Friday, September 06, 2024

Aula 130

Aula 130 (6 [1.ª], 7 [3.ª], 8/mai [4.ª]) Este parágrafo diz respeito ao momento em que Ricardo Reis vê pela primeira vez Marcenda. Nesta altura, ainda no cap. I de O Ano da Morte de Ricardo Reis, Reis ainda nem sabe o nome da rapariga. O passo está nas pp. 25-26 (PE); 25-27 (C); 19-20 (Mf).

A porta abriu-se outra vez, agora entrou um homem de meia-idade, alto, formal, de rosto comprido e vincado, e uma rapariga de uns vinte anos, se os tem, magra, ainda que mais exato seria dizer delgada, dirigem-se para a mesa fronteira à de Ricardo Reis, de súbito tornara-se evidente que a mesa estava à espera deles, como um objeto espera a mão que frequentemente o procura e serve, serão hóspedes habituais, talvez os donos do hotel, é interessante como nos esquecemos de que os hotéis têm dono, estes, sejam-no ou não, atravessaram a sala num passo tranquilo como se estivessem em sua própria casa, são coisas que se notam quando se olha com atenção. A rapariga fica de perfil, o homem está de costas, conversam em voz baixa, mas o tom dela subiu quando disse, Não, meu pai, sinto-me bem, são portanto pai e filha, conjunção pouco costumada em hotéis, nestas idades. O criado veio servi-los, sóbrio mas familiar de modos, depois afastou-se, agora a sala está silenciosa, nem as crianças levantam as vozes, estranho caso, Ricardo Reis não se lembra de as ter ouvido falar, ou são mudas, ou têm os beiços colados, presos por agrafes invisíveis, absurda lembrança, se estão comendo. A rapariga magra acabou a sopa, pousa a colher, a sua mão direita vai afagar, como um animalzinho doméstico, a mão esquerda que descansa no colo. Então Ricardo Reis, surpreendido pela sua própria descoberta, repara que desde o princípio aquela mão estivera imóvel, recorda-se de que só a mão direita desdobrara o guardanapo, e agora agarra a esquerda e vai pousá-la sobre a mesa, com muito cuidado, cristal fragilíssimo, e ali a deixa ficar, ao lado do prato, assistindo à refeição, os longos dedos estendidos, pálidos, ausentes. Ricardo Reis sente um arrepio, é ele quem o sente, ninguém por si o está sentindo, por fora e por dentro da pele se arrepia, e olha fascinado a mão paralisada e cega que não sabe aonde há de ir se a não levarem, aqui a apanhar sol, aqui a ouvir a conversa, aqui para que te veja aquele senhor doutor que veio do Brasil, mãozinha duas vezes esquerda, por estar desse lado e ser canhota, inábil, inerte, mão morta mão morta que não irás bater àquela porta. Ricardo Reis observa que os pratos da rapariga vêm já arranjados da copa, limpo de espinhas o peixe, cortada a carne, descascada e aberta a fruta, é patente que filha e pai são hóspedes conhecidos, costumados na casa, talvez vivam mesmo no hotel. Chegou ao fim da refeição, ainda se demora um pouco, a dar tempo, que tempo e para quê, enfim levantou-se, afasta a cadeira, e o rumor do arrastamento, acaso excessivo, fez voltar-se o rosto da rapariga, de frente tem mais que os vinte anos que antes parecera, mas logo o perfil a restitui à adolescência, o pescoço alto e frágil, o queixo fino, toda a linha instável do corpo, insegura, inacabada. Ricardo Reis sai da sala de jantar, aproxima-se da porta dos monogramas, aí tem de trocar vénias com o homem gordo que também ia saindo, Vossa excelência primeiro, Ora essa, por quem é, saiu o gordo, Muito obrigado a vossa excelência, notável maneira esta de dizer, Por quem é, se tomássemos todas as palavras à letra, passaria primeiro Ricardo Reis, porque é inúmeros, segundo o seu próprio modo de entender-se.

Repara nestes itens (que roubei ao manual Plural). Responde, completando o que já fui escrevendo:

1. Na descrição da rapariga (ll. 14-25), salienta o valor expressivo da comparação; da metáfora; da enumeração.

A comparação « . . . . . . . . . . . . . . . . . . » (l. 15) vinca . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

A metáfora — «cristal fragilíssimo» (l. 19) — . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

A enumeração surge num passo que inclui igualmente a figura de estilo anáfora, já que se trata de três segmentos introduzidos por «aqui» (ll. 22-23). Essa sucessão de três circunstâncias em que . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

2. «Mas logo o perfil a restitui à adolescência» (l. 31) — Releva a importância da adjetivação na imagem final da personagem.

