Aula 116
Aula 116
(2 [3.ª], 3/abr [4.ª]) Lê o texto que se segue, tirado de:
Bill François, A Eloquência da Sardinha. Histórias extraordinárias do mundo
submarino, tradução de Sandra Silva, Lisboa, Quetzal, 2021, pp. 57-59:
Passar a tarde de quarta-feira
fechado, privado de liberdade... Haveria
castigo mais cruel para uma criança do que esta multa saldada em horas de vida?
Fora punido por «sonhar» e por estar a fazer desenhos em vez de estudar os
ângulos dos triângulos; numa sala de aula sombria e fria juntei-me
a dois colegas que cumpriam pena por
estarem «à conversa». Para aquelas pessoas que queriam ensinar-nos
a vida, os piores crimes eram falar e
sonhar.
No entanto, comunicar é indispensável à aprendizagem.
Comunicar é, na realidade, fundamental para criar uma civilização e mantê-la
viva.
Os polvos estão classificados entre os animais mais
inteligentes que povoam o nosso planeta, detendo provavelmente o recorde de
inteligência dos invertebrados. Os seus cérebros são incrivelmente
qualificados, com capacidade de raciocínio e dedução: constituem uma verdadeira
anomalia da evolução na família dos moluscos, que agrupa seres aparentemente
simplórios, como o mexilhão e o burrié. Para além de uma mente astuta, os
polvos possuem um corpo espantoso: são totalmente flexíveis e capazes de
esgueirar-se por buracos minúsculos; mudam de forma e de cor quando bem lhes
apetece e possuem oito braços, onde se localiza boa parte do seu sistema
nervoso, ferramentas essas cuja destreza inteligente põe à prova os nossos
robôs de maior precisão. Estes atributos poderiam ter feito deles a espécie
dominante do nosso planeta, tanto mais que, vivendo dentro de água, disporiam
de 71% da superfície do globo para criar a sua civilização.
Mas não o conseguiram, pelo menos por enquanto. Uma
possível explicação para o seu fracasso pode estar relacionada com o modo de
transmitirem os seus conhecimentos. Um polvo adquire conhecimentos ao longo de
toda a vida: desenvolve estratégias complexas, como fazer-se
passar pelos seus predadores para conseguir
escapar-lhes, utilizar
uma concha vazia como armadura ou rastejar até terra firme
para ali se alimentar em apneia. Até há
pouco tempo, acreditava-se que estes cefalópodes eram incapazes de comunicar; hoje
sabemos que não é assim. Trocam truques de sobrevivência, exprimem-se através
dos braços e das mudanças de cor, e até existem cidades de polvos, regidas por interações
sociais complexas e construídas sobre as
pilhas de conchas que lhes servem de alimento. Mas, embora partilhem
conhecimentos, os polvos são incapazes de transmiti-los à geração seguinte.
Isso deve-se à
forma como se reproduzem. O início de vida de um polvo é extremamente triste e
dramático. Uma vez fecundados os ovos, os machos partem para outras ocupações e
as fêmeas permanecem na gruta onde fazem a postura, vigiando e oxigenando as
pequenas estalactites brancas onde se contorcem os embriões de polvos. Mas os
embriões demoram tanto tempo a eclodir e a fêmea protege-os
com tanto zelo que, privada de alimento
desde a postura, morre de exaustão pouco antes da eclosão dos ovos. Nunca
poderá falar com a sua progenitura, nem transmitir o seu conhecimento à nova
geração. Por essa razão, o jovem polvo tem de aprender tudo sozinho. A
impossibilidade de educar os seus filhos custou
aos polvos a conquista da terra firme, as cidades, as catedrais, os satélites 4G, o metro à hora de
ponta, os debates nas redes sociais, as declarações de impostos e todas as
outras alegrias da civilização. Talvez tenha sido melhor
para eles, mas é uma pena, pois teriam certamente dotado as suas catedrais
de extintores e os seus metros de internet.
Ao longo do excerto de A Eloquência da Sardinha surgem
alguns momentos de leve ironia. Sublinhei esses passos (ou, pelo menos, os que
localizei mais imediatamente).
