Aula 23R-23
Aula 23R-23
(19 [1.ª], 21/out [3.ª])
O que há em mim é sobretudo
cansaço —
Não disto nem daquilo,
Nem sequer de tudo ou de nada:
Cansaço assim mesmo, ele mesmo,
Cansaço.
A subtileza das sensações inúteis,
As paixões violentas por coisa nenhuma,
Os amores intensos por o suposto em alguém,
Essas coisas todas —
Essas e o que falta nelas eternamente —;
Tudo isso faz um cansaço,
Este cansaço,
Cansaço.
Há sem dúvida quem ame o infinito,
Há sem dúvida quem deseje o impossível,
Há sem dúvida quem não queira nada —
Três tipos de idealistas, e eu nenhum deles:
Porque eu amo infinitamente o finito,
Porque eu desejo impossivelmente o possível,
Porque quero tudo, ou um pouco mais, se puder ser,
Ou até se não puder ser...
E o resultado?
Para eles a vida vivida ou sonhada,
Para eles o sonho sonhado ou vivido,
Para eles a média entre tudo e nada, isto é, a
vida...
Para mim só um grande, um profundo,
E, ah com que felicidade infecundo, cansaço,
Um supremíssimo cansaço,
Íssimo, íssimo, íssimo,
Cansaço...
Fernando Pessoa, Poesia dos
Outros Eus, Lisboa, Assírio & Alvim, 2010.
Lê o poema «O que há em mim é sobretudo cansaço»,
de Álvaro
de Campos. Segue-se uma sua análise, que deves completar apenas com
transcrições do texto.
Percebe-se pela quintilha inicial que o cansaço
que domina o sujeito poético não tem uma origem definida nem um motivo concreto
(assim se reconhece no segundo e terceiros versos, bipartidos: «________»). No
final da estrofe, explicita-se mesmo o caráter, quase caprichoso, deste cansaço
permanente e, decerto, essencialmente psíquico: «________» (vv. 4-5).
Na segunda estrofe, o poeta começa uma
diferenciação relativamente aos outros, que prosseguirá até ao fim do poema.
Nos três versos que iniciam a oitava, apresentam-se as sensações, as paixões,
os amores que mobilizam os outros, resumido em «_______» (vv. 9-10), súmula
claramente depreciativa. Nos três versos que fecham a estrofe, a epífora
(«_______») assinala a reação do poeta ao que costuma embevecer os que não são
como ele.
Na terceira estrofe, três versos anafóricos servem
para representar a atitude com que o poeta se vai contrastar (______). Em
nenhum destes tipos de idealismo o poeta se reconhece, por razões que enuncia
em paradoxos: «_______».
A última estrofe
analisa as consequências, como logo anuncia a pergunta que a abre («__________»).
Como já acontecera antes, começa-se pelos «_______» (que ficam com «_______»,
«_______», «_______» — notem-se o quiasmo, o paralelismo, a antítese, todos tão
pessoanos).
Os cinco últimos versos
são muito expressivos. O verso que introduz esta parte sobre o poeta fecha a
anáfora que vinha dos três versos anteriores (com a preposição «_______») e
inicia a enumeração dos adjetivos caracterizadores do cansaço do poeta («______»,
«______», «______»), não sem pelo meio se inserir uma expressão interjetiva
(«______»). Depois, partindo
do superlativo neologístico «_______»
(«supremo» já é um superlativo relativo de superioridade, corresponde a ‘o mais
alto’), o poeta utiliza isoladamente o sufixo «______», indicador do grau, amplificando-o
através da repetição, que sugere a sua ligação ao substantivo «______». É um processo — modernista — de
desconstrução e reconstrução das palavras.
