Aula 130
Aula 130 (6 [1.ª], 7 [3.ª], 8/mai [4.ª]) Este parágrafo
diz respeito ao momento em que Ricardo Reis vê pela primeira vez Marcenda.
Nesta altura, ainda no cap. I de O
Ano da Morte de Ricardo Reis, Reis ainda nem sabe o nome da
rapariga. O passo está nas pp. 25-26 (PE); 25-27 (C); 19-20 (Mf).
A porta abriu-se outra
vez, agora entrou um homem de meia-idade, alto, formal, de rosto
comprido e vincado, e uma rapariga de uns vinte anos, se os tem, magra, ainda
que mais exato seria dizer delgada, dirigem-se para a mesa fronteira à de
Ricardo Reis, de súbito tornara-se evidente que a mesa estava
à espera deles, como um objeto espera a mão que
frequentemente o procura e serve, serão hóspedes habituais, talvez os donos do
hotel, é interessante como nos esquecemos de que os hotéis têm dono, estes,
sejam-no ou não, atravessaram a sala num passo tranquilo como se estivessem em
sua própria casa, são coisas que se notam quando se olha com atenção. A
rapariga fica de perfil, o homem está de costas, conversam em voz baixa, mas o
tom dela subiu quando disse, Não, meu pai, sinto-me
bem, são
portanto pai e filha, conjunção pouco costumada em hotéis, nestas idades. O
criado veio servi-los, sóbrio mas familiar de modos, depois afastou-se, agora
a sala está silenciosa, nem as crianças levantam as vozes, estranho caso,
Ricardo Reis não se lembra de as ter ouvido falar, ou são mudas, ou têm os
beiços colados, presos por agrafes invisíveis, absurda lembrança, se estão
comendo. A rapariga magra acabou a sopa, pousa a colher, a sua mão direita vai
afagar, como um animalzinho doméstico, a mão esquerda que descansa no colo.
Então Ricardo Reis, surpreendido pela sua própria descoberta, repara que desde
o princípio aquela mão estivera imóvel, recorda-se
de que só a
mão direita desdobrara o guardanapo, e agora agarra a esquerda e vai pousá-la
sobre a mesa, com muito cuidado, cristal fragilíssimo, e ali a deixa ficar, ao
lado do prato, assistindo à refeição, os longos
dedos estendidos, pálidos, ausentes. Ricardo Reis sente um arrepio, é ele quem
o sente, ninguém por si o está sentindo, por fora e por dentro da pele se
arrepia, e olha fascinado a mão paralisada e cega que não sabe aonde há de ir
se a não levarem, aqui a apanhar sol, aqui a ouvir a conversa, aqui para que te
veja aquele senhor doutor que veio do Brasil, mãozinha duas vezes esquerda, por
estar desse lado e ser canhota, inábil, inerte, mão morta mão morta que não
irás bater àquela porta. Ricardo Reis observa que os pratos da rapariga vêm já
arranjados da copa, limpo de espinhas o peixe, cortada a carne, descascada e
aberta a fruta, é patente que filha e pai são hóspedes conhecidos, costumados
na casa, talvez vivam mesmo no hotel. Chegou ao fim da refeição, ainda se
demora um pouco, a dar tempo, que tempo e para quê, enfim levantou-se,
afasta a cadeira, e o rumor do arrastamento, acaso
excessivo, fez voltar-se o rosto
da rapariga, de frente tem mais que os vinte anos que antes parecera, mas logo
o perfil a restitui à adolescência, o pescoço alto e frágil, o queixo fino,
toda a linha instável do corpo, insegura, inacabada. Ricardo Reis sai da sala
de jantar, aproxima-se da porta dos monogramas, aí tem de trocar
vénias com o homem gordo que também ia saindo, Vossa excelência primeiro, Ora
essa, por quem é, saiu o gordo, Muito obrigado a vossa excelência, notável
maneira esta de dizer, Por quem é, se tomássemos todas as palavras à letra,
passaria primeiro Ricardo Reis, porque é inúmeros, segundo o seu próprio modo
de entender-se.
Repara nestes itens (que roubei ao manual Plural). Responde,
completando o que já fui escrevendo:
1. Na descrição da rapariga (ll.
14-25), salienta o valor expressivo da comparação; da metáfora; da enumeração.
A comparação « . . . . . . . . . . . . . . . . . .
» (l. 15) vinca . . . . . . . . . . . . . . . . . .
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A metáfora — «cristal fragilíssimo» (l. 19) — . .
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A enumeração surge num passo que inclui igualmente
a figura de estilo anáfora, já que se trata de três segmentos introduzidos por
«aqui» (ll. 22-23). Essa sucessão de três circunstâncias em que . . . . . . . .
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2. «Mas logo o perfil a restitui à
adolescência» (l. 31) — Releva a importância da adjetivação na imagem final da
personagem.
