Thursday, September 09, 2021

Aula 3R-3

Aula 3R-3 (22 [1.ª], 23/set [3.ª]) Ainda sobre «Sou um evadido», de Fernando Pessoa e métrica (cfr. Apresentação).

De verão

I

No campo; eu acho nele a musa que me anima:

A claridade, a robustez, a ação.

Esta manhã, saí com minha prima,

Em quem eu noto a mais sincera estima

E a mais completa e séria educação.

 

II

Criança encantadora! Eu mal esboço o quadro

Da lírica excursão, de intimidade.

Não pinto a velha ermida com seu adro;

Sei só desenho de compasso e esquadro,

Respiro indústria, paz, salubridade.

 
III

Andam cantando aos bois; vamos cortando as leiras;

E tu dizias: «Fumas? E as fagulhas?

Apaga o teu cachimbo junto às eiras;

Colhe-me uns brincos rubros nas ginjeiras!

Quanto me alegra a calma das debulhas!»

 
IV

E perguntavas sobre os últimos inventos

Agrícolas. Que aldeias tão lavadas!

Bons ares! Boa luz! Bons alimentos!

Olha: Os saloios vivos, corpulentos,

Como nos fazem grandes barretadas!

 

V

Voltemos! No ribeiro abundam as ramagens

Dos olivais escuros. Onde irás?

Regressam os rebanhos das pastagens;

Ondeiam milhos, nuvens e miragens,

E, silencioso, eu fico para trás.

 

VI

Numa colina brilha um lugar caiado.

Belo! E, arrimada ao cabo da sombrinha,

Com teu chapéu de palha, desabado,

Tu continuas na azinhaga; ao lado,

Verdeja, vicejante, a nossa vinha.

 

VII

Nisto, parando, como alguém que se analisa,

Sem desprender do chão teus olhos castos,

Tu começaste, harmónica, indecisa,

A arregaçar a chita, alegre e lisa,

Da tua cauda um poucochinho a rastos.

 

VIII

Espreitam-te, por cima, as frestas dos celeiros;

O sol abrasa as terras já ceifadas,

E alvejam-te, na sombra dos pinheiros,

Sobre os teus pés decentes, verdadeiros,

As saias curtas, frescas, engomadas.

 

IX

E, como quem saltasse, extravagantemente,

Um rego de água sem se enxovalhar,

Tu, a austera, a gentil, a inteligente,

Depois de bem composta, deste à frente

Uma pernada cómica, vulgar!


X

Exótica! E cheguei-me ao pé de ti. Que vejo!

No atalho enxuto, e branco das espigas

Caídas das carradas no salmejo,

Esguio e a negrejar em um cortejo,

Destaca-se um carreiro de formigas.

 

XI

Elas, em sociedade, espertas, diligentes.

Na natureza trémula de sede,

Arrastam bichos, uvas e sementes

E atulham, por instinto, previdentes,

Seus antros quase ocultos na parede.

 

XII

E eu desatei a rir como qualquer macaco!

«Tu não as esmagares contra o solo!»

E ria-me, eu ocioso, inútil, fraco,

Eu de jasmim na casa do casaco

E de óculo deitado a tiracolo!

 

XIII

«As ladras da colheita! Eu, se trouxesse agora

Um sublimado corrosivo, uns pós

De solimão, eu, sem maior demora,

Envenená-las-ia! Tu, por ora,

Preferes o romântico ao feroz.

 

XIV

Que compaixão! Julgava até que matarias

Esses insetos importunos! Basta.

Merecem-te espantosas simpatias?

Eu felicito suas senhorias,

Que honraste com um pulo de ginasta!»

 

XV

E enfim calei-me. Os teus cabelos muito loiros

Luziam, com doçura, honestamente;

De longe o trigo em monte, e os calcadoiros,

Lembravam-me fusões de imensos oiros,

E o mar um prado verde e florescente.

 

XVI

Vibravam, na campina, as chocas da manada;

Vinham uns carros a gemer no outeiro,

E finalmente, enérgica, zangada,

Tu, inda assim bastante envergonhada,

Volveste-me, apontando o formigueiro:

 

XVII

«Não me incomode, não, com ditos detestáveis!

Não seja simplesmente um zombador!

Estas mineiras negras, incansáveis,

São mais economistas, mais notáveis,

E mais trabalhadoras que o senhor!»