Explica o que origina a tal leve ironia, humor, nestes
segmentos:
«aparentemente simplórios» — O humor advém de . . . . . . . .
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
«pelo menos por enquanto» — Resulta
irónico o facto de. . . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
«A impossibilidade de educar os seus filhos
custou aos polvos a conquista da terra firme,
as cidades, as catedrais, os satélites 4G,
o metro à hora de ponta, os debates nas redes sociais, as declarações de
impostos e todas as outras alegrias da civilização» — Na série de
«alegrias da civilização» (expressão que é já irónica) a que os polvos não
puderam aceder algumas são cómicas por as estranharmos atribuíveis a polvos
(ereção de catedrais, satélites 4G), outras são irónicas por . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . (metro à hora de ponta,
discussões em redes sociais, impostos).
«é uma pena, pois teriam certamente dotado as suas catedrais
de extintores e os seus metros de internet» — A brincadeira resulta de o cronista
aproveitar para . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . .
Vai até à p. 394 do manual.
Reportando-te ao polvo do «Sermão de Santo António [aos Peixes]», do Padre
António Vieira, localiza o episódio, circundando as boas alternativas (em
itálico):
A parte sobre o polvo está no
capítulo I / II / III / IV / V /VI, que contém as repreensões / os
elogios aos peixes, em geral / particular.
Mas já que estamos nas covas do mar, antes que saiamos
delas, temos lá o irmão Polvo, contra o qual têm suas queixas, e grandes, não menos
que São Basílio, e Santo Ambrósio. O Polvo, com aquele seu capelo na cabeça, parece
um Monge, com aqueles seus raios estendidos, parece uma Estrela, com aquele não
ter osso, nem espinha, parece a mesma brandura, a mesma mansidão. E debaixo desta
aparência tão modesta, ou desta hipocrisia tão santa, testemunham contestamente
os dois grandes Doutores da Igreja Latina, e Grega, que o dito Polvo é o maior traidor
do mar. Consiste esta traição do Polvo primeiramente em se vestir, ou pintar das
mesmas cores de todas aquelas cores, a que está pegado. As cores, que no Camaleão
são gala, no Polvo são malícia; as figuras, que em Proteu são fábula, no Polvo são
verdade, e artifício. Se está nos limos, faz-se verde; se está na areia, faz-se
branco; se está no lodo, faz-se pardo; e se está em alguma pedra, como mais ordinariamente
costuma estar, faz-se da cor da mesma pedra. E daqui que sucede? Sucede que outro
peixe inocente da traição vai passando desacautelado, e o salteador, que está de
emboscada dentro do seu próprio engano, lança-lhe os braços de repente, e fá-lo
prisioneiro. Fizera mais Judas? Não fizera mais; porque nem fez tanto. Judas abraçou
a Cristo, mas outros O prenderam: o Polvo é o que abraça, e mais o que prende. Judas
com os braços fez o sinal, e o Polvo dos próprios braços faz as cordas. Judas é
verdade que foi traidor, mas com lanternas diante: traçou a traição às escuras,
mas executou-a muito às claras. O Polvo escurecendo-se a si tira a vista aos outros,
e a primeira traição, e roubo, que faz, é à luz, para que não distinga as cores.
Vê, Peixe aleivoso e vil, qual é a tua maldade, pois Judas em tua comparação já
é menos traidor.
Oh que excesso tão afrontoso, e tão indigno de um elemento tão
puro, tão claro, e tão cristalino como o da Água, espelho natural não só da terra,
senão do mesmo Céu. Lá disse o Profeta por encarecimento que «nas nuvens do ar até
a água é escura»: Tenebrosa aqua in nubibus aeris. [Salmo 17, 12]. E disse
nomeadamente «nas nuvens do ar», para atribuir a escuridade ao outro elemento, e
não à água, a qual em seu próprio elemento sempre é clara, diáfana e transparente,
em que nada se pode ocultar, encobrir, nem dissimular. E que neste mesmo elemento
se crie, se conserve, e se exercite com tanto dano do bem público um monstro tão
dissimulado, tão fingido, tão astuto, tão enganoso, e tão conhecidamente traidor?
