Wednesday, September 08, 2021

Aula 94R-94

Aula 94R-94 (= Aula 13R-13 do 12.º 3.ª) (23/fev [1.ª]; turma 3.ª em sessão na D11) Já lhes disse isto o ano passado, numa das aulas de quando estávamos em casa. Repito-o, mas agora escrevo já na tabela, em letra queque, o que o ano passado lhes pedia.

Em O amor acontece (Love actually) há um passo que me lembra o texto mais conhecido da Crónica de D. João I, «Do alvoroço que foi na cidade cuidando que matavom o Meestre, e como aló foi Alvoro Paaez e muitas gentes com ele» (pp. 83-85 do manual do 10.º ano), com o povo de Lisboa a ser conduzido aos paços da rainha (restaurante), por ação de um pajem (Sofia) estimulado por Álvaro Pais (Barros), para defender o Mestre (Aurélia), que, alegadamente, o Conde Andeiro (Jamie) queria matar (comprar), acabando afinal por se festejar o triunfo do Mestre (Aurélia), que, afinal, matara o Andeiro (casa com Jamie) e sai até junto das massas (clientes do restaurante, portugueses), que aplaudem deliciadas.

Nesse trecho do filme, as personagens secundárias (ou mesmo figurantes) portuguesas — não incluo, portanto, Aurélia — são uma espécie de personagem coletiva, plana, ingenuamente caricaturada, talvez um estereótipo do português aos olhos dos estrangeiros. A caracterização desta «personagem» é, como é costume em cinema, indireta, já que decorre sobretudo das suas atitudes, da sua linguagem.

Inscreve [já inscrevi] no quadro os adjetivos qualificativos correspondentes à característica psicológica que os comportamentos à direita sugerem.

portugueses são...

comportamentos no trecho de O amor acontece

interesseiros, oportunistas, materialistas

Veem o casamento da filha, ou irmã, como possibilidade de melhoria das condições materiais.

informais, espontâneos

Barros vem abrir a porta em camisola interior; não hesita em confiar em desconhecido; chama a filha de imediato.

grosseiros, rudes, vulgares

Barros diz a Sofia que até pagava para se desenvencilhar dela.

indelicados, descorteses

Sofia trata o pai por «estúpido».

prestáveis, diligentes

Pai e filha tentam resolver o pedido do estrangeiro.

desbragados, desbocados

Pai e filha vão pelas ruas a contar a todos o que se está passar.

exagerados, levianos

«O meu pai vai vender a Aurélia como escrava!».

egoístas, apegados, insensatos

«É a minha melhor empregada. Não se pode casar!».

indiscretos, inconvenientes, intrometidos, curiosos

Assistem, sem desviar olhar, à declaração de amor; [na rua, não se coibiram de engrossar o pelotão em demanda de Aurélia.]

ambiciosos, irrealistas

Diz Sofia: «casa-te mas é com o príncipe William».

boçais, simples

Não percebem as mais elementares palavras inglesas (por isso ficam calados durante o assentimento de Aurélia).

comunicativos, sociáveis

Barros e Sofia beijam genro e cunhado.

românticos, generosos

Todo o restaurante fica eufórico com o sucesso da declaração de amor.

Também em Fernão Lopes a caracterização da personagem coletiva ‘povo (de Lisboa)’ é sobretudo indireta. Em vez de adjetivos, tenta nome (ou grupo nominal) que corresponda à característica de comportamento subjacente. Pus alguns, mas acrescenta.

povo mostra...

passos em «Do alvoroço [...]», Crónica de D. João I

subordinação a desígnios de outrem; cumprimento submisso de ordens mesmo que irrazoáveis; sociabilidade;

...

O Page do Meestre, [...] como lhe disserom que fosse pela vila segundo já era percebido [combinado], começou d’ir rijamente a galope [...] braadando pela rua: // — Matom o Meestre! [...] // As gentes que esto ouviam, saíam aa rua veer que cousa era; e, começando de falar uns com os outros, alvoroçavom-se nas voontades, e começavom de tomar armas cada um como melhor e mais asinha podia.

disponibilidade para adotar pontos vista que se presumem maioritários; ...

