Thursday, September 09, 2021

Aula 11-12

Aula 11-12 (6/out [1.ª, 3.ª]) Correção de questionário de compreensão de carta sobre génese dos heterónimos (cfr. Apresentação).

O texto informativo que se segue apresenta a obra de Álvaro de Campos. Atendendo às relações indicadas entre parênteses, completa-o com os conectores apropriados, de entre os transcritos abaixo:

| mas sobretudo | depois da | e | não só | portanto | realmente | ao mesmo tempo | por isso | igualmente | mas | ou | em vez da |

Álvaro de Campos goza de um estatuto especial entre os heterónimos, ____ (enumeração) por ser aquele que tem um perfil biográfico mais completo, ____ (enumeração), porque Pessoa fez dele um poeta atual, modernista e vanguardista [...].

Na época em que foi criado, em conjunto com os outros heterónimos, a função de Campos estava, _____ (conclusão), circunscrita a um vanguardismo europeísta _____ (oposição) _____ (tempo) nacional, aproximando-se do Futurismo no que respeita ao culto das tecnologias _____ (adição) da ciência moderna [...].

Foi ______ (confirmação) a este heterónimo que Pessoa atribuiu a autoria de dois incisivos textos programáticos do Modernismo: o «Ultimatum», que foi publicado em 1917 na revista Portugal Futurista [...]; os «Apontamentos para uma estética não aristotélica», que viram a luz na revista Athena (1924-1925), contêm a proposta de uma nova estética, adaptada aos tempos modernos, e, _____ (consequência), baseada na ideia de força ______ (contraste) aristotélica (10) ______ (alternativa) helénica ideia de beleza.

[...] «Opiário» representa a época pré-modernista de Pessoa. Ficticiamente anterior às grandes odes sensacionistas, foi ______ (certeza) composto vários meses ______ (sequencialização temporal) «Ode Triunfal».

[tarefa tirada do manual Expressões, 12.º ano, Porto Editora, com texto de António Apolinário Lourenço]

A «Ode triunfal», de Álvaro de Campos, é muito maior do que o excerto que vemos na p. 56 do manual (vai até lá). Como as outras grandes odes futuristas-sensacionistas deste heterónimo («Ode marítima», «Saudação a Walt Whitman», «A passagem das horas»), é um poema de várias páginas, torrencial. (Como tepecê, aliás, sugiro que dês uma vista de olhos ao resto da «Ode triunfal», por aqui.) Para já, ponho os versos que se seguem, mas sem que cheguemos, sequer, a meio do poema. Incluí, mesmo no final da parte transcrita, os versos que causaram polémica há uns anos por terem sido cortados num manual (no nosso, optou-se por nem chegar lá perto; de resto, creio que a transcrição no Plural parou antes de uns outros versos considerados censuráveis).

 

Poder ao menos penetrar-me fisicamente de tudo isto,

Rasgar-me todo, abrir-me completamente, tornar-me passento

A todos os perfumes de óleos e calores e carvões

Desta flora estupenda, negra, artificial e insaciável!

 

Fraternidade com todas as dinâmicas!

Promíscua fúria de ser parte-agente

Do rodar férreo e cosmopolita

Dos comboios estrénuos,

Da faina transportadora-de-cargas dos navios,

Do giro lúbrico e lento dos guindastes,

Do tumulto disciplinado das fábricas,

E do quase-silêncio ciciante e monótono das correias de transmissão!

 

Horas europeias, produtoras, entaladas

Entre maquinismos e afazeres úteis!

Grandes cidades paradas nos cafés,

Nos cafés — oásis de inutilidades ruidosas

Onde se cristalizam e se precipitam

Os rumores e os gestos do Útil

E as rodas, e as rodas-dentadas e as chumaceiras do Progressivo!

Nova Minerva sem-alma dos cais e das gares!

Novos entusiasmos de estatura do Momento!

Quilhas de chapas de ferro sorrindo encostadas às docas,

Ou a seco, erguidas, nos planos-inclinados dos portos!

Atividade internacional, transatlântica, Canadian-Pacific!

Luzes e febris perdas de tempo nos bares, nos hotéis,

Nos Longchamps e nos Derbies e nos Ascots,

E Piccadillies e Avenues de L’Opéra que entram

Pela minh’alma dentro!