Os sketches «Carjaquim» (série Zé Carlos) e «O meu filho é uma joia de
moço» (Barbosa) servir-nos-ão para revermos os processos irregulares de formação
de palavras (cfr. p. 7 do anexo colado à capa). À esquerda, a
palavra que interessa; ao centro, a etimologia; à direita, porás o processo: extensão semântica, empréstimo, sigla, acrónimo, amálgama, truncação, onomatopeia.
palavra |
étimo |
processo de formação |
inglês carjacking |
car + hijacking |
|
carjacking |
inglês carjacking |
|
carjaquim |
carjacking + Jaquim (< Joaquim) |
|
badalhoca
(‘mulher suja’) |
badalhoca (‘bola de excremento e terra pendente
entre as pernas das ovelhas e cabras’) |
|
droga |
francês drogue |
|
mota
[ou moto] |
motorizada ou
motocicleta |
|
joia
(‘adorno de matéria preciosa’) |
francês joie (‘alegria’) |
|
joia
(‘pessoa muito estimável’) |
joia (‘adorno de matéria preciosa’) |
|
grego diabetes (‘diabetes’) |
grego diabetes (‘sifão’) |
|
Cajó |
Cá (< Carlos) + Jó (< Jorge) |
duas
______________ |
Zé |
José |
|
FPE
[pronunciado «fê-pê-é»] |
Fernando por esticão |
|
FPE
[pronunciado «fpé»] |
Fernando
por esticão |
|
Completa agora com o aspeto.
Podes ver na p. 67, mas já deves saber usar estes termos: genérico; perfetivo, imperfetivo; habitual; iterativo.
Frase |
Aspeto |
«Carjacking»
é uma palavra estrangeira |
|
alguns
bandidos começaram a praticar uma
variante |
imperfetivo,
[incoativo ou ingressivo] |
a
nossa reportagem acabou por voltar
(porque estava frio) |
perfetivo,
[cessativo ou conclusivo] |
aquilo
que faço é uma espécie de
carjacking |
|
foi uma experiência muito
traumática |
|
a
malta pergunta-me constantemente:
«tu não ...» |
|
andas metido nos diabetes |
|
morreu atropelado por uma mota |
|
estou a conversar com este gafanhoto gigante chamado Zé António |
|
Podendo
socorrer-te dos valores modais (modalidade)
apontados na p. 69, preenche a coluna à direita (de qualquer modo, os termos a
usar serão:
epistémica (valor de
certeza);
epistémica (valor de
probabilidade);
deôntica (valor de
obrigação);
deôntica (valor de
permissão);
apreciativa.
Frase de Último a sair, passo de traição de
Débora |
Modalidade (valor de ...) |
Pões-me
creme? [Débora para Bruno] |
deôntica
(valor de obrigação) |
Podes
pôr-me creme, faz favor. [Débora para Bruno] |
|
Posso.
[Bruno para Débora] |
|
Então
não posso. [Bruno para Débora] |
|
As
tuas mão são uma coisa, Bruno! [Débora
para Bruno] |
|
São
super-fortes! [Débora para Bruno] |
|
Eu
até me estou a sentir mal. [Bruno para Débora] |
|
O
Unas é que devia estar a fazer
isto... [Bruno] |
|
Não
te preocupes. [Débora para Bruno] |
|
O
quintal ainda não é aí. [Débora para Bruno] |
|
E
o vizinho não tem de saber de
nada. [Débora para Bruno] |
|
Se
calhar, posso espalhar por mais
sítios? [Bruno para Débora] |
|
Claro.
[Débora para Bruno] |
|
É
isso. [Débora para Bruno] |
|
Está
ótimo! [Débora para Bruno] |
|
Tens
uma melga aqui. [Unas para Débora] |
|
Posso matá-la? [Unas para
Débora] |
|
Granda
melga! Bem! [Bruno para Unas] |
|
[...]
quando podes ter o original [Bruno
para Débora] |
|
Se calhar, até quero o original.
[Débora para Bruno] |
|
Tipo duas melgas que voavam mais ou menos assim. [Bruno] |
|
Unas,
isso é aquela conversa que não interessa a ninguém. [Débora] |
|
Grupo I — A
Leia
o poema. Se necessário, consulte o glossário apresentado a seguir ao texto.
Na casa defronte de mim e
dos meus sonhos,
Que felicidade há sempre!
Moram ali pessoas que
desconheço, que já vi mas não vi.
São felizes, porque não são
eu.
As crianças, que brincam às
sacadas altas,
Vivem entre vasos de
flores,
Sem dúvida, eternamente.
As vozes, que sobem do
interior do doméstico,
Cantam sempre, sem dúvida.
Sim, devem cantar.
Quando há festa cá fora, há
festa lá dentro.
Assim tem que ser onde tudo
se ajusta -
O homem à Natureza, porque
a cidade é Natureza.
