Sunday, September 08, 2024

Aula 3

Aula 3 (18 [3.ª], 19/set [1.ª, 4.ª]) Lê este poema de Cesário Verde:

De verão

I

No campo; eu acho nele a musa que me anima:

A claridade, a robustez, a ação.

Esta manhã, saí com minha prima,

Em quem eu noto a mais sincera estima

E a mais completa e séria educação.

 

II

Criança encantadora! Eu mal esboço o quadro

Da lírica excursão, de intimidade.

Não pinto a velha ermida com seu adro;

Sei só desenho de compasso e esquadro,

Respiro indústria, paz, salubridade.

 
III

Andam cantando aos bois; vamos cortando as leiras;

E tu dizias: «Fumas? E as fagulhas?

Apaga o teu cachimbo junto às eiras;

Colhe-me uns brincos rubros nas ginjeiras!

Quanto me alegra a calma das debulhas!»

 
IV

E perguntavas sobre os últimos inventos

Agrícolas. Que aldeias tão lavadas!

Bons ares! Boa luz! Bons alimentos!

Olha: Os saloios vivos, corpulentos,

Como nos fazem grandes barretadas!

 

V

Voltemos! No ribeiro abundam as ramagens

Dos olivais escuros. Onde irás?

Regressam os rebanhos das pastagens;

Ondeiam milhos, nuvens e miragens,

E, silencioso, eu fico para trás.

 

VI

Numa colina brilha um lugar caiado.

Belo! E, arrimada ao cabo da sombrinha,

Com teu chapéu de palha, desabado,

Tu continuas na azinhaga; ao lado,

Verdeja, vicejante, a nossa vinha.

 

VII

Nisto, parando, como alguém que se analisa,

Sem desprender do chão teus olhos castos,

Tu começaste, harmónica, indecisa,

A arregaçar a chita, alegre e lisa,

Da tua cauda um poucochinho a rastos.

 

VIII

Espreitam-te, por cima, as frestas dos celeiros;

O sol abrasa as terras já ceifadas,

E alvejam-te, na sombra dos pinheiros,

Sobre os teus pés decentes, verdadeiros,

As saias curtas, frescas, engomadas.

 

IX

E, como quem saltasse, extravagantemente,

Um rego de água sem se enxovalhar,

Tu, a austera, a gentil, a inteligente,

Depois de bem composta, deste à frente

Uma pernada cómica, vulgar!

X

Exótica! E cheguei-me ao pé de ti. Que vejo!

No atalho enxuto, e branco das espigas

Caídas das carradas no salmejo,

Esguio e a negrejar em um cortejo,

Destaca-se um carreiro de formigas.

 

XI

Elas, em sociedade, espertas, diligentes.

Na natureza trémula de sede,

Arrastam bichos, uvas e sementes

E atulham, por instinto, previdentes,

Seus antros quase ocultos na parede.

 

XII

E eu desatei a rir como qualquer macaco!

«Tu não as esmagares contra o solo!»

E ria-me, eu ocioso, inútil, fraco,

Eu de jasmim na casa do casaco

E de óculo deitado a tiracolo!

 

XIII

«As ladras da colheita! Eu, se trouxesse agora

Um sublimado corrosivo, uns pós

De solimão, eu, sem maior demora,

Envenená-las-ia! Tu, por ora,

Preferes o romântico ao feroz.

 

XIV

Que compaixão! Julgava até que matarias

Esses insetos importunos! Basta.

Merecem-te espantosas simpatias?

Eu felicito suas senhorias,

Que honraste com um pulo de ginasta!»

 

XV

E enfim calei-me. Os teus cabelos muito loiros

Luziam, com doçura, honestamente;

De longe o trigo em monte, e os calcadoiros,

Lembravam-me fusões de imensos oiros,

E o mar um prado verde e florescente.

 

XVI

Vibravam, na campina, as chocas da manada;

Vinham uns carros a gemer no outeiro,

E finalmente, enérgica, zangada,

Tu, inda assim bastante envergonhada,

Volveste-me, apontando o formigueiro:

 

XVII

«Não me incomode, não, com ditos detestáveis!

