Prova-modelo 7
A prova-modelo é
surripiada a Marina Rocha, Exame Português 12.º ano, s.l., Leya, 2019;
as soluções estão a seguir à prova. No item 7, a solução proposta podia explicitar os três
momentos pedidos (falta-lhe a divisão em parágrafos). (As cotações, como sabes,
já não serão as que, por vezes, se veem nas margens. Passou tudo a 13 pontos,
exceto o Grupo III, que vale 44.)
Soluções
PROVA-MODELO 7
GRUPO I — A
1. Na primeira estrofe, o sujeito poético
fornece ao leitor o contexto de base do poema na medida em que coloca Diogo Cão
a informar que ele próprio («Eu, Diogo Cão, navegador») chegou a uma praia
(«areal moreno», ou seja, num país dourado pelo Sol, como o são os africanos),
onde deixou a marca portuguesa («padrão») e depois continuou a sua viagem — «E
para diante naveguei».
2. De acordo com estes dois versos torna-se
claro que o que é humano é inacabado («a obra é imperfeita») e está sempre
aberto à novidade e ao aperfeiçoamento; o divino — a alma — depende da força
ancorada em Deus ou das graças que o próprio Deus quiser conceder ao humano.
Daí que esta espécie de narrador que é Diogo Cão afirme que aquilo que falta fazer
(por exemplo, as terras que falta descobrir e explorar, à luz da interpretação
das Descobertas) não está nas mãos do ser humano, mas nas da Providência
Divina, como se lê em «da obra ousada, é minha a parte feita». Em suma, o
humano tem de fazer obra física, mas, em última instância, a concretização da
obra está dependente do divino.
3. Partindo de símbolos concretos, tais
como as quinas e o mar, Pessoa veicula, através deste poema, a ideia
fundamental da obra Mensagem. Se as quinas simbolizam não só a bandeira
portuguesa (por sua vez, símbolo do domínio político e territorial de Portugal
no Ultramar), mas também a hegemonia portuguesa na primeira fase dos
Descobrimentos, então estamos perante uma interpretação evidente de que
Portugal conseguiu feitos históricos notáveis ao longo do período das
Descobertas. No entanto, o conteúdo desta estrofe vai mais além do que ficou
dito, pois podemos ler nas quinas as cinco chagas de Jesus Cristo crucificado
que, tendo sido suportadas, O levaram à glória da Ressurreição, tal como o que
aconteceu com os Portugueses que, sofridas as desventuras da expansão
marítima, conseguiram criar um império materializado no «mar». Sobre o «mar»
lemos que o «sem fim é português», isto é, não só o físico, mas o «mar da
vida», o «mar da inteligência», isto é, aquele que simboliza tudo quanto está
por descobrir — esse, lê-se no poema — «é português», por outras palavras, está
ao alcance de Portugal. Eis, portanto, umas das interpretações mais poderosas
de Mensagem.
4. Manuel de Sousa Coutinho recebe
informações de Telmo e Miranda e lidera tudo quanto se está a passar em sua
casa, orientando todas as personagens. Assim, podemos verificar que é através
de Telmo que Manuel sabe do desembarque dos governadores («desembarcaram agora
grande comitiva de fidalgos, escudeiros e soldados»). Em seguida, e tomada a
decisão de partir de sua própria casa, Manuel chama o irmão (Frei Jorge), a
filha (Maria) e a esposa (Madalena), dando instruções precisas a cada um.
Quanto ao criado Miranda, Manuel dialoga com ele no sentido do embarque dos
seus bens.
5. A última fala de Manuel de Sousa
Coutinho revela que este homem é um exemplo excelente dos valores da nobreza
portuguesa e, por inerência, de Portugal, valores que Almeida Garrett torna
claros em Frei Luís de Sousa. Podemos encontrar evidências destes
valores em quatro momentos diferentes: o primeiro é a referência à tradição
familiar de mortes trágicas, mas honradas, em batalha («Meu pai morreu
desastrosamente caindo sobre a sua própria espada»); o segundo é a menção
direta aos valores de um verdadeiro fidalgo português («como um homem de honra
e coração») que constantemente luta e resiste à «tirania»; o terceiro é o
desapego relativamente aos bens materiais («esses haveres que duas faíscas
destroem num momento»), isto é, a perceção de que o verdadeiro valor da vida
não é material, mas espiritual e comportamental; o quarto é a decisão de atear
fogo à sua própria casa para nela não habitarem os traidores de Portugal, que
se associaram aos castelhanos, após o desaparecimento do seu rei jovem e
promissor, D. Sebastião. Assim, através desta intervenção de Manuel,
testemunhamos os valores honrados de um aristocrata português que luta pelo
seu país justo e livre.
