Frei Luís de Sousa e canção pelo 12.º 1.ª
Margarida
As personagens de Frei Luís de Sousa, tal como o sujeito
poético de “right where you left me” (que se traduz como “exatamente onde tu me
deixaste”), nunca seguem totalmente em frente e ultrapassam o desaparecimento
de D. João de Portugal.
Madalena segue atormentada pela
possibilidade, apesar de remota, do regresso do primeiro marido (“que não suspeite o
estado em que vivo… este medo, estes contínuos terrores”). “[D]urante sete
anos, incrédula a tantas provas e testemunhos da sua morte, o f[e]z procurar”
por toda a parte até que “a ninguém mais ficou resto de dúvida”. Porém, esta
última frase di-la mais para se tentar convencer a ela mesma, pois, mesmo com
todas estas buscas, permanece assustada e ansiosa. O regresso de D. João
significaria “eterna desonra a mãe e a filha” visto que teria, então, casado
ainda estando casada e Maria seria filha bastarda. “Toda a gente seguiu em
frente” exceto ela, tal como acontece com o “eu” da canção da Taylor Swift
(“Everybody moved on / I, I stayed there”, que se traduz como “Toda a gente
seguiu em frente / Eu, eu fiquei lá”).
Assim como o “eu” do tema musical
pertencente ao álbum Evermore (2020),
que “ainda est[á] no restaurante” (“Help, I’m still at the restaurant”), ou
seja, não consegue deixar de pensar nos acontecimentos que se passaram nesse
local, Madalena mostra-se incapaz de abandonar a dúvida da sobrevivência do
primeiro marido, vivendo angustiada (“que doloroso prazer em ter sempre viva e
suspensa essa dúvida fatal”).
A memória de D. João de Portugal
também não abandona Telmo, que, pelo contrário, deseja o regresso do seu “santo
amo”. Durante a peça deixa claro não crer que esteja morto (“[…] meu senhor D.
João de Portugal, que Deus tenha em glória?”; “Terá...”). Espera o seu retorno,
como o sujeito poético da faixa musical espera o retorno do seu amado,
indicando-o no seu fim (“But if you ever think you got it wrong / “I’m right
where you left me”, que se traduz como “Mas se alguma vez achares que erraste /
Eu estou exatamente onde me deixaste”). Tanto Telmo como o sujeito poético
estão prontos para receber quem os deixou de volta. Para Telmo “o Senhor Manuel
de Sousa Coutinho é um guapo cavalheiro, honrado fidalgo, bom português… mas –
mas não é, nunca há de ser aquele espelho de cavalaria e gentileza” que era D.
João de Portugal. Afirmações como esta, ao longo da obra, revelam a sua
abalável fidelidade para com o antigo senhor.
O povo da época (e também Telmo e,
por sua influência, Maria) vive na “ilusão” (“delusion”) de que D. Sebastião
voltará. O Sebastianismo é, assim, outro ponto que aproxima as personagens da
obra à rapariga da canção (“Did you hear about the girl who lives in
delusion?”, que se traduz como “Ouviste falar sobre a rapariga que vive numa
ilusão?”). O Sebastianismo mostra a recusa do povo em aceitar a morte do rei e
seguir em frente (“o seu mais desgraçado povo ainda não quis acreditar que
morresse, por quem ainda espera em sua leal incredulidade”), característica
comum ao “eu” da canção. Esta crença popular é também indício de tragédia –
podendo D. Sebastião voltar, pode-o também o primeiro marido de Madalena. Por
isso, crê Telmo no Sebastianismo, que, por sua vez, agonia Madalena.
As personagens de Frei Luís de Sousa não conseguem
abandonar a possibilidade do regresso de D. João de Portugal e de D. Sebastião
(que funciona como forma de aumentar a crença no regresso do D. João), vivendo
aterrorizados (no caso de Madalena) ou esperançosos (no caso de Telmo),
assemelhando-se ao sujeito poético de “right where you left me”: “They expected
me to find somewhere / Some perspective, but I sat and stared / Right where you
left me”, que se traduz como “Esperavam que eu encontrasse algum lugar / Alguma
prespetiva mas eu sentei-me e observei / Exatamente onde tu me deixaste”.
Nota (da 1.ª versão): Muito Bom-/Bom+
Miguel M.
A voz rouca de Pedro Abrunhosa, em “Tudo o que eu te dou”,
traduz um amor absoluto, feito de entrega ilimitada. Essa entrega pode
comparar-se com a figura trágica de Manuel de Sousa Coutinho, em Frei Luís de Sousa, de Almeida Garrett.
A personagem move-se, ao longo da peça, entre o dever e o amor, dando tudo de
si, ao país, à esposa, à filha, até à anulação da sua identidade.
Logo no refrão, a canção refere: “Tudo o que eu te dou, tu me
dás a mim / Tudo o que é meu, por um momento é teu”. Esta partilha idealizada
parece alinhar-se com o objetivo de Manuel, disposto a abdicar de tudo pelo bem
da família e da honra. Mas a tragédia está no desequilíbrio entre o que dá e o
que lhe é devolvido. O gesto que o define, ou seja, incendiar a própria casa
para evitar que caia nas mãos dos espanhóis, é símbolo do seu perfil heroico,
mas também da sua tendência autodestrutiva (“Antes vê-la em cinzas que
profanada!” grita, num momento de fúria). Há nesse gesto uma aproximação do
verso de Abrunhosa “Dou-te a minha alma, dou-te o meu ser / Dou-te o meu corpo
para sofrer”. Deste modo, o sofrimento torna-se, em Manuel, forma de expressão
da sua fidelidade, tanto para a pátria, a esposa, e até para a filha. Ao
abdicar do seu nome para proteger a honra de Madalena, passando de D. Manuel de
Sousa Coutinho ao anónimo Frei Luís de Sousa, apaga-se (“Meu nome, minha casa,
minha vida — tudo perdi”), sendo a sua disposição total, mas a devolução nunca
é suficiente: “O que eu tenho, o que eu dou / O meu caminho és tu” é um
segmento que parece fundir-se com a decisão de Manuel de abandonar o mundo por
amor.
No desfecho da peça, a sua renúncia origina a perda total.
“Sou o mais infeliz dos homens, e a minha dor é a vossa salvação”, declara, já
resignado ao hábito da tragédia. Maria morre, Madalena prepara-se para o
convento, e ele torna-se frei. A canção transmite, igualmente, esse propósito:
“Dou-te a minha fome, dou-te o meu leito / Dou-te a minha pele, dou-te o meu
peito”. Não sobra mais nada para dar, nem sequer um futuro.
Manuel é, assim, a figura do homem que dá sem preocupações,
mas cuja generosidade é tragicamente inútil. É como se, como na peça e na
canção, se interrogasse os limites do amor e do sacrifício, colocando-se a
questão “Até onde se pode dar tudo?”
Nota (da 1.ª versão): Bom(+)
Laura
“Rockland”, canção de Gracie Abrams, escrita juntamente com
Aaron Dessner, pode ser interpretada do ponto de vista de D. João de Portugal,
assemelhando-se ao que este poderia dizer a Madalena, se tivesse a
oportunidade. Por outro lado, a “ponte” do tema musical reflete os pensamentos
de Madalena.
“Hey, who took my
place in bed when I left?” (Quem
ocupou o meu lugar na tua cama, quando eu saí?) poderia perguntar-se D. João,
ao voltar de Alcácer Quibir, e perceber que Madalena se tinha casado novamente.
No início, sente revolta e angústia. Pensa em Madalena ultrapassar a sua morte
e apaixonar-se de novo como uma traição: “Parentes!... Os mais chegados (...)
contaram com a minha morte (...) hão de jurar que me não conhecem.”
Quando D. João de Portugal regressa, veste-se de Romeiro,
escondendo a sua identidade: “I doubt you would've seen me / I hid from
everybody” (Duvido que me visses / Escondi-me de todos). Ainda assim, revela a
Madalena e a Jorge que D. João está vivo, causando pânico em todos, pois
ficaria em risco o casamento de Manuel e Madalena, assim como a legitimidade de
Maria.
