para o sujeito poético, a alma é invisível e, por isso, mais perfeita, até porque está fundida no corpo. Ou seja, tem uma existência real sem precisar de se autonomizar do corpo a que pertence, coincidindo com o próprio corpo. Assim, não pode ser questionada.
4. Caeiro pauta-se pela simplicidade e pelo uso objetivo da linguagem. Desta forma, os recursos expressivos usados são os mais simples, como é caso das exclamações nos três versos iniciais. Através delas, exprime a sua indignação e revolta por o homem não se contentar com o que a Natureza lhe oferece. Destaca-se também a anáfora nestes três versos ou então nos versos 6, 7 e 8 — "O que quero é". Esta última é tradutora da convicção e do desejo de o "eu" se contentar com o que a Natureza tem para lhe dar. Estes dois recursos confirmam a filosofia da simplicidade e da espontaneidade preconizadas por este heterónimo pessoano.

RICARDO REIS
1. A vida, na opinião do sujeito poético, foi concedida aos huma­nos por Jove, o pai dos deuses, também designado Júpiter, na mitologia romana, ou Zeus, na grega. Assim, os humanos devem viver imitando os deuses, julgando-se "deidades exiladas", por­que não vivem no Olimpo, mas na terra. Contudo, considera que devem ser "donos" deles próprios, isto é, responsáveis pela sua vida.
2. A vivência humana deve ser tranquila, esquecendo o "estio", símbolo de uma vida intensa e dedicada ao máximo prazer, uma vez que de nada vale o esforço numa existência "indecisa e afluente", cujo fim é o rio fatal e escuro, a morte. No fundo, deve aproveitar-se a vida, porque esta caminha inexoravelmente para a morte, aceitando-se o Destino que nos é oferecido.
3. Segundo o ponto de vista do sujeito poético, acima dos deuses está o Destino, que "É calmo e inexorável". E, se o Destino con­trola os deuses, também controla os humanos. Assim, devemos ter sempre presente esse "fado involuntário" cuja opressão que sobre nós exerce é da nossa inteira responsabilidade, que deve estar presente na hora da partida.
4. Os dois termos destacados são usados metafórica e eufemisticamente, uma vez que ambos remetem para a morte, para o fim que inevitavelmente nos aguarda — e do qual ninguém pode fugir —, independentemente de o aceitarmos ou não. Desta forma, é preferível acatar o nosso fado e viver a liberdade que os deuses nos concederam.

ÁLVARO DE CAMPOS
1. A oposição passado/presente manifesta-se através da rapariga loira que, no momento atual, o sujeito poético vê e que o faz pensar na outra que vira numa outra rua e numa outra cidade, assumindo mesmo que está a recordar. Tal facto leva-o ao lamento de não ter reparado efetivamente na rapariga loira que vira no presente.
2. O "eu" mostra-se confuso, num estado de evasão e reflexão, mas também com a "alma virada do avesso". Admite que a so­lução desta instabilidade é a escrita de versos que poderão fazê-lo passar por doido ou por génio. Estes termos antagónicos reforçam também a instabilidade em que se encontra o sujeito poético.
3. As interrogações vêm reforçar o estado de uma espécie de alucinação, evidenciando a confusão deixada por memórias difusas ou por situações experienciadas e para as quais não encontra resposta.

FERNANDO PESSOA, MENSAGEM
1. A memória é uma capacidade que o ser humano tem ao seu dis­por e que lhe permite guardar factos dignos de glória e que con­tribuíram para a afirmação nacional. Nesse sentido, esses feitos ficam registados na História de uma nação, tal como aconteceu ao chefe dos lusitanos. De simples pastor a célebre guerreiro — "Vivemos, raça, porque houvesse / Memória em nós do instinto teu".
2. O facto de esta figura ter sido um combatente com um forte espirito de luta fez com que a sua ação fosse determinante para a construção da nação portuguesa, principalmente porque aju­dou a expulsar do território nacional outros povos. Ele foi uma espécie de fundador, foi a "haste", a origem da nossa nacionali­dade, tal como explicitam os versos como "Ou tu, ou o de que eras a haste — / Assim se Portugal formou" ou ainda "Teu ser é como aquela / Fria luz que precede a madrugada", onde se evidencia que Viriato foi, ainda que sem o saber, o pai de Portugal.
3. Quando se afirma que a "fria luz" "precede a madrugada", pre­tende dizer-se que o nada (o mito) está na origem do novo dia. Na origem do mito, metaforicamente associada à fria luz e à madru­gada, germina já a sua essência e importância, ou seja, o "haver o dia", ainda que apenas difuso ("confuso nada"). Sendo assim, percebe-se que o mito alimenta a realidade, tal como a figura mítica de Viriato alimentou as gerações que lhe sucederam.
4. Esta metáfora destaca Viriato como um herói pré-nacional, uma vez que pela expressão "o ir haver o dia" se indicia a pre­paração de algo que está para vir. Logo, "o dia" será metáfora da nação portuguesa que viria a ser fundada e que ocuparia também a região que ele defendia corajosamente, no ano de 139 a. C., dos romanos.