Friday, September 06, 2024

Aula 116

Aula 116 (2 [3.ª], 3/abr [4.ª]) Lê o texto que se segue, tirado de: Bill François, A Eloquência da Sardinha. Histórias extraordinárias do mundo submarino, tradução de Sandra Silva, Lisboa, Quetzal, 2021, pp. 57-59:

Passar a tarde de quarta-feira fechado, privado de liberdade... Haveria castigo mais cruel para uma criança do que esta multa saldada em horas de vida? Fora punido por «sonhar» e por estar a fazer desenhos em vez de estudar os ângulos dos triângulos; numa sala de aula sombria e fria juntei-me a dois colegas que cumpriam pena por estarem «à conversa». Para aquelas pessoas que queriam ensinar-nos a vida, os piores crimes eram falar e sonhar.

No entanto, comunicar é indispensável à aprendizagem. Comunicar é, na realidade, fundamental para criar uma civilização e mantê-la viva.

Os polvos estão classificados entre os animais mais inteligentes que povoam o nosso planeta, detendo provavelmente o recorde de inteligência dos invertebrados. Os seus cérebros são incrivelmente qualificados, com capacidade de raciocínio e dedução: constituem uma verdadeira anomalia da evolução na família dos moluscos, que agrupa seres aparentemente simplórios, como o mexilhão e o burrié. Para além de uma mente astuta, os polvos possuem um corpo espantoso: são totalmente flexíveis e capazes de esgueirar-se por buracos mi­núsculos; mudam de forma e de cor quando bem lhes apetece e possuem oito braços, onde se localiza boa parte do seu sistema nervoso, ferramentas essas cuja destreza inteligente põe à prova os nossos robôs de maior precisão. Estes atributos poderiam ter feito deles a espécie dominante do nosso planeta, tanto mais que, vivendo dentro de água, disporiam de 71% da superfície do globo para criar a sua civilização.

Mas não o conseguiram, pelo menos por enquanto. Uma possível explicação para o seu fracasso pode estar relaciona­da com o modo de transmitirem os seus conhecimentos. Um polvo adquire conhecimentos ao longo de toda a vida: desenvolve estratégias complexas, como fazer-se passar pelos seus predadores para conseguir escapar-lhes, utilizar uma concha vazia como armadura ou rastejar até terra firme para ali se alimentar em apneia. Até há pouco tempo, acreditava-se que estes cefalópodes eram incapazes de comunicar; hoje sabemos que não é assim. Trocam truques de sobrevivência, exprimem-se através dos braços e das mudanças de cor, e até existem cidades de polvos, regidas por interações sociais complexas e construídas sobre as pilhas de conchas que lhes servem de alimento. Mas, embora partilhem conhecimentos, os polvos são incapazes de transmiti-los à geração seguinte. Isso deve-se à forma como se reproduzem. O início de vida de um polvo é extremamente triste e dramático. Uma vez fecundados os ovos, os machos partem para outras ocupações e as fêmeas permanecem na gruta onde fazem a postura, vigiando e oxigenando as pequenas estalactites brancas onde se contorcem os embriões de polvos. Mas os embriões demoram tanto tempo a eclodir e a fêmea protege-os com tanto zelo que, privada de alimento desde a postura, morre de exaustão pouco antes da eclosão dos ovos. Nunca poderá falar com a sua progenitura, nem transmitir o seu conhecimento à nova geração. Por essa razão, o jovem polvo tem de aprender tudo sozinho. A impossibilidade de educar os seus filhos custou aos polvos a conquista da terra firme, as cidades, as catedrais, os satélites 4G, o metro à hora de ponta, os debates nas redes sociais, as declarações de impostos e todas as outras alegrias da civilização. Talvez tenha sido melhor para eles, mas é uma pena, pois teriam certamente dotado as suas catedrais de extintores e os seus metros de internet.

No texto que leste, o que se diz acerca do polvo (a partir do terceiro parágrafo) visa fundamentar uma tese que está sintetizada no ____ parágrafo, que, por sua vez, decorre de uma circunstância da vida escolar (recordada no ___ parágrafo).