“I’m sure that I
would like her! If I were
slightly nicer” (Tenho a certeza de que gostaria dela! Se fosse um pouco mais
simpática/o) pode referir-se aos sentimentos de D. João em relação a Maria, que
é uma criança, que nada de mal fez, mas seria a mais castigada com o seu
regresso. D. João age de forma cruel em dizer que está vivo: “Fui imprudente,
fui injusto, fui duro e cruel.” Assim, pede a Telmo que o desminta, inocentando
Madalena, que diz ter perdoado.
Com isto, percebemos que se arrepende de ter voltado,
percebendo que já não tem lugar naquela família e que não deve arruinar a vida
de tantas pessoas, por algo que não foi da culpa destas. O refrão da canção
reflete estes sentimentos- “Bet you wish you / Never even met me / I don't
blame you / Broke your every heartbeat” (Aposto que desejas / Nunca me ter
conhecido / Eu não te culpo / Parti o teu coração). Este refrão seria da
perspetiva de D. João, falando com Madalena. Madalena, apesar de o ter amado,
tem razões para desejar nunca o ter conhecido, sendo ele a causa de tantos
problemas na sua vida.
A “ponte” da canção reflete os sentimentos de Madalena, que é
assombrada pelo medo de D. João voltar e as consequências associadas: “I see
you every night in my sleep / Anticipating every bad dream” (Eu vejo-te todos
os dias no meu sono / Antecipando cada pesadelo). Num momento do tema musical
(no “outro”, aproximação do final da canção), o refrão e a “ponte”
sobrepõem-se, dando a impressão de que Madalena e D. João falam um com o outro.
Assim, “Rockland” pode relacionar-se com os temas de Frei Luís de Sousa, de Almeida Garrett,
pois aborda sentimentos de culpa e angústia, especialmente se pensarmos no
ponto de vista de D. João, após regressar.
Nota (da 1.ª versão): Muito Bom (-)
Tiago
A canção “Falling Down” é uma versão alterada de “Sunlight on
Your Skin”. A música original é sobre o amor e como pode ser difícil, por
vezes. A segunda versão, motivada pela morte do autor da primeira canção (o
rapper Lil Peep), trata do tema da perda de alguém. Esta nova versão acaba por
ficar bastante rica emocionalmente, ao tratar de dois temas praticamente
distintos. Assim, encontram-se alguns aspetos em comum com a peça Frei Luís
de Sousa, especialmente pelo sentimento provocado pela ausência de uma
pessoa próxima, pela tragédia que essa ausência desencadeia e pela dor causada
pelo amor.
No decorrer da obra de Almeida Garrett vão surgindo vários
presságios, indícios de que algo terrível está para acontecer. A doença de
Maria, o Sebastianismo e os retratos de Manuel e de D. João de Portugal são
bons exemplos. O refrão de Falling Down, repetido ao longo da canção – “a chuva
continua a cair, as lágrimas continuam a cair (...) e simplesmente já não
consigo continuar a lutar” – (Rain keeps fallin', tears keep fallin' (...) And
I just can't keep on fightin') –, representa a luta constante do sujeito
poético contra a tristeza e o pessimismo que o rodeiam. Esta ideia liga-se à
constante exposição de Madalena a presságios e momentos que a fazem recordar D.
João, empurrando-a de volta ao passado. Cada um desses momentos provoca-lhe
angústia, tristeza e desgosto. “Este medo, estes contínuos terrores” destroem
lentamente a sua esperança de o primeiro marido estar realmente morto.
O próprio título da música indica que tudo está a
desmoronar-se, a piorar progressivamente – (Falling Down) –, uma gradação que
também se observa na peça, até ao momento em que D. João regressa, quando tudo
já caiu.
O verso “as coisas não são iguais quando [D. João] está fora
da cidade” (Shit don't feel the same when you're out of town) pode aplicar-se
não só a Madalena, mas também a Telmo, que a acompanhou desde criança. Tanto
XXXTentacion, quem fez parte dos vocalistas e contribuiu com a letra da versão
final, como Madalena acreditam que o seu amigo e marido estavam mortos. A
diferença é que, no caso de Madalena, o regresso de D. João revela que essa
perda era apenas aparente. Telmo, por outro lado, acreditou sempre que D. João
estava vivo, e nota que Madalena mudou de atitude, rejeitando tudo o que remete
para a veracidade do Sebastianismo (“Esse desgraçado rei D. Sebastião, que o seu
mais desgraçado povo ainda não quis acreditar que morresse”). A tensão causada
pela ausência e a crescente possibilidade do regresso inesperado de D. João de
Portugal cria um ambiente pesado e de tragédia e transforma o amor entre
Madalena e Manuel numa “cama de pregos” (Darlin', your love is like walking a
bed of nails), onde cada passo os aproxima mais da ruína. Caminham sobre a
traição, conscientes de que tudo pode desmoronar a qualquer momento.
Posso dizer que Falling Down e Frei Luís de Sousa
exploram os efeitos da ausência, da dor e da perda no amor. Quer na canção,
quer na peça a memória de quem está ausente é dolorosa, arruinando lentamente a
esperança e a felicidade das personagens e do sujeito poético. No fim acaba
tudo em tragédia.
Nota (da 1.ª versão): Bom +
Mariana
“Ai Coração”, canção
do terceiro álbum, Peito, de Mimicat, lançado em 2024, que representou
Portugal na edição do Festival da Eurovisão de 2023, pode relacionar-se com as
várias personagens de Frei Luís de Sousa.
A canção descreve um
estado de confusão e angústia por não haver um amor correspondido, onde o
coração parece controlar o “eu”, deixando-o incapaz de pensar, viver ou agir
normalmente. No final da cena VI do ato terceiro assistimos à referência a um
amor não correspondido entre Madalena e D. João de Portugal, (sabemos que
Madalena, mesmo antes de D. João ter desaparecido, estaria já interessada em
Manuel de Sousa Coutinho, mas só aqui D. João de Portugal se apercebe de que o
“Esposo, esposo, abri-me, por quem sois!” de Madalena, não era para si mas para
o novo marido), o que fez com que D. João de Portugal ficasse confuso e parasse
de pensar normalmente ao achar que, passados vinte e um anos, Madalena ainda
estaria à sua espera.
“As horas passam e o
sono não vem” representa os três dias antes de o Romeiro / D. João de Portugal
chegar à casa dos Vilhena-Coutinho pois não teria parado para descansar
("Há três dias que não durmo nem descanso nem pousei esta cabeça nem
pararam estes pés dia nem noite, para chegar aqui hoje, para vos dar meu
recado…").
Como seria de esperar,
ao final de vinte e um anos, D. João de Portugal está diferente, física e
psicologicamente (“Porque parece que nem sou mais eu”); mesmo olhando para os
quadros de D. João, já não é possível dizer que o Romeiro e o D. João são, de
facto, a mesma pessoa.
Quando o Romeiro diz a
Madalena e a Jorge que tinha sido enviado por D. João de Portugal, com a
mensagem «Ide a D. Madalena de Vilhena, e dizei-lhe que um homem que muito bem
lhe quis… aqui está vivo… por seu mal… e daqui não pode sair nem mandar-lhe novas
suas, de há vinte anos que o trouxeram cativo», Madalena entra em pânico, “as
pulsações subiram quase p’ra mil”, e começa a correr em agonia por saber que a
sua filha é ilegitima.
O verso “o doutor diz
que não há nada a fazer” descreve a situação de Maria, que se encontra doente
com tuberculose, e que se sabe, desde o início, que, devido à falta de
conhecimentos científicos, não sobreviverá.
Nota (da 1.ª versão): Bom (-)
Ana
Tanto na peça Frei
Luís de Sousa, de Garrett, como na canção “A Morte Saiu à Rua”, de Zeca
Afonso, o sentimento humano em contextos de repressão é altamente explorado,
apresentando figuras inocentes esmagadas por forças maiores (como o destino, o
passado, e até mesmo, o poder). Apesar de pertencerem a épocas diferentes
(sendo a peça do século XIX e a canção do século XX), ambos refletem críticas
sociais e emoções profundas.
