Aula 13R-13
Aula 13R-13 (=
Aula 94R-94 do 12.º 1.ª) (7/out [3.ª]) Já lhes
disse isto o ano passado, numa das aulas de quando estávamos em casa. Repito-o,
mas agora escrevo já na tabela, em letra queque, o que o ano passado lhes
pedia.
Em O amor acontece (Love
actually) há um passo que me lembra o texto mais conhecido da Crónica de D. João I, «Do alvoroço que
foi na cidade cuidando que matavom o Meestre, e como aló foi Alvoro Paaez e
muitas gentes com ele» (pp. 83-85 do manual do 10.º ano), com o povo de Lisboa
a ser conduzido aos paços da rainha (restaurante), por ação de um pajem (Sofia)
estimulado por Álvaro Pais (Barros), para defender o Mestre (Aurélia), que,
alegadamente, o Conde Andeiro (Jamie) queria matar (comprar), acabando afinal
por se festejar o triunfo do Mestre (Aurélia), que, afinal, matara o Andeiro
(casa com Jamie) e sai até junto das massas (clientes do restaurante,
portugueses), que aplaudem deliciadas.
Nesse trecho do filme, as personagens secundárias (ou mesmo
figurantes) portuguesas — não incluo, portanto, Aurélia — são uma espécie de personagem coletiva, plana, ingenuamente caricaturada,
talvez um estereótipo do português aos olhos dos estrangeiros. A caracterização desta «personagem» é,
como é costume em cinema, indireta,
já que decorre sobretudo das suas atitudes, da sua linguagem.
Inscreve [já inscrevi] no quadro os adjetivos
qualificativos correspondentes à característica psicológica que os
comportamentos à direita sugerem.
portugueses são... |
comportamentos no trecho de O amor acontece |
interesseiros, oportunistas, materialistas |
Veem o casamento da filha, ou irmã, como
possibilidade de melhoria das condições materiais. |
informais, espontâneos |
Barros vem abrir a porta em camisola interior;
não hesita em confiar em desconhecido; chama a filha de imediato. |
grosseiros, rudes, vulgares |
Barros diz a Sofia que até pagava para se
desenvencilhar dela. |
indelicados, descorteses |
Sofia trata o pai por «estúpido». |
prestáveis, diligentes |
Pai e filha tentam resolver o pedido do
estrangeiro. |
desbragados, desbocados |
Pai e filha vão pelas ruas a contar a todos o
que se está passar. |
exagerados, levianos |
«O meu pai vai vender a Aurélia como escrava!». |
egoístas, apegados, insensatos |
«É a minha melhor empregada. Não se pode
casar!». |
indiscretos, inconvenientes, intrometidos,
curiosos |
Assistem, sem desviar olhar, à declaração de
amor; [na rua, não se coibiram de engrossar o pelotão em demanda de Aurélia.] |
ambiciosos, irrealistas |
Diz Sofia: «casa-te mas é com o príncipe
William». |
boçais, simples |
Não percebem as mais elementares palavras
inglesas (por isso ficam calados durante o assentimento de Aurélia). |
comunicativos, sociáveis |
Barros e Sofia beijam genro e cunhado. |
românticos, generosos |
Todo o restaurante fica
eufórico com o sucesso da declaração de amor. |
Também em Fernão Lopes a caracterização da personagem coletiva
‘povo (de Lisboa)’ é sobretudo indireta. Em vez de adjetivos, tenta nome
(ou grupo
nominal) que corresponda à característica de comportamento
subjacente. Pus alguns, mas acrescenta.
povo mostra... |
passos em «Do alvoroço [...]», Crónica de D. João I |
subordinação a desígnios de outrem; cumprimento
submisso de ordens mesmo que irrazoáveis; sociabilidade; ... |
O Page do Meestre, [...]
