Prova-modelo 3
A prova-modelo é surripiada
a Marina Rocha, Exame Português 12.º ano, s.l., Leya, 2019; as soluções
estão a seguir à prova. (As
cotações, como sabes, já não serão as que, por vezes, se veem nas margens.
Passou tudo a 13 pontos, exceto o Grupo III, que vale 44.)
Soluções
PROVA-MODELO 3
GRUPO I
1. Tendo em conta o contexto referido na
primeira estrofe, percebemos que, num outro tempo («outrora»), houve uma
«guerra» que incluiu uma «invasão» a uma «Cidade», onde os invasores,
porventura, atearam um fogo que «ardia». Nesse momento, havia «mulheres» que
«gritavam». Enquanto isto, «dois jogadores» jogavam «xadrez» de modo
«contínuo», sem parar.
2. A conjunção coordenativa adversativa
«Mas» confirma o contraste entre a calma e a apatia destes dois jogadores de
xadrez e a violência do ambiente circundante, motivado pela guerra e respetiva
invasão. Os dois jogadores, enquanto esperam a jogada do «adversário»,
refrescam a sua «sede» com um «púcaro com vinho», estando relaxados à sombra
de uma «árvore ampla». Esta calma transmitida pelos jogadores contrasta com o
ambiente na cidade, onde as «casas» são roubadas, as «mulheres» são «violadas»
e as «crianças» são esfaqueadas («traspassadas de lanças») e deixadas exangues
«nas ruas». Assim, a conjunção adversativa «Mas» introduz uma espécie de dicotomia,
pois estando «perto» da cidade em tumulto, estes dois jogadores conservam a sua
passividade, serenidade e calma.
3. As duas formas verbais descrevem
claramente a diferença entre aquilo que os jogadores pensam por instantes e
aquilo que decidem fazer em seguida, ou seja, eles sabem que as suas «mulheres»
e as suas «tenras filhas» podem estar a ser saqueadas, violadas e assassinadas,
todavia optam por regressar («volviam») calmamente ao seu tabuleiro para jogar
o seu jogo de xadrez. Além disso, conseguem conservar a sua «atenta confiança»
naquilo que escolhem fazer: ignorar o turbilhão e continuar a jogar.
4. Na última estrofe, Ricardo Reis formula
uma espécie de apelo para que «Imitemos os persas desta história». Ao fazê-lo,
dá exemplos concretos: cada um continue «sonhando», mesmo que os problemas da
«guerra», da «pátria» e da «vida» nos tentem retirar a paz interior. Estamos,
portanto, perante características próprias da sua filosofia de vida, do carpe
diem, da filosofia epicurista
(aproveitar o que se faz no momento presente, que é breve e passageiro) e
estoicista (suportar as adversidades com calma e, se for caso disso, como
acontece com estes dois jogadores de xadrez, tirar o prazer possível da
situação). No entanto, a situação apresentada é de extrema dificuldade, pelo
que deverá ser quase impossível manter a filosofia de vida apresentada.
5. Dois aspetos da crítica de costumes
feita por Eça de Queirós neste episódio das Corridas de Cavalos, são, por
exemplo, a falta de civismo e escrúpulos na convivência social, pois, num
ambiente de festa, os intervenientes perdem a compostura e entram em disputas,
passando das palavras aos atos, usando de violência — «chapéus pelo ar, baques
surdos de murros» (ll. 8-9); a incapacidade de imitar e adaptar com elegância
aspetos culturais de um país estrangeiro e civilizado, como a Inglaterra, no
que diz respeito à organização e à realização de Corridas de Cavalos — isto
revelando-se não só na «massa de gente» que «oscilou» com a violência, mas
também na intervenção final do «marquês», que admite que «Do que gostamos é de
vinhaça, e viola, e bordoada» (ll. 18-19).