Na peça de Garrett, Maria representa a vítima inocente de um
passado que a condena sem culpa; filha de um casamento considerado “ilegítimo”
por normas religiosas e sociais, a sua fragilidade é frequentemente referida no
decorrer na peça, antecedendo a sua uma morte simbólica quando descobre a
verdade sobre o regresso de D. João de Portugal. Esta morte, além do seu
caráter psíquico (“Minha mãe, meu pai, cobri-me estas faces, que morro de
vergonha…”), é também física, representando a tragédia prevista desde o início
(com as “faces rosadas” a representar a eventual tuberculose de Maria). Além
disso, o caráter social de ambas as obras mantém-se implícito, padecendo de uma
interpretação profunda. A morte do “pintor” referido na canção é inocente e
ingénua; o povo “[Vai] dizendo / Em toda a parte / O pintor morreu”,
simbolizando a tragédia do assassinato de José Dias Coelho pela PIDE. De igual
modo, a morte simbólica de Maria não foi aquém da sua responsabilidade (“Uma
senhora aquela… pobre menina”). Com isto, ambos os personagens sofrem
consequências das quais não são responsáveis, penando pelos pecados dos outros.
Na canção de Zeca Afonso, a morte é literal, mas igualmente
absurda e imposta, como se vê logo nos versos “A morte / Saiu à rua / Num dia
assim / Naquele lugar sem nome pra qualquer fim.”. Apesar de indefinidos, ambos
os espaços – a casa em ruínas da peça e o “lugar sem nome” da canção – são
metáforas de prisão dentro do sofrimento.
Uma grande diferença entre esta canção e a peça será o seu
desfecho. Em Frei Luís de Sousa, a
morte de Maria é aceite pelos seus pais (e por outros personagens presentes em
cena) com indiferença e sem mágoa evidente. A pressão sobre Madalena e Manuel,
imposta pela sua conversão religiosa, seria uma força de tal modo influente que
arrebataria quaisquer remorsos relativos às suas vidas de “pecadores”. Por
outro lado, a canção de Zeca Afonso representa a revolta e insatisfação do povo
contra o regime imposto; as pessoas exigem mudança e prometem lutar pela
injustiça que o pintor e o povo sofrem (“Aqui / Te afirmamos / Dente por dente
/ Que um dia / Rirá melhor / Quem rirá / Por fim”).
Assim, compreendemos as semelhanças entre regimes
autoritários (ditatoriais ou oriundos do clero) apresentados nos diferentes
séculos (bem como as diferentes formas de o povo agir, sejam estas em modo
vingativo ou de aceitação).
Nota (da 1.ª versão): Muito Bom
Helena
A canção que escolhi para estabelecer uma relação com Frei Luís de Sousa é “Atrás da Porta”,
de Chico Buarque. A letra (escrita pelo próprio Chico Buarque e Francis Hime)
retrata a dor e o desespero do “eu” que se recusa a aceitar o fim de uma
relação amorosa.
Em Frei Luís de Sousa,
de Almeida Garrett, D. Madalena era casada com D. João de Portugal, mas este
desaparecera na batalha de Alcácer Quibir. Após anos de buscas por parte da
mulher, D. João foi dado como morto. Sete anos depois do desaparecimento,
Madalena volta a casar-se, mas agora com Manuel de Sousa Coutinho, com quem
teve uma filha chamada Maria. Vinte e um anos após o desaparecimento, D. João
regressa disfarçado de romeiro, o que gera o caos na vida de Madalena e Manuel
que, transtornado, deseja separar-se e dedicar-se à vida religiosa.
Tanto Manuel Sousa Coutinho como Madalena sofrem com esta
separação. Madalena, durante a conversa que tem com o atual marido, queixa-se
de que o “modo [...] com que [lhe fala]” não é afável, e afirma, tentando
convencer Manuel a não a deixar, que “[estariam a dar], com demasiada
precipitação, uma fé tão cega, uma crença tão implícita a essas misteriosas
palavras de um romeiro”. Manuel discorda e afirma que aquele se trata de um
“amor impossível”. Madalena tenta procurar apoio de quem está ao redor, como ao
irmão de Manuel, mas este não lho dá. Já o sofrimento de Manuel evidencia-se
quando este, já a agarrar o hábito, chama a Madalena uma última vez “querida” e diz “pela derradeira vez [...],
adeus, adeus!”.
De maneira semelhante, na canção, o “eu” “não acreditou”,
quando a outra pessoa “[olhou nos seus olhos], e o [...] olhar era de adeus”. O
sujeito tenta “arranhar” e “agarrar-se” a qualquer vestígio do até então
parceiro, impedindo, ou tentando impedir, o seu afastamento. O sofrimento é
maioritariamente interno e isto é confirmado pelo título da canção. “Atrás da
porta” sugere algo escondido e privado.
O cenário descrito na canção é de humilhação, tal como
Madalena se sente ao descobrir que cometeu adultério e que tem uma filha
ilegítima, e Manuel, por ter sido marido, mas sem legitimidade. Esta canção,
além de ser cantada por Chico Buarque, tem uma versão bastante conhecida
cantada por Elis Regina. Isto é interessante, porque permite-nos atribuir o
sujeito da canção tanto a Madalena como a Manuel.
Nota (da 1.ª versão): Bom +
Alice
Em Frei Luís de
Sousa, de Almeida Garrett, podemos evidenciar uma dimensão trágica —
representada pela presença de elementos da tragédia clássica — que se reflete
no “drama romântico” sentido ao longo da peça. Podemos também estabelecer uma
relação entre o passado e o presente: durante a peça observamos momentos
fulcrais que os unem. O mesmo se consegue verificar na canção “Agora é Tarde”,
da banda D.A.M.A.
D. João desapareceu na Batalha de Alcácer-Quibir e, por
não ter aparecido, a maioria deu-o como morto, especialmente Madalena, que já
se havia apaixonado por outro homem, Manuel de Sousa Coutinho. Contrariamente,
Telmo, fiel ao seu primeiro amo, duvidou do que realmente havia acontecido nessa
batalha e nunca acreditou que fosse possível a morte de D. João ー não cedeu a nenhuma evidência. D.
João, no momento de regresso como Romeiro, estaria triste, desiludido e magoado
face à perda dolorosa da sua esposa. No entanto, não sentiu remorso pela
desacreditação que esperava face à sua morte: “não posso criminar ninguém por
que o acreditasse: as provas eram de convencer todo o ânimo; só lhe podia
resistir o coração”.
Mais tarde, ao aperceber-se de que o Romeiro se tratava
afinal de D. João de Portugal, Madalena sente um remorso que a consome, pois
significa que viveu em pecado: “Minha filha, minha filha, minha filha! Estou…
estás… perdidas, desonradas… infames!”. Havia amado Manuel de Sousa Coutinho
enquanto D. João estava vivo e, após a sua suposta morte, passaram-se sete anos
e Madalena casou-se com Manuel. Tratar-se-ia de um casamento ilegítimo, uma vez
que o primeiro marido de Madalena se encontrava vivo.
Metaforicamente, o remorso de Madalena poderia ser
refletido através da culpa de ter acreditado inocentemente nas provas a favor
da morte de D. João: “Como é que eu fui capaz de não ir atrás, de lutar pelo
que é nosso?”.
“Fui procurar noutro lado aquilo que não vi em ti” diria
Madalena a D. João, se tal fosse permitido, quando se apercebeu de que o homem
que realmente amava não seria o seu marido, mas, sim, Manuel de Sousa Coutinho.
Já D. João seria capaz de se dirigir a Madalena, após esta descobrir a
verdadeira identidade do Romeiro, e dizer-lhe “Não me largues, não me deixes,
não me esqueças por favor”, pois este não havia deixado de a amar. No entanto,
D. João acaba por ordenar a Telmo que escondesse a sua verdadeira identidade de
Madalena (“Basta: vai dizer-lhe que o peregrino era um impostor, que
desapareceu, que ninguém mais houve novas dele”).
Tanto na peça de Almeida Garrett, como na canção dos
D.A.M.A podemos verificar uma relação entre o passado e o presente e como o seu
retorno influencia Madalena a sentir-se culpada pelo seu segundo casamento e o
“eu” da canção a pedir uma nova chance a uma rapariga que o deixara.
Nota (da 1.ª versão): Bom+/Muito Bom-
Ranya
A canção “Fado da Sina”, de Camané, tem como lição principal
que o destino é uma força que guia a vida de maneira permanente, não sendo
possível contrariá-lo nem mudar o futuro que nos espera. Na obra Frei Luís
de Sousa, o destino também tem um papel essencial, responsável pela
tragédia que marca a obra.
