Friday, August 30, 2019

Prova-modelo 7


A prova-modelo é surripiada a Marina Rocha, Exame Português 12.º ano, s.l., Leya, 2019; as soluções estão a seguir à prova. No item 7, a solução proposta podia explicitar os três momentos pedidos (falta-lhe a divisão em parágrafos). (As cotações, como sabes, já não serão as que, por vezes, se veem nas margens. Passou tudo a 13 pontos, exceto o Grupo III, que vale 44.)






Soluções
PROVA-MODELO 7
GRUPO I — A
1. Na primeira estrofe, o sujeito poético fornece ao leitor o contexto de base do poema na medida em que coloca Diogo Cão a informar que ele próprio («Eu, Diogo Cão, navegador») chegou a uma praia («areal moreno», ou seja, num país dou­rado pelo Sol, como o são os africanos), onde deixou a marca portuguesa («padrão») e depois continuou a sua viagem — «E para diante naveguei».
2. De acordo com estes dois versos torna-se claro que o que é humano é inacabado («a obra é imperfeita») e está sempre aberto à novidade e ao aperfeiçoamento; o divino — a alma — depende da força ancorada em Deus ou das graças que o pró­prio Deus quiser conceder ao humano. Daí que esta espécie de narrador que é Diogo Cão afirme que aquilo que falta fa­zer (por exemplo, as terras que falta descobrir e explorar, à luz da interpretação das Descobertas) não está nas mãos do ser humano, mas nas da Providência Divina, como se lê em «da obra ousada, é minha a parte feita». Em suma, o humano tem de fazer obra física, mas, em última instância, a concre­tização da obra está dependente do divino.
3. Partindo de símbolos concretos, tais como as quinas e o mar, Pessoa veicula, através deste poema, a ideia fundamental da obra Mensagem. Se as quinas simbolizam não só a bandeira portuguesa (por sua vez, símbolo do domínio político e territorial de Portugal no Ultramar), mas também a hegemonia portuguesa na primeira fase dos Descobrimentos, então estamos perante uma interpretação evidente de que Portugal conseguiu feitos históricos notáveis ao longo do período das Descobertas. No entanto, o conteúdo desta estrofe vai mais além do que ficou dito, pois podemos ler nas quinas as cinco chagas de Jesus Cristo crucificado que, tendo sido suportadas, O levaram à glória da Ressurreição, tal como o que acon­teceu com os Portugueses que, sofridas as desventuras da expansão marítima, conseguiram criar um império materiali­zado no «mar». Sobre o «mar» lemos que o «sem fim é portu­guês», isto é, não só o físico, mas o «mar da vida», o «mar da inteligência», isto é, aquele que simboliza tudo quanto está por descobrir — esse, lê-se no poema — «é português», por outras palavras, está ao alcance de Portugal. Eis, portanto, umas das interpretações mais poderosas de Mensagem.
4. Manuel de Sousa Coutinho recebe informações de Telmo e Miranda e lidera tudo quanto se está a passar em sua casa, orientando todas as personagens. Assim, podemos verificar que é através de Telmo que Manuel sabe do desembarque dos governadores («desembarcaram agora grande comitiva de fidalgos, escudeiros e soldados»). Em seguida, e tomada a decisão de partir de sua própria casa, Manuel chama o irmão (Frei Jorge), a filha (Maria) e a esposa (Madalena), dando ins­truções precisas a cada um. Quanto ao criado Miranda, Ma­nuel dialoga com ele no sentido do embarque dos seus bens.
5. A última fala de Manuel de Sousa Coutinho revela que este homem é um exemplo excelente dos valores da nobreza por­tuguesa e, por inerência, de Portugal, valores que Almeida Garrett torna claros em Frei Luís de Sousa. Podemos encontrar evidências destes valores em quatro momentos diferentes: o primeiro é a referência à tradição familiar de mortes trágicas, mas honradas, em batalha («Meu pai morreu desastrosamen­te caindo sobre a sua própria espada»); o segundo é a menção direta aos valores de um verdadeiro fidalgo português («como um homem de honra e coração») que constantemente luta e resiste à «tirania»; o terceiro é o desapego relativamente aos bens materiais («esses haveres que duas faíscas destroem num momento»), isto é, a perceção de que o verdadeiro valor da vida não é material, mas espiritual e comportamental; o quarto é a decisão de atear fogo à sua própria casa para nela não habitarem os traidores de Portugal, que se associaram aos castelhanos, após o desaparecimento do seu rei jovem e promissor, D. Sebastião. Assim, através desta intervenção de Manuel, testemunhamos os valores honrados de um aristo­crata português que luta pelo seu país justo e livre.
6. Dada a natureza emotiva desta intervenção de Manuel de Sousa Coutinho, a sua linguagem está revestida de caracte­rísticas próprias do domínio da emoção. Desta forma, des­tacam-se três: as frases interrogativas perante a visão da sua própria morte honrosa («Quem sabe se eu morrerei nas chamas ateadas por minhas mãos?»); as frases exclamativas que exaltam o valor essencial da vida humana em detrimento do mortal e finito («como é esta vida miserável que um sopro pode apagar em menos tempo ainda!»); e ainda o recurso a vocábulos de forte conotação emocional (pejorativa ou va­lorativa), tais como «desastrosamente», «honra», «coração», «tirania», «coisas tão vis e precárias» e «vida miserável»).
7.         Partindo da descrição da sua anatomia, no capítulo III, o Padre An­tónio Vieira louva o «peixe quatro-olhos» essencialmente por­que, nadando à superfície do mar e por estar sujeito aos perigos do mar e do ar/céu, este peixe é uma espécie de sentinela dos dois elementos. Tem ainda a capacidade de se proteger dos po­tenciais inimigos, terrestres ou marítimos, pelo facto de poder olhar simultaneamente para cima e para baixo. A descrição físi­ca do «peixe quatro-olhos» serve de mote para a criação da ale­goria e da crítica social: os seres humanos devem estar atentos, à semelhança do «peixe quatro-olhos», às duas dimensões da vida humana — o que está acima (o divino) e o que está abaixo (o terrestre), como é possível ler-se na seguinte passagem textual: «Esta é a pregação que me fez aquele peixezinho, ensinando-me que, se tenho fé e uso da razão, só devo olhar direitamente para cima, e só direitamente para baixo: para cima, considerando que há Céu, e para baixo, lembrando-me que há Inferno.»

