Cábula 6 (Pessoa)
No caso de Pessoa,
não vou pôr links nem repetir apresentações (têm-nos na página de entrada). Como
está tudo ainda muito fresco, vou só copiar perguntas de interpretação, à grupo
I, sobre cada um dos cinco Pessoas que interessam — Fernando Pessoa ortónimo, Caeiro,
Campos, Ricardo Reis, Mensagem —, estando as soluções no final de tudo.
Trata-se mais de
escrever e interpretar bem os poemas dados do que de saber matéria. De qualquer
modo, a matéria está também no nosso manual, que terão à mão. E nas tarefas do Caderno
de atividades reproduzidas na página de entrada. E nas vossas folhas, etc.
Tirado de Sentidos, 12:
Soluções
FERNANDO PESSOA ORTÓNIMO
1. Para o sujeito poético, os outros são
"ditosos" e "felizes" porque acenam "Um lenço de
despedida!" (v. 2), o que significa que podem partir e sentir pena (podem
ter sentimentos, vivenciá-los). Por seu turno, o "eu" sofre a vida
sem pena, ou seja, não a vive; apenas passa por ela. Isto fá-lo sentir uma
espécie de inveja dos outros, mesmo que sofram a dor da partida.
2. Na segunda estrofe, o sujeito poético
revela a sua dor de pensar e o sofrimento causado pelo pensamento e pela
impossibilidade de sonhar ou de poder concretizar o sonho que, por isso, ficou
"suspenso". Na terceira estrofe, confirma-se o estado de abatimento e
de agonia, por ver os dias a passarem por ele, permanecendo sempre "no
cais", sentindo-se impotente face ao desenrolar da vida.
3. O poema tem como tema "a dor de
pensar", tal como se infere do verso "E a dor é já de pensar" (v.
6). Com efeito, ao longo do texto evidencia-se a reflexão sobre a vida que o
"eu" poético expressa, dando conta da sua inércia, da sua
incapacidade de sonhar, sentindo que a vida passa e ele nada mais fez se não
pensar.
4. Através deste verso, o sujeito poético
dá conta da passagem do tempo e do sofrimento que a sua vida lhe provoca. Revela,
contudo, um certo masoquismo já que diz sofrer sem pena, ou seja, mesmo tendo
consciência do sofrimento que a vida lhe traz, não tem pena de sofrer. Este
recurso está ao serviço da descrição do estado de espírito do "eu"
que, mesmo agonizando, não lamenta tal agonia.
ALBERTO CAEIRO
1. Neste poema, o sujeito poético revela a
sua filosofia de vida, mostrando que lhe basta o que vê na Natureza para ser
feliz. Por isso, parece expressar alguma indignação face àqueles que não se
contentam com o sol, com os prados e com as flores que veem, afirmando mesmo:
"A mim este sol, estes campos, estas flores contentam-me". Depois,
continua a reafirmar a primazia da Natureza quando diz que, caso esses
elementos o descontentassem, aquilo que ele desejaria era mais sol, mais
campos, mais flores — só deseja o que há de concreto, porque o resto "são
os sonhos dos homens / A miopia de quem vê pouco" (vv. 13-14).
2. Estes dois versos destacam a filosofia
de vida de Caeiro e este é mais um dos muitos poemas em que o mestre dá conta
dos seus princípios orientadores. Nestes versos, o sujeito poético deixa antever
a recusa do pensamento e o privilégio dos sentidos, em particular da visão. Com
efeito, Caeiro é o heterónimo que se rege pelas sensações e que acredita apenas
naquilo que tem existência concreta. Por isso, todo aquele que se deixa
conduzir pelos sonhos, pelo irreal, na sua opinião, fá-lo porque não sabe ver,
pelo menos como ele vê. Na verdade, saber ver, para este heterónimo, é ser
capaz de descobrir continuamente a novidade das coisas. Estas nunca são as
mesmas e, para ver as diferenças, basta olhar de outro ângulo. Neste sentido,
compreende-se o motivo de Caeiro dizer que os filósofos são homens doentes dos
olhos e defender que, para ser feliz, basta saber ver e aceitar a ordem natural
das coisas.
3. A "alma é aquilo que não
aparece", e a "mais perfeita é aquela que não aparece nunca".
Para o sujeito poético, a alma é invisível e, por isso, mais perfeita, até
porque está fundida no corpo. Ou seja, tem uma existência real sem precisar de
se autonomizar do corpo a que pertence, coincidindo com o próprio corpo. Assim,
não pode ser questionada.
