Sunday, August 24, 2025

Aula 55

Aula 55 (5 [2.ª, 3.ª], 9/dez [1.ª]) Correção do questionário sobre a crónica «Muda de Vida».

«Tabacaria» é um dos mais importantes poemas de Álvaro de Campos. Vamos ouvi-lo em trechos lidos por vários declamadores. De cada um dos recitadores ouviremos apenas uma parte do poema, de modo a conhecermos o conjunto todo mas por diferentes cinco leitores, quase todos atores.

A ordem dos declamadores segue, ascendente e aproximadamente, a sua idade (que o respeitinho é muito bonito). Note-se que já morreram João Villaret, Mário Viegas e Antônio Abujamra. O vencedor será convidado a assistir ao hastear da bandeira no dia da Escola Secundária José Gomes Ferreira em 2026 (exceto se já tiver falecido).

Declamador

Verso ou expressão destacável (por serem expressivos)

Valores

João Grosso

 

 

Mário Viegas

 

 

Sinde Filipe

 

 

Antônio Abujamra

 

 

João Villaret

 

 

JOÂO GROSSO [sem vídeo disponível aqui]

[versos finais do longo «Tabacaria»:]

[...]

 

Mas um homem entrou na Tabacaria (para comprar tabaco?),

E a realidade plausível cai de repente em cima de mim.

Semiergo-me enérgico, convencido, humano,

E vou tencionar escrever estes versos em que digo o contrário.

 

Acendo um cigarro ao pensar em escrevê-los

E saboreio no cigarro a libertação de todos os pensamentos.

Sigo o fumo como uma rota própria,

E gozo, num momento sensitivo e competente,

A libertação de todas as especulações

E a consciência de que a metafísica é uma consequência de estar mal disposto.

 

Depois deito-me para trás na cadeira

E continuo fumando.

Enquanto o Destino mo conceder, continuarei fumando.

 

(Se eu casasse com a filha da minha lavadeira

Talvez fosse feliz.)

Visto isto, levanto-me da cadeira. Vou à janela.

 

O homem saiu da Tabacaria (metendo troco na algibeira das calças?).

Ah, conheço-o: é o Esteves sem metafísica.

(O Dono da Tabacaria chegou à porta.)

Como por um instinto divino o Esteves voltou-se e viu-me.

Acenou-me adeus gritei-lhe Adeus ó Esteves!, e o universo

Reconstruiu-se-me sem ideal nem esperança, e o Dono da Tabacaria sorriu.

Fernando Pessoa, Poesias de Álvaro de Campos, Lisboa, Ática, 1944 (imp. 1993)

Como alguém já disse, Álvaro de Campos é o «duplo extrovertido de Pessoa». Estas características encontram-se quer em poemas de Campos quer em textos ortónimos:

Atitude de autoanálise

Tédio existencial

Inadaptação à vida

Evocação nostálgica da infância

Associação da inconsciência à felicidade

Oposição sonho-realidade

Dor de pensar

Na coluna à direita dos versos de «Tabacaria», escreve a característica que cada um deles pode ilustrar (vá lá, não escrevas abreviadamente, escreve por extenso):

Versos de «Tabacaria»

Motivos Campos & Ortónimo

«Não sou nada. / Nunca serei nada. / Não posso querer ser nada.» (vv. 1-3)

Tédio existencial

«Olha que não há mais metafísica no mundo senão chocolates. / Olha que as religiões todas não ensinam mais que a confeitaria» (vv. 46-47)

 

«Que sei eu do que serei, eu que não sei o que sou? / Ser o que penso? Mas penso ser tanta coisa!» (vv. 33-34)

 

«Fiz de mim o que não soube, / E o que podia fazer de mim não o fiz» (vv. 59-60)

 

«Falhei em tudo. / Como não fiz propósito nenhum, talvez tudo fosse nada» (vv. 25-26)

 

«Come chocolates, pequena» (v. 44)

 

«À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo» (v. 4)

 

«Estou hoje vencido, como se soubesse a verdade.» (v. 14)

 

«Não, não creio em mim» (v. 40)

 

«Se eu casasse com a filha da minha lavadeira / Talvez fosse feliz» (vv. 92-93)

 

«Estou hoje dividido entre a lealdade que devo / À Tabacaria do outro lado da rua, como coisa real por fora, / E à sensação de que tudo é sonho, como coisa real por dentro» (vv. 22-24)

 

«Mas eu penso e, ao tirar o papel de prata, que é de folhas de estanho, / Deito tudo para o chão, como tenho deitado a vida» (vv. 50-51)

 

«Deito tudo para o chão, como tenho deitado a vida» (v. 51)

 

«Pudesse eu comer chocolates com a mesma verdade com que comes» (v. 49)

 

 

 

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