Dona Madalena de Vilhena, após o desaparecimento do marido, D.
João, na batalha de Alcácer Quibir, volta a casar-se, desta vez com Manuel
Sousa Coutinho, com quem tem uma filha chamada Maria. É uma personagem dominada
pelo medo de se ter casado com Manuel antes de ter certeza da morte de D. João,
o que faz com que Madalena viva uma vida assombrada pela possibilidade da volta
do seu primeiro marido e com a intuição de que algo terrível está a prestes a
acontecer, mesmo vinte e um anos depois da batalha em que o seu primeiro marido
desaparecera. O eu criado por Camané dá um conselho que bem lhe serviria: “Tu
podes mentir / Às leis do teu coração/ Mas ai quer queiras quer não/Tens de
cumprir a tua sina.”
Madalena é muito supersticiosa sendo tudo um mau presságio.
Apesar disto, ainda tem certa esperança de que nada vai acontecer, não
acreditando nas conversas de Telmo, que ainda põe em causa a sobrevivência do
seu verdadeiro amo, que afirmara “Vivo ou morto, Madalena, hei de ver-vos pelo
menos ainda uma vez neste mundo”, mostrando aqui já um aviso da “sina”. O eu
poético da canção também vive uma vida coberta de tristeza, já aceitando que
ela faz parte da existência, afirmando que “Até morrer, terá[s] de ser / Sempre
infeliz”.
Quando Madalena descobre que D. João está vivo, fica
destroçada, a sua família torna-se prova viva do pecado por si cometido,
chegando assim ao lugar que lhe fora destinado pela “sina” e que, por mais
fortes que fossem as suas vontades, “Não p[ô]de fugir / (…) / Ao [s]eu destino
fatal”.
Manuel de Sousa Coutinho, ao contrário da sua esposa, pouco
tem de supersticioso, considerando que a mulher tem a “fraqueza de acreditar em
agouros” e “não há espetros que [nos] possam aparecer senão os das más ações
que fazemos”, mas ele também já tem o seu destino traçado: torna-se Frei Luís
de Sousa após a descoberta de que o seu casamento era uma fraude aos olhos da
Igreja, sendo essa a sua “sina”.
Maria, filha de ambos, é a única personagem inocente, mas já
percebe que alguma coisa se passa. O facto de ser fraca de saúde também já é um
sinal do fim que a espera. Herda a sina dos seus pais e acaba por morrer de
vergonha, após descobrir-se filha bastarda, cumprindo assim o que lhe foi
destinado.
Tanto na canção como na obra o sujeito poético e as
personagens cumprem o que lhes está destinado, apesar de trágico. Pode
perceber-se que o destino, ou a sina, é implacável e não poupa ninguém, nem
aqueles que são inocentes.
Nota (da 1.ª versão): Bom +
Eduardo
Ao pensar na trama da peça de teatro Frei Luís de Sousa, por Almeida Garrett, a primeira canção que me
vem à cabeça é “Exit Music (for a Film)” dos Radiohead.
Tanto a obra como a canção apresentam um clima de desgraça e
tragédia desde os seus primeiros versos: “Wake from your sleep / The drying of
your tears / Today, we escape, we escape” (“Acorda do teu sono / da secagem das
tuas lágrimas / Hoje, nós fugiremos”). Podemos facilmente relacionar esta
sensação de desconforto, de necessidade de encontrar um porto seguro, com o
final do ato I, em que Madalena, atormentada com o seu passado, recebe a
notícia de que tem de fugir para o palácio de D. João de Portugal. Durante o
incêndio (causado propositadamente por Manuel de Sousa Coutinho), o quadro do
próprio é visto a arder, mostrando um certo simbolismo que virá a ser bastante
relevante posteriormente. Estes primeiros versos podem também simbolizar o
desespero de Madalena que, atormentada pela sombra de D. João de Portugal,
tenta proteger a sua filha Maria, “fugindo” da devastadora verdade.
Os versos “Pack and get dressed / Before your father hears us
/ Before all hell breaks loose” (“Arruma as tuas coisas e veste-te / Antes que
o teu pai nos oiça / Antes que vá tudo pelos ares”) podem ser interpretados
mais literalmente devido à fogosa situação do primeiro ato, ou de forma menos
literal. Este medo de ser apanhado, pode ser uma alusão à família de Madalena,
que vive em constante ameaça da revelação do seu passado, ou ao facto de D.
João poder entrar pela porta das traseiras a qualquer momento.
“Breathe, keep breathing / Don't lose your nerve / Breathe,
keep breathing / I can't do this alone” (“Respira, continua a respirar / Não
percas o controlo / Respira, continua a respirar / Não consigo fazer isto
sozinho”), possivelmente a parte mais frágil da canção, aludindo à fragilidade
de Maria, e à sua vulnerabilidade, à verdade que se avizinha.
Quando Thom Yorke diz “Sing us a song / A song to keep us warm
/ There's such a chill, such a chill” (“Canta-nos uma canção / Uma canção para
nos aquecer / Há tanto frio, tanto frio”), sugere uma distração do inevitável,
agarrar-se a algo para se distrair da verdade. É isto que Maria faz, agarra-se
à “estabilidade” da relação dos seus pais, tentando ignorar todas as
premonições de que ia “tudo pelos ares”.
No clímax da canção, a revolta e a sede por vingança atingem o
auge: “We hope your rules and wisdom choke you / Now we are one in everlasting
peace / We hope that you choke, that you choke” (“Esperamos que as tuas regras
e sabedoria te asfixiem / Agora somos um em paz eterna / Esperamos que te
asfixies, que te asfixies"). Este desejo de libertação de uma sufocante e
opressora sociedade pode relacionar-se com a forma como a família de Madalena é
destruída pelas convenções sociais e religiosas. A parte mais calma da canção é
agora contrastada: primeiro, diz-se “Respira, continua a respirar”, sendo estas
recomendações posteriormente transformadas em ordens de ódio e desespero
(“Esperamos que te asfixies, que te asfixies”), o que mostra a mudança que está
a acontecer com a frágil Maria, o que acaba por levar à sua trágica morte. Este
regresso de D. João de Portugal simboliza o fim da família de Madalena e de
Manuel.
A canção dos Radiohead, com a sua despedida épica, reflete os
sentimentos de traição e de choque que se abatem sobre Madalena, Manuel e
Maria, que agora são um na “paz eterna” que, no contexto de Frei Luís de Sousa, só pode ser
alcançada através da tragédia e da adesão à vida religiosa. A morte de Maria,
resultado da asfixia da verdade, a separação de Manuel e Madalena e a sua
entrada para a vida do clero, materializam esta “paz” na forma de uma “morte”
tanto social como espiritual. A música, na sua essência, é uma espécie de
lamento à inocência perdida e à impossibilidade de escapar a um fim cruel. Tem,
na minha opinião, um ritmo gradual que acompanha a tragédia crescente, e um
doloroso desfecho que se encaixa perfeitamente na obra de Garrett.
Nota (da 1.ª versão): Bom +
André
A obra Frei Luís de
Sousa, do grande Almeida Garrett, reflete vários assuntos e temas. Um
desses temas é o peso que o passado dos protagonistas tem sobre o presente, e é
por isso que escolhi a canção “Home by the Sea”, da banda Genesis, do álbum Genesis (1983).
“Home by the Sea” conta-nos a história de um assaltante que
decide invadir uma casa. No entanto, o assaltante tinha total desconhecimento
de que aquela casa não era uma casa qualquer, mas uma casa que aprisionava os
seus visitantes num ciclo de memórias e ocorrências do passado, muitas das
quais pertencem aos espíritos que lá vivem. Aqueles que ficam presos na casa
acabam por sofrer o mesmo que os espíritos, refletindo sobre as suas próprias
ações. O assaltante acaba por enfrentar o mesmo destino, a ação desenrola-se
numa casa à beira-mar, que dá nome à faixa.
Em Frei Luís de Sousa,
a casa de D. João de Portugal serve como uma prisão de memórias passadas,
especialmente para Madalena, que outrora morava naquela casa com seu primeiro marido
D. João, que “terá sido morto na batalha de Alcácer Quibir” e, sete anos
depois, casara-se com Manuel de Sousa Coutinho. Madalena sente-se
constantemente “aprisionada pelos espíritos da casa”, que, nesta situação, é D.