Comecemos por sublinhar os adjetivos do retrato
final da personagem {sublinha tu}: «o pescoço alto e frágil, o queixo
fino, toda a linha instável do corpo, insegura, inacabada» (ll. 31-32). Esta
adjetivação . . . . . . . . . . . . . .
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Tendo em conta o que se passa no excerto
que leste, cria curtos monólogos interiores (ou intervenções só pensadas) das
seguintes personagens (as falas poderão ser paródicas ou não; será uma
mais-valia se mostrarem conhecimento da obra). (Exemplo meu: ‘Marcenda — «Que
cavalheiro tão distinto que está ali! Oxalá não se aperceba de que esta minha
mão esquerda é tão inútil quanto as do guarda-redes Onana.»’.)
Pai de Marcenda — . . . . . . . . .
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Marcenda — . . . . . . . . . . . . .
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Criado que serve — . . . . . . . . .
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Criados da copa (da cozinha) — . . .
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Lê esta ode de Ricardo Reis, a décima oitava de uma
vintena que Pessoa publicou na revista Athena, em 1924, que sugeriu a
Saramago a personagem Marcenda. No autógrafo no espólio de Pessoa ainda
não havia o gerúndio «Marcenda» (cfr. v. 10) — estava um particípio
passado «Fanada» (murcha), que o poeta riscou e substituiu por «Fananda»
(‘murchante’). E tenho dúvidas sobre se Saramago percebeu que «Marcenda» era um
gerúndio; admito que tenha julgado que era mesmo um nome próprio feminino.
XVIII
Saudoso já deste verão que vejo,
Lágrimas para as flores dele emprego
Na lembrança
invertida
De quando hei
de perdê‑las.
Transpostos os portais irreparáveis
De cada ano, me antecipo a sombra
Em que hei de
errar, sem flores,
No abismo
rumoroso.
E colho a rosa porque a sorte manda.
Marcenda, guardo‑a; murche‑se comigo
Antes que com a
curva
Diurna da ampla
terra.
Uso um
questionário tirado de Alexandre Dias Pinto & Patrícia Nunes, Entre nós
e as palavras, 12.º ano, Caderno de atividades e avaliação contínua,
Barcarena, Santillana, 2017, p. 56:
1. Identifique o sujeito da seguinte frase: «O Livro do
desassossego, assinado pelo semi-heterónimo Bernardo Soares, é composto por
diversos fragmentos.»
_________________
2. Qual é a função sintática do vocábulo «futurista» na frase «A
"Ode triunfal" pertence à fase futurista de Campos.»?
_________________
3. Na frase «Caeiro, o poeta bucólico, escreveu "O guardador
de rebanhos".» o constituinte «poeta bucólico» desempenha a função
sintática de complemento do nome?
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4. Na frase «Os alunos lembram-se da teoria do fingimento», qual é
a função sintática do constituinte «da teoria do fingimento»?
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5. Na frase «As críticas que Camões faz na sua epopeia continuam
atuais.», o adjetivo desempenha a função sintática de complemento direto?
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6. Na frase «Os alunos consideram O ano da morte de Ricardo Reis
a melhor obra de Saramago.», indique a função sintática do constituinte «a
melhor obra de Saramago».
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7. Qual é a função sintática desempenhada pelos advérbios na frase
«Ruy Belo procura intervir social e politicamente através da poesia.»?
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8. Em «Ela canta, pobre ceifeira, / Julgando-se feliz talvez», qual
é a função sintática do advérbio?
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9. Qual é a função sintática do pronome relativo na frase «Os
poemas que Cesário Verde escreveu foram editados por Silva Pinto.»?
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10. Na frase «É incrível que Fernando Pessoa se tenha desdobrado em
tantos heterónimos.», a oração introduzida pela conjunção «que» é uma
subordinada (adverbial) consecutiva?
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11. Classifique a oração subordinada na frase «O Padre António
Vieira critica os colonos do Maranhão, onde pregou o seu sermão.».
_________________
12. Classifique a oração subordinada na frase «Ainda que a mãe a
tentasse demover, Inês Pereira casa-se com o Escudeiro.».
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13. A oração introduzida pela conjunção na frase «Os alunos
gostaram do conto "Famílias desavindas", de Mário de Carvalho, pois
tem uma dimensão irónica.» é uma subordinada causal?
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14. No verso «O mito é o nada que é tudo.», a oração subordinada é
um(adjetiva) relativa restritiva?
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15. Classifique a oração «Quem tem hábitos de leitura» na frase
«Quem tem hábitos de leitura tem mais facilidade na língua portuguesa.»
_________________
16. Na frase «Camões é o nosso cantor épico, logo é um símbolo
nacional.», classifique a oração introduzida pela conjunção.
_________________
TPC — Resolve os itens de gramática na folha
da aula.
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