6. Enquanto o narrador se encontra a
apresentar e descrever os vários momentos do desentendimento entre os
apostadores e o Vargas (o que faz em formato de discurso indireto), decide
incorporar no seu discurso palavras literalmente ditas por esta última
personagem, nomeadamente o grupo nominal «gente decente». Assim, consegue, sem
marcas de discurso direto, apropriar-se da linguagem da personagem em questão.
7. A
voz que ouvimos clamar na poesia do ortónimo está indelevelmente colocada
entre esses dois mundos — o do sonho e o da realidade.
Consideremos cada
um em particular. O sonho é conotado como o lugar do ideal, da liberdade, da
felicidade plena, onde há uma espécie de Bem supremo. Podemos lê-lo como uma
«ilha extrema do sul» (no poema «Não sei se é sonho, se realidade»), onde «a
vida é jovem e o amor sorri» — sendo a vida e a juventude associadas a uma
frescura e a um vigor plenos. Por outro lado, a realidade é associada a um
outro lugar — «nesta terra» — onde «O mal não cessa, não dura o bem», isto é,
um lugar (físico ou imaginário) agreste e contrário ao sonho.
Em conclusão,
quando afirmamos que a voz poética está entre estes dois mundos é porque, não
se sabendo bem os contornos individuais de sonho e realidade (sendo «uma mistura
de sonho e vida»), a verdade é
que pensar sobre esta dicotomia «desvirtua» o sonho e cansa («Mas já sonhada se
desvirtua, / Só de pensá-la cansou pensar»).
GRUPO II
1. (C); 2. (A); 3.
(D); 4.(C); 5. (B).
6. Oração subordinada adjetiva relativa
restritiva.
7. Complemento indireto.
GRUPO III
«Globalização da
indiferença» chama a atenção para a supremacia do egoísmo e do fechamento de
cada indivíduo aos outros. O problema agudiza-se porque se expande ao planeta
em que habitamos. O Papa Francisco tem mundividência suficiente para o afirmar
com propriedade em qualquer evento público, no Vaticano como em qualquer parte
do mundo. Porque o faz? Creio que não apenas para denunciar simplesmente um
problema gravíssimo, mas para encorajar os povos, sobretudo dos países ditos
«desenvolvidos», a solucionar o dito problema, alterando comportamentos e
padrões de vida. Estará esta afirmação circunscrita à fé e às religiões
cristãs? Talvez não, de todo. Pelo contrário, atinge todos os credos porque
todos eles professam o Bem humano, superior e divino.
Atentemos em dois
exemplos que ilustram esta «globalização da indiferença» e em que urgem
alterações de mentalidades e de comportamentos: os sem-abrigo em grandes
cidades desenvolvidas e o trabalho infantil na Asia. De visita a Lisboa, como
a Paris ou Nova Iorque, a Roma ou a Frankfurt, cidades onde impera a riqueza, o
urbanismo e a ciência, basta baixarmos os olhos ao nível do chão — lá estão
sentados homens e mulheres, cujo olhar denuncia a perda do sentido de vida. O
que faz o cidadão da globalização diante desta realidade? Olha, não vê, e
segue adiante. A indiferença prevalece.
Por outro lado,
todos usamos (ao menos uma vez) peças de vestuário ou calçado comprado em
multinacionais que rivalizam quanto a preços baixíssimos. Se olharmos para as
etiquetas, veremos o famoso «Made in», normalmente acrescido de «China», «Índia»,
«Taiwan», «Bangladesh». Olhamos e vemos, sim, mas compramos porque é barato.
Barato porque, provavelmente, foi fabricado com auxílio de mão de obra infantil
e mal paga ou escravizada. Mesmo assim, compramos. Cada cêntimo pago na caixa
aumenta a nossa indiferença, escandalosa, porque global. E esta a indiferença
que tem vindo a ganhar terreno no mundo inteiro e que atinge, hoje, uma escala
global. Só com a verdadeira tomada de consciência destes nossos comportamentos
será possível combater e reduzir estes mesmos comportamentos e, assim, inverter
esta globalização da indiferença.
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