João de Portugal (que se revela vivo após todos, menos Telmo, o julgarem
morto), o espírito que “conta” a sua história a Madalena, que acaba por ficar
afetada pelas suas decisões passadas e psicologicamente aprisionada na casa à
beira-mar (o palácio de D. João de Portugal), refletindo sobre as suas decisões
passadas que culminaram no seu estado espírito atual.
A canção “Home by the Sea” tem uma segunda parte chamada
“Second Home by the Sea”, que deixa clara a impossibilidade de sair de casa e a
repetição eterna das memórias assombrosas, às quais o assaltante terá de ser
submetido até ao fim da sua vida como consequência das suas ações, tanto
passadas como futuras . No caso da obra de Almeida Garrett, Madalena vê-se
forçada a entrar para a vida religiosa, junto do seu atual marido, Manuel de
Sousa Coutinho, futuro Frei Luís de Sousa. No entanto, o verdadeiro castigo
acaba por ser a morte da filha Maria, consequência trágica das ações dos pais.
No fim, tanto a casa à beira-mar como o palácio de D. João
acabam por se tornar indicadores de finais trágicos provocados pelos fantasmas
do passado.
Nota (da 1.ª versão): Bom- / Suf +
Carol
A canção de Fernando Daniel, “Casa”, na minha perspetiva, pode
relacionar-se com a chegada do Romeiro, D. João de Portugal, à sua antiga casa,
pois fala sobre o sentimento de solidão. Pode, portanto, sugerir o reencontro
de João com a sua antiga esposa, Madalena de Vilhena, e com o seu fiel amigo,
Telmo.
Na sua primeira interação com Madalena e Jorge, irmão de
Manuel de Sousa Coutinho, atual marido de Madalena, o Romeiro descreve o que
passou durante o seu tempo preso na Palestina. Revela que passou por muita fome
e tortura, mas ao recordar as dificuldades, também revela que “queria rezar e
meditar” nas paixões mundanas e naqueles que eram seus e que tratavam dele.
Este sentimento de saudade e pertença pode-se observar na frase da canção de
2013, “A minha casa és tu”. Enquanto o Romeiro passava por todos estes
horrores, ele só pensava em voltar para as pessoas que amava e para a sua casa.
“Tanta gente à minha volta / mas ninguém para falar” reflete o
sentimento de D. João de Portugal ao perceber que ninguém o reconheceu, nem
sequer Telmo, o fiel escudeiro. Na sua chegada ao palácio, no seu primeiro
encontro com a sua mulher, ela não o reconhece e ainda pergunta pela sua
história. Já no seu reencontro com Telmo, que há muito esperava e acreditava na
sua vinda — “no fim de vinte anos de o julgarem todos perdido; e eu, eu que
sempre esperei, que sempre suspirei pela sua vinda…” — este também não o
reconheceu à primeira vista. Telmo chega a perguntar quem é que era esse
Romeiro e D. João mostra a sua tristeza de nem o seu grande amigo o reconhecer —
“Ninguém, Telmo; ninguém, se nem já tu me conheces!”. D. João esperava que pelo
menos Telmo o reconhecesse e daí relacionarmos o seu sentimento com a frase da
canção, pois ele tinha muita gente à sua volta mas que não o reconhece e muito
menos que possa falar com ele.
Na cena VI do Ato III, Madalena chama desesperadamente pelo
marido e D. João, iludido, pensa que ela chama por ele — “Pois por quem?... Não
lhe ouves gritar: «esposo, esposo?»”. Esta reação de D. João só mostra o
desespero que tinha de que a sua vida antes da Batalha de Alcácer Quibir
voltasse. E o desespero para que Madalena reparasse nele. Estes sentimentos de
ilusão e desespero podem observar-se em “Só quero que reparem que eu ainda vivo
aqui”, que poderia muito bem ser uma frase dita por D. João.
Por fim, acho que ainda há uma frase da canção de Fernando
Daniel que consegue resumir o que D. João deve ter sentido neste seu regresso —
“O mundo está estranho lá fora e eu já não o consigo entender”. A confusão que
ele deve ter sentido por ter voltado ao seu próprio palácio e a sua mulher ter
outro marido e o seu escudeiro ter outro amo pode ser descrita nesta frase.
Nota (da 1.ª versão): Bom (+)
Cristian
É
natural que, com a ausência de notícias de alguém que nos é próximo, tudo
façamos para o encontrar. Também esse foi o caso de Madalena na obra Frei Luís de Sousa. Durante sete anos
procurou por D. João de Portugal, seu marido, desaparecido na batalha de
Alcácer-Quibir (“D. João ficou naquela batalha com o seu pai, com a flor da
nossa gente”, cena II, ato 1). Madalena reconstrói a sua vida ao lado de Manuel
de Sousa Coutinho, com quem teve uma filha. Já se haviam passado vinte e um
anos sem notícias de D. João; por isso, cada vez menos, se acreditava no seu
regresso (“a que se apega esta vossa credulidade de sete… e hoje mais quatorze…
vinte e um anos?”, cena II, ato 1).
Finalmente,
D.João regressa a casa, pensando que a sua volta seria motivo de grande
felicidade; contudo, não poderia estar mais enganado, descobrindo que o seu
amor afinal ama outro. Como na canção L’Amour
de ma vie [O amor da minha vida], de Billie Eilish, D. João “[wishes her]
the best for the rest of [her] life” [deseja o melhor para o resto da sua
(Madalena) vida]. Ao encontrar-se com Madalena, “felt sorry for [her] when I
looked in [her] eyes” [lamentou-se quando olhou para os seus olhos], porque
sabia que iria arruinar a nova vida do seu verdadeiro amor. Por isso, no
início, escondia a sua identidade e passou a ser Romeiro (“Romeiro, Romeiro!
Quem és tu? / Ninguém”, cena XV, ato 2). Mais tarde, ao sentir-se culpado,
confessa a verdade (“But I need to confess, I told you a lie”) [Mas preciso
confessar que contei uma mentira]. O sentimento de culpa nasceu de perguntas
feitas a si próprio, tais como: “Did I break your heart? Did I waste your
time?” [Será que parti o teu coração? Será que desperdicei o teu tempo?], pois,
apesar de não estar lá para Madalena, sempre quis voltar a casa; porém, foi
impedido pelo inimigo, que o aprisionou (“I tried to be there for you”) [Tentei
estar ali, para ti].
Madalena
não amava D. João de Portugal, porque “respeito, devoção, lealdade, tudo lhe
tiveste… mas amor!” (cena II, ato 1). No entanto, na perspetiva de D. João, o
casamento entre ambos era feliz (“You said you’d never fall in love again
because of me”) [Disseste que nunca mais te apaixonarias por alguém por causa
de mim], mas quando voltou ela já estava com outro (“Then you moved on
immediately”) [Mas, depois, seguiste a tua vida imediatamente].
A
canção conta com um tom melancólico e tem uma batida lenta e pesada, como se
fossem os sentimentos de D. João que estivessem a ser expressos. Tristeza,
felicidade pela alegria do seu amor, tristeza, desejo que volte tudo a ser como
antes, solidão. Mas, no final, muda-se completamente a ideia que se quer
passar. D. João também teve um final misterioso. Por isso, os dois elementos
conjugam-se na totalidade.
Nota (da 1.ª versão): Bom (+)
Joana S.
A dimensão trágica que se verifica em Frei Luís de Sousa, obra de Almeida Garrett, que envolve as
drásticas consequências que ações do passado podem vir a ter no presente, pode
ser comparada à da canção “my tears ricochet”, de Taylor Swift, escrita pela
cantora, quinta faixa do álbum folklore,
em que se reflete sobre relações passadas e os conflitos e melancolia que estas
originaram.
Após Manuel de Sousa Coutinho ter tomado a decisão de
abandonar e atear fogo à sua residência, decide que a família iria morar para a
casa onde Madalena havia vivido com D. João de Portugal. No seguimento da
insistência de Madalena, que temia o regresso àquele palacete, Manuel
garantiu-lhe que “não há espetros que nos possam aparecer senão os das más
ações que fazemos” e disse à mulher que não receasse “que nos venha perseguir
neste mundo aquela santa alma que está no céu”. Metaforicamente, “You wear the
same jewels that I gave you / As you bury me [Usas as mesmas joias que te dei /
Enquanto me enterras]” visto que se aproveitaria da propriedade de D. João,
juntamente com a família, pensando que este estaria morto.
