Friday, September 06, 2024

Percurso de Ricardo Reis no capítulo 3


O que se segue procura ajudá-los a perceber o percurso do passeio que Ricardo Reis empreendeu no último dia do ano de 1935 (a partir do quarto parágrafo do capítulo III: «Deixou de chover, o céu aclarou, pode Ricardo Reis, sem risco de molha incómoda, dar um passeio antes do almoço»).
Vou aproveitar um vídeo (em captura da imagem do computador comigo a usar o GoogleMaps e a comentar o passeio). Tenham piedade da minha falta de jeito: fiz isto há uns anos, quando começou a pandemia e tínhamos de dar aulas não presenciais; e, neste dia, estava terrivelmente constipado. Tive de dividir o percurso em dois filmes (um de cerca de doze minutos; o outro, de três), porque não conseguia acertar com a Rua do Século. Até a conheço relativamente bem, mas sempre tive esta dificuldade em escolher a entrada a partir do Príncipe Real.



Ainda a propósito deste passeio no capítulo III, chamo a atenção para menções intertextuaisDivina Comédia, aos Três Mosqueteiros, à Eneida — lembremos sempre que é modelo preferencial, embora não único, dos Lusíadas —, ao Dom Quixote), ficam a seguir uns vídeos educativos acerca destas obras.


A Eneida está imitada nos Lusíadas logo no verso inicial, precisamente o citado em O Ano da Morte de Ricardo Reis e escandido (dividido na métrica) no vídeo.

E, depois, a Divina Comédia, de Dante. (À margem: o vocábulo «dantesco» está a ser por estes dias tão mal usado. «Dantesco» =  'que lembra o horror das descrições de Dante na sua Divina Comédia'.)




Mas regressemos a O Ano da Morte de Ricardo Reis. É ainda no terceiro capítulo que, regressado ao hotel, nessa última noite do ano, Reis recebe a visita de Pessoa (que estava morto — lembro, desde 30 de novembro de 1935 — mas dentro dos nove meses que seriam permitidos para a transição vida-morte, simétrica da gestação na barriga da mãe).

A propósito, tenho de lhes aconselhar Numa Casca de Noz, de Ian McEwan, um livro de género híbrido, entre o policial, o drama leve, com ironia, de autor que já conhecemos (no 10.º ano vimos Expiação, uma adaptação a filme que respeita muito o livro de McEwan).


Em Numa Casca de Noz temos a preparação de um crime na perspetiva do bebé na barriga da mãe que pensa cometer esse crime (em colaboração com o amante). O narrador é o ser em gestação, que se vai apercebendo, inferindo, nem sempre bem, dos passos da execução dessa tramoia (cuja vítima deverá ser o seu pai). Ou seja, os nove meses, neste caso, são concedidos ao narrador, que, tal como Pessoa em OAMRR, também não é a personagem principal (em OAMRR é Reis; na novela de McEwan será a mãe).