6. Dada a natureza emotiva desta
intervenção de Manuel de Sousa Coutinho, a sua linguagem está revestida de
características próprias do domínio da emoção. Desta forma, destacam-se três:
as frases interrogativas perante a visão da sua própria morte honrosa («Quem
sabe se eu morrerei nas chamas ateadas por minhas mãos?»); as frases
exclamativas que exaltam o valor essencial da vida humana em detrimento do
mortal e finito («como é esta vida miserável que um sopro pode apagar em menos
tempo ainda!»); e ainda o recurso a vocábulos de forte conotação emocional
(pejorativa ou valorativa), tais como «desastrosamente», «honra», «coração»,
«tirania», «coisas tão vis e precárias» e «vida miserável»).
7. Partindo
da descrição da sua anatomia, no capítulo III, o Padre António Vieira louva o
«peixe quatro-olhos» essencialmente porque, nadando à superfície do mar e por
estar sujeito aos perigos do mar e do ar/céu, este peixe é uma espécie de
sentinela dos dois elementos. Tem ainda a capacidade de se proteger dos potenciais
inimigos, terrestres ou marítimos, pelo facto de poder olhar simultaneamente
para cima e para baixo. A descrição física do «peixe quatro-olhos» serve de
mote para a criação da alegoria e da crítica social: os seres humanos devem
estar atentos, à semelhança do «peixe quatro-olhos», às duas dimensões da vida
humana — o que está acima (o divino) e o que está abaixo (o terrestre), como é
possível ler-se na seguinte passagem textual: «Esta é a pregação que me fez
aquele peixezinho, ensinando-me que, se tenho fé e uso da razão, só devo olhar
direitamente para cima, e só direitamente para baixo: para cima, considerando
que há Céu, e para baixo, lembrando-me que há Inferno.»
GRUPO II
1. (B); 2. (A); 3. (A); 4. (C); 5. (D).
6. Valor explicativo.
7. Oração subordinada adverbial
comparativa.
GRUPO III
Aquilo que
distingue o ser humano dos outros animais é, antes de mais, o uso da razão. E
dela decorre a capacidade de sonharmos. 0 sonho de cada um de nós assume várias
formas e visa vários objetivos e conquistas pessoais. Consideremos dois
exemplos ilustrativos do poder que o ato de sonhar tem sobre a vida humana.
Primeiro, tomemos o
caso do ser humano na sua globalidade. Pessoa escreveu que «Deus quer, o Homem
sonha, a obra nasce» e isso viu-se na História Universal ao longo dos
milénios. Se remontarmos, de acordo com a teoria de Darwin, à evolução humana,
percebemos que o ser humano não foi evoluindo somente na sua anatomia de
espécie, mas também na invenção e no manuseamento de recursos que tinha à sua
disposição. Ao homo habilis
associamos o trabalho da pedra, ao homo erectus o do fogo, a todos os subsequentes, comportamentos básicos da
vivência na Natureza e em sociedade (a rupestre, a nómada, a recoletora, por
exemplo). E, milénios decorridos, os primeiros «amigos da sabedoria» — os
filósofos — refletiram sobre o meio circundante e deram a génese para as várias
ciências. Isto evidencia que o ser humano sentiu esse «sonho (...) por
dentro», como lemos na citação de Miguel Torga, e partiu à descoberta e à
exploração. Eis como nasceu a «obra» de que fala Pessoa, isto é, o progresso,
um avançar da vida humana até aos dias de hoje.
Segundo, vejamos o
Homem como indivíduo. Todos, e cada um de nós, estamos em posição de afirmar,
sem margem para dúvidas, que vivemos a nossa vida de acordo com um sonho
íntimo — o de assegurar a nossa sobrevivência, mas tendo em conta o que
almejamos de felicidade para nós mesmos. Seja qual for tal felicidade. Assim,
todos queremos sentir-nos realizados na profissão/carreira, na vida familiar,
enfim, na vida tomada como um todo. Assim se justifica que haja estudantes que
procuram terminar a escolaridade obrigatória para seguir uma vida profissional
ou que haja também aqueles que optam pela vida universitária rumo à
investigação científica ou pedagógica. Assim se justifica que haja
profissionais a consubstanciar as suas competências e talentos, cientistas a
fazer a sua ciência, artistas a expressar a sua arte, artífices a esculpir as
suas peças. Porquê e para quê? Creio que porque dentro de cada um de nós existe
esse sonho, que é nada menos do que essa força invisível, esse querer
intensamente conquistar o seu espaço na própria vida e no mundo, nem que seja o
seu.
Em jeito de
conclusão, podemos relembrar o poeta Sebastião da Gama — «Pelo sonho é que
vamos».
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