Não seja simplesmente um zombador!

Estas mineiras negras, incansáveis,

São mais economistas, mais notáveis,

E mais trabalhadoras que o senhor!»

Cesário Verde, O Livro de Cesário Verde, 1887


 

Para as estrofes de «De verão», de Cesário Verde, dar-te-ei hipóteses de títulos, frases alusivas, meras observações a aspetos de ordem estilística. Escolhe a melhor dessas quatro opções (relativas a cada uma das quintilhas I a XVII):

I

a) A luz do campo inspira-me!

b) A minha prima inspira-me!

c) A musa da poesia inspira-me!

d) Gosto da irreverência da priminha.

 

II

a) O poeta está doente.

b) Prefere a cidade, industrial, ao campo, envelhecido.

c) Detestável prima!

d) Não conseguirá dar notícia de tudo o que se passou.

 

III

a) Está-se bem no campo!

b) Que seca!

c) É perigoso fumar junto às eiras.

d) A observação do trabalho dos outros é já por si cansativa.

 

IV

a) Os saloios são uns mentirosos.

b) Rudes mas delicados, os saloios.

c) A agricultura está demasiado industrializada.

d) No campo, todos são muito lavados.

 

V

a) Decide-se o regresso. Estou pensativo.

b) A prima é demasiado rápida; não a acompanho.

c) A prima entra por um olival.

d) Pôs-se frio.

 

VI

a) «Verdeja, vicejante, a nossa vinha» contém uma aliteração.

b) Tudo isto me enoja!

c) O poeta (e a prima) são donos de uma vinha.

d) Vá lá, despacha-te!

 

VII

a) Afinal, a prima é uma sereia.

b) O poeta entrevê o rabo da prima.

c) A iguana comprada pela prima rasteja.

d) Um instantâneo: a prima ergue um pouco a saia.

 

VIII

a) Uma minissaia (que desconcentra o poeta).

b) Vê-se a roupa interior da prima.

c) Há fogo na seara.

d) As mulheres, ao longe, usam saias curtas, brancas, engomadas.

 

IX

a) Uma polaroid: a prima a alongar a perna.

b) És muito séria, pois, mas dás as tuas pernadas, não é?!

c) Uma pernada cósmica!

d) Um momento ordinário.

 

X

a) Olhando o chão, um pormenor.

b) As espigas caíram.

c) Salmões.

d) Sem a prima notar, o poeta aproxima-se.

 

XI

a) A sociedade na aldeia.

b) As pessoas da aldeia atulham as casas de animais e sementes.

c) Como são repelentes os bichos!

d) Para uma sociologia das formigas.

 

XII

a) O poeta usava uma flor.

b) O poeta ofereceu um jasmim à prima.

c) O poeta estava deitado.

d) O poeta usava óculos.

 

XIII

a) «As ladras da colheita» são as aves.

b) «As ladras da colheita» são as formigas.

c) «As ladras da colheita» são as aldeãs pobres.

d) «As ladras da colheita» são as raparigas que sejam como a prima.

 

XIV

a) O poeta deu um pulo de ginasta.

b) A prima tivera o cuidado de não esmagar as formigas.

c) «Suas senhorias» são as espigas.

d) A prima não teve compaixão com os pobres insetos.

 

XV

a) O poeta avistou uma serra, onde havia trigo.

b) Aspetos cromáticos.

c) Amuei.

d) Ao longe, o mar.

 

XVI

a) Cocó.

b) Envergonhada por ter calcado as formigas.

c) Genuinamente zangada.

d) Futilidades.

 

XVII

a) A prima replica à ironia do poeta também na brincadeira.

b) A prima acha que aquele senhor é realmente preguiçoso.

c) A prima enfurece-se com a falta de compaixão pelos animais revelada pelo poeta.

d) A prima detesta insetos.