Os presságios que Madalena tem desde o início da peça tomam
uma dimensão real quando o Romeiro chega ao palácio no qual estava a família,
mas também Telmo, seu leal escudeiro. Ainda incógnito, D. João de Portugal
afirma, quando mencionados os seus familiares e amigos, que “Os mais chegados,
os que [me] importava achar… contaram com a minha [sua] morte, fizeram a sua
felicidade com ela; hão de jurar que não me conhecem”. Revela, então, a razão
pela qual queria falar com Madalena: trazia uma mensagem de “um homem que muito
bem lhe quis”: D. João, desaparecido na batalha de Alcácer-Quibir, ainda
estaria vivo. (“You know I didn't want to have to haunt you / But what a
ghostly scene [Sabes que eu não queria ter de te assombrar / Mas que cena
fantasmagórica]”).
“You had to kill me, but it killed you just the same [Tiveste
de me matar, mas matou-te igualmente]” diria D. João a Madalena, que dera a
morte do primeiro marido como quase certa, mas essa presunção errónea, a partir
da qual o casamento com Manuel seria legítimo, iria ser a razão da sua
destruição.
Perante a crença de que “D. João de Portugal morreu no dia em
que sua mulher disse que ele morrera.”, o próprio, destroçado por ter caído no
esquecimento de quase todos, apercebe-se de que a sua chegada fora o infortúnio
da família de Madalena, “Sua mulher honrada e virtuosa, sua mulher que ele
amava…”, e que, por isso, não poderia voltar definitivamente para a casa que
antes havia sido sua (“And I can go anywhere I want / Anywhere I want, just not
home [Posso ir para onde quiser / onde quiser, exceto para casa]”).
Assim, tanto o drama como o tema musical evidenciam como
conflitos passados conseguem perpetuar-se e afetar o presente de forma drástica
e profunda.
Nota (da 1.ª versão): Muito Bom -
Matilde
Foi escolhido por mim o tema “Chega de Saudade”, de Vinícius
de Moraes e Antônio Carlos Jobim, este mais conhecido por Tom Jobim. Os dois
artistas brasileiros são dois grandes nomes do mundo da bossa nova. O principal
foco da sua letra é a saudade que o autor da canção sente da amada, pois “sem
ela não há paz, não há beleza”. Nada de bom haveria na sua vida sem “ela”,
apenas “tristeza e a melancolia”. Mostra ainda a sua vontade de voltar a ver a
sua amada (“mas, se ela voltar, se ela voltar, que coisa linda, que coisa
louca”).
É possível contrastar a letra desta música com a obra Frei Luís de Sousa, de Almeida Garrett.
Ao contrário do sujeito poético da letra da música, o regresso do primeiro
marido de Madalena não lhe traria felicidade e seria, sim, uma loucura, claro,
no sentido negativo da palavra. Isto porque a sua filha seria considerada
ilegítima, por ser de outro casamento, com Manuel de Sousa Coutinho (“E quem
dirá que estes anos de paz não me trouxeram maiores cuidados do que me trouxera
a desgraça d’outros tempos?”). Não sentia saudade, sentia medo de que o que
pressentia fosse verdade e que o D. João de Portugal voltasse (“Não mo digas!
Ele há de vir… há de vir, Telmo! Não o sinto, não o digo : é a minha alma que o
pressente e que mo adivinha”). Sentia, mais do que medo, desespero de que o seu
marido ainda fosse vivo, culpa e peso na consciência, pois seriam imperdoáveis
os “anos de paz” que teria vivido até agora. Esses, sim, tinham sido a
verdadeira “paz” e “beleza” referidas na letra da canção aquando o regresso da
amada.
Outra característica contrastante entre o tema musical e a
obra é o conflito entre o passado e o presente assim como as consequências da
sua convergência. Isto porque na música o sujeito lírico deixa claro que o seu
passado é algo com que se quer voltar a encontrar, neste caso, o seu passado
seria apenas o seu romance com a amada. No entanto, o último desejo de Madalena
seria que o seu passado regressasse, o seu primeiro marido. Isso causar-lhe-ia
um grande desgosto e destruiria a sua vida atual.
Assim, a música e a obra de Almeida Garrett relacionam-se pela
total disparidade entre os sentimentos que o personagem principal teria em
relação à pessoa amada ou, no caso de Madalena, a D. João de Portugal, assim
como o conflito entre o passado e o presente, juntamente com as suas
consequências na vida do sujeito.
Nota (da 1.ª versão): Bom -
Joana C.
Na canção "Fera Ferida", de Roberto Carlos, o
sujeito poético descreve a sua experiência de um amor vivido com bastante
intensidade, mas que termina de forma dolorosa. Tal como sucede na letra desta
música, a peça de Almeida Garrett é marcada pela tragédia e pelo sofrimento
causado pelo amor, o que torna possível aproximarmos as emoções da canção das
emoções sentidas pelos personagens de Frei
Luís de Sousa.
O próprio título da música — “Fera Ferida” — pode ser
associado às principais personagens da obra, em especial a Maria, filha de
D. Madalena e Manuel de Sousa Coutinho , que sofre em silêncio por sentir o peso
da dor dos pais e que acaba por morrer de tuberculose. O refrão (“Sou fera
ferida / No corpo, na alma e no coração”) pode ser usado para descrever a dor
desta personagem, que é tanto física como emocional.
Os primeiros versos da
canção — “Acabei com tudo / Escapei com vida“ — podem comparar-se à situação em
que D. Madalena e Manuel de Sousa Coutinho se encontram ao descobrirem que D.
João de Portugal, primeiro marido de Madalena, está vivo, o que torna a relação
entre os dois imprópria e proibida. Assim, são obrigados a separarem-se e a
seguirem caminhos diferentes, embora ingressando ambos em ordens religiosas.
Para além disso, as emoções e a solidão dos dois durante esta separação também
podem ser aproximados da solidão que o sujeito poético da canção afirma sentir
: “Me senti sozinho / Tropeçando em meu caminho / À procura de abrigo”.
O sujeito poético de “Fera Ferida” viu-se “o alvo perfeito”
que fora “muitas vezes no peito atingido”. Tal como este, Madalena, que durante
muito tempo receara o regressou de D.João, e que lida agora com a concretização
deste medo e tem de abdicar do seu forte amor por Manuel, assim como o “eu” da
canção é constantemente perseguida e atingida pelo seu passado e pelo seu amor.
Os versos da letra — “Não vou mudar / Este caso não tem
solução” — refletem sobre um destino que não pode ser alterado. Isto está
também muito presente na obra onde é percetível o caráter inevitável da
tragédia, uma vez que nenhuma das personagens conseguiu escapar àquilo que lhe
está destinado, à dor, à separação e, no caso de Maria, à morte.
A música de Roberto Carlos consegue expressar os sentimentos
dos personagens da obra de Garrett com a intensidade com que os mesmos são
apresentados, abordando especialmente o sofrimento e o amor e acabando por
aceitar também que o destino é inevitável.
Nota (da 1.ª versão): Bom/Bom(-)
Salvador
A canção que recomendo é do artista português Diogo Piçarra,
chama-se «Paraíso». Ironicamente, a obra Frei
Luís de Sousa de paraíso não tem nada. Algumas passagens desta música
aplicam-se maioritariamente ao Romeiro ou a D. João de Portugal, mas, neste
caso, mais ao Romeiro devido ao facto de a própria canção carregar consigo um
sentimento de mágoa, melancolia e falsas esperanças até certo ponto. Não se
excluirão, obviamente, menções a outras personagens da história
O trecho da música do intérprete português «Pergunto-me se nos
voltamos a ver» remete-nos para a linha temporal, de bastantes anos, em que D.