Ao longo do excerto de A Eloquência da Sardinha surgem alguns momentos de leve ironia. Sublinhei esses passos (ou, pelo menos, os que localizei mais imediatamente).

Explica o que origina a tal leve ironia, humor, nestes segmentos:

«aparentemente simplórios» — O humor advém de . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

«pelo menos por enquanto» — Resulta irónico o facto de. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

«A impossibilidade de educar os seus filhos custou aos polvos a conquista da terra firme, as cidades, as catedrais, os satélites 4G, o metro à hora de ponta, os debates nas redes sociais, as declarações de impostos e todas as outras alegrias da civilização» Na série de «alegrias da civilização» (expressão que é já irónica) a que os polvos não puderam aceder algumas são cómicas por as estranharmos atribuíveis a polvos (ereção de catedrais, satélites 4G), outras são irónicas por . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . (metro à hora de ponta, discussões em redes sociais, impostos).

«é uma pena, pois teriam certamente dotado as suas catedrais de extintores e os seus metros de internet» — A brincadeira resulta de o cronista aproveitar para . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

Vai até à p. 394 do manual. Reportando-te ao polvo do «Sermão de Santo António [aos Peixes]», do Padre António Vieira, localiza o episódio, circundando as boas alternativas (em itálico):

A parte sobre o polvo está no capítulo I / II / III / IV / V /VI, que contém as repreensões / os elogios aos peixes, em geral / particular.

Mas já que estamos nas covas do mar, antes que saiamos delas, temos lá o irmão Polvo, contra o qual têm suas queixas, e grandes, não menos que São Basílio, e Santo Ambrósio. O Polvo, com aquele seu capelo na cabeça, parece um Monge, com aqueles seus raios estendidos, parece uma Estrela, com aquele não ter osso, nem espinha, parece a mesma brandura, a mesma mansidão. E debaixo desta aparência tão modesta, ou desta hipocrisia tão santa, testemunham contestamente os dois grandes Doutores da Igreja Latina, e Grega, que o dito Polvo é o maior traidor do mar. Consiste esta traição do Polvo primeiramente em se vestir, ou pintar das mesmas cores de todas aquelas cores, a que está pegado. As cores, que no Camaleão são gala, no Polvo são malícia; as figuras, que em Proteu são fábula, no Polvo são verdade, e artifício. Se está nos limos, faz-se verde; se está na areia, faz-se branco; se está no lodo, faz-se pardo; e se está em alguma pedra, como mais ordinariamente costuma estar, faz-se da cor da mesma pedra. E daqui que sucede? Sucede que outro peixe inocente da traição vai passando desacautelado, e o salteador, que está de emboscada dentro do seu próprio engano, lança-lhe os braços de repente, e fá-lo prisioneiro. Fizera mais Judas? Não fizera mais; porque nem fez tanto. Judas abraçou a Cristo, mas outros O prenderam: o Polvo é o que abraça, e mais o que prende. Judas com os braços fez o sinal, e o Polvo dos próprios braços faz as cordas. Judas é verdade que foi traidor, mas com lanternas diante: traçou a traição às escuras, mas executou-a muito às claras. O Polvo escurecendo-se a si tira a vista aos outros, e a primeira traição, e roubo, que faz, é à luz, para que não distinga as cores. Vê, Peixe aleivoso e vil, qual é a tua maldade, pois Judas em tua comparação já é menos traidor.