como lhe disserom que fosse pela vila segundo já era percebido [combinado], começou d’ir rijamente a
galope [...] braadando pela rua: // — Matom o Meestre! [...] // As gentes que
esto ouviam, saíam aa rua veer que
cousa era; e, começando de falar uns com os outros, alvoroçavom-se nas
voontades, e começavom de tomar armas cada um como melhor e mais asinha
podia. |
disponibilidade para
adotar pontos vista que se presumem maioritários; ... |
[...] e assi como viuva que rei nom tiinha, e como se
lhe este ficara em logo de marido, se moverom todos com mão armada, correndo
a pressa pera u deziam que se esto fazia, por lhe darem vida e escusar
morte. |
obstinação; ... |
A gente começou de se
juntar a ele, e era tanta que era estranha cousa de veer. Nom cabiam pelas
ruas principaes, e atrevessavom logares escusos desejando cada um de seer o primeiro; |
leviandade; ... |
e
preguntando uns aos outros quen matava o Meestre, nom minguava quem responder que o matava o Conde Joam Fernandez,
per mandado da Rainha. |
índole vingativa; ... |
E per voontade de Deos todos feitos dum coraçom com talente de o vingar, como forom aas portas do Paaço que eram já çarradas, ante
que chegassem, [...] com espantosas palavras começarom de dizer: // — U matom
o Meestre? que é do Meestre? Quem çarrou estas portas? |
individualismo; indecisão; ... |
Ali eram ouvidos brados
de desvairadas maneiras. Taes i havia
que certeficavom que o Meestre era morto, pois as portas estavom
çarradas, dizendo que as britassem para entrar dentro, e veeriam que era do
Meestre, ou que cousa era aquela. // Deles
braadavom por lenha, e que veesse lume pera poerem fogo aos Paaços, e queimar o treedor e a aleivosa. Outros se aficavom pedindo escaadas
pera sobir acima, pera veerem que era do Meestre; e em todo isto era o arroido
atam grande que se nom entendiam uns
com os outros, nem determinavom nenhuma cousa. |
cobardia; ... |
[...] dizendo muitos doestos contra a Rainha. |
materialismo; ... |
De cima nom minguava quem
braadar que o Meestre era vivo, e o Conde Fernandez morto; mas isto nom
queria nenhum creer, dizendo: // —
Pois se vivo é, mostrae-no-lo e vee-lo-emos. [...] |
ceticismo; ... |
[O mestre mostra-se] // E
tanta era a torvaçam deles, e assi tiinham já em creença que o Meestre eram
que taes havia i que aperfiavom que
nom era aquele; porem conhecendo-o todos claramente, houverom gram prazer
quando o virom, e deziam uüs contra os outros: //— Ó que mal fez! pois que
matou o treedor do Conde, que nom matou logo a aleivosa com ele! Creedes em
Deos, ainda lhe há de viinr algum mal
per ela. [...] O aleivosa! já nos matou um senhor, e agora nos queria
matar outro; leixae-a, ca ainda há mal
d'acabar por estas cousas que faz! |
lhaneza; ... |
— O,
senhor! como vos quiserom matar per treiçom, beento seja Deos que vos guardou
desse treedor! Viinde-vos, dae ao demo
esses Paaços, nom sejaes lá mais. // E em dizendo esto, muitos choravom
com prazer de o veer vivo. |
subserviência; candura; ... |
[Então o Mestre] cavalgou
com os seus acompanhado de todolos outros que era maravilha de veer. Os quaes
mui ledos arredor dele, braadavam
dizendo: // — Que nos mandaes
fazer, Senhor? que querees que façamos? // E el lhe respondia, aadur
podendo seer ouvido, que lho gradecia muito, mas que por estonce nom havia
deles mais mester. |
A pouco e pouco iremos
revendo as classes de palavras (adjetivo,
advérbio, nome, verbo, etc.). Calha agora a do pronome, sobretudo os Pronomes pessoais.
Como nos pronomes pessoais ainda sobrevivem
os «casos» latinos (vão apresentando formas diferentes conforme o papel
sintático que desempenhem), também nos interessa lembrar os critérios para distinguir funções
sintáticas (no nosso manual, nas pp. 10-11 do anexo, há alguma informação
sobre o assunto, mas será melhor lembrarmos nós o que já se arrumou o ano
passado).