Que grande felicidade não
ser eu!
Mas os outros não sentirão
assim também?
Quais outros? Não há
outros.
O que os outros sentem é
uma casa com a janela fechada,
Ou, quando se abre,
É para as crianças
brincarem na varanda de grades,
Entre os vasos de flores
que nunca vi quais eram.
Os outros nunca sentem.
Quem sente somos nós,
Sim, todos nós,
Até eu, que neste momento
já não estou sentindo nada.
Nada? Não sei...
Um nada que dói...
Álvaro de Campos, Poesia, edição de Teresa Rita
Lopes, Lisboa, Assírio & Alvim, 2002
GLOSSÁRIO | sacadas (verso 5) — varandas pequenas.
Apresente,
de forma clara e bem estruturada, as suas respostas aos itens que se seguem.
1. As sensações do
sujeito poético são determinantes para a construção de uma certa ideia de
quotidiano feliz. Identifique duas sensações representadas nas quatro primeiras
estrofes, citando elementos do texto para fundamentar a sua resposta.
2. Caracterize o tempo da
infância tal como é apresentado na terceira estrofe do poema.
3. Explique a relação que o sujeito poético
estabelece com os «outros» nas seis primeiras estrofes do poema, fundamentando
a sua resposta em referências textuais pertinentes.
4. Relacione o conteúdo da última estrofe com as reflexões
apresentadas nas duas estrofes anteriores.
1. . . . . . . . . . . . .
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2. . . . . . . . . . . . .
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3. . . . . . . . . . . . .
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4. A dor e o vazio expressos na última estrofe, particularmente no verso «Um
nada que dói...» (v. 26), decorrem das reflexões desenvolvidas nas duas
estrofes anteriores. O sujeito poético questiona-se
quanto aos «outros» e
aos seus sentimentos (v. 15), concluindo que, por um lado, cada outro é um eu (v. 16) e que só é possível sentir enquanto «eu» ou «nós»
(vv. 21-24); por outro lado, não se pode saber o que «os outros» sentem (vv.
17-20), uma vez que existe uma incomunicabilidade essencial entre os seres humanos,
de que resulta a consciência separada de cada eu.
Soluções possíveis:
1. Nas quatro primeiras
estrofes do poema, encontram-se representadas sensações visuais e auditivas,
como se comprova através dos elementos seguintes: «que já vi mas não vi» (v. 3)
— sensação visual; «As crianças, que brincam às sacadas altas, / Vivem entre
vasos de flores» vv. 5-6) — sensação visual; «As vozes, que sobem do interior
do doméstico. / Cantam sempre» (vv. 8-9) — sensação auditiva.
2. Na terceira estrofe do
poema, o tempo da infância é caracterizado por um ambiente de despreocupação
feliz, sugerido pelo ato de brincar («As crianças, que brincam às sacadas
altas, / Vivem entre vasos de flores» — vv. 5-6), e pela não consciência da
passagem do tempo («Sem dúvida, eternamente.» — v. 7).
3. Nas seis primeiras
estrofes do poema, a relação que o sujeito poético estabelece com «os outros» é
marcada pela diferença, dado que estes são felizes, como se deduz dos elementos
referidos no texto: alegria aparente (v. 2 e v. 4), brincadeira (v. 5), flores
(v. 6), canto (vv. 8 a 10), festa (v. 11). O sujeito poético considera-se à parte e diferente dos «outros»: «São felizes, porque não são
eu.» (v. 4), «Que grande felicidade não ser eu!» (v. 14).
[4. A dor e o vazio expressos na última estrofe,
particularmente no verso «Um nada que dói...» (v. 26), decorrem das reflexões
desenvolvidas nas duas estrofes anteriores. O sujeito poético questiona-se quanto aos «outros» e aos seus sentimentos (v. 15), concluindo
que, por um lado, cada outro é um eu (v. 16) e que só é possível sentir enquanto «eu» ou «nós» vv.
21-24); por outro lado, não se pode saber o que «os outros» sentem vv. 17-20),
uma vez que existe uma incomunicabilidade essencial entre os seres humanos, de
que resulta a consciência separada de cada eu.]
TPC — Vê a solução da ficha 16 do Caderno de atividades (sobre ‘Processos irregulares de formação de
palavras’) que porei em Gaveta de Nuvens.
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