João de Portugal passou a tentar sobreviver e a tentar voltar para a sua
mulher, D. Madalena, que depois de assumir que o esposo tinha morrido na
batalha que deixaria Portugal em crise, já havia reconstruído a sua vida com
Manuel de Sousa Coutinho. Podemos assumir que durante todo esse tempo o agora
Romeiro se perguntava a si próprio se a ia voltar a ver. A este sentimento de
rever a amada podemos também associar a muita esperança que D. João ainda teria
passado todos estes anos. A isso associamos a seguinte parte da canção: «Porque
nada é impossível quando é ainda possível acreditar». Na obra percebemos que
existe este sentimento de esperança mesmo até à última, quando já perto do
reencontro o Romeiro ouve Madalena chamar pelo esposo e este ainda acha que se
trata dele: «É ela que me chama! Santo Deus! Madalena Que chama por mim…»; mas
logo nas passagens seguintes descobrimos que não era por D. João de Portugal
que Madalena chamava: esta, na verdade, chamava por Manuel de Sousa Coutinho, o
que ajuda ao clima melancólico e de falsa esperança que a própria música traz.
Pensemos agora no final de Frei
Luís de Sousa, com um desfecho trágico. O Romeiro, já dominado pelo rancor
da substituição e depois de assombrar Maria várias vezes, saturando o contexto
de mau presságio, aparece e faz que a filha do casal, que já era uma menina
muito frágil e invadida por enfermidades, como em vários momentos da obra é
referido, morra de desgosto e desfaleça para cima dos pais, mas não sem antes
dizer: «É aquela voz, é ele, é ele! Já não é tempo... Minha mãe, meu pai,
cobri-me bem estas faces, que morro de vergonha... morro, morro de
vergonha...». A este sentimento de vergonha e de desgosto associamos a seguinte
passagem da canção: «Às vezes
só queria desaparecer, perder-me nos teus braços até morrer».
Nota (da 1.ª versão): Bom (-)
Carlos
A “Balada da Rita”, de Sérgio Godinho, bem poderia chamar-se
“Balada de D. João de Portugal”, tão semelhantes são as desventuras destes
distintos personagens. Os desgostos da protagonista da canção assemelham-se, em
diversos pontos da narrativa, aos flagelos do ex-marido de Madalena de Vilhena,
que regressa do seu longo cativeiro para encontrar mudado tudo o que pensava
conhecer.
Apesar das similaridades referidas, a canção começa de forma
distinta da da história de D. João. A este último nunca disseram «põe-te em
guarda», o que talvez explique o seu procedimento ao partir para uma guerra
perdida ao lado de um rei tresloucado. O fidalgo lançou, efetivamente, «mãos à
aventura», sendo capturado em Alcácer-Quibir. Após duas longas décadas de
cativeiro, consegue regressar, palmilhando «ruas à fome» de forma a
reencontrar-se com Madalena.
No entanto, as maiores parecenças estão patentes na atitude
tomada pelo agora Romeiro, aquando da descoberta do novo relacionamento da
mulher. Enquanto que «O coração que o conte quantas vezes já bateu, para nada»
é talvez a frase que melhor descreve este personagem, tendo em conta os vinte
anos que o seu coração passou a bater por uma mulher que nunca o amou («Um
homem que muito bem lhe quis… aqui está vivo… por seu mal»), a conduta de D.
João ao regressar à terra de seu nome foi mesquinha, pois, tendo tomado
conhecimento da família que Madalena havia construído sem ele, tomou como
primeira iniciativa destruí-la. Ao regressar à antiga casa, encontra-se com
Madalena e, cumprido o seu objetivo, apercebe-se da vanidade da efémera “glória” que este ato lhe concedeu.
Inutilmente, esforça-se por revogar o dano que provocou, ordenando a Telmo que
minta sobre o ocorrido («Vai dizer-lhes que o peregrino era um impostor, que
desapareceu (...); que tudo isto foi vil e grosseiro embuste de inimigos de
(...) esse homem que ela ama»). A comparação com a balada é aqui mais
pertinente que nunca, pois Rita, após as atribulações de uma vida passada em
viagem, em que realizou sonhos e sofreu horrores, termina a canção com a
perceção de que tudo o que fez, desde que iniciou a jornada, de nada valeu
(«depois do primeiro assombro, logo o corpo fica farto»). Tudo o que D. João
almejou concretizar desde que foi aprisionado foi reaver a vida que tinha,
esperança que se revelou vã quando descobriu as novas sobre a sua mulher. Mesmo
o novo objetivo auto-imposto de arruinar o que esta construíra na sua ausência
colapsou sob a realidade de que nada que fizesse restituiria os anos que
perdera ou o amor que julgou ter.
«Põe-te em guarda» seria bom conselho para todos os
personagens desta peça, mas para nenhum tanto como para João de Portugal.
Tivesse este dispensado uma fração do tempo que passou cativo a ponderar a
possibilidade de não ser querido, ter-se-ia evitado o inconveniente da sua
visita e a tragédia que se seguiu.
Nota (da 1.ª versão): Muito Bom
Matias
“Nope your too late i already died” é uma canção do álbum Suburban Daredevil, de Jerimiah Justin Simms, também conhecido profissionalmente como
wifiskeleton. Nela, o “eu” expressa o seu arrependimento e exaustão, preso ao
passado e aos seus erros. Estas dificuldades e situações aplicam-se a
personagens de Frei Luís de Sousa,
como Madalena, mas a história envolvente da canção apresenta semelhanças com a
tragédia da mesma.
“There's this feeling I can't shake 'cause I'm too dumb / I'm
never doing the right thing so I'm so stuck” (”Há um sentimento que não consigo
me livrar, como sou muito burro / Eu nunca faço a coisa correta, por isso estou
tão preso”) revela situação semelhante à de Madalena, que vive com receio de
que D. João, primeiro marido, volte. Tem medo de que ele esteja vivo e que
regresse ("Oh, perdoa, perdoa-me, não me sai esta ideia da cabeça... que
vou achar ali a sombra despeitosa de D. João"), pois, se isso acontecer, o
seu casamento com Manuel de Sousa Coutinho será ilegítimo. Assim, deixava a
filha, Maria, em risco, posto que os filhos ilegítimos eram discriminados pela
sociedade naquela época ("Minha filha, minha filha, minha filha!...
Estou... estás... perdidas, desonradas... infames!"). Isto remete para o
receio do autor da canção, de ser atacado pelo público — “But I can't take this
paparazzi, geez / And if I say the wrong thing, they'll cut my tongue till it
bleeds” (“Mas eu não aguento os paparazzis / E se eu disser algo de errado,
eles cortam a minha língua até sangrar”) —. Assim, Madalena debate-se sobre a
escolha que fez e os seus efeitos.
Por outro lado, o nome da canção pode ser visto como uma
premonição, algo presente ao longo de Frei
Luís de Sousa com os indícios trágicos , pois Jerimiah morreu no dia cinco
de maio de 2025. O nome da música “Nope your too late i already died” dá a
entender que o cantor ou autor morreu. Isto pode ser interpretado como um
pedido de ajuda, ou uma premonição. Tal como as premonições presentes na peça,
a principal sendo o regresso de D. João. O regresso é indicado de várias
formas, uma delas a presença do sebastianismo ao longo peça, o receio de
Madalena, a mudança de cenário para o palácio de D. João, ou o quadro dele
arder junto com o palácio.
Contudo, esta canção também se associa a D. João, com a letra
introdutória —”I'm not tryna ruin your fun / You're just a little bit late”
(“Eu não estou a tentar acabar com a tua diversão / Só estás um pouco
atrasado”), remetendo para o desaparecimento de D. João, que regressa como
Romeiro, descobre que a mulher dele casou-se com outro homem, sem saber se ele
estava realmente morto. Decidiu vingar-se, enraivecido, pois perdera tudo ("Tiraram-me
tudo. E têm um filho eles?... Eu não…"); porém, mudando de ideias tarde
demais, já havia revelado a verdade. Assim chegou atrasado ao julgamento e a
Portugal.
Nota (da 1.ª versão): Bom
Neves
A canção “Someone Like You”, de Adele, foca-se no ponto de
vista do sujeito lírico, que reencontra o seu antigo amor, que já seguiu em
frente com outra pessoa. Apesar da dor, o sujeito tenta aceitar a situação e
desejar o melhor ao seu ex-parceiro. Na canção há um tom de nostalgia, com a
ideia de que talvez um dia encontre “someone like you” [alguém como tu], mas
que nunca será igual.