Alguns critérios para distinguir funções sintáticas
— só das funções que
podem interessar agora —
o sujeito concorda com
o verbo. Se experimentarmos alterar o número ou pessoa do sujeito, isso
refletir-se-á no verbo que é núcleo do predicado:
Caiu a
cadeira. → Caíram as
cadeiras (Para se confirmar que «a cadeira» não é aqui
o complemento direto: → *Caiu-a.)
O complemento direto é substituível
pelo pronome «o» («a», «os», «as»):
Dei um doce ao
orangotango. = Dei-o ao orangotango.
O complemento indireto, introduzido
pela preposição «a», é substituível por «lhe»:
Dei um doce ao orangotango.
= Dei-lhe um doce.
O complemento oblíquo, e mesmo quando
usa a preposição «a» (uma das várias que o podem acompanhar), nunca é
substituível por «lhe»:
Assistiu ao Sporting-Braga.
→ *Assistiu-lhe.
(Para identificarmos um modificador
do grupo verbal, podemos fazer a pergunta «O que fez [sujeito] +
[modificador]?» e tudo soará gramatical:
A Florinda estudou gramática na
segunda-feira.
Que fez a
Florinda na segunda-feira? Estudou gramática.
Ao contrário, se se
tratar de um complemento oblíquo, o resultado é agramatical:
O Acácio foi à
Cova da Moura.
* Que fez o Acácio à Cova da
Moura? Foi.)
Encosta-te
a mim
Encosta-te
a mim,
2 Nós já vivemos cem mil anos
Encosta-te
a mim,
4 Talvez eu esteja a exagerar
Encosta-te
a mim,
Dá
cabo dos teus desenganos
7 Não queiras ver quem eu não sou,
8 Deixa-me chegar.
Chegado
da guerra,
Fiz tudo p'ra sobreviver em nome da terra,
11 No fundo p'ra te merecer
12 Recebe-me bem,
Não
desencantes os meus passos
14 Faz de mim o teu herói,
Não
quero adormecer.
16 Tudo o que eu vi,
17 Estou a partilhar contigo
O
que não vivi hei de inventar contigo
Sei que não sei às vezes entender o teu olhar
20 Mas quero-te bem, encosta-te a mim.
Encosta-te
a mim,
Desatinamos
tantas vezes
23 Vizinha de mim, deixa ser meu o teu
quintal
Recebe esta pomba que não está armadilhada
Foi comprada, foi roubada, seja como for.
26 Eu venho do nada porque arrasei
o que não quis
Em nome da estrada, onde só quero ser feliz
Enrosca-te a mim, vai desarmar a flor queimada
Vai beijar o homem-bomba, quero adormecer.
Tudo o que eu vi,
Estou a partilhar contigo o que não vivi,
Um dia hei de inventar contigo
Sei que não sei às vezes entender o teu olhar
Mas quero-te bem, encosta-te a mim.
Jorge
Palma, Voo Noturno
Na tabela estão pronomes
pessoais encontráveis em «Encosta-te a mim». Tendo o cuidado de ir verificar
o contexto em que aparecem os pronomes na letra da canção, escreve a função
sintática de cada um. (Não te limites a procurar no quadro atrás; tenta mesmo
compreender a função do pronome nas frases em causa.)
verso |
pronome |
função
sintática |
comentário
que pode ajudar na decisão quanto à função desempenhada |
1 |
te |
|
Na 3.ª pessoa seria «ele encosta-se». |
1 |
mim |
|
Era possível trocar por «encosta-te-me». |
2 |
Nós |
|
|
4 |
eu |
|
|
7 |
eu |
|
|
8 |
me |
|
O pronome da 3.ª pessoa não
seria «*deixa-lhe» mas «deixa-o». |
11 |
te |
|
Na 3.ª pessoa seria «para o merecer». |
12 |
me |
|
Na 3.ª pessoa não seria «*recebe-lhe». |
14 |
mim |
|
|
16 |
eu |
|
|
17 |
contigo |
|
|
20 |
te |
|
Há duas interpretações
possíveis: 'quero a ti bem' (= 'desejo a ti o melhor') e 'quero-te muito' (=
'desejo-te muito'). |
23 |
mim |
|
|
26 |
Eu |
sujeito |
|
#
<< Home