[...] e assi como viuva que rei nom tiinha, e como se lhe este ficara em logo de marido, se moverom todos com mão armada, correndo a pressa pera u deziam que se esto fazia, por lhe darem vida e escusar morte.

obstinação; ...

A gente começou de se juntar a ele, e era tanta que era estranha cousa de veer. Nom cabiam pelas ruas principaes, e atrevessavom logares escusos desejando cada um de seer o primeiro;

leviandade; ...

e preguntando uns aos outros quen matava o Meestre, nom minguava quem responder que o matava o Conde Joam Fernandez, per mandado da Rainha.

índole vingativa; ...

E per voontade de Deos todos feitos dum coraçom com talente de o vingar, como forom aas portas do Paaço que eram já çarradas, ante que chegassem, [...] com espantosas palavras começarom de dizer: // — U matom o Meestre? que é do Meestre? Quem çarrou estas portas?

individualismo; indecisão; ...

 

Ali eram ouvidos brados de desvairadas maneiras. Taes i havia que certeficavom que o Meestre era morto, pois as portas estavom çarradas, dizendo que as britassem para entrar dentro, e veeriam que era do Meestre, ou que cousa era aquela. // Deles braadavom por lenha, e que veesse lume pera poerem fogo aos Paaços, e queimar o treedor e a aleivosa. Outros se aficavom pedindo escaadas pera sobir acima, pera veerem que era do Meestre; e em todo isto era o arroido atam grande que se nom entendiam uns com os outros, nem determinavom nenhuma cousa.

cobardia; ...

[...] dizendo muitos doestos contra a Rainha.

materialismo; ...

De cima nom minguava quem braadar que o Meestre era vivo, e o Conde Fernandez morto; mas isto nom queria nenhum creer, dizendo: // — Pois se vivo é, mostrae-no-lo e vee-lo-emos. [...]

ceticismo; ...

[O mestre mostra-se] // E tanta era a torvaçam deles, e assi tiinham já em creença que o Meestre eram que taes havia i que aperfiavom que nom era aquele; porem conhecendo-o todos claramente, houverom gram prazer quando o virom, e deziam uüs contra os outros: //— Ó que mal fez! pois que matou o treedor do Conde, que nom matou logo a aleivosa com ele! Creedes em Deos, ainda lhe há de viinr algum mal per ela. [...] O aleivosa! já nos matou um senhor, e agora nos queria matar outro; leixae-a, ca ainda há mal d'acabar por estas cousas que faz!

lhaneza; ...

— O, senhor! como vos quiserom matar per treiçom, beento seja Deos que vos guardou desse treedor! Viinde-vos, dae ao demo esses Paaços, nom sejaes lá mais. // E em dizendo esto, muitos choravom com prazer de o veer vivo.

subserviência; candura; ...

[Então o Mestre] cavalgou com os seus acompanhado de todolos outros que era maravilha de veer. Os quaes mui ledos arredor dele, braadavam dizendo: // — Que nos mandaes fazer, Senhor? que querees que façamos? // E el lhe respondia, aadur podendo seer ouvido, que lho gradecia muito, mas que por estonce nom havia deles mais mester.

A pouco e pouco iremos revendo as classes de palavras (adjetivo, advérbio, nome, verbo, etc.). Calha agora a do pronome, sobretudo os Pronomes pessoais.



Como nos pronomes pessoais ainda sobrevivem os «casos» latinos (vão apresentando formas diferentes conforme o papel sintático que desempenhem), também nos interessa lembrar os critérios para distinguir funções sintáticas (no nosso manual, nas pp. 10-11 do anexo, há alguma informação sobre o assunto, mas será melhor lembrarmos nós o que já se arrumou o ano passado).

Alguns critérios para distinguir funções sintáticas

— só das funções que podem interessar agora —

o sujeito concorda com o verbo. Se experimentarmos alterar o número ou pessoa do sujeito, isso refletir-se-á no verbo que é núcleo do predicado:

Caiu a cadeira. Caíram as cadeiras (Para se confirmar que «a cadeira» não é aqui o complemento direto: *Caiu-a.)