GRUPO II
1. (B); 2. (A); 3. (A); 4. (C); 5. (D).
6. Valor explicativo.
7. Oração subordinada adverbial comparativa.

GRUPO III
Aquilo que distingue o ser humano dos outros animais é, antes de mais, o uso da razão. E dela decorre a capacidade de sonharmos. 0 sonho de cada um de nós assume várias formas e visa vários ob­jetivos e conquistas pessoais. Consideremos dois exemplos ilus­trativos do poder que o ato de sonhar tem sobre a vida humana.
Primeiro, tomemos o caso do ser humano na sua globalidade. Pessoa escreveu que «Deus quer, o Homem sonha, a obra nas­ce» e isso viu-se na História Universal ao longo dos milénios. Se remontarmos, de acordo com a teoria de Darwin, à evolução humana, percebemos que o ser humano não foi evoluindo so­mente na sua anatomia de espécie, mas também na invenção e no manuseamento de recursos que tinha à sua disposição. Ao homo habilis associamos o trabalho da pedra, ao homo erectus o do fogo, a todos os subsequentes, comportamentos básicos da vivência na Natureza e em sociedade (a rupestre, a nómada, a recoletora, por exemplo). E, milénios decorridos, os primeiros «amigos da sabedoria» — os filósofos — refletiram sobre o meio circundante e deram a génese para as várias ciências. Isto evi­dencia que o ser humano sentiu esse «sonho (...) por dentro», como lemos na citação de Miguel Torga, e partiu à descoberta e à exploração. Eis como nasceu a «obra» de que fala Pessoa, isto é, o progresso, um avançar da vida humana até aos dias de hoje.
Segundo, vejamos o Homem como indivíduo. Todos, e cada um de nós, estamos em posição de afirmar, sem margem para dúvi­das, que vivemos a nossa vida de acordo com um sonho íntimo — o de assegurar a nossa sobrevivência, mas tendo em conta o que almejamos de felicidade para nós mesmos. Seja qual for tal felicidade. Assim, todos queremos sentir-nos realizados na profissão/carreira, na vida familiar, enfim, na vida tomada como um todo. Assim se justifica que haja estudantes que pro­curam terminar a escolaridade obrigatória para seguir uma vida profissional ou que haja também aqueles que optam pela vida universitária rumo à investigação científica ou pedagógica. As­sim se justifica que haja profissionais a consubstanciar as suas competências e talentos, cientistas a fazer a sua ciência, artis­tas a expressar a sua arte, artífices a esculpir as suas peças. Porquê e para quê? Creio que porque dentro de cada um de nós existe esse sonho, que é nada menos do que essa força invisível, esse querer intensamente conquistar o seu espaço na própria vida e no mundo, nem que seja o seu.
Em jeito de conclusão, podemos relembrar o poeta Sebastião da Gama — «Pelo sonho é que vamos».