 

Hé-lá as ruas, hé-lá as praças, hé-lá-hô la foule!

Tudo o que passa, tudo o que para às montras!

Comerciantes; vários; escrocs exageradamente bem-vestidos;

Membros evidentes de clubes aristocráticos;

Esquálidas figuras dúbias; chefes de família vagamente felizes

E paternais até na corrente de oiro que atravessa o colete

De algibeira a algibeira!

Tudo o que passa, tudo o que passa e nunca passa!

Presença demasiadamente acentuada das cocotes

Banalidade interessante (e quem sabe o quê por dentro?)

Das burguesinhas, mãe e filha geralmente,

Que andam na rua com um fim qualquer;

A graça feminil e falsa dos pederastas que passam, lentos;

E toda a gente simplesmente elegante que passeia e se mostra

E afinal tem alma lá dentro!

 

(Ah, como eu desejaria ser o souteneur disto tudo!)

 

A maravilhosa beleza das corrupções políticas,

Deliciosos escândalos financeiros e diplomáticos,

Agressões políticas nas ruas,

E de vez em quando o cometa dum regicídio

Que ilumina de Prodígio e Fanfarra os céus

Usuais e lúcidos da Civilização quotidiana!

 

Notícias desmentidas dos jornais,

Artigos políticos insinceramente sinceros,

Notícias passez à-la-caisse, grandes crimes —

Duas colunas deles passando para a segunda página!

O cheiro fresco a tinta de tipografia!

Os cartazes postos há pouco, molhados!

Vients-de-paraître amarelos como uma cinta branca!

Como eu vos amo a todos, a todos, a todos,

Como eu vos amo de todas as maneiras,

Com os olhos e com os ouvidos e com o olfato

E com o tato (o que palpar-vos representa para mim!)

E com a inteligência como uma antena que fazeis vibrar!

Ah, como todos os meus sentidos têm cio de vós!

 

Adubos, debulhadoras a vapor, progressos da agricultura!

Química agrícola, e o comércio quase uma ciência!

Ó mostruários dos caixeiros-viajantes,

Dos caixeiros-viajantes, cavaleiros-andantes da Indústria,

Prolongamentos humanos das fábricas e dos calmos escritórios!

 

Ó fazendas nas montras! Ó manequins! Ó últimos figurinos!

Ó artigos inúteis que toda a gente quer comprar!

Olá grandes armazéns com várias secções!

Olá anúncios elétricos que vêm e estão e desaparecem!

Olá tudo com que hoje se constrói, com que hoje se é diferente de ontem!

Eh, cimento armado, beton de cimento, novos processos!

Progressos dos armamentos gloriosamente mortíferos!

Couraças, canhões, metralhadoras, submarinos, aeroplanos!

Amo-vos a todos, a tudo, como uma fera.

Amo-vos carnivoramente.

Pervertidamente e enroscando a minha vista

Em vós, ó coisas grandes, banais, úteis, inúteis,

Ó coisas todas modernas,

Ó minhas contemporâneas, forma atual e próxima

Do sistema imediato do Universo!

Nova Revelação metálica e dinâmica de Deus!

 

Ah, e a gente ordinária e suja, que parece sempre a mesma,

Que emprega palavrões como palavras usuais,

Cujos filhos roubam às portas das mercearias

E cujas filhas aos oito anos — e eu acho isto belo e amo-o! —

Masturbam homens de aspeto decente nos vãos de escada.

[...]

Uso um trecho de um ensaio — de Lino Moreira da Silva, sobre a linguagem da «Ode triunfal» — a que acrescentei, entre parênteses, citações que abonassem os aspetos referidos e, entre parênteses retos, por vezes, os números dos versos. Completa essa minha ampliação do original com os exemplos que encontres na parte do poema na p. 56 (pus mais exemplos, relativos aos versos que já não foram reproduzidos no manual):

A preocupação do poeta é fazer corresponder o modo de exteriorização daquilo que sente àquilo que diz que sente, isto é: o nível da expressão ao nível do conteúdo. E assim todas essas manifestações da dinâmica da vida moderna são apresentadas por ele repetitivamente, desordenadamente, em catadupa, sugerindo o movimento das máquinas e a pressa em usufruir de tudo, em ser tudo e ser de tudo, a emoção e a ansiedade que o invadem. [...]

