Aula 3R-3
Aula 3R-3
(22 [1.ª], 23/set [3.ª]) Ainda sobre «Sou um evadido», de Fernando Pessoa e
métrica (cfr. Apresentação).
De verão
I
No campo; eu acho nele a musa que me anima:
A claridade, a robustez, a ação.
Esta manhã, saí com minha prima,
Em quem eu noto a mais sincera estima
E a mais completa e séria educação.
II
Criança
encantadora! Eu mal esboço o quadro
Da lírica excursão, de intimidade.
Não pinto a velha ermida com seu adro;
Sei só desenho de compasso e esquadro,
Respiro indústria, paz, salubridade.
III
Andam cantando aos bois; vamos cortando as
leiras;
E tu dizias: «Fumas? E as fagulhas?
Apaga o teu cachimbo junto às eiras;
Colhe-me uns brincos rubros nas ginjeiras!
Quanto me alegra a calma das debulhas!»
IV
E perguntavas sobre os
últimos inventos
Agrícolas. Que aldeias tão lavadas!
Bons ares! Boa luz! Bons alimentos!
Olha: Os saloios vivos, corpulentos,
Como nos fazem grandes barretadas!
V
Voltemos! No
ribeiro abundam as ramagens
Dos olivais escuros. Onde irás?
Regressam os rebanhos das pastagens;
Ondeiam milhos, nuvens e miragens,
E, silencioso, eu fico para trás.
VI
Numa colina brilha um lugar caiado.
Belo! E, arrimada ao cabo da sombrinha,
Com teu chapéu de palha, desabado,
Tu continuas na azinhaga; ao lado,
Verdeja, vicejante, a nossa vinha.
VII
Nisto, parando, como alguém que se analisa,
Sem desprender do chão teus olhos castos,
Tu começaste, harmónica, indecisa,
A arregaçar a chita, alegre e lisa,
Da tua cauda um poucochinho a rastos.
VIII
Espreitam-te, por cima, as frestas dos
celeiros;
O sol abrasa as terras já ceifadas,
E alvejam-te, na sombra dos pinheiros,
Sobre os teus pés decentes, verdadeiros,
As saias curtas, frescas, engomadas.
IX
E, como quem saltasse, extravagantemente,
Um rego de água sem se enxovalhar,
Tu, a austera, a gentil, a inteligente,
Depois de bem composta, deste à frente
Uma pernada cómica, vulgar!
X
Exótica! E cheguei-me ao pé de ti. Que
vejo!
No atalho enxuto, e branco das espigas
Caídas das carradas no salmejo,
Esguio e a negrejar em um cortejo,
Destaca-se um carreiro de formigas.
XI
Elas, em sociedade, espertas, diligentes.
Na natureza trémula de sede,
Arrastam bichos, uvas e sementes
E atulham, por instinto, previdentes,
Seus antros quase ocultos na parede.
XII
E eu desatei a rir como qualquer macaco!
«Tu não as esmagares contra o solo!»
E ria-me, eu ocioso, inútil, fraco,
Eu de jasmim na casa do casaco
E de óculo deitado a tiracolo!
XIII
«As ladras da colheita! Eu, se trouxesse
agora
Um sublimado corrosivo, uns pós
De solimão, eu, sem maior demora,
Envenená-las-ia! Tu, por ora,
Preferes o romântico ao feroz.
XIV
Que compaixão! Julgava até
que matarias
Esses insetos importunos!
Basta.
Merecem-te espantosas
simpatias?
Eu felicito suas
senhorias,
Que honraste com um pulo
de ginasta!»
XV
E enfim calei-me. Os teus cabelos muito
loiros
Luziam, com doçura, honestamente;
De longe o trigo em monte, e os
calcadoiros,
Lembravam-me fusões de imensos oiros,
E o mar um prado verde e florescente.
XVI
Vibravam, na campina, as chocas da manada;
Vinham uns carros a gemer no outeiro,
E finalmente, enérgica, zangada,
Tu, inda assim bastante envergonhada,
Volveste-me, apontando o formigueiro:
XVII
«Não me incomode, não, com ditos
detestáveis!
Não seja simplesmente um zombador!
Estas mineiras negras, incansáveis,
São mais economistas, mais notáveis,
E mais trabalhadoras que o senhor!»
Cesário Verde, O Livro de Cesário Verde, 1887
Para as estrofes de «De verão», de Cesário Verde, dar-te-ei hipóteses de títulos, frases alusivas,
meras observações a aspetos de ordem estilística. Escolhe a melhor dessas quatro
opções (relativas a cada uma das quintilhas I a XVII):
I
a) A minha prima inspira-me!
b) A musa da poesia inspira-me!
c) Gosto da irreverência da
priminha.
d) A luz do campo inspira-me!