O complemento direto é substituível pelo pronome «o» («a», «os», «as»):

Dei um doce ao orangotango. = Dei-o ao orangotango.

O complemento indireto, introduzido pela preposição «a», é substituível por «lhe»:

Dei um doce ao orangotango. = Dei-lhe um doce.

O complemento oblíquo, e mesmo quando usa a preposição «a» (uma das várias que o podem acompanhar), nunca é substituível por «lhe»:

Assistiu ao Sporting-Braga. *Assistiu-lhe.

(Para identificarmos um modificador do grupo verbal, podemos fazer a pergunta «O que fez [sujeito] + [modificador]?» e tudo soará gramatical:

A Florinda estudou gramática na segunda-feira.

Que fez a Florinda na segunda-feira? Estudou gramática.

Ao contrário, se se tratar de um complemento oblíquo, o resultado é agramatical:

O Acácio foi à Cova da Moura.

* Que fez o Acácio à Cova da Moura? Foi.)

Encosta-te a mim

               Encosta-te a mim,

2             Nós já vivemos cem mil anos

               Encosta-te a mim,

4             Talvez eu esteja a exagerar

               Encosta-te a mim,

               Dá cabo dos teus desenganos

7             Não queiras ver quem eu não sou,

8             Deixa-me chegar.

               Chegado da guerra,

               Fiz tudo p'ra sobreviver em nome da terra,

11            No fundo p'ra te merecer

12           Recebe-me bem,

               Não desencantes os meus passos

14           Faz de mim o teu herói,

               Não quero adormecer.

 

16           Tudo o que eu vi,

17            Estou a partilhar contigo

               O que não vivi hei de inventar contigo

               Sei que não sei às vezes entender o teu olhar

20           Mas quero-te bem, encosta-te a mim.

 

               Encosta-te a mim,

               Desatinamos tantas vezes

23           Vizinha de mim, deixa ser meu o teu quintal

               Recebe esta pomba que não está armadilhada

               Foi comprada, foi roubada, seja como for.

26           Eu venho do nada porque arrasei o que não quis

               Em nome da estrada, onde só quero ser feliz

               Enrosca-te a mim, vai desarmar a flor queimada

               Vai beijar o homem-bomba, quero adormecer.

 

               Tudo o que eu vi,

               Estou a partilhar contigo o que não vivi,

               Um dia hei de inventar contigo

               Sei que não sei às vezes entender o teu olhar

               Mas quero-te bem, encosta-te a mim.

Jorge Palma, Voo Noturno

Na tabela estão pronomes pessoais encontráveis em «Encosta-te a mim». Tendo o cuidado de ir verificar o contexto em que aparecem os pronomes na letra da canção, escreve a função sintática de cada um. (Não te limites a procurar no quadro atrás; tenta mesmo compreender a função do pronome nas frases em causa.)

verso

pronome

função sintática

comentário que pode ajudar na decisão quanto à função desempenhada

1

te

 

Na 3.ª pessoa seria «ele encosta-se».

1

mim

 

Era possível trocar por «encosta-te-me».

2

Nós

 

 

4

eu

 

 

7

eu

 

 

8

me

 

O pronome da 3.ª pessoa não seria «*deixa-lhe» mas «deixa-o».

11

te

 

Na 3.ª pessoa seria «para o merecer».

12

me

 

Na 3.ª pessoa não seria «*recebe-lhe».

14

mim

 

 

16

eu

 

 

17

contigo

 

 

20

te

 

Há duas interpretações possíveis: 'quero a ti bem' (= 'desejo a ti o melhor') e 'quero-te muito' (= 'desejo-te muito').

23

mim

 

 

26

Eu

sujeito

 

Escreve exposição sobre «Os portugueses» (120-150 palavras). Incluirás uma alusão a portugueses em  Fernão Lopes e uma alusão a O amor acontece. A caneta

. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

 

 

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