Cesário Verde, O Livro de Cesário Verde, 1887

 


Para as estrofes de «De verão», de Cesário Verde, dar-te-ei hipóteses de títulos, frases alusivas, meras observações a aspetos de ordem estilística. Escolhe a melhor dessas quatro opções (relativas a cada uma das quintilhas I a XVII):

I

a) A minha prima inspira-me!

b) A musa da poesia inspira-me!

c) Gosto da irreverência da priminha.

d) A luz do campo inspira-me!

 

II

a) Prefere a cidade, industrial, ao campo, envelhecido.

b) Detestável prima!

c) Não conseguirá dar notícia de tudo o que se passou.

d) O poeta está doente.

 

III

a) Que seca!

b) É perigoso fumar junto às eiras.

c) A observação do trabalho dos outros é já por si cansativa.

d) Está-se bem no campo!

 

IV

a) Rudes mas delicados, os saloios.

b) A agricultura está demasiado industrializada.

c) No campo, todos são muito lavados.

d) Os saloios são uns mentirosos.

 

V

a) A prima é demasiado rápida; não a acompanho.

b) A prima entra por um olival.

c) Pôs-se frio.

d) Decide-se o regresso. Estou pensativo.

 

VI

a) Tudo isto me enoja!

b) O poeta (e a prima) são donos de uma vinha.

c) Vá lá, despacha-te!

d) «Verdeja, vicejante, a nossa vinha» contém uma aliteração.

 

VII

a) O poeta entrevê o rabo da prima.

b) A iguana comprada pela prima rasteja.

c) Um instantâneo: a prima ergue um pouco a saia.

d) Afinal, a prima é uma sereia.

 

VIII

a) Vê-se a roupa interior da prima.

b) Há fogo na seara.

c) As mulheres, ao longe, usam saias curtas, brancas, engomadas.

d) Uma minissaia (que desconcentra o poeta).

 

IX

a) És muito séria, pois, mas dás as tuas pernadas, não é?!

b) Uma pernada cósmica!

c) Um momento ordinário.

d) Uma polaroid: a prima a alongar a perna.

 

X

a) As espigas caíram.

b) Salmões.

c) Sem a prima notar, o poeta aproxima-se.

d) Olhando o chão, um pormenor.

 

XI

a) As pessoas da aldeia atulham as casas de animais e sementes.

b) Como são repelentes os bichos!

c) Para uma sociologia das formigas.

d) A sociedade na aldeia.

 

XII

a) O poeta ofereceu um jasmim à prima.

b) O poeta estava deitado.

c) O poeta usava óculos.

d) O poeta usava uma flor.

 

XIII

a) «As ladras da colheita» são as formigas.

b) «As ladras da colheita» são as aldeãs pobres.

c) «As ladras da colheita» são as raparigas que sejam como a prima.

d) «As ladras da colheita» são as aves.

 

XIV

a) A prima tivera o cuidado de não esmagar as formigas.

b) «Suas senhorias» são as espigas.

c) A prima não teve compaixão com os pobres insetos.

d) O poeta deu um pulo de ginasta.

 

XV

a) Aspetos cromáticos.

b) Amuei.

c) Ao longe, o mar.

d) O poeta avistou uma serra, onde havia trigo.

 

XVI

a) Envergonhada por ter calcado as formigas.

b) Genuinamente zangada.

c) Futilidades.

d) Cocó.

 

XVII

a) A prima acha que aquele senhor é realmente preguiçoso.

b) A prima enfurece-se com a falta de compaixão pelos animais revelada pelo poeta.

c) A prima detesta insetos.

d) A prima replica à ironia do poeta também na brincadeira.

A prova do exame nacional de 2021, 2.ª fase (pode ver-se aqui), trazia um item sobre Cesário Verde. Era o item 7 do grupo I (parte C), que é sempre uma pergunta para «expor matéria» (sem apoio em texto dado). Reproduzo:

7. Tal como no excerto do conto que acabou de ler o narrador repara na figura do «padeiro» que distribui «pão fresco», também no poema «O Sentimento dum Ocidental», de Cesário Verde, o olhar do sujeito poético se detém, frequentemente, naqueles que trabalham. Escreva uma breve exposição sobre a «Dor humana» sentida por aqueles que trabalham, no poema «O Sentimento dum Ocidental». A sua exposição deve incluir: uma introdução ao tema; um desenvolvimento no qual refira de que modo duas das personagens observadas pelo sujeito poético comprovam o sofrimento daqueles que trabalham; uma conclusão adequada ao desenvolvimento do tema.

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TPC — Quando puderes, lê o capítulo ensaístico sobre «O Sentimento dum Ocidental» (de Helder Macedo, Nós —uma leitura de Cesário Verde, pp. 165-191).

 

 

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