4. Caeiro pauta-se pela simplicidade e pelo
uso objetivo da linguagem. Desta forma, os recursos expressivos usados são os
mais simples, como é caso das exclamações nos três versos iniciais. Através
delas, exprime a sua indignação e revolta por o homem não se contentar com o
que a Natureza lhe oferece. Destaca-se também a anáfora nestes três versos ou
então nos versos 6, 7 e 8 — "O que quero é". Esta última é tradutora
da convicção e do desejo de o "eu" se contentar com o que a Natureza
tem para lhe dar. Estes dois recursos confirmam a filosofia da simplicidade e
da espontaneidade preconizadas por este heterónimo pessoano.
RICARDO REIS
1. A vida, na opinião do sujeito poético,
foi concedida aos humanos por Jove, o pai dos deuses, também designado Júpiter,
na mitologia romana, ou Zeus, na grega. Assim, os humanos devem viver imitando
os deuses, julgando-se "deidades exiladas", porque não vivem no
Olimpo, mas na terra. Contudo, considera que devem ser "donos" deles
próprios, isto é, responsáveis pela sua vida.
2. A vivência humana deve ser tranquila,
esquecendo o "estio", símbolo de uma vida intensa e dedicada ao
máximo prazer, uma vez que de nada vale o esforço numa existência
"indecisa e afluente", cujo fim é o rio fatal e escuro, a morte. No
fundo, deve aproveitar-se a vida, porque esta caminha inexoravelmente para a
morte, aceitando-se o Destino que nos é oferecido.
3. Segundo o ponto de vista do sujeito
poético, acima dos deuses está o Destino, que "É calmo e inexorável".
E, se o Destino controla os deuses, também controla os humanos. Assim, devemos
ter sempre presente esse "fado involuntário" cuja opressão que sobre
nós exerce é da nossa inteira responsabilidade, que deve estar presente na hora
da partida.
4. Os dois termos destacados são usados
metafórica e eufemisticamente, uma vez que ambos remetem para a morte, para o
fim que inevitavelmente nos aguarda — e do qual ninguém pode fugir —,
independentemente de o aceitarmos ou não. Desta forma, é preferível acatar o
nosso fado e viver a liberdade que os deuses nos concederam.
ÁLVARO DE CAMPOS
1. A oposição passado/presente manifesta-se
através da rapariga loira que, no momento atual, o sujeito poético vê e que o
faz pensar na outra que vira numa outra rua e numa outra cidade, assumindo
mesmo que está a recordar. Tal facto leva-o ao lamento de não ter reparado
efetivamente na rapariga loira que vira no presente.
2. O "eu" mostra-se confuso, num
estado de evasão e reflexão, mas também com a "alma virada do avesso".
Admite que a solução desta instabilidade é a escrita de versos que poderão fazê-lo
passar por doido ou por génio. Estes termos antagónicos reforçam também a
instabilidade em que se encontra o sujeito poético.
3. As interrogações vêm reforçar o estado
de uma espécie de alucinação, evidenciando a confusão deixada por memórias
difusas ou por situações experienciadas e para as quais não encontra resposta.
FERNANDO PESSOA, MENSAGEM
1. A memória é uma capacidade que o ser
humano tem ao seu dispor e que lhe permite guardar factos dignos de glória e
que contribuíram para a afirmação nacional. Nesse sentido, esses feitos ficam
registados na História de uma nação, tal como aconteceu ao chefe dos lusitanos.
De simples pastor a célebre guerreiro — "Vivemos, raça, porque houvesse /
Memória em nós do instinto teu".
2. O facto de esta figura ter sido um
combatente com um forte espirito de luta fez com que a sua ação fosse
determinante para a construção da nação portuguesa, principalmente porque ajudou
a expulsar do território nacional outros povos. Ele foi uma espécie de
fundador, foi a "haste", a origem da nossa nacionalidade, tal como
explicitam os versos como "Ou tu, ou o de que eras a haste — / Assim se
Portugal formou" ou ainda "Teu ser é como aquela / Fria luz que
precede a madrugada", onde se evidencia que Viriato foi, ainda que sem o
saber, o pai de Portugal.
3. Quando se afirma que a "fria
luz" "precede a madrugada", pretende dizer-se que o nada (o
mito) está na origem do novo dia. Na origem do mito, metaforicamente associada
à fria luz e à madrugada, germina já a sua essência e importância, ou seja, o
"haver o dia", ainda que apenas difuso ("confuso nada").
Sendo assim, percebe-se que o mito alimenta a realidade, tal como a figura
mítica de Viriato alimentou as gerações que lhe sucederam.
4. Esta metáfora destaca Viriato como um
herói pré-nacional, uma vez que pela expressão "o ir haver o dia" se
indicia a preparação de algo que está para vir. Logo, "o dia" será
metáfora da nação portuguesa que viria a ser fundada e que ocuparia também a
região que ele defendia corajosamente, no ano de 139 a. C., dos romanos.
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