Friday, August 30, 2019

Prova-modelo 3


A prova-modelo é surripiada a Marina Rocha, Exame Português 12.º ano, s.l., Leya, 2019; as soluções estão a seguir à prova. (As cotações, como sabes, já não serão as que, por vezes, se veem nas margens. Passou tudo a 13 pontos, exceto o Grupo III, que vale 44.)






Soluções
PROVA-MODELO 3
GRUPO I
1. Tendo em conta o contexto referido na primeira estrofe, perce­bemos que, num outro tempo («outrora»), houve uma «guerra» que incluiu uma «invasão» a uma «Cidade», onde os invasores, porventura, atearam um fogo que «ardia». Nesse momento, havia «mulheres» que «gritavam». Enquanto isto, «dois joga­dores» jogavam «xadrez» de modo «contínuo», sem parar.
2. A conjunção coordenativa adversativa «Mas» confirma o con­traste entre a calma e a apatia destes dois jogadores de xadrez e a violência do ambiente circundante, motivado pela guerra e respetiva invasão. Os dois jogadores, enquanto esperam a jogada do «adversário», refrescam a sua «sede» com um «pú­caro com vinho», estando relaxados à sombra de uma «árvore ampla». Esta calma transmitida pelos jogadores contrasta com o ambiente na cidade, onde as «casas» são roubadas, as «mu­lheres» são «violadas» e as «crianças» são esfaqueadas («tras­passadas de lanças») e deixadas exangues «nas ruas». Assim, a conjunção adversativa «Mas» introduz uma espécie de dico­tomia, pois estando «perto» da cidade em tumulto, estes dois jogadores conservam a sua passividade, serenidade e calma.
3. As duas formas verbais descrevem claramente a diferença entre aquilo que os jogadores pensam por instantes e aquilo que decidem fazer em seguida, ou seja, eles sabem que as suas «mulheres» e as suas «tenras filhas» podem estar a ser saqueadas, violadas e assassinadas, todavia optam por re­gressar («volviam») calmamente ao seu tabuleiro para jogar o seu jogo de xadrez. Além disso, conseguem conservar a sua «atenta confiança» naquilo que escolhem fazer: ignorar o turbilhão e continuar a jogar.
4. Na última estrofe, Ricardo Reis formula uma espécie de ape­lo para que «Imitemos os persas desta história». Ao fazê-lo, dá exemplos concretos: cada um continue «sonhando», mes­mo que os problemas da «guerra», da «pátria» e da «vida» nos tentem retirar a paz interior. Estamos, portanto, perante características próprias da sua filosofia de vida, do carpe diem, da filosofia epicurista (aproveitar o que se faz no mo­mento presente, que é breve e passageiro) e estoicista (su­portar as adversidades com calma e, se for caso disso, como acontece com estes dois jogadores de xadrez, tirar o prazer possível da situação). No entanto, a situação apresentada é de extrema dificuldade, pelo que deverá ser quase impossí­vel manter a filosofia de vida apresentada.
5. Dois aspetos da crítica de costumes feita por Eça de Queirós neste episódio das Corridas de Cavalos, são, por exemplo, a falta de civismo e escrúpulos na convivência social, pois, num ambiente de festa, os intervenientes perdem a com­postura e entram em disputas, passando das palavras aos atos, usando de violência — «chapéus pelo ar, baques surdos de murros» (ll. 8-9); a incapacidade de imitar e adaptar com elegância aspetos culturais de um país estrangeiro e civilizado, como a Ingla­terra, no que diz respeito à organização e à realização de Corridas de Cavalos — isto revelando-se não só na «massa de gente» que «oscilou» com a violência, mas também na intervenção final do «marquês», que admite que «Do que gostamos é de vinhaça, e viola, e bordoada» (ll. 18-19).
6. Enquanto o narrador se encontra a apresentar e descrever os vários momentos do desentendimento entre os apostadores e o Vargas (o que faz em formato de discurso indireto), deci­de incorporar no seu discurso palavras literalmente ditas por esta última personagem, nomeadamente o grupo nominal «gente decente». Assim, consegue, sem marcas de discurso direto, apropriar-se da linguagem da personagem em questão.
7.         A voz que ouvimos clamar na poesia do ortónimo está inde­levelmente colocada entre esses dois mundos — o do sonho e o da realidade.
Consideremos cada um em particular. O sonho é conotado como o lugar do ideal, da liberdade, da felicidade plena, onde há uma espécie de Bem supremo. Podemos lê-lo como uma «ilha extrema do sul» (no poema «Não sei se é sonho, se reali­dade»), onde «a vida é jovem e o amor sorri» — sendo a vida e a juventude associadas a uma frescura e a um vigor plenos. Por outro lado, a realidade é associada a um outro lugar — «nesta terra» — onde «O mal não cessa, não dura o bem», isto é, um lugar (físico ou imaginário) agreste e contrário ao sonho.
Em conclusão, quando afirmamos que a voz poética está entre estes dois mundos é porque, não se sabendo bem os contornos individuais de sonho e realidade (sendo «uma mis­tura de sonho e vida»), a verdade é que pensar sobre esta dicotomia «desvirtua» o sonho e cansa («Mas já sonhada se desvirtua, / Só de pensá-la cansou pensar»).