II
a) Prefere a cidade, industrial, ao
campo, envelhecido.
b) Detestável prima!
c) Não conseguirá dar notícia de
tudo o que se passou.
d) O poeta está doente.
III
a) Que seca!
b) É perigoso fumar junto às
eiras.
c) A observação do trabalho dos
outros é já por si cansativa.
d) Está-se bem no campo!
IV
a) Rudes mas delicados, os
saloios.
b) A agricultura está demasiado
industrializada.
c) No campo, todos são muito
lavados.
d) Os saloios são uns mentirosos.
V
a) A prima é demasiado rápida;
não a acompanho.
b) A prima entra por um olival.
c) Pôs-se frio.
d) Decide-se o regresso. Estou
pensativo.
VI
a) Tudo isto me enoja!
b) O poeta (e a prima) são donos
de uma vinha.
c) Vá lá, despacha-te!
d) «Verdeja, vicejante, a nossa
vinha» contém uma aliteração.
VII
a) O poeta entrevê o rabo da
prima.
b) A iguana comprada pela prima
rasteja.
c) Um instantâneo: a prima ergue
um pouco a saia.
d) Afinal, a prima é uma sereia.
VIII
a) Vê-se a roupa interior da
prima.
b) Há fogo na seara.
c) As mulheres, ao longe, usam
saias curtas, brancas, engomadas.
d) Uma minissaia (que desconcentra
o poeta).
IX
a) És muito séria, pois, mas dás as
tuas pernadas, não é?!
b) Uma pernada cósmica!
c) Um momento ordinário.
d) Uma polaroid: a prima a
alongar a perna.
X
a) As espigas caíram.
b) Salmões.
c) Sem a prima notar, o poeta
aproxima-se.
d) Olhando o chão, um pormenor.
XI
a) As pessoas da aldeia atulham
as casas de animais e sementes.
b) Como são repelentes os bichos!
c) Para uma sociologia das
formigas.
d) A sociedade na aldeia.
XII
a) O poeta ofereceu um jasmim à
prima.
b) O poeta estava deitado.
c) O poeta usava óculos.
d) O poeta usava uma flor.
XIII
a) «As ladras da colheita» são as
formigas.
b) «As ladras da colheita» são as
aldeãs pobres.
c) «As ladras da colheita» são as
raparigas que sejam como a prima.
d) «As ladras da colheita» são as
aves.
XIV
a) A prima tivera o cuidado de
não esmagar as formigas.
b) «Suas senhorias» são as
espigas.
c) A prima não teve compaixão com
os pobres insetos.
d) O poeta deu um pulo de
ginasta.
XV
a) Aspetos cromáticos.
b) Amuei.
c) Ao longe, o mar.
d) O poeta avistou uma serra,
onde havia trigo.
XVI
a) Envergonhada por ter calcado
as formigas.
b) Genuinamente zangada.
c) Futilidades.
d) Cocó.
XVII
a) A prima acha que aquele senhor
é realmente preguiçoso.
b) A prima enfurece-se com a
falta de compaixão pelos animais revelada pelo poeta.
c) A prima detesta insetos.
d) A prima replica à ironia do
poeta também na brincadeira.
A prova do exame
nacional de 2021, 2.ª fase (pode ver-se aqui), trazia um item sobre Cesário
Verde. Era o item 7 do grupo I (parte C), que é sempre uma pergunta para «expor
matéria» (sem apoio em texto dado). Reproduzo:
7.
Tal como no excerto do conto que acabou de ler o narrador repara na figura do
«padeiro» que distribui «pão fresco», também no poema «O Sentimento dum
Ocidental», de Cesário Verde, o olhar do sujeito poético se detém, frequentemente,
naqueles que trabalham. Escreva uma breve exposição sobre a «Dor humana»
sentida por aqueles que trabalham, no poema «O Sentimento dum Ocidental». A sua
exposição deve incluir: uma introdução
ao tema; um desenvolvimento no qual refira de que modo duas das personagens
observadas pelo sujeito poético comprovam o sofrimento daqueles que trabalham; uma conclusão
adequada ao desenvolvimento do tema.
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
TPC — Quando puderes, lê o capítulo ensaístico sobre «O Sentimento dum Ocidental» (de Helder Macedo, Nós —uma leitura de
Cesário Verde, pp. 165-191).
#
0 Comments:
Post a Comment
<< Home