Vejo, Peixes, que pelo conhecimento, que tendes das terras, em que batem os vossos
mares, me estais respondendo, e convindo, que também nelas há falsidades, enganos,
fingimentos, embustes, ciladas e muito maiores, e mais perniciosas traições. E sobre
o mesmo sujeito, que defendeis, também podereis aplicar aos semelhantes outra propriedade
muito própria; mas pois vós a calais, eu também a calo. Com grande confusão porém
vos confesso tudo, e muito mais do que dizeis, pois o não posso negar. Mas ponde
os olhos em António, vosso Pregador, e vereis nele o mais puro exemplar da candura,
da sinceridade, e da verdade, onde nunca houve dolo , fingimento ou engano. E sabei
também que para haver tudo isto em cada um de nós, bastava antigamente ser Português,
não era necessário ser Santo.
Vê agora o esquema da p. 395. Se se tratasse de uma
fila equivalente mas em função do texto de Bill François, ficaria:
Polvo (Vieira) |
Camuflagem
(capacidade de mudar de cor) |
Hipocrisia,
dissimulação e traição. |
Polvo (François) |
|
|
O que
fizemos em tempos para os três peixes que são criticados na primeira metade do cap. V do «Sermão de Santo António» —
roncadores, «pegadores», voadores — fá-lo-emos de novo para o peixe (na
verdade, um molusco cefalópode) abordado em último lugar, o polvo. Assim, vai preenchendo as
tabelas:
Peixe |
Repreensão |
Linhas |
polvo |
«Se está nos limos,
__________; se está na areia, ___________; se está no lodo, _________; e[,]
se está em alguma pedra, como mais ordinariamente costuma estar, ____________» |
1.ª metade do 1.º parágrafo |
Volta
a surgir a analogia entre características
do animal e vícios dos homens,
ilustrados com peripécias bíblicas e
contraditados pelo bom exemplo de
António:
Característica dos homens
que está a ser criticada |
Outros maus exemplos |
Passos a consultar |
|
O bom exemplo de Santo
António |
|||
polvo |
|
Judas abraçou Cristo mas
foram outros que o _________ (o polvo abraça e, com os próprios braços, faz
as ___________). |
2.ª metade do 1.º parágrafo |
António foi o mais puro
exemplar de _______________; nele nunca houve _________________. |
três últimos períodos |
Sobre
as características que o Padre Vieira critica no polvo:
retrato do polvo |
que o faz assemelhar-se a.../ ou fingir |
capelo (na cabeça) |
__________ |
_____ (braços) |
Estrela |
falta de ossos ou de
espinha |
__________, mansidão |
Desta aparência modesta, desta
«hipocrisia tão santa», resulta ser o polvo o maior traidor do mar: |
|
por malícia, muda de cor
conforme o ambiente (como, mas apenas por ___, faz o camaleão) |
lança os braços e prende
os _________ e os desacautelados |
Indica os recursos
expressivos assinaláveis nos passos seguintes. Usa:
metáfora [duas vezes]| apóstrofe | comparação | antítese
| interrogação retórica | anáfora
a) «O Polvo, com aquele seu capelo na cabeça, parece um Monge»
| ___________
b) «E debaixo desta aparência tão modesta, ou desta hipocrisia
tão santa, [...]» | _________
c) «Consiste esta traição do Polvo primeiramente em se vestir
ou pintar das mesmas cores de todas aquelas cores a que está pegado» |
___________
d) «Se está nos limos, faz-se verde; se está na areia, faz-se
branco; se está no lodo, faz-se pardo; e, se está em alguma pedra, [...] faz-se
da cor da mesma pedra» | __________
e) «E daqui que sucede?» | ____________
f) «[...] e o salteador, que está de emboscada dentro do seu
próprio engano, lança-lhe os braços de repente» | ___________
g) «Vê, peixe aleivoso e vil, qual é a tua maldade [...]» |
_____________
[Do
cap. V do «Sermão de Santo António», do Padre António Vieira]
TPC
— Serão chamados à Classroom um dia destes (para tarefa, de índole não
obrigatória, a entregar até ao recomeço das aulas).
#
<< Home