Oh que excesso tão afrontoso, e tão indigno de um elemento tão puro, tão claro, e tão cristalino como o da Água, espelho natural não só da terra, senão do mesmo Céu. Lá disse o Profeta por encarecimento que «nas nuvens do ar até a água é escura»: Tenebrosa aqua in nubibus aeris. [Salmo 17, 12]. E disse nomeadamente «nas nuvens do ar», para atribuir a escuridade ao outro elemento, e não à água, a qual em seu próprio elemento sempre é clara, diáfana e transparente, em que nada se pode ocultar, encobrir, nem dissimular. E que neste mesmo elemento se crie, se conserve, e se exercite com tanto dano do bem público um monstro tão dissimulado, tão fingido, tão astuto, tão enganoso, e tão conhecidamente traidor? Vejo, Peixes, que pelo conhecimento, que tendes das terras, em que batem os vossos mares, me estais respondendo, e convindo, que também nelas há falsidades, enganos, fingimentos, embustes, ciladas e muito maiores, e mais perniciosas traições. E sobre o mesmo sujeito, que defendeis, também podereis aplicar aos semelhantes outra propriedade muito própria; mas pois vós a calais, eu também a calo. Com grande confusão porém vos confesso tudo, e muito mais do que dizeis, pois o não posso negar. Mas ponde os olhos em António, vosso Pregador, e vereis nele o mais puro exemplar da candura, da sinceridade, e da verdade, onde nunca houve dolo , fingimento ou engano. E sabei também que para haver tudo isto em cada um de nós, bastava antigamente ser Português, não era necessário ser Santo.

Vê agora o esquema da p. 395. Se se tratasse de uma fila equivalente mas em função do texto de Bill François, ficaria:

Polvo (Vieira)

Camuflagem (capacidade de mudar de cor)

Hipocrisia, dissimulação e traição.

Polvo (François)

 

 

O que fizemos em tempos para os três peixes que são criticados na primeira metade do cap. V do «Sermão de Santo António» — roncadores, «pegadores», voadores — fá-lo-emos de novo para o peixe (na verdade, um molusco cefalópode) abordado em último lugar, o polvo. Assim, vai preenchendo as tabelas:

Peixe

Repreensão

Linhas

polvo

«Se está nos limos, __________; se está na areia, ___________; se está no lodo, _________; e[,] se está em alguma pedra, como mais ordinariamente costuma estar, ____________»

1.ª metade do 1.º parágrafo

Volta a surgir a analogia entre características do animal e vícios dos homens, ilustrados com peripécias bíblicas e contraditados pelo bom exemplo de António:

Característica dos homens que está a ser criticada

Outros maus exemplos

Passos

a consultar

O bom exemplo de Santo António

 

polvo

 

 __________

Judas abraçou Cristo mas foram outros que o _________ (o polvo abraça e, com os próprios braços, faz as ___________).

2.ª metade do 1.º parágrafo

António foi o mais puro exemplar de _______________; nele nunca houve _________________.

três últimos períodos

Sobre as características que o Padre Vieira critica no polvo:

retrato do polvo

que o faz assemelhar-se a.../ ou fingir

capelo (na cabeça)

__________

_____ (braços)

Estrela

falta de ossos ou de espinha

__________, mansidão

Desta aparência modesta, desta «hipocrisia tão santa», resulta ser o polvo o maior traidor do mar:

por malícia, muda de cor conforme o ambiente (como, mas apenas por ___, faz o camaleão)

lança os braços e prende os _________ e os desacautelados

Indica os recursos expressivos assinaláveis nos passos seguintes. Usa:

metáfora [duas vezes]| apóstrofe | comparação | antítese | interrogação retórica | anáfora

a) «O Polvo, com aquele seu capelo na cabeça, parece um Monge» | ___________

b) «E debaixo desta aparência tão modesta, ou desta hipocrisia tão santa, [...]» | _________

c) «Consiste esta traição do Polvo primeiramente em se vestir ou pintar das mesmas cores de todas aquelas cores a que está pegado» | ___________

d) «Se está nos limos, faz-se verde; se está na areia, faz-se branco; se está no lodo, faz-se pardo; e, se está em alguma pedra, [...] faz-se da cor da mesma pedra» | __________

e) «E daqui que sucede?» | ____________

f) «[...] e o salteador, que está de emboscada dentro do seu próprio engano, lança-lhe os braços de repente» | ___________

g) «Vê, peixe aleivoso e vil, qual é a tua maldade [...]» | _____________

[Do cap. V do «Sermão de Santo António», do Padre António Vieira]

TPC — Serão chamados à Classroom um dia destes (para tarefa, de índole não obrigatória, a entregar até ao recomeço das aulas).

 

 

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