Ao sentido de modernidade que deseja transmitir, e a que recorre para sentir tudo de todas as maneiras conferindo poeticidade a temáticas não usuais, como motores, fábricas, energia [...] —, faz o poeta corresponder um nível de expressão carregado de nomes concretos e abstratos («Inconsciente», «Matéria»), isolados ou em conjuntos («aparelhos de todas as espécies, férreos, brutos, mínimos, / Instrumentos de precisão, aparelhos de triturar, de cavar, / Engenhos, brocas, máquinas rotativas» [102-104]), fonemas substantivados («____ eterno» [5]), topónimos («Panamá, Kiel, Suez» [108]), antropónimos («____», «Virgílio», «Alexandre», «____»), estrangeirismos («souteneur»; «escrocs»; «la foule»), maiúsculas desusadas («Momento», «Horizonte», «Nova Revelação», «Inconsciente», «Matéria»), adjetivação expressiva («excesso _______ de vós» [14]), simples e múltipla («_____ ruídos ______» [10]; «flora estupenda, negra, artificial e insaciável»), polissíndetos («_______» [16]; «por estas correias de transmissão __ por estes êmbolos __ por estes volantes» [24]), metáforas («______» [25], «frutos de ferro e útil da árvore-fábrica cosmopolita» [112]), apóstrofes («_____, _____» [5]), anáforas («_______» [8-9]; «Amo-vos [...] / Amo-vos»), personificações («_______» [6]; «átomos que hão de _______» [22]), sinestesias («tenho os lábios secos […] / _______» [10-11]; «bebedeira dos metais»; «rubro ruído»), perífrases, iterações (retoma de «ó» de apóstrofes), gradações («Atirem-me para dentro das fornalhas! / Metam-me debaixo dos comboios! / Espanquem-me a bordo de navios» [63-65]), comparações («_______» [15]; «exprimir-me todo _______» [26]; «ser completo como uma _______» [27]; «ir na vida triunfante como um automóvel último-modelo» [28]; «um orçamento é tão natural como uma árvore / e um parlamento tão belo como uma borboleta»), neologismos («_______» [28]; «aeroplanos»), grande variedade de formas verbais (por todo o texto), advérbios expressivos («amo-vos carnivoramente»), gerúndios expressivos («rugindo, rangendo, ciciando, _______, ferreando» [25]), musicalidade e ritmo (por todo o texto), aliterações («dolorosa luz das grandes _________» [1]; «rodas, engrenagens, r-r-r-r-r-r eterno» [5]), interjeições («Olá», «Ah», «Eia», «Hup-lá», «Hé-lá»), rimas internas, onomatopeias («_________» [5] «Z-z-z-z-z-z-z-z-z!» [125]; «hô-ô-ô» [113]), etc...

E tudo isto surge caoticamente e esfuziantemente organizado, em verso livre branco e estrofes heteromórficas, manifestando euforia, descontrolo emocional, admiração pelo progresso e pela técnica.

Sobre a forma da ode em Álvaro de Campos (para, depois, escreveres tu uma dúzia de versos de ode, ao estilo do Campos futurista-sensacionista, acerca de uma realidade qualquer, que conheças suficientemente, que ficará aliás logo no título: «Ode a ...»):

«Definida como um poema lírico dividido em estrofes semelhantes entre si pelo número e medida dos versos [como sucede nas odes de Ricardo Reis], a ode ganha em Campos características completamente diversas. Trata-se, no seu caso, de composições em longos versos brancos, alternando com versos curtos, à maneira de Walt Whitman. São odes futuristas, destinadas a cantar (como se preceitua para este tipo de poema) a máquina e a vida moderna.»

Manuela Parreira da Silva, «Odes», Fernando Cabral Martins (coord.), Dicionário de Fernando Pessoa e do Modernismo Português, Lisboa, Caminho, 2008

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TPCConclui, melhorando-a, ode (e traz-ma em folha nova), apostando talvez mais na qualidade do que na quantidade de versos.

 

 

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