Ficam aqui algumas estâncias de «O Sentimento dum Ocidental», de Cesário Verde, talvez as mais aproveitáveis numa resposta ao item 7 da prova de exame que lhes será mostrada:

[estrofes 9-11 da parte I, «Ave Marias»:]

Vazam-se os arsenais e as oficinas;

Reluz, viscoso, o rio; apressam-se as obreiras;

E num cardume negro, hercúleas, galhofeiras,

Correndo com firmeza, assomam as varinas.

 

Vêm sacudindo as ancas opulentas!

Seus troncos varonis recordam-me pilastras;

E algumas, à cabeça, embalam nas canastras

Os filhos que depois naufragam nas tormentas.

 

Descalças! Nas descargas de carvão,

Desde manhã à noite, a bordo das fragatas;

E apinham-se num bairro aonde miam gatas,

E o peixe podre gera os focos de infeção!

[estrofes 9-10 da parte II, «Noite Fechada»:]

Triste cidade! Eu temo que me avives

Uma paixão defunta! Aos lampiões distantes,

Enlutam-me, alvejando, as tuas elegantes

Curvadas a sorrir às montras dos ourives.

 

E mais: as costureiras, as floristas

Descem dos magasins, causam-me sobressaltos;

Custa-lhes a elevar os seus pescoços altos

E muitas delas são comparsas ou coristas

[estrofes 9-11 da parte III, «Ao Gás»:]

Desdobram-se tecidos estrangeiros;

Plantas ornamentais secam nos mostradores;

Flocos de pós de arroz pairam sufocadores,

E em nuvens de cetins requebram-se os caixeiros.

 

Mas tudo cansa! Apagam-se, nas frentes,

Os candelabros, como estrelas, pouco a pouco;

Da solidão regouga um cauteleiro rouco;

Tornam-se mausoléus as armações fulgentes.

 

«Dó da miséria!… Compaixão de mim!…»

E, nas esquinas, calvo, eterno, sem repouso,

Pede-nos sempre esmola um homenzinho idoso,

Meu velho professor nas aulas de latim!

A prova do exame nacional de 2021, 2.ª fase, trazia um item sobre Cesário Verde. Era o item 7 do grupo I (parte C), que é sempre uma pergunta para «expor matéria», em geral sem apoio em texto dado. (Na resposta já resolvi a introdução e a conclusão.)

7. Tal como no excerto do conto que acabou de ler o narrador repara na figura do «padeiro» que distribui «pão fresco», também no poema «O Sentimento dum Ocidental», de Cesário Verde, o olhar do sujeito poético se detém, frequentemente, naqueles que trabalham. Escreva uma breve exposição sobre a «Dor humana» sentida por aqueles que trabalham, no poema «O Sentimento dum Ocidental». A sua exposição deve incluir:

uma introdução ao tema;

um desenvolvimento no qual refira de que modo duas das personagens observadas pelo sujeito poético comprovam o sofrimento daqueles que trabalham;

uma conclusão adequada ao desenvolvimento do tema.

 

O sujeito poético de «O Sentimento dum Ocidental» deambula e observa, sempre muito sensorialmente. Confessa que as ruas de Lisboa, ao entardecer, fazem que tenha um «desejo absurdo de sofrer». Além disso, parece atento ao mal-estar dos outros.

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Resta saber se estas alusões à dor humana não decorrem em parte de uma propensão, que vemos em outros textos de Cesário Verde, para a admiração estética por quem enfrenta as condições adversas com ousadia física.

Na p. 415 do manual reproduz-se um outro item 7 de prova de exame em torno de Cesário Verde. Neste caso, o assunto da exposição era ‘a representação da cidade na poesia de Cesário’. Lê os conselhos aí dados sobre como responder a este tipo de itens e o exemplo de solução para a pergunta em causa. (As páginas 112, 113 e 114 são também de revisão de «O Sentimento dum Ocidental».)

TPC — Quando puderes, lê o capítulo ensaístico sobre «O Sentimento dum Ocidental» (de Hélder Macedo, Nós —uma leitura de Cesário Verde, pp. 165-191) copiado em Gaveta de Nuvens. Ainda é um ensaio longo e denso, por isso não estabeleço um prazo para esta leitura. Vai lendo quando puderes.

 

 

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