Na obra Frei Luís de
Sousa, D. João de Portugal também perdeu o seu lugar ao regressar demasiado
tarde. Estava casado com D. Madalena de Vilhena. Ao ser declarado morto na
Batalha de Alcácer-Quibir, e depois de sete anos, Madalena recasa-se com Manuel
de Sousa Coutinho, com quem tem uma filha,Maria de Noronha. Ao voltar vinte e
um anos depois, D. João de Portugal, descobre que o mundo continuou sem ele.
Tal como na canção, D. João de Portugal “ouvi[u] que [ela] já
se estabeleceu, que encontrou [alguém] e que agora está casada” [“heard that
you're settled down | That you found a girl and you're married now”], e por
isso foi encontrar-se com Madalena (“Venho ver se ainda acho neste mundo um
bocado do meu coração; venho ver se aquela que foi minha mulher ainda reza por
alma do pobre cativo de Alcácer; venho ver minha filha — que nunca vi...”, Ato
III, Frei Luís de Sousa).
D. João de Portugal disfarça-se de Romeiro, para voltar
anonimamente, sem causar alarme ou escândalo, pois queria informar-se
discretamente sobre o destino da mulher e da sua casa (“Disfarcei-me; perguntei
por minha casa... por minha mulher... — Disseram-me que Dona Madalena de
Vilhena, viúva do nobre D. João de Portugal, cavaleiro de Malta, morto na
batalha de Alcácer-Quibir, estava casada em segundas núpcias com Manuel de
Sousa Coutinho.”, Ato III, Frei Luís de
Sousa). Também na canção o “eu” “não
consegue ficar longe” do seu antigo amor, e procura por ele [I hate to turn up
out of the blue, uninvited | But I couldn't stay away, I couldn't fight it”].
D. João esperava que Madalena o reconhecesse quando a viu novamente, tendo até
sonhado com o reencontro, na esperança de que ela o reconhecesse de imediato,
mas este acabou desiludido, pois tal não aconteceu (“Não me conheceste! E,
todavia, tanto esperei por este momento… Tanto sonhei com esse olhar que me
havia de abrir os braços! Mas… vinte anos… e eu tão mudado… e tu… tu também!
Que importa?”, Ato III). Em ligação com a canção, o sujeito lírico também tem
esperança de ser reconhecido pelo seu antigo amor, mas acaba, também,
desiludido (“Eu esperava que visses a minha cara | E que, pelo menos, isso te
lembrasse de mim, mas acabou” [I had hoped you'd see my face | And that you'd
be reminded that for me, it isn't over]).
Assim, percebemos que tanto em “Someone Like You” ,de Adele, como em Frei Luís de Sousa é explorado o sentimento de perda e saudade e a
impossibilidade de regressar ao passado.
Nota (da 1.ª versão): Bom (+)
Gonçalo S.
A canção “Pica do 7”, de António Zambujo e produzida por João
Monge, fala de um amor inesperado e forte sentido por uma mulher jovem, que
pode ser comparada com várias situações presentes na obra de Almeida Garrett, Frei Luís de Sousa. A canção, pode ser
interpretada como contendo uma mensagem mais profunda na letra, assemelha-se
aos sentimentos de D.João e D. Madalena.
“Eu bem que não queria / Mas um certo dia, vi-o passar” mostra
a surpresa e a falta de vontade que o eu da canção sentiu no momento em que viu
o “pica do 7” passar, um sentimento bastante parecido com o de Madalena ao
conhecer Manuel de Sousa Coutinho. Madalena como qualquer mulher da suposta
morte do marido, estava triste e sequer pensava em relações próximas, mas como
não se quis deixar levar pela morte do marido para se privar de aceitar outro
homem, que se apaixonara antes da batalha “Eu não podia deixar de amar Manuel.
Foi o destino, foi Deus, foi a vida”
O peso da letra da música “Quando o sete me apanha / Até acho
que a senha me salta da mão” exprime
esta variedade de emoções, que, além de sentida pela jovem da canção é
sentida por Madalena quando, mais à frente, descobre que o primeiro marido está
vivo, ao ser surpreendida por vê-lo em carne e osso à sua frente. Esta situação
causa um grande desgosto por perceber que todos estes anos estivera a
divertir-se sem ele enquanto o mesmo sofria sozinho. Esta instabilidade
emocional acabou por começar o decaimento de um casamento que antes era
comparado com uma dádiva dada por deus.
Também podemos comparar a canção com a parte que para mim foi
a mais inesperada de Frei Luís de Sousa
mesmo comparado com todos os livros que já li. “Ninguém acredita no estado em
que fica o meu coração” é uma frase muito possivel de ser dita por Maria
momentos antes de morrer nos braços da sua mãe, não só porque já estava doente
mas por não ter aguentado o choque ao saber a verdade sobre as relações
passadas da sua mãe e pela separação inesperada dos seus pais. Foge, de certa
forma, ao significado da frase quando usada na canção, mas, como citado
anteriormente, assenta perfeitamente à peça.
É engraçado e fascinante pensar como uma música que escolhi
apenas por gostar de a ouvir no dia a dia pela melodia leve acabou por se
encaixar tão bem com uma obra tão trágica como Frei Luís de Sousa. A simplicidade da música ajuda a sua
subjetividade, podendo então contrastar com a gravidade da peça de Almeida
Garrett, mas, ainda assim, conseguem tocar nos mesmos temas universais: o amor
que surge quando não devia, a repentina mudança de rumo da história.
Nota (da 1.ª versão): Bom - / Suficiente +
Gonçalo F.
A canção cantada em inglês, “Stay“, do álbum Wunderland, dos
autores portugueses Wuant (também conhecido como Blueyes) e Blunder compartilha
muitas emoções que as personagens Madalena e Telmo da peça Frei Luís de
Sousa, de Almeida Garrett. Esta canção fala da dificuldade de seguir em
frente quando perdemos alguém que realmente amamos. Este sentimento observa-se
em ambos os personagens ao longo da obra.
À medida que a peça decorre, podemos ver Madalena e Telmo a recordar-se
de D. João múltiplas vezes e a expressar a sua ausência. Os versos “Eu estou a
tentar seguir em frente, mas algo me impede (I’m trying to move on but
somethings holding me back) expressam exatamente a dificuldade de Telmo em ultrapassar
as suas saudades por D. João de Portugal e que sempre que este o tenta esquecer,
as suas memórias do mesmo o impedem, mostrando, assim, que, apesar de Madalena
amar bastante D. Manuel e já não sentir a sua falta, Telmo, mesmo reconhecendo o
seu novo amo como distinto em muitas áreas, lá no fundo, ainda gosta mais de
D. João.
Outro momento que relaciona ambas as obras é quando Madalena, apesar de saber que teria de ir para aquela que um dia foi a casa de
D. João, não quer mover-se para lá, com medo do “constrangimento de alma, o
terror com que eu penso de entrar naquela casa”, “Parece-me que é voltar ao
poder dele, que é tirar-me dos teus braços, que o vou encontrar ali (...) que
vou achar ali a sombra despeitosa de D. João (...) que vou morrer naquela casa
funesta, que não estou ali três dias, três horas, sem que todas as calamidades
do mundo venham sobre nós” pode ser associado aos versos ”O coração diz-me:
“Vai”” e ”A mente diz-me: “Fica”” (Heart is telling me: “Go”; Mind is telling
me: “Stay”) que representam o dilema que cai sobre Madalena ao querer afastar-se
de tudo o que a possa lembrar da sua “vida passada”. Adicionalmente, os versos
da canção “Eu dei-te a minha alma e tu só a deitaste a para fora” e “Não
consigo perdoar os meus pecados, o cérbero está a ficar insano” (Gave you my
soul, and you just threw it away) e (Can’t forgive my sins, brain is going
insane), representam bastante bem o facto de Madalena apesar de esperar vinte e
um anos pelo retorno de D. João da Batalha de Alcácer-Quibir, ainda assim sente
que está a “trair” o seu primeiro marido ao se ter casado com D. Manuel,
pensamento que a assombra ao longo da peça.
Em resumo, podemos dizer que ambas as obras refletem o mesmo
sentimento, que é o de perder alguém que amávamos, mas não o conseguirmos ultrapassar.
Nota (da 1.ª versão): Suficiente +
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