Comecemos por sublinhar os adjetivos do retrato final da personagem {sublinha tu}: «o pescoço alto e frágil, o queixo fino, toda a linha instável do corpo, insegura, inacabada» (ll. 31-32). Esta adjetivação  . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

Tendo em conta o que se passa no excerto que leste, cria curtos monólogos interiores (ou intervenções só pensadas) das seguintes personagens (as falas poderão ser paródicas ou não; será uma mais-valia se mostrarem conhecimento da obra). (Exemplo meu: ‘Marcenda — «Que cavalheiro tão distinto que está ali! Oxalá não se aperceba de que esta minha mão esquerda é tão inútil quanto as do guarda-redes Onana.»’.)

Pai de Marcenda — . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

Marcenda — . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

Criado que serve — . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

Criados da copa (da cozinha) — . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

Lê esta ode de Ricardo Reis, a décima oitava de uma vintena que Pessoa publicou na revista Athena, em 1924, que sugeriu a Saramago a personagem Marcenda. No autógrafo no espólio de Pessoa ainda não havia o gerúndio «Marcenda» (cfr. v. 10) — estava um particípio passado «Fanada» (murcha), que o poeta riscou e substituiu por «Fananda» (‘murchante’). E tenho dúvidas sobre se Saramago percebeu que «Marcenda» era um gerúndio; admito que tenha julgado que era mesmo um nome próprio feminino.

                              XVIII

Saudoso já deste verão que vejo,

Lágrimas para as flores dele emprego

               Na lembrança invertida

               De quando hei de perdê‑las.

Transpostos os portais irreparáveis

De cada ano, me antecipo a sombra

               Em que hei de errar, sem flores,

               No abismo rumoroso.

E colho a rosa porque a sorte manda.

Marcenda, guardo‑a; murche‑se comigo

               Antes que com a curva

               Diurna da ampla terra.

Uso um questionário tirado de Alexandre Dias Pinto & Patrícia Nunes, Entre nós e as palavras, 12.º ano, Caderno de atividades e avaliação contínua, Barcarena, Santillana, 2017, p. 56:

1. Identifique o sujeito da seguinte frase: «O Livro do desassossego, assinado pelo semi-heterónimo Bernardo Soares, é composto por diversos fragmentos.»

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2. Qual é a função sintática do vocábulo «futurista» na frase «A "Ode triunfal" pertence à fase futurista de Campos.»?

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3. Na frase «Caeiro, o poeta bucólico, escreveu "O guardador de rebanhos".» o constituinte «poeta bucólico» desempenha a função sintática de complemento do nome?

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4. Na frase «Os alunos lembram-se da teoria do fingimento», qual é a função sintática do constituinte «da teoria do fingimento»?

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5. Na frase «As críticas que Camões faz na sua epopeia continuam atuais.», o adjetivo desempenha a função sintática de complemento direto?

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6. Na frase «Os alunos consideram O ano da morte de Ricardo Reis a melhor obra de Saramago.», indique a função sintática do constituinte «a melhor obra de Saramago».

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7. Qual é a função sintática desempenhada pelos advérbios na frase «Ruy Belo procura intervir social e politicamente através da poesia.»?

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8. Em «Ela canta, pobre ceifeira, / Julgando-se feliz talvez», qual é a função sintática do advérbio?

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9. Qual é a função sintática do pronome relativo na frase «Os poemas que Cesário Verde escreveu foram editados por Silva Pinto.»?

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10. Na frase «É incrível que Fernando Pessoa se tenha desdobrado em tantos heterónimos.», a oração introduzida pela conjunção «que» é uma subordinada (adverbial) consecutiva?

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11. Classifique a oração subordinada na frase «O Padre António Vieira critica os colonos do Maranhão, onde pregou o seu sermão.».

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12. Classifique a oração subordinada na frase «Ainda que a mãe a tentasse demover, Inês Pereira casa-se com o Escudeiro.».

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13. A oração introduzida pela conjunção na frase «Os alunos gostaram do conto "Famílias desavindas", de Mário de Carvalho, pois tem uma dimensão irónica.» é uma subordinada causal?  

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14. No verso «O mito é o nada que é tudo.», a oração subordinada é um(adjetiva) relativa restritiva?

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15. Classifique a oração «Quem tem hábitos de leitura» na frase «Quem tem hábitos de leitura tem mais facilidade na língua portuguesa.»

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16. Na frase «Camões é o nosso cantor épico, logo é um símbolo nacional.», classifique a oração introduzida pela conjunção.

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TPC — Resolve os itens de gramática na folha da aula.

 

 

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