GRUPO II
1. (C); 2. (A); 3. (D); 4.(C); 5. (B).
6. Oração subordinada adjetiva relativa restritiva.
7. Complemento indireto.

GRUPO III
«Globalização da indiferença» chama a atenção para a supre­macia do egoísmo e do fechamento de cada indivíduo aos ou­tros. O problema agudiza-se porque se expande ao planeta em que habitamos. O Papa Francisco tem mundividência suficien­te para o afirmar com propriedade em qualquer evento públi­co, no Vaticano como em qualquer parte do mundo. Porque o faz? Creio que não apenas para denunciar simplesmente um problema gravíssimo, mas para encorajar os povos, sobretudo dos países ditos «desenvolvidos», a solucionar o dito proble­ma, alterando comportamentos e padrões de vida. Estará esta afirmação circunscrita à fé e às religiões cristãs? Talvez não, de todo. Pelo contrário, atinge todos os credos porque todos eles professam o Bem humano, superior e divino.
Atentemos em dois exemplos que ilustram esta «globalização da indiferença» e em que urgem alterações de mentalidades e de comportamentos: os sem-abrigo em grandes cidades desen­volvidas e o trabalho infantil na Asia. De visita a Lisboa, como a Paris ou Nova Iorque, a Roma ou a Frankfurt, cidades onde impera a riqueza, o urbanismo e a ciência, basta baixarmos os olhos ao nível do chão — lá estão sentados homens e mulheres, cujo olhar denuncia a perda do sentido de vida. O que faz o ci­dadão da globalização diante desta realidade? Olha, não vê, e segue adiante. A indiferença prevalece.
Por outro lado, todos usamos (ao menos uma vez) peças de ves­tuário ou calçado comprado em multinacionais que rivalizam quanto a preços baixíssimos. Se olharmos para as etiquetas, ve­remos o famoso «Made in», normalmente acrescido de «China», «Índia», «Taiwan», «Bangladesh». Olhamos e vemos, sim, mas compramos porque é barato. Barato porque, provavelmente, foi fabricado com auxílio de mão de obra infantil e mal paga ou escravizada. Mesmo assim, compramos. Cada cêntimo pago na caixa aumenta a nossa indiferença, escandalosa, porque global. E esta a indiferença que tem vindo a ganhar terreno no mundo inteiro e que atinge, hoje, uma escala global. Só com a verdadei­ra tomada de consciência destes nossos comportamentos será possível combater e reduzir estes mesmos comportamentos e, assim, inverter esta globalização da indiferença.